Uma Canção de Neus Artells escrita por Braunjakga


Capítulo 14
A irmã




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Girona, Catalunya

17 de agosto de 1714

 

0

 

Era um dia de sol escaldante em Girona.

Nos portões da cidade, uma carroça se aproximava.

Os coronelas pararam o condutor, perguntou deu nome e o que veio fazer em Girona.

Kero começou a farejar.

Ele estava em sua forma original, mas sem as asas.

Kero fez sim com a cabeça e os soldados liberaram a carroça.

Desde que se separou de Clow, o guardião ajudava os coronelas a revistar as carroças que entravam na cidade.

Neus temia que o exército espanhol fizesse uma operação como a do cavalo de Tróia e destruísse a cidade por dentro.

Deitou-se no chão e soltou a língua para fora:

— Que saco! Ficar cheirando carroça o dia todo dá uma sede!

Os coronelas sorriram:

— É o nosso dever, Kero!

— Você se acostuma!

— Mas a gente fica morrendo de sede… puxa vida!

— Eu pego lá pra você, Kero! Espera aí…

Quando o Coronela saiu do portão, uma carroça apareceu.

Um homem e uma senhora idosos, vestidos de camponeses estavam nela.

Eram Pietra e Zigor.

O Coronela parou como de costume e Kero começou a farejar.

Dessa vez, Kero demorou mais que de costume.

O pelo todo dele ficou agitado.

— Quem são vocês? O que vieram fazer em Girona?

— Zigor Iñigitz de Donostia.

— Pietra Beltrán de Pontevedra.

— A gente veio tirar um colega daí, cara!

— Ninguém pode entrar e nem sair de Girona se autorização!

— Mas a gente sim…

O grande escudo de Pietra estava amarrado num lençol em suas costas.

Ela jogou o escudo contra o Coronela e ele tombou na hora.

Kero mostrou os dentes, as garras e as asas para Zigor.

— Vocês são da Ordem do Dragão!!

— Gatinho esperto…

Zigor fez um sinal e Nadja e Luna saíram de baixo das lonas da carroça, as duas, vestidas também de camponesas.

Kero tentou impedir as duas de entrar e pulou para cima delas.

Zigor desceu a enorme espada que tinha com tudo na cabeça dele.

Kero caiu na hora.

 

I

 

Pau e Neus entravam dentro de um castelo.

Os coronelas os saudaram.

Durante quatro dias, ninguém mais na cidade escutou nada de avanços de tropas espanholas na região.

Era como se estivessem dando uma trégua.

Mesmo assim, Neus estava preocupada.

À medida que andava pelos corredores do Castelo, viu que os Miquelets e coronelas estavam armados até os dentes, com cintos cheios de balas dando voltas e voltas no peito dos soldados.

Ficou mais aliviada.

Como Capitã, fortaleceu as defesas de Girona com os soldados que fugiram do interior.

Mandou cartas para Santi pedindo recursos e perguntando o que aconteceu com os demais. O amigo respondeu que os espanhóis deveriam estar consolidando as posições que ganharam.

Santi disse também que o resto de coronelas e miquelets que se renderam foram exilados nas Américas, em Cuba e no México.

Não queria ver acontecer o mesmo que aconteceu em Lleida.

Também não queria ver mais gente de seu país exilado em Cuba.

Desta vez, estaria na porta esperando pelos homens de armadura vermelha como sangue.

Mas, para isso, precisava de Enric.

Desceu as escadas e deu de cara com um corredor repleto de tochas nas paredes.

Portas de madeira davam acesso às celas.

Era muito escuro lá.

Aquele calabouço era reservados aos piores prisioneiros e traidores.

Desde que voltaram de Seu d'Urgell e foram tratados por Clow, Enric estava entrevado em uma cama, numa cela nos calabouços de um castelo.

Para que Enric não usasse magia e nem saísse de lá, a cela estava protegida com a carta cadeado.

Neus passou a mão na porta e liberou a carta. Pau abriu a porta da cela e se depararam com o homem bonito, de olhos claros, olhando para o teto.

Estava intacto novamente, mas ainda estava com uma cicatriz grande na barriga tanquinho e outra enorme, no ombro, onde Pau o empalou com uma estaca.

Mesmo ferido, aquilo não tirava a sua beleza. Pelo contrário, Enric sabia usar aquilo como charme.

— Neus Artells de Sabadell… – Enric se sentou na cama – A primeira vez que eu te vi, eu pensei: que diabos de besta feroz é essa no meio daquele campo de melancias? Parecia um javali, mas eu me enganei. – Enric sorriu, levantou-se e tocou o rosto sardento de Neus com suavidade e delicadeza.

Neus sentiu os calos na mão dele. Isso mostrava que ele era trabalhador e ela dava valor para isso.

Pau tirou a mão dele do rosto da irmã de imediato.

— Tá pensando que é o que rapá!

— Eu ainda estou furiosa como um javali, Senhor Enric! Você não se enganou!

— Eu me enganei, eu achei que isso era terra no seu rosto, mas é parte do que você é… – Enric tornou a tocar as sardas de Neus com carinho, ignorando os olhos de raiva de Pau.

— Mais respeito, rapá!

— Deixa, Pau!

Pau estranhou a irmã.

Neus sempre odiou aquelas sardas, achava feio, mas Enric achava aquilo bonito.

Neus sentiu uma coisa dentro dela e se negava a aceitar que seu rosto esquentava.

— Todas as mulheres que eu conheci são tão iguais, tão românticas, sonhadoras, delicadas, mas você é diferente, Neus… Selvagem, furiosa, senhora de si… você é única Neus! Nem essa cara de séria esconde essa força feminina… eu gosto disso…

Enric deslizou a mão pelo rosto de Neus, tocando suas orelhas com as pontas dos dedos, acariciando de leve seu queixo até os lábios, descendo até o pescoço, terminando nos botões e medalhas da sua farda vermelha, deslizando perigosamente, suavemente a mão pelo seio dela, quase imperceptível.

Pau empurrou Enric de uma vez na cama:

— Tá maluco, é, tio? Minha irmã é casada e muito bem casada!

— Com um homem que não percebeu nem metade do que eu reparei nessa gata! Eu sei quem é Gerard Bernat, Pau.

Depois que o irmão empurrou Enric, Neus despertou para a realidade.

Era como se tivesse saída de um encanto.

Não sentia o tom zombeteiro e obsceno dos olhos de Enric. Pelo contrário, agora os olhos dele estavam azuis claros como o céu lá fora, claros e sinceros.

Pensou que talvez a distância da armadura vermelha como sangue e o ferimento fez ele mudar de postura.

Sacudiu a cabeça e chamou o irmão.

— Vamos Pau!

Puxou o irmão pelo braço e fechou a porta da cela com a carta cadeado, mas antes de fechar, viu mais uma vez Enric.

Ele sorria com simplicidade, como Clow sorriu para ela.

 

II

 

Passou mais três dias e Neus voltou a ver Enric.

Estava só é Pau não estava com ela.

O irmão implorou, mas Neus decidiu ir sozinha.

Liberou a carta cadeado e encontrou-se novamente com aquele homem bonito, deitado na cama, sem camisa, loiro de olhos muito claros.

Ele levantou-se e sorriu para ela:

— Neus… Eu ofendi você?

— Eu que me ofendi, Senhor Eric.

— Não é ofensa abrir o coração…

— Não quando se fala com um homem de armadura vermelha como sangue…

Neus saiu da porta da cela e sentou-se do lado dele na cama.

— Eu confesso, você é muito bonito e eu estava muito tempo sem ver meu namorado, mas não se dá trela pra um cara que quase me sufocou com aquela bolha de água, quase me matou com uma flechadas nas costas!

— Neus, deixe eu explicar…

— Não é qualquer flecha não, uma flecha com um verme que ninguém sabe o que é…

Enric sorriu sem saber o que falar.

— Vejo que você tem bons médicos… Não espere encontrar coisas bonitas num campo de batalha, Neus, Você assumiu o risco da mesma forma que eu fui empalado pelo seu irmão…

— E não morreu. Que raios é isso?

— É o poder da Ordem, Neus… Sem minha armadura não sou nada…

— Não minta pra mim!

Bastou Neus pensar para que a carta “libra”, aquelas balanças douradas com o sol e a lua como pratos para pesos, ficasse entre ela e Enric.

O sorriso de Enric desapareceu na hora.

— Essa balança parece que só responde perguntas sim ou não, Neus… Já vi uma coisa parecida assim antes.

— Eu só preciso fazer uma pergunta… Foi você quem queimou minha fazenda?

Enric respondeu sem hesitar:

— Sim. Fui eu quem queimou sua fazenda de melancias. Eu queimei o casarão com as suas tias dentro, eu queimei Girona, eu queimei…

Enric nem terminou de falar e o punho de Neus veio com tudo na cara dele.

Neus deu outro e mais outro soco até Enric agarrar as mãos dela e empurrá-la contra a parede.

— Maldito!

— Você não queria a verdade? Então toma a verdade! Só não garanto que ela seja bonita!

— Mana!

Pau veio com tudo entre eles e separou os dois.

Enric pulou na cama.

Neus chorava.

— Foi ele, Pau! Foi ele!

— Eu ouvi, mana, eu ouvi!

Neus abraçou o irmão e chorou nos ombros dele:

— Mana, eu sei que você não vai gostar, mas eu tenho uma perguntinha pra essa carta!

— Pau, por favor!

— O Gerard é parte disso também, hein, seu monstro! Você disse que conhece a gente, não é?

— O que você pensa?

O sorriso obsceno de Enric reapareceu.

Neus tinha muita raiva dentro de si. Finalmente achou quem procurava e queria se vingar.

Seu cérebro fervia pensando nas 1001 formas de fazer isso.

Mas ainda tinha uma dúvida que foi crescendo com o tempo e a distância de Gerard.

Saber se Gerard era parte disso ou não era uma dúvida do irmão e temia a resposta, temia olhar para a balança.

— Responde, vagabundo! Sim ou não?

De repente, um sino tocou. Era sinal de ataque.

Os irmãos Artells se assustaram.

— Mana, você ouviu isso?

— Estamos sob ataque!

— A cavalaria chegou! Q– Enric sorriu.

Kero apareceu na porta da cela, todo estropiado, parecendo que foi amassado por uma pedra. Até quando voava, estava todo torto.

— Kero! O que aconteceu?

— Foi horrível, Neus! Foi horrível!

 

III

 

Neus e Pau saíram do castelo e correram para ver onde estava acontecendo o ataque.

Girona estava um caos.

Coronelas e Miquelets corriam por toda a parte.

A população estava em alvoroço, tentando se salvar do assédio das tropas espanholas.

Muitos tentavam forçar a passagem pelos portões e sair da cidade.

Neus parou um miquelet que corria e perguntou:

— De onde está vindo o ataque, Soldado?

— Não tem ataque.

— Como assim não tem ataque? – Neus se assustou. – Que notícia falsa é essa?

— Eu não sei mais nada, Capitã, não vimos nenhum movimento de tropas na muralha.

— Não viram nenhum! E a cidade tá nesse pânico todo!?

O Miquelet estava confuso e preocupado.

Pau ficou agressivo e agarrou o Miquelet pela gola:

— Desembucha, Soldado! Somos os únicos que pode fazer alguma coisa aqui!

O Miquelet chorou:

— Sargento, quatro espanhóis, invadiram Girona no portão leste! É tudo que eu sei…

— Isso eu já sei, cara! Eu tava lá! A gente quer saber se tinha mais! – Disse Kero, cansado nos ombros de Neus.

— Não tem mais…

— E a cidade tá nesse alvoroço todo?

O Miquelet ficou calado.

— Quem acionou os sinos? – Neus perguntou.

Pau quase sufocava o homem. Agarrou ele pela jaqueta e disse:

— Some daqui! Fala pra todo mundo ir atrás de caras com armadura vermelha como sangue!

— Não tem ninguém assim…

Pau queria pegar o fuzil e dar uma coronhada no soldado, mas Kero interveio:

— Ele tá falando a verdade, pirralho! Eles não usavam armadura, só as armas.

Neus chamou o soldado:

— Fals pros outros Tenentes que os portões da cidade vão ficar fechados até a gente encontrar os caras! Ninguém entra e ninguém sai até a gente achar eles!

O Miquelet bateu continência e correu.

— Então tá certo! A gente vai se dividir, mana! Eu vou pelo leste e você vai pelo oeste!

Pau correu com o fuzil na mão e Neus sentiu um aperto no coração:

— Pau, espera! Vamos juntos! Eles podem ser muito fortes!

— Que fortes o quê! Devem ser um bando de soldado raso pé rapado! Se fossem bons assim teriam acabado com tudo! Esses caras são tudo arrogante!

— Pau! Pau!

Neus tentou chamar o irmão, mas ele já tinha corrido.

Sentiu uma fraqueza nas pernas e um aperto no peito que fizeram-na se ajoelhar.

Pau era seu único irmão, tudo o que lhe restou daquela guerra que já durava 15 anos.

— Vai dar tudo certo, Neus! Tenha fé! – Disse Kero, consolando a moça.

De repente, um Coronela passou correndo na rua:

— Espanhóis ao oeste!

— Oeste? Eles eram como?

— Tão vestidos de camponeses e tem um cara com uma espada grande!

Neus ficou espantada.

Foi exatamente um cara de espada grande que conquistou Girona, segundo os rumores.

— Vamos, Kero!

— Pra já

Sacou a carta “espada” e “escudo” e correu até lá!

 

IV

 

Neus chegou no oeste da cidade, no bairro de Germans sàbat, e viu a repetição da cena de Girona sob o ataque de Josep.

Coronelas e Miquelets estavam tombados por toda a parte.

Não estavam mortos, mas estavam totalmente fora de ação.

Muitos estavam com mãos esmagadas e caras detonadas.

No meio da rua, nas margens do rio Ter, um homem de cabelos grisalhos e barbicha empurrava três coronelas para o rio.

Uma mulher de cabelos loiríssimos, prateados e brancos, resistiu aos tiros dos Coronelas com um escudo.

Quando acabaram, a mulher bateu o escudo com tudo na cara dos soldados.

— Neus! Esses são os caras que acabaram comigo no portão!

— Você consegue lutar, Kero?

— Eu posso tentar…

Neus e Kero correram até os dois:

— Malditos!

— Olha, olha… Veja, Pietra, se não é a garotinha que acabou com o Enric e o gatinho lá da entrada!  – Disse Zigor.

— Eu não sou gatinho coisa nenhuma! Eu sou o grande Kerberos!

Zigor e Pietra gargalharam.

— Você brinca demais, Zigor! Essa menina parece que é um touro em fúria! – Disse Pietra. – Melhor ter cuidado. O gato pode ter sido fácil, mas ela não!

— Essa menina merece uma medalha, isso sim!

Neus respirou fundo e levantou a espada na altura do rosto, encarando-os.

— Sim, eu acabei com aquele cara! O cara que queimou a minha fazenda!

— Parabéns! Porque você não acabou com ele de uma vez?

— Zigor! – Estranhou Pietra. – Enric é um interventor da Ordem!

Neus também estranhou a resposta de Zigor. Kero já ficou em sua forma verdadeira e mostrou os dentes para eles:

— O que aconteceu no portão não vai acontecer mais!

“Eles têm rivalidades entre eles”, Pensou.

— Eu não estou a fim de palhaçadas! Me respondam! Vocês também estão por trás disso?

— Mocinha e gatinho, se você se colocar na nossa frente, a gente tem muito a ver com isso sim… eu só tou dando uma advertência.

Zigor sacou a grande espada e enfiou-a no chão cheio de paralelepípedos com apenas um golpe.

Kero não se intimidou.

— Eu não tenho medo!

— Nem eu!

— Deveriam ter! Porque eu também não estou a fim de brincadeira…

Zigor voltou-se para Pietra:

— Pietra, vai atrás da Nadja e da Luna. Agora elas já devem ter conseguido! Vamos acabar logo com isso!

O sangue de Neus desceu para os pés quando parou para pensar.

Na correria, havia esquecido de fechar a cela de Enric com a carta “cadeado”.

— Isso não era um ataque! Era um plano pra distrair a gente, Kero!

Zigor aplaudiu, sarcástico:

— Vejo que o que você tem de braveza não tem de inteligência!

 

IV

 

No castelo onde estava preso Enric, Nadja e Luna não foram tão piedosas com os coronelas como foram Pietra e Zigor.

Furos de lanças no peito e cortes de espada na barriga eram comuns naqueles soldados caídos.

Os mais rebeldes tinham a cabeça estourada por Luna e as mãos e pés decepados por Nadja.

Elas abriram a cela de Enric com facilidade:

— Mas que droga! Vocês demoraram!

— Foi difícil encontrar você, Dom Enric.

— Entendo; foi aquela maldita carta Clow que fez isso e me deixou preso aqui!

— Carta Clow? Ah! Deve ser a arma mágica do inglês!

— Isso mesmo Nadja; trouxe minha armadura?

Havia uma caixa grande nas costas da mulher de cabelos negros e pele morena.

Ela colocou no chão e a caixa se abriu.

A armadura se desmontou no ar e cobriu o corpo de Enric.

— Finalmente! Sinto toda a minha de volta…

— Então, vamos, Dom Enric! O Gerard pediu pressa! Essa garota deve ser perigosa!

— Fora que outros podem chegar.

— Certo, meninas.

Nadja, Enric e Luna correram para fora do castelo.

Assim que saíram, Enric se virou para a parte oeste de Girona.

Nadja e Luna foram no sentido contrário.

Pietra chegou a ponto de ver o desencontro:

— Enric, onde você está indo? – Disse a galega.

— Senhor Enric, o senhor pode ser atacado! Sua armadura…  – Gritou Nadja.

— Eu vou resolver uns assuntos inacabados e depois procuro vocês…

As três olharam-no com preocupação.

 

V

 

A espada rosa de Neus golpeava e golpeava a espada de duas mãos de Zigor.

A raiva preenchia todo o rosto dela.

Pra ganhar velocidade e força nos golpes, Neus montou em Kero.

Zigor não atacava, só se defendia.

Os Miquelets e coronelas que Neus esperava que viessem para ajudá-la na luta não vieram.

Fugiram quando ouviram a força do golpe das espadas.

Ordens ao longe ordenava que os portões fossem abertos.

O povo queria fugir antes que as tropas espanholas viessem de verdade.

“Aquilo só foi um rumor, só um tumor!”. Neus não entendia como aquele caos todo foi gerado por um rumor.

Zigor continuava a sorrir.

— Por que tanto empenho, Neus? Os coronelas já fugiram e eu não tenho a intenção de lutar com você! Porque você não foge também?

— Eu ainda vou te parar aqui e acabar com essas mentiras!

— Você realmente pensa que vai acabar comigo como acabou com o Enric?

— Eu vou tentar!

A testa de Neus suava e as veias saltavam.

— Então vocês já podem parar de tentar!

A voz de Enric surgiu de uma rua ao lado.

Junto com ele, estava Pau, com o pescoço preso nos braços dele.

O rapaz tentava se livrar, sem sucesso.

Ele estava com Nadja, Pietra e Luna.

— Pau!

Neus e Kero correram até Pau sem ter a noção do perigo.

Antes que chegassem nele, Pietra, Nadja e Luna derrubaram Neus de cima de Kero.

Nadja amarrou Kero no círculo mágico onde prendeu ele antes.

Luna agarrou Neus pelo pescoço com a sua lança.

Neus se debatia e dava trabalho para a mulher de cabelos castanhos curtos.

— Enric! Por que a gente não pega essas cartas Clow e sai logo daqui!

— E perder toda a diversão? Não, eu não quero essas cartas assim tão fácil! Que elas fiquem com ela… por enquanto… pra ela tentar se vingar…

Zigor estranhou e se assustou:

— Mas que papo é esse, moleque?!

Um círculo mágico vermelho como sangue apareceu nas mãos de Enric.

Uma flecha saiu de lá.

— Você pensa que é assim, pequeno Pau? Sem dar o troco?

— Dane-se você!

— PAU!!! – Neus lutava e lutava contra Luna e a interventora não conseguia segurar mais Neus.

— Me ajuda, Zigor!

— Mas que merda!

Zigor corria para tentar impedir Enric, mas já era tarde.

Enric enfiou a flecha com tudo no pescoço de Pau, sorrindo.

Neus se soltou de Luna e correu até o irmão, chorando, abraçando seu corpo desmaiado:

— Pau!

Enric sorria.

Luna, Nadja e Pietra estavam apreensivas.

Zigor agarrou Enric pela armadura:

— Seu moleque! Seu inconsequente!

— Mana… Eu sempre soube no que eu tava me metendo…

— Você não soube! Você nunca soube!

Neus abraçou o irmão, chorando.

— Você tem que continuar… pelos nossos pais… acaba com eles…

— Não me deixa, Pau!!!

— Visca Catalunya lliure i sobirana!

Fechou os olhos pra nunca mais abrir.

Um outro homem de armadura vermelha como sangue desceu dos céus e pousou perto deles.

Ao contrário dos outros, estava com capacete e o rosto coberto por uma máscara.

— Zigor, eu senti uma interferência, eu não entendi direito o que você quis dizer e…

O homem olhou para Zigor que fazia um não com a cabeça, lamentando.

Olhou para as meninas que só devolviam o olhar e esperava pela reação dele.

Enric, sorridente, com a sensação de dever cumprido, se ajoelhou diante dele.

— Meu comandante, meu General! Girona é nossa!

O homem calou-se por um instante antes de responder:

— Mas que inferno vocês fizeram aqui! Não era só pra resgatar o Enric? Fala Pietra! Fala Luna! Nadja! Zigor!

O tom era de repreensão severa.

— Garoto, eu tentei evitar…

Zigor pegou um barril grande de rum e não parou até terminar de entornar o barril todo.

Pietra, a mais velha das três, foi a próxima a falar:

— General, essa é a ordem! Não espere que a gente venha aqui na Catalunya e saia daqui com as mãos limpas!

— Você me entende, Pietra! E o que eu tenho falado pra ele faz tempo! Ele pensa que… Ah!

Sem que ninguém percebesse, Neus rasgou as costas de Enric com a carta espada.

Dessa vez, era diferente.

A carta brilhava em um dourado arco íris.

Nunca Neus fez uma cara de raiva como aquela.

Ela quebrou o barril de rum de Zigor e saiu com tudo dando golpes e golpes no escudo de Pietra:

— Fala de novo esse negócio de mãos limpas, fala! Fala de novo!

A voz de Neus era alta e cheia de ódio.

— Vocês dois não passam de dois pirralhos que nunca viram a guerra!

O próximo golpe de Neus rachou o escudo dela.

Pietra olhou para o homem:

— Faça alguma coisa! Tou sem a armadura!

Zigor foi quem reagiu.

Ele deu uma pancada forte na cabeça de Neus com a espada de duas mãos que ela ficou tonta.

Nadja e Luna golpearam Neus pelas costas e ela caiu no chão.

— Todo mundo, vamos sair daqui! Vamo embora todo mundo!

Disse o homem com voz extremamente grave.

Enquanto todos corriam, Neus se levantou mais uma vez, com mais ódio ainda no olhar.

Enric parou a corrida e voltou para dar uma porrada na cara de Neus, mesmo ferido.

O nariz dela sangrou.

O homem agarrou Enric pelo pescoço, dando um mata leão nele.

— Quando a gente voltar, a gente vai ter uma conversa!

Neus fazia a pior cara de raiva que podia fazer.

Para quem enfrentou Clow, aquela dor de cabeça forte que sentia e a ardência nas costas não era nada.

O homem de armadura continuou encarando ela, com os olhos vermelhos por trás da máscara e do capacete.

Não se aguentou e gritou;

— Tira essa máscara e me encara, seu covarde! Tira essa máscara! Faz que nem os outros!

Zigor foi até o homem, chamando-o.

Todos eles voaram um a um, Neus correu tentando alcançá-los, mas foi em vão:

— Voltem aqui!

No fundo, no fundo, estava destruída por dentro.

Ajoelhou-se no chão e chorou como nunca.

 

Continua...


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