Uma Canção de Neus Artells escrita por Braunjakga


Capítulo 13
O curandeiro




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Sant Julià de Ramis, Norte de Girona, 13 de agosto de 1714

 

I

Dentro de uma barraca de campanha, Clow colocava uma compressa na barriga de uma Coronela.

Ela tremia e suava direto.

Às vezes, seu rosto se contorcia de dor quando Clow apertava a barriga dela.

— Dói aqui?

— Sim… – Disse a Coronela, trincando os dentes de dor.

— Kero, me passa a navalha.

O guardião amarelo estava em sua forma de boneco.

Kero ajudava Clow a limpar o suor da testa da soldado.

Ele esquentou a navalha na chama de uma vela e passou para Clow.

— Vai doer um pouquinho, nas a dor já vai passar.

— … Tá…

Clow sorriu.

Fez um sinal para Kero apertar o peito dela para não sentir dor.

A mão de Clow brilhou em verde e ele enfiou a navalha na barriga dela.

Ficou mexendo e mexendo até arrancar uma espécie de lesma de lá.

A Coronela ficou de olhos fechados o tempo todo, suspirando.

A aura amarela de Kero absorvia a dor.

 

II

 

No dia seguinte, a Coronela levantou-se da cama e tocou na barriga, cheia de faixas.

Ainda doía.

Kero voou até ela e ofereceu um copo de chá.

A soldado bebeu tudo de uma vez.

— Tá tudo certo, Elisenda?

— Tou melhor sim, Kero, obrigada!

Sorriu.

— Que diabos era aquilo, Elis?

— Não sei, Kero; eu tava fugindo de Seu d'Urgell quando os espanhóis atacaram e eu fui atingida por uma flecha nas costas… não vi a flecha, pensei que era tiro e daí, senti aquele monte de enjôo e dor de cabeça no caminho…

— Essa flecha deve ter sido coisa do mal mesmo! Você quase morreu, menina! Seu intestino tava todo destruído!

— Destruído? – A soldado ficou espantada.

 

III

15 de agosto de 1714

 

Em outra barraca de campanha, Clow olhava para dentro de um frasco de vidro.

Uma espécie de lesma cheia de apêndices se contorcia e se debatia.

Clow ficou sério vendo aquilo.

Clow pegou um papel e começou a escrever.

— Eu preciso enviar isso pra Dom Saul pra ele ver o tipo de coisa que tá acontecendo nessa guerra…

Enquanto escrevia, os olhos do mago arregalaram. Clow sentiu um choque atravessar seu coração, como uma dor, mas não doía.

Apertou o gibão com força e agachou a cabeça na carta.

Saiu de imediato da tenda de campanha para respirar.

Lá fora, sob o céu nublado, o acampamento estava em alvoroço.

Coronelas corriam para todas as partes, em pânico.

No meio daquele pânico, uma maca era levada até a tenda de Clow.

havia uma mulher em cima dela com uma bolsa de couro preta.

A mulher estava pálida, estava com o corpo trêmulo por causa das convulsões e espumava sangue pela boca.

“Então é isso, agora eu entendo”

Um rapaz que acompanhava a maca se adiantou, correu até Clow, desesperado, com um chapéu nas mãos, suado e com os olhos suplicantes.

Era Pau Artells.

— É o senhor que é o médico que cura todas as doenças?

— Sim. Meu nome é Clow Reed… Você deve ser o Pau e aquela é sua irmã mais velha?

Pau abraçou Clow com força, chorando.

— Eu sabia que era o senhor! Salve minha irmã!

 

IV

16 de agosto de 1714

 

Clow olhava mais uma vez para o frasco com as lesma cheias de apêndices que afetavam todos os coronelas que lutaram em Seu d’Urgell.

Dessa vez, aquela era diferente.

Aquilo não era uma lesma. Era um monstrengo sem forma que destruiu outros três frascos como aquele.

Clow precisou matar a criatura para ela se aquietar. Teve que tomar essa atitude drástica porque nem mesmo com todo o seu conhecimento mágico, não descobriu poção ou feitiço que conseguiu acalmar aquilo e levaria tempo até encontrar uma.

Aquilo era diferente de tudo o que Clow tinha visto.

Kero estava com ele, voando com suas asinhas transparentes com um saco nas mãos:

— Você recebeu a resposta de Dom Saul, Kero?

— Recebi e ele falou que tá só esperando por esse também pra começar a investigar…

Clow colocou o frasco com o mostrengo dentro do saco e Kero fechou com uma fita.

— Melhor você ir em pessoa, Kero, eu fico aqui pra cuidar deles…

Kero hesitou.

— Tem certeza, Clow? A gente só vai se expor mais ainda e odeio admitir, a gente perdeu o goiabinha bichado do Yue!

Clow sorriu:

— Toda a certeza do mundo, meu amigo! Agora vai! Temos pouco tempo até você voltar!

Kero bateu continência com as mãozinhas e voou tenda para fora pelos ares.

 

V

 

Clow voltou-se para Neus, sentada na cama da tenda, ao lado do irmão.

Pau ajudava a irmã a tomar um copo de chá que o mago tinha preparado especialmente para ela.

A bolsa com o livro das cartas ainda estava com ela.

A garota suspirou aliviada e abraçou o livro.

Clow pegou um banquinho e conversou com os dois:

— Ora, ora, como está indo a sardentinha?

Neus ficou envergonhada de ser chamada assim e Pau deu um leve sorriso.

Em outras ocasiões, Neus odiava ser chamada assim, principalmente por Pau e, em outras ocasiões, Pau tiraria sarro da cara da irmã. O que Neus passou ontem fez uma trégua surgir entre os três. Afinal, o riso é sinal de vida, e um rosto corado também:

— Eu estou melhor, Senhor Clow, muito melhor mesma! Não acredito que em pouco tempo eu fiquei boa, já nem dói mais a ferida no meu ombro!

Neus tocou a omoplata onde Enric havia disparado a flecha e suspirou aliviada.

— Você quase perdeu a vida, Neus. Você sabe o risco que você enfrentou? Se você estivesse sozinha, a gente não estaria conversando agora…

Neus olhou para Pau e viu que ele estava preocupado também. Clow viu pela cara de Neus que ela se arrependia amargamente da discussão que teve com o irmão.

— Desculpa, Pau! – Neus pegou as mãos do irmão de um jeito meigo, mas logo soltou quando sentiu que seu rosto esquentava.

Neus não gostava de mostrar esse lado seu para as pessoas, só Gerard.

— Sua tonta! Você preocupou todo mundo! Agradeça o senhor Clow!

Pau deu um cascudo na irmã  e os dois voltaram a normalidade de brigas e discussões. Clow apenas sorria.

— Vocês dois brigam assim direto, é? Meus dois rapazes também só vivem brigando, mas não sabem viver sem o outro!

— O senhor tem dois filhos? – Indagou Pau.

— Dois guardiões.

— Dois guardiões? Pra que?

— Sim, dois guardiões que protegem uma coisa muito importante para mim. Uma coisa que tem o poder de causar muita tragédia a quem estiver com ela.

Clow falou em tom grave.

Os irmãos Artells entenderam a indireta. Não dava para esconder mais.

Pau e Neus se entreolharam, sérios também, para ver quem ia começar. Eles sabiam que aqueles sorrisos e aquela descontração não durariam muito. Neus se adiantou e depois foi Pau:

— O nome do senhor é Clow, não é?

— O senhor também tem um sotaque estranho, não? O senhor não é da Espanha, né?

— Não, não sou espanhol.

Pau e Neus se olharam de novo e depois olharam Clow. Hesitavam, mas Neus continuou a falar primeiro:

— Essas curas… eu quase morri, mas agora eu tou vivinha! Como o senhor fez tudo isso?

— O senhor é um mago, não é! Fala logo! Aquele boneco amarelo voando, aquelas coisas que eu vi naquele frasco! Esse cara adivinhou meu nome antes de eu abrir a minha boca!

— Eu sei o que vocês estão pensando e falando… Eu vou responder tudo!  

Clow sacou seu báculo dourado com um sol na ponta e bateu a outra ponta no chão.

Um vento soprou tudo na tenda, como se todos fossem arrastados por um redemoinho enorme.

 

VI

 

Toda a tenda em volta deles se transformou do nada.

O chão de terra e grama ficou plano e branco.

A barraca e tudo o que tinha nela desapareceu. Só um vazio branco estava ao redor deles.

Além das cadeiras onde todos de sentavam.

Neus e Pau estavam suando de espanto.

— Mas… o que é isso?

— O que você fez com o acampamento?

Clow sorria como sempre.

— Vocês estão dentro da mente de vocês, só assim eu posso me explicar sem chamar atenção…

O mago andou de um canto para o outro com o báculo dourado em mãos.

A cada passo, Clow percebia que Neus e Pau percebiam o tamanho da sua força mágica.

Os dois irmãos estavam na defensiva. Precisava mudar aquilo:

— Eu só sou um homem que já fez muita besteira na vida e está tentando consertar tudo… Criar as cartas Clow é parte disso…

— E que merdss você fez, cara?

— Pau! Isso é meio indiscreto! Deixa a vida dele!

— Fiz muita besteira mesmo, por isso, eu fui preso em Gibraltar e exilado da minha terra…

— Eu fico até imaginando que tipo de merdas são essas!

Pai insistia em perguntar.

Clow continuava a sorrir e a andar de um lado para o outro com o báculo dourado em mãos.

— A coroa de sua majestade pensou que que ninguém me encontraria num rochedo de fim de mundo na Espanha… Mas os catalães fazem cada coisa…

Pau se gabava por dentro.

— Há 15 dias, dois homens, catalães como vocês, invadiram Gibraltar e roubaram um dos meus bens mais preciosos e a minha melhor obra prima pra usar na guerra…

Neus tirou o livro das cartas de dentro da bolsa de couro:

— As cartas Clow…

— Vocês já pararam pra pensar as consequências de usar magia em guerras? As vítimas fatais dobram, locais inteiros ficam inabitáveis por causa da radiação. Isso acaba atraindo muitos fantasmas e coisas piores…

Clow olhou sério para os irmãos:

— Mylady, Mylord, as cartas Clow não são diferentes. Diria que são piores! Elas podem afetar até o carma de quem usa elas…

— Até o carma?

Neus engoliu seco.

Pai sorria sem acreditar.

— Você vem querer dar discurso pra gente e não sabe de nada! Já enfrentamos três, três caras que usaram magia contra a gente! A nossa fazenda foi incendiada por dragões! E cadê esse Dom Saul de Madrid que tanto falam que controla esses caras que usam magia contra nós, cadê? Cadê ele quando queimaram nossa fazenda?

— Pau…

— Eu tou certo, mana, e você sabe… Quando é do lado espanhol vale, agora a gente… cadê Gerard?

— Agora você tá exagerando!

Clow bateu o báculo no chão pra chamar a atenção dos dois.

— Eu entendo a raiva de vocês, gente, mas eu não posso permitir que as Cartas Clow continuem a ser usadas nessa guerra. Vocês tem que me entregar antes que aconteça uma tragédia com vocês.

Neus apertou a chave do lacre no pescoço com força.

Ela brilhou e se tornou numa espada nas mãos de Neus.

— Senhor Clow, eu entendo o senhor, mas eu não vou devolver essas cartas. Não agora. Eu não luto pela independência do meu país, mas eu luto pra falar cara a cara com El Rey, com Dom Saul, seja quem for. Eu enfrento quem for pra ter a minha fazenda de volta, pra saber quem foi e pra fazer ele ou ela pagar pelo que fez!

— Neus, você entende que você pode enfrentar forças além de tudo o que você já viu? Você viu aquele monstro que saiu de dentro de você?

— Pela primeira vez na minha vida, senhor Clow, eu nunca me senti tão certa de ter essas cartas nas minhas mãos. Nunca me senti tão à vontade comigo mesma desde quando eu plantava melancias. Eu quero voltar a plantar melancias e, pra isso, eu preciso passar por cima dessas caras! Eu vou passar!

Neus pôs a espada em riste, na frente dos seus olhos.

— Eu estou vendo que eu não tenho escolha…

Um círculo mágico dourado apareceu nos pés de Clow.

Mais e mais círculos dourados e luminosos apareceram nos pulsos e nos braços de Clow.

Pau foi preso em um cristal dourado e levantado com a magia de Clow.

— Pau! – Neus arregalou os olhos.

O mesmo círculo dourado apareceu nos pés de Neus.

— Isso é entre eu e você, Neus! Vamos ver se você conhece o poder das cartas!

O báculo dourado de Clow flutuou ao lado dele.

Correntes douradas apareceram nas mãos e pés de Neus.

Clow manipulava tudo com as mãos.

Neus trincou os dentes e estreitou os olhos.

Do nada, arregalou os olhos e sorriu:

— Não é a primeira vez que eu estou no corpo de uma mulher, Mylady! – Disse Neus.

— Eu só usei a carta “camaleão” pra me livrar dessas correntes! – Disse Clow.

As correntes de Neus desapareceram.

— Se chama “mudança”, Mylady. – Disse Clow – Vejo que pode usar algumas cartas, mas pode usar todas?

Clow levantou o báculo e ele brilhou:

— Volte a forma humilde que merece!

A carta “mudança” voltou a ser carta e acabou nas mãos de Clow.

Neus correu até Clow e deu uma porrada na capa dele.

Clow tropeçou, tropeçou e tropeçou.

Neus pulou longe e rápido e deu uma outra porrada nele e emendou com um chute.

Clow deu cambalhotas e cambalhotas no espaço em branco.

Quando parou, Clow tinha um calor na testa e um corrimento de sangue no nariz.

Limpou um filete de sangue que saía pela boca e sorriu:

— Vamos ver: salto, corrida, luta e poder! Impressionante! Quatro cartas de uma vez em tão pouco tempo! Nem a minha sucessora vai fazer isso com facilidade!

Neus pulou alto no ar para dar um golpe definitivo em Clow, mas o báculo de Clow brilhou e as quatro cartas foram capturadas.

Neus deu de cara com o chão.

Agora eram seu nariz e sua boca que sangrava.

— Eu ainda sou o cara que criou essas cartas, Mylady! Eu reconheço que a sua estratégia foi boa…

— E eu ainda tenho muita estratégia debaixo da minha manga, senhor Clow!

Neus bateu as duas mãos com raiva e as paredes de labirinto cobriram todo o espaço em branco.

A carta sombra apareceu e sufocou Clow.

O báculo de Clow brilhou mais uma vez ele capturou as cartas “labirinto” e “sombra”.

— Um raio não cai duas vezes da mesma forma, Mylady! Isso pode ter dado certo com o Enric, mas não comigo.

— Colo você sabe do Enric! – Neus ficou incrédula.

— Sou um médium, Mylady! – Clow olhou para as mãos de Neus. – Vou pegar as cartas “tempo” e “retorno”, assim você não vai causar mais estragos!

As cartas evaporaram das mãos de Neus.

Neus sorria e Clow olhava com dúvidas para ela:

— Você deveria desistir, Neus!

— Eu não cheguei tão longe desistindo das coisas…

Neus tornou a sacar mais de uma carta.

Sacou as cartas “terra” e “areia”.

Um redemoinho de pedras e areia apareceu nos pés de Clow, quase tragando o mago.

— Flutuar!

Clow bateu com o báculo na areia e começou a se elevar no ar.

Neus não parou.

— Fogo!

Antes que Clow se levantasse por completo da tempestade de areia. Um punho de fogo acertou a cabeça do mago, empurrando-o para a areia em fúria.

— Null Blaze!

Sem conseguir parar o golpe, Clow foi atingido em cheio pelas chamas, mas não se queimou.

Com dificuldade, fez as três cartas, “Fogo”, “Areia” e “Terra” flutuarem até suas mãos.

— Droga! Eu tava quase lá!

Sem perceber, Clow foi golpeado por uma grande onda que o arrastou pela paisagem branca.

Neus sacou e sacou mais cartas e a massa de água começou a borbulhar.

— Meus olhos, Mylady! Estão ardendo! Não enxergo nada!

— Bom saber, senhor Clow, bom saber…

A massa de água em que Clow quase se afogava tornou-se tempestuosa.

Uma nuvem cobriu toda a extensão daquele campo branco e uma forte chuva começou a cair.

Um vento forte soprou as águas e um ciclone se formou, arrastando tudo, até mesmo Clow.

Dessa vez, Neus foi atingida pela magia das cartas.

Sua farda ficou toda molhada e o vento frio que soprava a fazia tremer de frio.

Neus segurou os joelhos e se agachou. Estava cansada. Sua respiração estava ofegante. Nunca tinha usado tantas cartas.

Mas parecia para ela que elas não afetavam Clow.

— Wall!

O mago levantou o báculo para o alto e conjurou outra magia:

— Reflect!

Uma esfera vermelha rodeou Clow.

— Eu ainda consigo mais uma…

O tornado que Neus evocou ficou verde. Clow começou a tossir.

— Esuna! – Disse o mago.

— Mais uma. – Disse Neus.

Granizo e neve começaram a cair com a chuva.

Neus se ajoelhou de tão cansada que ficou.

O báculo de Clow brilhou e as cartas “tempestade”, “névoa”, “nuvem”, “neve”, “vento”, “água”, “chuva”, “onda”, “bolhas”.

Clow aplaudiu.

— Nove cartas! Nem mesmo eu consegui ir tão longe!

— Mais uma…

Neus arremessou a carta “trovão” contra ele.

— Null Shock!

A carta bateu em Clow sem fazer nada., foi pega e deu choques em Neus também.

— Mais… uma!

— Null Frost!

Neus arremessou a carta “congelar” no mago, ela bateu em Clow e se espatifou em mil pedaços antes de parar nas mãos do mago.

Neus babava de cansaço.

Suava.

— Flare!

Um clarão apareceu do coração de Neus. Neus arregalou os olhos e uma onda de energia amarela e laranja explodiu de seu corpo, de dentro para fora.

— Mana!

Neus tombou desmaiada no chão.

Pau se debatia tanto no cristal que conseguiu quebrá-lo.

Correu até a irmã para ajudá-la, mas Clow foi mais rápido:

— Holy!

Um clarão apareceu na cabeça de Pau, ele olhou para o alto e o clarão estourou.

Pai tropeçou no nada e caiu. Desmaiado.

Clow respirou fundo, aliviado:

— Finalmente, Mylady vai descansar com seu irmão, e eu vou ter as minhas cartas de volta…

Clow se agachou para revirar a bolsa de couro de Neus e o casacão vermelho dela.

Quando chegou perto dela, Neus desapareceu.

— Uma ilusão!

As luzes do local branco se apagaram.

Pequenas luzes apareceram. O lugar todo parecia um céu estrelado.

Das sombras, Neus apareceu, com o irmão nos braços:

— Eu pensei que ia morrer, Senhor Clow!

Neus reapareceu. Mas sem a mesma energia do começo da luta. Ainda estava cansada, ofegante e parecia que a poderosa magia de Clow não tinha afetado tanto a Coronela.

— Eu vejo que eu estava sonhando o tempo todo… eu me enganei!

O mago gargalhou.

— “Sonho”, é o nome dela, não é?

— Sim, aquilo que eu mais desejo…

— Se não fosse por ela, eu estaria ferrada agora! Mas o ataque no meu irmão não foi!

Neus estava com raiva.

— Seu irmão está bem…

— Acho que sua resposta é uma mentira, Senhor Clow!

— Não é não, mas a sua imagem é uma ilusão…

Neus sumiu como poeira.

Bastou Clow levantar o báculo e as cartas “criação”, “brilho”, “luz”, “trevas”, “ilusão” e “sonho” caíram nas mãos de Clow.

— Eu sabia que o senhor ia fazer isso…

— Você sabia que eu ia fazer isso? – Cloe não entendeu.

— Você disse, senhor Clow, são suas cartas, o senhor conhece elas melhor que nada, melhor que eu mesma… esse foi o meu erro…

Neus olhou para as cartas que sobraram em sua mão.

Ainda podia contar com a “volta”, o a “libra”, a “cadeado”, a “árvore” e a “flor”, Clow sabia.

E sabia que podia capturar as cartas.

— Você não pode me vencer, Neus. Você não tem mais energia pra usar as cartas e nem nenhuma magia!

— Eu ainda tenho a magia do Pau!

— Isso não diz que você vai conseguir…

— E se eu conseguir? O senhor me deixa eu ficar com as cartas?

— Eu deixo você ficar com as cartas, por um tempo…

Sorriu o mago.

— Motivos o bastante pra eu conseguir vencer. Pau!!!

Neus Gritou, se ajoelhou e bateu as mãos com tudo no chão.

— Nao faça isso, Mylady! Você só vai se desgastar!

Neus não ouvia mais Clow.

A aura ao redor de Neus brilhou em verde.

Ramos de plantas, cipós e galhos saíram do chão e tentaram alcançar Clow.

— Você está usando sua própria magia… Entendo…

Clow se afastou, mas se deparou com uma árvore atrás dele. Era a carta “.árvore”.

— Usando as cartas, Mylady?

— Ela é minha amiga, minha primeira carta.

— Ela é tão dócil…

Com a carta “volta” Neus atravessou o espaço e com a carta “através”, atravessou a árvore e apareceu atrás de Clow.

Cercado de galhos e cipós, Neus agarrou o pescoço do mago.

Uma balança flutuante apareceu na frente de Clow.

Era a carta “libra”.

— Você pode ser poderoso, mas tem corpo de homem, como homem, você tem as fraquezas de um; libra! Qual a flor que Clow tem alergia?

No sol e na lua da balança, apareceu a imagem de uma orquídea.

Apertando o pescoço de Clow com um cipó, Neus sacou uma última carta:

— Eu tenho mais essa carta aqui senhor Clow! Orquídeas!

Os cipós e arbustos que agarraram Clow ficaram recheados de orquídeas.

O rosto de Clow ficou vermelho e empolado.

Agora era Clow que caía ajoelhado no chão, sem forças, tossindo e espirrando.

— Você é uma mulher fantástica, Neus! Mas com um destino cruel diante de si…

— Como assim?

 

VII

 

Do alto do espaço em branco, uma voz apareceu.

Era Kero.

— Clow, Clow, tá me ouvindo?

De repente, Neus, Pau e Clow estavam de volta para a barraca.

Nada havia mudado. Neus e Pau estavam sentados na cama e Clow estava diante deles, na cadeira, sorrindo.

Pau não estava desmaiado mais e nem Neus estava toda machucada e cheia de escoriações e calos.

E tampouco Clow, aquele mago poderoso, estava com o báculo dourado em mãos.

Nem aquela capa chinesa enorme, símbolo de seu poder, cobria seu corpo. Estava com o gibão de médico de campanha de novo.

Nem seu rosto estava empolado mais.

Todos estavam em perfeitas condições, como se não tivesse acontecido nada.

Era como se tivessem despertado de um sonho.

Uma coisa estava diferente: o livro das cartas não estava nas mãos delas.

— O livro das cartas! – Pau cobriu a boca de surpresa.

Estava nas mãos de Clow.

— O que aconteceu? – Neus estava atordoada.

— Calma, folks, Vocês estão em segurança, dentro da barraca…

— O que foi tudo aquilo? A gente não tinha lutado? Porque eu tou inteira ainda?

— Vocês nunca saíram daqui. Tudo aconteceu dentro da cabeça de vocês…

— Dentro da cabeça? – Incomodou-se Pau – Eu ainda sinto aqui aquele golpe na minha cabeça! E eu nem sei o que foi que me acertou!

— Você quem sabe, little Pau, prefere pensar nas dores do passado ou focar no futuro?

Clow sorriu mais uma vez como sempre fazia, como se tudo estivesse bem.

Aquilo começava a intrigar e irritar Neus.

Ela se levantou e Pau a acompanhou.

— Senhor Clow, Kero, tudo o que aconteceu foi muito real pra mim, seja lá o que ele senhor fez. Eu agradeço por salvar a minha vida e, pelo que eu me lembro, nós temos um acordo, senhor Clow, não temos?

Neus estendeu a mão.

Clow e Kero se olharam.

— É isso que você quer fazer, Mylady? Eu vejo dois futuros diante dos seus olhos e você escolhe o mais difícil…

— Senhor Clow, eu vou encontrar os caras que queimaram a minha fazenda nesse futuro?

— Você vai encontrar o chefe dos caras!

— Pra mim é o bastante…

Clow colocou o livro das cartas nas mãos dela.

— Porque o senhor sorri tanto, senhor Clow? – Perguntou Pau.

— Porque “sorrir sempre” é o meu lema. O mundo está cheio de dificuldades, sorrir sempre é a minha resposta contra o sistema!

O mago sorriu.

— Eu sinto uma dor dentro do senhor, Senhor Clow, o sorriso do senhor não esconde.

— Eu também perdi meu guardião nessa guerra, Neus e Pau…

— Porque o senhor não se junta com a gente?

— Magia não é o caminho pra se resolver um problema como esse, lembre-se disso Neus…

Agora era Clow que se levantava do banquinho.

— A gente pode achar seu guardião juntos, senhor Clow… – Disse Neus, hesitate.

— Pessoal, meu guardião está com gente barra pesada mesmo. Só eu posso resolver isso. Vocês tem um problema maior que o meu diante de vocês…

Clow estava sério e seu olhos, frios.

Aquele tom de voz arrepiou os dois irmãos.

— O senhor pode nos ajudar muito ainda, Clow! Vamos perder um grande curandeiro… – Disse Pau, um pouco tocado pela melancolia de Clow.

— Eu vou deixar o Kero com vocês, o que acha, Kero?

O guardião amarelo fez sim com a cabeça.

Ele voou até o ombro de Pau.

— Acho bom vocês terem boa comida aqui, pirralho! Vou ficar um bom tempo com você!

— Me chamou de pirralho?

Todos sorriram.

Clow se despediu de Neus e Pau cómo o sol se pondo nas suas costas.

— Onde o senhor vai, senhor Clow?

— Me encontrar com Enric Miró em Tremp…

— Mas… O Enric Miró tá com a gente? – Psu respondeu chocado.

Clow desapareceu na frente deles.

 

Continua…   


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