Uma Canção de Neus Artells escrita por Braunjakga


Capítulo 7
O infiltrado




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Málaga, Espanha

10 de Agosto de 1714

 

Nas ruas de Málaga, Clow, Kero e Yue andavam procurando um restaurante para comer.

Estavam mortos de fome.

Já não usavam as capas mágicas e nem as roupas chinesas.

Clow conseguiu um gibão espanhol para ele e para Yue.

— Essas calças tão muito apertadas, Clow! Essa blusa tá penicando, meu pescoço tá coçando e tá quente por dentro! Por que eu tive que prender o cabelo? – Reclamou Yue, afrouxando um pouco a gola do gibão.

Quem via diria que saía um pouco de fumaça de dentro da vestimenta.

— Vê se cala a boca um pouquinho aí, Yue e colabora com o Clow! Eu também não tou gostando de ficar nadinha dentro desse bolso apertado, tendo que sentir seu perfume doce, tá ouvindo? A gente tem que encontrar as cartas sem chamar a atenção, entendeu? – Disse Kero.

— E porque eu tenho que carregar ele comigo? – Disse Yue, olhando com olhos fechadinhos de desgosto para um Kero na forma de boneco dentro de um bolso do gibão.

Clow apenas sorriu com a discussão dos dois.

A viagem começou com Kero e Yue voando, mas voar a todo instante é cansativo e libera partículas de energia mágica no ar, como uma fogueira libera fumaça.

Eles podiam ser rastreados!

Por causa disso, Clow transformou as roupas que usavam em roupas de pessoas comuns para poderem andar pela Espanha sem serem percebidos, nem mesmo por outros magos.

Depois de tanto andarem, Clow encontrou uma mesa vazia, sentou-se e colocou algumas moedas de ouro nas mãos de um estalajadeiro.

— O prato ficaria pronto em alguns minutos. – O moço disse.

Enquanto esperavam, olhavam o porto de Málaga e o movimento a beira mar.

 

Málaga era uma cidade muito agitada.

A toda hora, sempre chegava um barco vindo das colônias espanholas nas Américas e outro embarcava de volta.

Barcos vindo e indo de Buenos Aires, Lima, Flórida, Caracas, Havana e até mesmo da oriental Filipinas paravam em Málaga para reabastecer e prosseguir viagem.

Uma fila de gente se estendia no porto vindos de diversas partes da Espanha para tentar a sorte no novo mundo.

Málaga respirava movimiento a todo instante.

As estalagens ficavam cheias, os mercados movimentados e alfaiates e barbeiros estavam repletos de trabalho. Todo dia chegam novidades na cidade, com o Puma vindo do México que estava trancafiado numa jaula e despertava atenção de todo mundo por onde ele passava. Muita gente estava em volta da jaula:

— Clow, você acredita que o Coronel MacDonald vai nos dar o perdão real que ele prometeu? Tou vendo aquele puma ali e não tou gostando nada daquilo! Eu não quero terminar meus dias como ele! – Disse um inquieto Kero.

— Nem eu mesmo confio na minha própria palavra, Kero, as pessoas são inconstantes!

Yue ficou triste ouvindo aquilo:

— Clow, eu sempre disse pra você: vamos fugir! Sair daqui! Fazer uma vida nova em qualquer fim de mundo por aí!

— Eu não sei se eu estou a fim de perder minha liberdade, Yue, e ser um dos magos mais procurados do mundo! Hehe! Não ainda… Eu estou em enorme desvantagem nessa situação toda… – Clow agora ficou profundamente sério. – Mas eu não posso me arriscar a deixar as cartas na mão de qualquer um… elas têm o poder de causar uma tragédia.

— Algum plano, Clow, de ir atrás delas sem usar magia?

— Eu me preparei pra isso há um tempo, Yue…

Clow tirou de dentro de gibão uma tábua de oito pontas que mais parecia uma bússola chinesa:

— Isso aqui é o rashinban; é uma bússola que eu criei logo na fase inicial de criação das cartas só pra encontrar as cartas Clow caso elas se perdessem ou se tornassem violentas durante o processo; se eu colocar elas sobre esse mapa aqui…

Clow tirou um mapa da Espanha de dentro do gibão.

— … Ele vai me indicar onde estão as cartas.

Uma luz azul clara criou uma cúpula no centro do rashinban e um ponto no nordeste do mapa brilhou:

— Aqui. – Clow apontou. – As cartas estão aqui, Blanes, Catalunha. E quem quer que esteja com as cartas já está usando elas e elas estão se movendo pra Barcelona depois de passarem, por Girona…

— Eu já sentia que as cartas já estavam sendo usadas há muito tempo, Clow… – Disse Kero.

Kero e Yue se olharam como se entendessem um ao outro.

Os dois sentiram um arrepio na espinha e congelaram.

— Eu senti a mesma coisa ontem… Usaram as cartas e não foi pouco não… Foram várias cartas… – Disse o anjo prateado.

— Very good, Mr. Clow! Did you found the Clow Cards with this? You can leave the rest with us! (Muito bem, senhor Clow, você encontrou as cartas com isso? Pode deixar o resto com a gente!)

Um homem aplaudia no meio da rua, à uma certa distância.

Era o Capitão Firth.

Por onde ele passava, as pessoas desmaiavam.

Os estalajadeiros caíam das portas das pensões, os vendedores e compradores desmaiavam nas barracas de produtos, os passantes desabavam nas calçadas e até mesmo o pessoal que cercava o Puma caiu um por um à medida que as palavras de Firth saíam de sua boca.

Nem mesmo o estalajadeiro com o prato de paella para Clow foi poupado: assim que saiu para a rua, tombou no chão como se sua alma tivesse sido arrancada do corpo.

Clow se pôs de pé com Yue:

— Capitão Firth! Usando magia no meio de Málaga com vários agentes mágicos espanhóis na alfândega? Que coisa feia! Você pode causar uma guerra com isso, viu?

— Eles não foram um obstáculo para mim… Os espanhóis são tão idiotas…  

Atrás de Firth e nas janelas dos prédios daquela rua, diversos soldados britânicos apontavam armas para Clow, prontos para atirar a qualquer instante.

— É muita ousadia mesmo, mylord!

— Nenhuma ousadia é o bastante para prender o senhor, Mr. Clow! Eu sabia que o senhor não ia usar magia por muito tempo, eu sabia que o senhor ia usar sua “arminha secreta” a qualquer hora… bastava esperar!

Nesse instante, Kero pulou com tudo do bolso de Yue e virou o grande leão alado com armadura de jade e orbe vermelha na testa:

— E o nosso perdão real?

— O parlamento mágico vai cuidar do seu perdão real… Assim que prendermos vocês de volta!

Círculos de luz apareceram na palma das mãos de Firth.

O capitão disparou uma rajada de energia contra Kero.

Kero soltou uma bola de fogo contra ele.

Os guardas iam atirar, mas uma esfera negra de energia que soltava raios apareceu na barriga dos soldados britânicos e eles foram desaparecendo um a um.

Clow soltou o braço com tudo e o báculo dourado com um sol na ponta apareceu:

— Clow! Pra onde você levou eles?

— Ora, pra onde? Pra casa, na Escócia! Longe dessa bagunça toda! O senhor devia voltar pra lá também, mylord!

— Não antes de eu acabar com você! – O corpo do capitão brilhou e Clow sentiu que o poder mágico dele aumentou.

— Não ouse me desafiar, Capitão! Por mais forte que o senhor seja, eu estou nessa estrada há mais tempo que o senhor…

— Veremos!

O capitão Firth desapareceu de onde estava e apareceu imediatamente atrás de Clow. Ele pegou o gibão de Clow e os dois re apareceram em cima de um telhado.

Firth disparou contra Clow um monte de vezes com uma varinha que sacou da manga, fazendo a letra xis várias vezes no ar. Clow se defendia dos ataques com o báculo dourado.

— Não vai me atacar, Mr. Clow?

Clow sorriu.

Firth ficou sério.

Atrás dele, Kero e Yue se preparavam para atacar, um com o arco prateado e o outro com uma bola de fogo, mas o ataque atingiu o telhado, porque Firth desapareceu de novo.

Ele aparatou na rua.

— Eu disse: renda-se, Clow! Eu sei o alcance do seu poder mágico! Podemos estender isso aqui pra sempre!

— O senhor quebrou sua palavra quando me atacou, Capitão! Vou continuar com isso até eu ter a minha liberdade de volta! O que acha, mylord?

Firth sorriu:

— Liberdade! Haha! Sabe por que não faz a mínima que o senhor seja livre novamente? Porque eu vi o seu futuro, Mr. Clow! Sou um vidente! Apesar de videntes como nós dois não conseguir ver o nosso próprio futuro, podemos ver os dos outros! E eu vi o do senhor! O senhor vai morrer! O senhor vai morrer velho, exilado, longe da Inglaterra e de qualquer domínio de sua majestade! Numa terra onde falam uma língua diferente de tudo o que eu já vi!

— É assim mesmo que eu pretendia morrer, mylord, fico feliz por saber que vou morrer como eu quero! Mas o senhor não vai morrer como o senhor quer…

— Mas o que o senhor está dizendo?

Nesse instante, uma cimitarra apareceu atrás de Firth.

Ela perfurou a sua costela e atravessou os ossos do seu tronco e de sua coluna com uma facilidade e velocidade espantosa que nenhuma faca de açougueiro inventada até então possuía.

Ele arregalou os olhos e caiu morto no chão.

A cimitarra estava nas mãos de uma mulher.

Ela tinha pele morena, cabelos pretos e lisos como uma índia americana, só que com a pele um pouco mais clara, como um árabe.

A mulher usava uma armadura vermelha como sangue e olhava para Clow, Kero e Yue.

— Impressionante, mylady! Derrotou um dos mais valentes soldados que eu já vi em combate com uma facilidade incrível e possivelmente causou uma guerra de proporções inimagináveis! Nem sequer senti sua presença mágica chegando! Se é que é mylady usa magia, com todo respeito…  

A mulher só deu dois tapas com a mão como uma dançarina de flamenco e um círculo mágico feito de luz apareceu no chão.

Suas linhas eram vermelhas como sangue e tinha símbolos mágicos desconhecidos para Clow.

Os símbolos começaram a sair do círculo e prenderam Kero e Yue no chão com linhas de luz  vermelhas e brilhantes como sangue. Até Clow foi preso. Quanto mais tentavam sair, mais aqueles barbantes vermelhos se agarravam à eles.

— E eu nem sequer estou sentindo presença mágica dessas coisas! Impressionante! Os espanhóis não são tão idiotas como a gente pensava!

— Clow… eu não queria terminar assim! O que é isso? O que a gente fez! – Chorava Kero.

— A gente foi pisar na casa dos outros com bondade e deu nisso! A gente tinha que ter ido pra Barcelona direto! – Disse Yue, se contorcendo.

— Nosotros no somos tan idiotas, Señor Clow! Muchas gracias! Pero… Tener alguien con un poder mágico tan impresionante aquí en España es un mérito; los britânicos no lo quieren, hay una arma mágica en Cataluña que los separatistas están utilizando en este momento y la arma se llama ‘cartas Clow’! Impressionante!

— Eu vejo que a senhora não é uma agente mágica espanhola, mylady, estou certo?

— Não.. mas sei de tudo o que acontece por aqui… inclusive essa invasão! Pensam que vão ficar muito tempo em Gibraltar?

— Que patriótico! Mas quanto a guerra?

— Que guerra? O Senhor Firth e seus homens estavam ilegalmente aqui; temos mais motivos pra começar uma guerra do que eles tem pra alegar o sumiço de um cadáver!

A espanhola deu duas palmas com as mãos e começou a sair raios vermelhos do círculo mágico. Um grito grave e espantoso como o de um animal em agonia saiu dele.

Depois de tantos relâmpagos, o círculo explodiu em uma nuvem de fumaça vermelha e desapareceu.

A espanhola deu mais dois tapas com a mão e a cidade de Málaga voltou ao normal.

Os estalajadeiros se levantavam das portas das pensões, os vendedores e compradores despertavam nas barracas de produtos, agora bagunçados; os passantes batiam, das roupas, a poeira das calçadas e até mesmo o pessoal que cercava o Puma deu um salto de susto, um por um.

O estalajadeiro que levava Paella para Clow viu o prato no chão e não entendeu nada. O cliente não estava mais lá, mas pelo menos as moedas de ouro estavam em seu bolso.

Tudo voltou ao normal como se estivessem estado dentro de um longo pesadelo.

Até o corpo do Capitão Firth desapareceu!

O povo nem sequer entenderam as telhas destruídas no telhado e os cacos na rua, mas tudo estava bem novamente em Málaga.

 

Continua…


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