Uma Canção de Neus Artells escrita por Braunjakga


Capítulo 8
A libertadora




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I

Girona, Catalunya

7 de Agosto de 1714

 

Noite.

No topo das muralhas de Girona, no corredor das ameias, dois coronelas patrulhavam em sentidos opostos.

Estavam indo de encontro um com o outro.

Um deles era Martí Perarnau.

Um rapaz reservado e calmo, com olhos verdes, cabelos negros, tinha 25 anos e já era pai de uma menina.

O outro, Joaquim Turull, tinha idade para ser pai do primeiro. Era gordinho, bonachão e alto. Tinha 41 anos, cabeleira loira e olhos cinzas, já tinha três filhos homens e uma menina servindo os Miquelets em Barcelona.

Os dois se encontraram e bateram continência.

— Coronela Perarnau! Muralha oeste sem alterações!

— Cabo Turull! Sem alterações!

Sorriram.

Joaquim tirou uma coxinha de frango do bolso do casacão e ofereceu à Martí. O rapaz devorou com voracidade; estava morrendo de fome.

— Hey, Quim, o que você vai fazer quando a guerra acabar?

— Vou pra Barcelona ver minha filha; ela já tá doidinha pra se casar com um rapaz que ela conheceu por lá!

— Em breve eu vou saber o que é isso…

— Só daqui há 20 anos, Martí, só daqui há 20 anos!

Os dois gargalharam. Martí até deixou escapar um pedaço de frango.

De repente, o peito de Joaquim Turull Foi socado por um martelo. Ele caiu muralha abaixo num monte de caixas e feno.

— Quim!

Uma sombra vermelha como sangue apareceu diante dele.

Era alto, moreno, vestido de armadura e tinha um martelo enorme na mão direita:

— Josep? Não pode ser!! – Disse, tremendo.

O martelo de Josep atingiu com tudo Martí.

 

II

Banyoles, Catalunya

8 de agosto de 1714

 

Era manhã.

Nas margens do lago de banyoles, Neus segurava um toco de madeira com os dedos.

O toco de madeira estava inchado e cheio de água.

As mãos de Neus brilharam em verde e, no toco de madeira, começou a crescer ramos e folhas até que uma hora o toco de madeira estourou e espalhou seiva pelas mãos de Neus e elas pararam de brilhar em verde.

Um pouco da seiva espirrou em seu rosto também.

Sentiu um profundo frio na espinha quando o toco estourou.

Neus estava muito triste.

Os corpos dos soldados da sua companhia de coronelas apareceram flutuando no rio Ter horas depois que saiu da caverna.

Estavam inchados e cheios de água,

Ao menos, foram enterrados como heróis, com salvas de 21 tiros de canhão e tudo.

Foi incapaz de protegê-los, mesmo com as cartas Clow.

E também, nunca tinha matado ninguém.

Ter que cortar a cabeça de um homem de forma cruel enquanto ele falava, ver o sangue escorrendo da garganta, os ossos do pescoço serem serrados facilmente e queimar o corpo depois com a carta “fogo” foi uma coisa que nunca pensou em fazer.

Pau foi quem deu a sugestão.

“A gente tá numa guerra, mana! A gente ia ter que matar alguém uma hora ou outra! Ou a gente ou eles”

Outra notícia nada animadora que recebeu quando chegou em Banyoles foi a morte de Pere e a queda de Lleida para as tropas espanholas.

O corpo dele, curiosamente, foi enviado para Barcelona, todo coberto de sal pra resistir a viagem.

Apesar de não ter sido tão próxima de Pere durante o tempo que ele foi pra Barcelona, Pere sempre foi um bom amigo para ela e para Pau.

Vai deixa saudades nela o jeito dele calado de ser, justo ela que não conseguia segurar a língua.

— Que maldade, Pere, Você não merecia isso! pensou ela.

Pelo testemunho dos sobreviventes, os homens que tomaram Lleida eram soldados de armadura vermelha como sangue imunes a qualquer ataque de arma humana, como balas ou canhões, a mesma armadura usada por Andreu naquelas cavernas frias dos Pirineus.

— Esses caras de armadura vermelha vão ser problema; Que diabos são eles? Por que eu consigo atingir eles com as cartas Clow e o Pau nem sequer fez um arranhão com as estacas dele? Nem um tiro de bala atingiu aquela armadura… Só sei que usam magia nessa guerra… Usam magia contra nós!

Neus, com raiva, jogou o toco de madeira com tudo no lago.

As últimas palavras de Andreu estavam no fundo da sua mente:

“Uma vez da ordem, sempre da ordem… Apenas descansamos quando a missão chega no fim… Nunca descansando, sempre procurando, por quaisquer meios possíveis,

sem qualquer hesitação, chegar aos nossos fins.... Contra tudo, contra todos… Essa é a Ordem!”

— Malditos! Não vou deixar que deem mais um passo à frente! Acho que vou ver eles em Lleida antes de voltar pra Barcelona! – Esbravejou Neus para todo mundo ouvir.

Enquanto esbravejava, um cavalo correu até ela.

O cavalo parou abruptamente e o cavaleiro montado nele caiu com tudo no lago.

Neus correu até ele e o cavaleiro sobre o cavalo era seu irmão Pau:

— Neus!

— Calma Pau, o que foi?

— Girona… A Ordem está em Girona! Os mesmos caras que atacaram Lleida! A gente tem que ir atrás deles, mana!

Neus não hesitou.

Tocou no pescoço e a chave do lacre virou automaticamente a espada leve rosa com punhal feito de plumas brancas de uma ave nobre.

Ela tirou de dentro da bolsa que estava ao seu lado o livro das cartas Clow, sacou duas e gritou:

— Alada! Gêmeos!

Asas apareceram nas suas costas e nas de Pau.

Os dois irmãos bateram asas e flutuavam pelos céus.

Neus ainda estava irritada. As asas não batiam tão rápido assim quanto ela queria:

— Droga! Desse jeito eu não vou chegar em Girona antes de destruírem tudo!

Ela tirou mais uma carta do livro:

— Corrida!

Os dois voaram pelos céus mais rápidos que um falcão.

 

III

Girona, Catalunya

 

Já era quase meio dia quando avistaram Girona.

As nuvens negras no céu ameaçava chover.

Neus e Pau posaram diante do portão da cidade e ficaram chocados, sem ar.

O portão de Girona não era tão forte assim como o de Lleida, mas parecia que aquele portal imenso foi quebrado com um só golpe, coisa que só um raio podia fazer.

Havia vários coronelas caídos no local, atingidos por um único golpe que em alguns casos destroçou membros de seus corpos.

— Mas que droga é essa! – Disse Pau, espantado.

Gritos de agonia eram escutados dentro da cidade, mas nenhuma casa estava pegando fogo.

— Vamos! – Disseram um ao outro.

Andaram pelas ruas de Girona e os corpos tombados do portão se repetia, agora com mais intensidade.

Alguns estavam semi mortos, esmagados como barata, mas outros ainda faziam um esforço para respirar e andar. Os sobreviventes tentavam ajudar uns aos outros como podia, com palas e ataduras, mas muitos estavam com as mãos, os braços ou as pernas esmagados.

Neus e Pau chegaram perto de um de um grupo de sobreviventes e perguntou:

— Você sabe o que aconteceu com o povo daqui?

— Tá todo mundo… dentro de casa… cof! Ele… só atacou… os coronelas…

— Ele quem?

Os sobreviventes se entreolharam:

— Você acredita em mortos vivos, capitã?

— Mas que bobagem é essa? – Indagou Pau.

— Não é bobagem, sargento… – Continuou outro coronela. – O Josep, o Josep voltou dos mortos e atacou todo mundo!

— Atacou todo mundo? – Perguntou Neus.

Era como se um balde de gelo escorregasse pela coluna de Neus.

Um outro coronela  levantou o dedo e apontou para o leste:

— Ele foi pra catedral, capitã! Se a senhora quiser conferir…

— Tomem cuidado, Gente! Uma martelada com a marreta do Josep é capaz de arrancar um braço ou coisa pior…

— Pode deixar!

Sem muitas opções, Neus e Pau correram pelas ruas de Girona e, enquanto corriam, Pau perguntou, por curiosidade:

— Mana, pra que tanta surpresa assim?

— Foi o Josep quem pegou as cartas Clow, Pau! Não dá pra entender isso!  

 

IV

 

As nuvens negras de chuva no céu ficavam cada vez mais escuras.

Relâmpagos explodiam nos céus.

Das escadarias da Catedral de Girona, Neus e Pau viram um homem de armadura vermelha sentado, com um imenso martelo de ferreiro nas mãos, com o queixo apoiado no cabo.

O homem parecia que pensava.

Ao lado dele, uma criança berrava e gritava desesperada no ouvido dele.

Do outro lado, um homem idoso e várias pessoas tentavam dialogar com o homem de armadura vermelha como sangue. Essas mesmas pessoas seguravam uma mulher pelo braço.

A mulher estava ajoelhada.

O homem de armadura vermelha como sangue não dava atenção para nenhum dos dois.

Neus subiu aos poucos as escadarias da catedral de Girona e viu mais detalhes daquela cena.

O homem de armadura vermelha era careca, moreno e tinha uma cicatriz na cabeça.

A mulher ajoelhada usava camisa de manga longa, vestido, tinha óculos e o cabelo dela era castanho.

— Josep… por favor, poupe a cidade! A gente não tem nada a ver com os crimes da Maria! – Disse uma senhora.

— Vocês não sabiam? – Josep Perguntou.

— A gente sabia, mas… – Disse um homem.

— E não me contaram?

— A gente entrega ela pra você, se assim você quiser, mas deixe nosso povo em paz! Temos pais, mães e filhos que não merecem isso, Josep! Por favor! – Disse um senhor de idade.

— Vocês ainda não entenderam que, se eu quiser, eu posso pulverizar essa cidade inteira com um estalar de dedos e entregar pros espanhóis? Mas eu não vou fazer isso, mesmo eu sendo um nada para todos vocês…

— Josep, você é um herói precioso pra nós! – Disse uma jovem.

— É sério isso? – Josep se levantou – É fascinante ver os desespero na cara de vocês, ver do que ele é capaz… – Com um rápido giro de martelo, Josep martelou o chão ao lado do senhor de idade.

Lascas de pedra voaram por toda a parte e o povo se afastou um pouco de Josep.

— Mas eu não tou afim de ficar causando terror e uma cidade que eu jurei amar, mesmo ela me devolvendo esse amor com traição…  eu posso, mas dentro de mim, eu não quero, só quero saber a verdade…

Josep olhou para Maria.

A menina que berrava puxou as peças da armadura:

— Papai, não precisa fazer isso! Eu sou sua filha! Se lembra de mim papai! – A menina estava com o rosto todo contorcido e cheio de catarro e lágrimas e já começava a ficar rouca de tanto gritar. – Papai!!!!

Josep olhou para a menina com o coração cortado:

— Você não é minha filha, Meritxell, nem nunca foi…

— Josep! Me mata logo de uma vez e acaba logo com essa palhaçada! Não sou eu o seu alvo?  – Gritava Maria.

— Não, Maria, eu não vou matar você. Isso é fácil demais… Eu só tou testando esse coisa doida que é ter “poderes”, as cartas Clow podiam me dar esse poder, mas não me deram, outro me deu… Eu também tou testando outra coisa...  

— E que diabos você está testando, Josep?

Josep agitou o martelo mais uma vez e andou em direção à Maria.

—  Na bíblia dos cristãos tem uma história interessante sobre duas mães que alegavam que um único filho era delas. O rei de Israel mandou cortar a criança em dois e dar as duas partes do menino pras duas mães… Uma das mães falou “não corte o menino! Pode dar pra ela que eu prefiro que ele fique vivo do que morto!” Foi fácil reconhecer quem era a mãe… mas e o pai? Eu me pergunto? Como dá pra saber quem é o pai?

Josep andou na direção de Meritxell com o martelo na mão, rodando-o:

— Josep! Se você quer saber a verdade mesmo, Meritxell é sua filha! Sua! Ela tem mais a sua cara do que a do Carles! Esse nariz amassado…

— Ela é branca e eu sou filho de pai negro! Ela é branca como o Carles!

— Ela é sua filha! O Carles era um galinha e nunca foi capaz de fazer um filho! Um filho sequer! Mas você, só precisou se deitar uma vez por mês comigo pra fazer ela! E ia fazendo mais ainda, só que eu abortei os outros dois!

Josep ficou com tanta raiva que girou o martelo com mais velocidade. Relâmpagos vermelhos saíam de seu punho e a pequena Meritxell correu pra abraçar as pernas de Josep.

— Papai! Para com isso! Vamos pra casa! Eu sou sua filha!

Josep ficou tocado com o gesto. De abaixou e tocou o rosto lacrimoso da pequena Meritxell com a mão livre.

A menina se acalmou, sentindo as lágrimas serem enxugadas.

Neus correu com tudo e disparou contra a mão dele com a carta “flecha”.

Pau meio que rezou e um círculo mágico marrom apareceu debaixo de seus pés.

Seu corpo brilhou em marrom também e Pau tirou uma estaca de madeira da mão e lançou com tudo contra Josep.

Josep foi arremessado contra as paredes da catedral com tudo. Até os blocos da parede racharam. Ele se levantou depois e falou com a pequena:

— Meritxell… Se você for minha filha… Corre pra dentro da igreja e espera o papai até isso aqui acabar, tá bom?

Só de ouvir Josep se referindo a ela como pai fez a pequena se acalmar. Ela engoliu o choro e o catarro de uma vez e correu pra dentro da catedral.

— Vocês, caiam fora daí também! – Gritou Josep

A multidão que agarrava Maria correu, deixando a mulher nas escadas da catedral.

As primeiras gotas de chuva começaram a cair.

— Vocês dois são muito ousados… – Disse Josep.

— Você é mais ousado ainda…  – Disse Neus.

— É você quem é o Josep Puigdemont, o herói que pegou as Cartas Clow lá de Gibraltar? – Perguntou Pau.

Os três se encararam com armas nas mãos.

— Sim… sou eu…  

— Por que? Por que esse terror todo? Justo você que fazia balas de graça pros coronelas de Girona…

— Eu só quero respostas, nada mais. Eu ainda estou me decidindo se eu entrego Girona pros espanhóis ou não!

— E como você vai tomar essa decisão sozinho? – Perguntou Pau.

— Com o meu martelo, rapaz!

Josep, Pau e Neus se afastaram, se encarando.

Os irmãos Artells olhavam o homem de armadura vermelha com desconfiança, não entendendo o que ele queria fazer no final.

—.Mas enquanto isso, eu vejo que essa bolsa de couro tem o livro das cartas, não é?

— Sim! As cartas que você tanto lutou pra conseguir! Por que Josep? Por que a Ordem? Como você voltou a vida?  Você não tava morto?

— Sim, eu estava morto, mas agora eu vivo. Eu vivo pelo poder do dragão circulando no meu corpo…

— Poder do Dragão? – perguntou Pau, estranhando.

— Isso mesmo… o poder da Ordem do Dragão… Eu fui revivido porque eu morri com um arrependimento. O arrependimento de servir a Generalitat de Catalunya. Não ter minha casa, meu trabalho, minha vida de volta depois de tantos anos de serviço, tendo que pagar com a minha vida pra isso!

— Você endoideceu, Josep? – Indagou Pau. – Você morreu como um herói! Como assim arrependimento? Você teve seu salário justo!

— Você é só um rapaz, garoto, no meio de uma briga de adultos! Você não conhece minha história pra dizer isso! Vocês vão ter o de vocês quando a Generalitat te colocar cara a cara contra os Espanhóis!

— Eu luto pela minha fazenda! O Santi é o meu amigo!

— Bom que ele é o seu amigo! Testa a amizade dele e chama ele pro campo de batalha!

— Você quis vingança, é? Olha pra onde ela te levou! Ela te destruiu por dentro! Você se perdeu, Josep! – Disse Neus.

— Eu me perdi? – Josep gargalhou – Menina, vamos começar isso de outra forma, qual seu nome?

— Neus… Neus Artells de Sabadell

— Neus Artells de Sabadell, sei… Você é separatista de raiz como eu?

— Não, só quero ir atrás dos caras que queimaram minha fazenda!

— Mas eu sou e meu nome é Pau Artells de Sabadell!

— Ir atrás dos caras que queimaram sua fazenda, muito bem… Neus e Pau… Escutem: a forma como eu fui tratado pela minha esposa e pelo governo do meu país fez que uma parte de mim ficar com tanta raiva de tudo que eu quero destruir isso aos poucos, como vocês querem acabar com os caras que queimaram a fazenda de vocês… Agora me diz: você também não se perdeu por vingança, Neus? Temos muito em comum…

— Não temos não! Foi gente como você que queimou a minha fazenda!

Josep sorriu:

— O que faz sua vingança tão diferente da minha? É a mesma vingança. Você quer usar as cartas Clow pra se vingar da Ordem do Dragão e eu quero usar o poder da Ordem pra me vingar do governo do amigo de vocês! Que coisa, não?  

— Então é verdade; Foi a Ordem do Dragão que queimou minha fazenda?

— Pra ser claro, sim, foi a Ordem do Dragão quem queimou Girona, queimou minha casa, minha oficina, queimou tudo o que a gente! É essa maldita Ordem que eu tou usando pra ferrar a Generalitat por igual!

— Então, porque você não se vinga também deles, Josep?

— Porque eu não posso, simples assim… Sou um boneco sob o controle deles... Mas você não respondeu minha pergunta, Neus… O que faz sua vingança tão diferente da minha?

— Nada diferente, Josep, se é isso que você queria ouvir… mas eu não quero destruir o resto da Espanha com as cartas e envolver gente inocente como você tava querendo, como você tá pensando em fazer agora, como você fez com os coronelas! Meu negócio é só com essa Ordem do Dragão!

Josep sorriu:

— Eu nunca falei em destruir a Espanha, eu falei em conquistar a nossa liberdade… minha liberdade; mas antes, eu vou acertar as minhas contas com vocês…

Josep levantou a mão esquerda e Pau flutuou. Josep jogou Pau com tudo contra a parede da catedral como Pau tinha feito com ele antes.

Pau caiu inconsciente:

— Pau! – Neus ficou desesperada.

— Ele está bem. Minhas contas não são com vocês, nem mais com Girona. Minhas contas são com o Santi Castell em Barcelona e depois… eu vejo o que eu faço.

Neus sacou a carta “Espada” e acertou o martelo de Josep.

— Vingança é uma coisa engraçada, não é? Se você está indo pra Barcelona, suas contas vão ser comigo também!

Josep agitou o martelo com tanta força que conseguiu se afastar de Neus. Um raio caiu no martelo e ele ficou eletrificado.

Josep pulou para cima de Neus com uma velocidade espantosa e uma força descomunal que arrastou a garota escadaria abaixo, mas ela não perdeu a postura graças à carta alada que foi ativada bastando Neus precisar dela.

— Tou vendo que você quer brigar, né, Neus! Você é esquentadinha!  

— Eu sempre fui assim…

— Eu dei minha vida aos separatistas e não recebi nada em troca, mas tá valendo… Eu tava precisando testar esses poderes que eu ganhei antes de eu rachar a cabeça deles!  

— E eu vou dar a minha vida pelo meu irmão e por essa terra, camarada, até eu encontrar os caras que queimaram a minha fazenda!

— Vai ter que passar por cima de mim, primeiro!

Os dois se encaravam. Sorriam. Armas cruzadas.

Neus passou a mão pela lâmina da espada rosa e um fogo cobriu a espada.

Os dois fizeram xis e mais xis no ar golpeando a arma um do outro.

Começou a chover.

Quando Josep achou uma brecha, quase esmagou o braço esquerdo de Neus. mas a carta escudo apareceu de imediato para protegê-la.

Neus empurrou Josep de volta com a carta “Força” e ficou dando golpes de escudo na cara dele.

Neus nem precisava pegar na carta pra chamar o poder dela, bastava que pensasse na carta ou gritasse o nome dela e o poder dela já aparecia.

Josep começou a sangrar. Seus olhos brilhavam em vermelho.

Os dois se afastaram.

Josep girou o martelo com tudo e jogou o raio que tinha pegado dos céus antes e tinha guardado no martelo contra Neus.

O raio foi tão forte que meio que “destruiu” a carta “Escudo”.

A Carta “escudo” voltou a ser carta de novo e voltou para as mãos de Neus.

— Droga!

— Fico feliz em saber que As Cartas Clow não resistem a magia da natureza…

Josep voou novamente contra Neus.

“Como ele consegue? Parece que tá voando!”

Josep cortava o ar com o martelo na horizontal e Neus se defendia como podia dos golpes com a espada até que, de repente, Josep conseguiu arrancar a espada das mãos de Neus depois de tantos golpes.

A espada voou e Neus escorregou em uma poça.

Josep avançou com o martelo na mão:

— Você é uma boa garota, Neus! Eu não queimei fazenda nenhuma, minha primeira missão é aqui!

O braço de Josep tremia.

“Ele podia me esmagar! Será que ele tá se segurando pra não me atingir?”, pensou.

Aos poucos aquele martelo se aproximava de Neus e ela tentava puxar a espada para a mão como que por telecinese.

“Eu tou perdida se isso me atingir!”

De repente, a pequena Meritxell corre com tudo de dentro da Catedral de Girona, desce as escadas e abraça o pai por trás:

— Papai! Vamos pra casa! Vamos pra casa!

Josep largou o martelo e abraçou a pequena.

Quando fez isso, os olhos de Josep explodiram.

Lágrimas de sangue escorriam de seu rosto e sujaram o cabelo da pequena, mas ela nem se importava.

Neus conseguiu pegar a espada de volta e, hesitante, enfiou a arma nos ombros de Josep.

Um jato de energia saiu do ombro dele

Ela tirou a espada na hora.

Josep soltou Meritxell e abriu os olhos, mostrando a massa disforme que eles viraram.

— Parece que você vai ir atrás deles, Neus! Boa sorte! Parece que Meritxell é minha filha mesmo! Nada para derreter um coração de pai que um abraço de filha...

— Josep, quem foi que fez isso com você? Quem foram os caras que queimaram a minha fazenda?

— Tá bom, eu revelo, cuidado com eles, eles são mais fortes que eu: Enric Miró, Zigor Iñigitz, Nadja Rufián…

Josep se ajoelhou. Meritxell chorou:

— E o mais… forte de todos… Ga, Ge…

Neus arregalou os olhos. Josep não conseguia mais falar e travou na letra “Gê”. Ela ficou desesperada e segurou o ferreiro:

— Ga o quê, Josep? Gabriel? Gabriñe?

Josep não falou. Ela temeu e tremeu:

— Gerard?

Josep sorriu. Não conseguia falar mais nada, já estava morto faz tempo.

— Visca Catalunya lliure!

Josep estendeu a mão para ela, sorrindo, sem rancor e vingança alguma, só serenidade na face. Ele quis que aquelas fossem suas últimas palavras. Neus fechou os olhos, apertou a mão dele e disse:

— Visca Catalunya lliure!

Josep Puigdemont finalmente caiu no chão e morreu.

A chuva apertou mais ainda. A farda de Neus ficou encharcada.

A pequena Meritxell chorou mais ainda:

— Papai foi o melhor pai que eu pude desejar.. agora ele já morreu! Ele morreu! Morreu de vez!

Do alto das escadarias, Pau se levantava:

— Você tá bem, mano?

— Sim… só tou com um pouco de dor de cabeça! – Disse Pau, com a mão na cabeça.

Quando Neus ia subir as escadarias para ver o irmão, duas mulheres apareceram, segurando Maria:

— Capitã, Josep Puigdemont é o nosso heroí! Sempre foi! Sempre será!

— Ele era pouco reconhecido, mas a gente agradecia ele por dentro, sabe?

— Agora, vendo que essa coisa toda de magia é de verdade… a gente acredita que os espanhóis roubaram o corpo dele e fizeram alguma bruxaria pra sujar o nome dele!

“Vocês são tão espanholas quanto aqueles que você acusa” – Pensou Neus.

— E ela? O que vão fazer com ela? – Perguntou Neus.

— Capitã, ela é uma bruxa e a responsável maior pelas mortes dos coronelas no portão! Merece ser punida pela República! – Disse um homem mais atrás.

Todos que assistiam Josep nas escadas da catedral voltaram.

— Quem sabe ela não tenha conspirado com os espanhóis pra fazer isso com o Josep?

— Ela nunca gostou dele! Imagina da gente!

Todos fizeram coro e confirmaram as palavras do homem.

—- E o que querem que eu faça?

— Justiça! Justiça! Justiça!  – Gritaram todos.

— A senhora é parceira do nosso presidente! Não têm ninguém mais qualificado por aqui!

Neus só queria saber como estava o irmão e curar o corte na cabeça dele. A chuva estava mais forte ainda e estava exausta de tanto usar as Cartas Clow.

Mas ainda tinha energia para mais uma.

Sacou a carta flecha mais uma vez, mas não queria fazer isso.

Olhou para Pau lá em cima e ele fez sim das escadarias.

Olhou para as duas mulheres e elas abaixaram a cabeça de Maria, deixando a nuca exposta. O óculos que usava caiu no chão.

Olhou para Meritxell e ela continuou agarrada ao corpo do pai, chorando, debruçada sobre ele.

— O que você me diz, Maria?

— Eu sou culpada de tudo isso!

— Você não vai nem querer se defender?

— Se você não me matar agora, eles vão me esfolar viva de qualquer forma!

Neus olhou a multidão e eles estavam agressivos, mesmo debaixo de chuva forte.

— Eu só quero que isso tudo acabe! Eu tou cansada de ser humilhada!

Neus encostou o arco na nuca dela e puxou:

— Em nome de Santi Castell, presidente da República Catalã, eu, Capitã Neus Artells, condeno você, Maria José y Nuñez à morte, por adultério, crimes contra os heróis da república, conspiração com a Espanha e outros muitos crimes mais.

Foi tudo muito simples conforme a vontade do povo.

Impelida pela vontade do povo, Neus virou a cabeça e disparou com apenas uma flecha na nuca de Maria.

 

Continua…


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