Espadas, Chamas e Chifres escrita por Risadinha


Capítulo 9
Segunda parte do torneio - Distâncias


Notas iniciais do capítulo

Hey Hey Hey! Demorei muito? Óbvio, tradição. Mas trago um capítulo bem grande, muitas coisas acontecendo e uma preparação para grandes eventos para o próximo capítulo (muito ansiosa pelo cap 10 :3)
Enfim, leiam, não odeiem determinados personagens e respeitem a quarentena (aproveitem esse longo cap como distração).
Boa Leitura!



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— Você foi bem, Edel.

Os olhos de longos cílios se abriram, trêmulos e sensíveis pela iluminação. As cores ganharam formas, até formarem a imagem de Adel na sua frente. O sorriso de seu irmão transbordava carinho e conforto que a deu forças para se levantar.

Então tudo ficou escuro.

Os olhos se abriram novamente. Estava em um lugar diferente, percebeu pelo pesado silêncio. Portanto se moveu, sentando-se na cama que descansava.

— Você se recuperou rápido.

Edel se assustou com a presença de Lupus sentado próximo da cama. Pernas cruzadas e olhos sobre olheiras pesadas. Mas ali estava, lutando para ficar acordado.

— Eu não... — ela parou de falar.

Pressionou as mãos contra a barriga, toda dor localizada ali. Edel voltou a se deitar.

— Desculpe por não ver a luta inteira — dizia Lupus. — Estava resolvendo uma coisa. Só cheguei no final.

Na única parte que Edel se arrependia completamente. Todo o controle da luta se perdeu num piscar de olhos. Ela estava em vantagem, ganhando sobre Elesis sem uma espada, mas então... Ela não sabia o que aconteceu.

— Cadê o Adel? — perguntou Edel.

— Ele disse que precisava ficar presente nas próximas lutas.

— Hum.

Ela fitou o teto, pressionando os lábios. Certas emoções borbulhavam dentro dela, ocupando espaço dos seus pulmões e a impedindo de respirar apropriadamente.

— Você foi forte, Edel.

Ela se virou para o lado, dando as costas para Lupus.

— Me deixa sozinha.

— Estou te elogiando.

— Não quero seu elogio. Vai embora!

Lupus permaneceu na cadeira, mesmo sendo ignorado. Ele esfregou a nuca, sem saber o que dizer naquela situação.

— Perder uma luta do torneio não te torna um lixo, sabe?

— Você não tem uma missão pra salvar o mundo? — ela indagou, nervosa. — Então vai.

Ele cruzou os braços, acomodando-se na cadeira.

— Isso pode ficar pra depois. Tenho um trabalho mais importante agora.

O corpo de Edel se moveu, lento e cuidadoso para não sentir mais dor. Ela olhou sobre o ombro, tentando esconder sua feição chorosa do caçador.

Lupus decidiu não reagir a isso.

— E também, eu preciso da minha parceira pra fazer isso — ele disse, então sorriu.

Nenhuma reação de Edel. O haro se aproximou, esticou a mão até ela.

Edel voltou as costas, porém segurou sua mão. Assim ficaram, por um longo tempo.

***

Ninguém recebeu Elesis quando deixou a arena. Ela carregava o que sobrou da espada quebrada e a si própria. Pés arrastados que a levaram para a arquibancada. No meio de tanta gente, conseguiu localizar Jin pelos cabelos.

A caminho de seu amigo, Elesis viu uma parte privada da arquibancada reservada para Ronan; alguns líderes tinham lugares parecidos pelo restante da arena.

Ronan a viu e esboçou um sorriso. Ao lado dele, Arme balançava os braços freneticamente.

— Você foi incrível, Elesis! Eu sabia que você ia conseguir — gritava a maga.

Elesis agradeceu com um sorriso sem graça.

— Você precisa descansar, Elesis — mencionou Ronan. — Você precisa bastante disso.

— Eu já vou.

Seguiu caminho até Jin, que havia reservado um lugar para ela. Ao se sentar, Elesis quase desmaiou sem mais forças para carregar o próprio corpo.

— Eu não sabia que seu berserk estava tão forte assim — mencionou Jin, olhos focados na arena vazia. — Foi incrível.

Não tinha sido bem o berserk, quase se corrigiu. Elesis deixou a estranha mana dentro de si se misturar com as chamas, o que resultou nisso. Talvez todo o cansaço atual pertencesse a esse único golpe, e não aos ataques de Edel. Os cortes feitos pela ponta do florete começavam a coçar.

— Valeu — ela agradeceu, entretanto. — Ansioso pela luta da Amy?

Enfim Jin desviou os olhos da arena. Ele transpirava ansiedade por sua amada de cabelos rosas.

— Quero dar todo meu apoio a ela — ele disse. — Amy se esforçou muito para participar do torneio.

Era fofo ver o ruivo se esforçar tanto para apoiar a garota que gostava. Aquele era um tipo de torneio perfeito para Jin participar, porém estava sendo o oposto. Ele na arquibancada torcendo por Amy.

 O sorriso de Elesis desapareceu.

— Você veio ver o torneio sozinho? — ela perguntou.

— É, Sieg e Dio não puderam vir hoje, mas vão vir no próximo. — Pausou, lançando um olhar de desculpa para Elesis. — Ele não veio, tava ocupado com umas coisas.

Elesis entendeu. Não se sentiu culpada, mas ficou incomodada ao ponto de tira-la do lugar e deixar a arquibancada. Próxima da saída, Elesis percebeu o olhar de Ronan sobre ela.

Ele sabia para onde ela ia.

***

Ela não correu, não existia pressa, mas por todo o caminho sentiu vontade de aumentar a velocidade dos seus passos. Uma pequena chama de indignação crescia em seu peito e toda a culpa era de Lass Isolet.

Quando chegou no colégio, essa raiva se transformou em culpa. Elesis não tinha mais certeza se queria estar ali, mas quando se deu conta, aproximava-se da porta e fechava o punho para bater. Ela tinha que voltar para o castelo para se recuperar da luta, limpar os cortes feitos por Edel.

Dane-se. Elesis bateu na porta. Através do chão, sentiu a vibração dos silenciosos passos que se aproximavam da porta. Elesis prendeu a respiração.

A porta não foi aberta.

— O que você quer?

Os olhos confusos piscaram. Ela se aproximou da porta, apoiando o ouvido na madeira.

— Lass, sou eu.

— Eu sei. — A voz soou baixa do outro lado da porta. — Você não deveria estar no torneio?

— Eu já lutei — ela sorriu, mas desmanchou pela distância entre eles. — Eu ganhei da Edel. Você tinha que ver, eu—

— Elesis, por que você está aqui?

Qualquer fio de animação acabou ali. A espadachim olhou a porta, como se conseguisse ver através dela. Embora não enxergasse, sabia que o ninja estava encostado nela com um olhar baixo.

— Eu queria te ver.

A porta se abriu, uma pequena brecha para apenas o rosto de Lass ser visto. Seu nariz tinha melhorado, porém continuava destacado contra sua pele pálida. A seriedade também realçava o hematoma.

— Por que você está fazendo isso, Elesis? — ele questionou. — E não adianta mentir, eu sei que você está escondendo algo de mim.

— Lass...

— Ronan e Adel me ameaçaram, porque eles também estão escondendo algo. Eu não sou idiota!

Elesis sentiu o cansaço bater. Não escondia a verdade de Lass porque ele era idiota, mas porque ele era esperto para descobrir sozinho. Ou talvez a espadachim fosse péssima pessoa para guardar segredos e ficava óbvio demais todas suas tentativas de esconder.

— É complicado, Lass — ela sussurrou.

Ele olhou irritado, decepcionado pela resposta. Com uma bufada, fechou a porta.

Mas a porta voltou ao bater nos dedos de Elesis no batente. Ela não esboçou dor, ao contrário de Lass que expressou uma pesada culpa. Pareceu doloroso, vendo que os dedos ficaram marcados por uma linha vermelha de sangue.

— Eu te entendo — disse Elesis. — Eu sei como você tá se sentindo sobre isso.

— Não, se você soubesse não estaria mentindo na minha cara.

— Eu não... — Elesis fechou o punho com dedos machucados. — Por favor, me escute.

Lass deu um passo para trás, voltando a segurar a porta. Elesis bloqueou sua ação esticando os braços, próxima de segura-lo. Mas não encostou nele, prendeu-se nesse limite entre eles.

— Lass, eu vou te contar sobre tudo, mas não agora — Sua voz tremeu de nervosismo. — Eu vou chegar na final e... e quando isso acontecer, eu te conto. Certo? Vou contar tudo!

Elesis percebeu a mão dele apertar em volta da porta.

— Eu quero a verdade, Elesis. Agora.

Ela não podia. Seus braços recuaram, abraçando seu próprio corpo.

— Desculpa, eu não posso.

Lass se manteve sério.

— Eu não quero brigar com você — continuou Elesis. — Principalmente agora. Então, não tem como você esquecer disso por um instante e—

A porta se fechou. Elesis não se moveu, nem mesmo desviou os olhos da porta. Uma parte dela acreditava que Lass abriria novamente e se desculparia. Então ela esperou.

E esperou.

Até seu corpo começar a pesar e a forçar dar meia volta. Elesis precisava de uma cama, e ela não estaria dividindo uma com Lass esta noite.

***

 O corpo de Elesis pedia por um descanso, mas sua cabeça funcionava a todo vapor. Era possível sentir a fumaça saindo por seus ouvidos. Por essa razão, Elesis não voltaria para o castelo nem para a arena. Não estava à fim de ver o resultado das outras lutas.

Vagando próxima à arena, a espadachim encontrou parte do evento do torneio. As várias barracas davam vida às ruas da cidade. Quem não pudesse acompanhar as lutas, ao menos teria uma forma de se divertir.

Por se tratar do primeiro dia, não estava cheio. Elesis andou pelo festival com um olhar curioso sobre cada barraca que passava. Ela estava exausta, porém seu lado infantil a empurrou para uma barraca de jogo.

— Quatro balas para derrubar os três patinhos — explicou o dono da barraca.

Foi entregue a Elesis o rifle de brinquedo. Um pouco pesado, talvez por seus braços não suportarem carregar mais pesos. Ignorou, erguendo a arma para atirar.

— Que surpresa te encontrar aqui.

Elesis abaixou o rifle, notando a pessoa parada ao lado dela. O homem era um haro, aparentemente mais velho, porém quase não tinha sinal da sua idade. Ela podia sentir esse ar antigo sair dele.

Ele estendeu a mão aberta.

— Sou Regis, pai do Lass e Lupus. Você já deve ter ouvido falar de mim, Elesis.

— Ah. — Elesis estava cansada, o que não precisou fazer muito esforço para expressar um desgosto com seus simples olhar. — Você... Lass falou que você estava na cidade.

Regis continuou com a mão estendida.

— Vou ficar por um tempo — ele respondeu. — Peço desculpa por não ter assistido sua luta de hoje.

Elesis manteve o olhar, então se voltou para o alvo da barraca e ergueu o rifle.

— Você não é o pai do Lass.

O primeiro disparo acertou o patinho. Regis abaixou a mão, mas não perdeu a postura.

— E por isso estou aqui — disse o haro. — Quero dar o suporte necessário ao Lass. Eu sei que minha ausência—

— É um pouco tarde para isso, não acha?

Elesis não costumava ser rígida com pessoas que não eram suas inimigas, sempre tentava ser o mais amigável possível. Mas Regis era um caso diferente. Ela não tinha nenhuma razão pessoal para odiá-lo, porém envolvia Lass, e tudo que o envolvia, a envolvia também. Se Lass odiava Regis, Elesis também odiaria.

Mesmo brigados, eles tinham assuntos para concordar juntos.

— Eu não vim apagar o que eu fiz com o Lass, Elesis. Mas não é sobre ele que quero falar.

Elesis ergueu o rifle, mirando no segundo patinho. Sua mira balançava um pouco. Armas de fogo nunca foram as favoritas da espadachim.

— É sobre as chamas? — ela perguntou.

— E sobre você. Agradeço pelo que está fazendo pelo Lass, o protegendo dos Conselhos — sua fala saiu gentil, soando verdadeira.

Talvez ele estivesse sendo honesto de verdade.

— É o mínimo que posso fazer por ele — contou Elesis, olhos no alvo. — Eu amo o Lass.

Ela puxou o gatilho. O segundo patinho foi acertado.

— E talvez isso seja um problema para ele — disse Regis.

Elesis abaixou o rifle para encara-lo. Pronta pra atacar.

— Não me entenda errado, eu apoio esse relacionamento de vocês, mas me preocupa quando lembro que as chamas ainda estão com o Lass.

— O que quer dizer com isso? — ela perguntou, séria.

— Não importa quanto amor você tenha por ele, você ainda vai fazê-lo sofrer por causa das chamas — respondeu, tão sério quanto ela.

A espadachim aceitou aquilo como uma ofensa. As dores da luta cresceram com seu sangue fervente. Precisava se acalmar. Decidiu se focar no último alvo da barraca, apontando o rifle com uma mira mais nervosa.

— Eu nunca machucaria o Lass, Regis.

Ela atirou. O último patinho permaneceu no lugar. Elesis pareceu surpresa consigo mesma.

— Essa não é uma coisa que você escolhe — falou Regis. — Principalmente quando envolve as chamas.

Não foi exatamente raiva que fez Elesis apertar as mãos no rifle, ela mesmo não entendia bem sua própria reação. Conversar sobre as chamas sempre resultava em emoções negativas, sendo ela e Lass os mais afetados; e com razão.

— Se estamos falando de machucados físicos, eu sou a única a ter.

De forma tímida, Elesis puxou a gola de sua camisa, mostrando a Regis parte da queimadura das chamas. Expor o corpo não deixava a espadachim nervosa, mas expor uma marca de seu relacionamento com Lass para seu sogro, sim. Sem precisar olhar diretamente, sabia que o mesmo compartilhava de um olhar triste.

— As queimaduras são os de menos — ele disse. — Suas queimaduras saram, as do Lass não.

— Lass não se queima — falou Elesis, confusa.

— Não no sentido literal. Embora Lass tenha se habituado com as chamas em seu corpo, receio dizer que ele não suportará por tanto tempo.

Elesis deixou o rifle de brinquedo encostar no balcão, levando sua atenção ao haro. Era a primeira vez que alguém falava sobre o perigo das chamas e ela não considerava um aviso idiota. Regis era o antigo portador das chamas, tudo que ele falasse do assunto, Elesis se interessaria.

— Lass é forte, ele consegue suportar as chamas — rebateu Elesis.

— Essa não é a questão, Elesis. Lass é muito forte, mas ele não é o dono das chamas azuis.

Ele não era, Elesis sempre repetiu isso. Era bom ouvir essas palavras saírem da boca de outra pessoa.

— É por isso que estou preocupado com ele — continuou Regis. — Lass gosta tanto de você que está disposto a morrer com as chamas para não ter que passar pra você.

Uma bufada, Elesis assentiu e voltou a erguer o rifle. Últimas bala para derrubar o patinho.

— Posso? — Regis estendeu a mão para ela.

Um pouco receosa, ela passou a arma de brinquedo para o caçador. Seus braços caíram sem um peso para carregar. Quanto a Regis, ele ergueu o rifle com uma única mão, tão profissional mesmo com uma arma de brinquedo.

— Por que está me dizendo tudo isso? — perguntou Elesis.

— Porque eu me importo com o Lass.

Regis atirou, devolvendo a arma ao balcão. Não precisava olhar para saber o resultado. Nem mesmo Elesis olhou.

Ela acreditava nele.

— Aqui seu prêmio!

O dono da barraca deu um globo de neve para Elesis. Mais um peso para ser carregado nessa noite.

— Quer continuar essa conversa ou pretende me ignorar? — perguntou Regis, honesto.

Elesis já tinha seguido com essa conversa o suficiente para não poder ignorar mais. Ela abraçou o globo de neve e andou pelo festival, lançando um simples olhar para Regis a acompanhar.

Ao menos havia um lado positivo em andar com alguém mais velhos que ela. Tudo que pedia, Regis estava disposto a pagar. Poderia parecer uma atitude vingativa da espadachim, mas, honestamente, ela estava morrendo de fome, e fome era uma coisa que afetava seu humor.

Regis apenas tocou no assunto das chamas ao se sentarem em um banco.

— Acho que você já sabe o que quero falando sobre as chamas, certo? — disse Regis. — Não quero que o Lass passe pelo mesmo processo que eu passei. É literalmente um inferno.

Elesis terminou seu algodão doce. A doçura se dissolver na sua boca, restando nada mais que medo e um pouco de esperança.

Ela encolheu as pernas sobre o banco, apoiando o rosto nos joelhos para olhar Regis ao seu lado.

— Como você pode ter certeza que o Lass vai passar por isso?.

— Eu não tenho, eu só sei. Por anos, a única pessoa capaz de ter as chamas em seu corpo é o próprio dono delas. — Coçou a barba rala, tão cansado que sua voz começava a se arrastar. — Lass pode não morrer pelas chamas, mas ele vai começar a enfraquecer e ser consumido aos poucos.

— Mas as chamas não são um ser com consciência? Se elas quiserem ficar no corpo do Lass, elas ficarão, não?

Regis balançou a cabeça, totalmente pessimista.

— As chamas são mais poderosas que suas próprias decisões. Mesmo que elas decidam ficar, elas ainda vão queimar o Lass.

Elesis encarou os pés. O perigo não aconteceria agora ou amanhã, mas saber que com o tempo Lass enfraqueceria ao ponto de viver apenas com dor a deixava muito triste. Era tão sufocante quanto olhar para a neve presa dentro do globo de neve.

— O que você quer que eu faça?

— Eu sei que o Lass vai negar isso, mas temos que convencê-lo. As chamas precisam voltar para o verdadeiro dono.

Foi o que Elesis sempre quis para Lass, arrancar esse fardo que nunca o pertenceu. Agora que sabia sobre as consequências, um peso a mais surgiu sobre a pilha de responsabilidades do torneio. Ela tinha que ganhar o torneio, ganhar a liberdade de Lass e pegar as chamas para si. Se ela perdesse, as chamas se tornariam propriedade de outro continente, como a liberdade de Lass também.

Elesis esfregou a cabeça furiosamente.

— Entendo que é um trabalho difícil, mas se tem uma pessoa que o Lass pode escutar, é você — apontou Regis.

— Lass nunca vai me dar as chamas.

Regis suspirou.

— A gente vai encontrar um jeito.

***

Após uma noite de sono e tratamento dos machucados, Elesis se sentia 80% inteira. O café da manhã, cheio de frutas e sucos por toda a mesa, completava sua barra de hp. No entanto, nada disso seria capaz de preencher até 100%.

Apenas uma coisa faria Elesis se sentir completamente bem e isso não estava na mesa com ela.

— Tudo bem tomar algumas poções, sua próxima luta será apenas semana que vem — contava Ronan enquanto passava manteiga em sua torrada bem-torrada. — Tente não fazer muito esforço hoje. Você precisa se recuperar das costas antes da próxima luta.

Por mais que parecesse distraída, Elesis escutava o que Ronan tinha a dizer. Ela dividia sua atenção entre a explicação do rapaz e com os machucados espalhados por seu corpo que começavam a coçar. Mal via a hora de tirar o curativo da sua bochecha.

— Elesis, está me escutando?

— Sim, estou.

Ronan mastigava a torrada e mantinha um olhar de desconfio para a espadachim.

— Então, sobre o torneio — ela tomou o controle da conversa. — Quem vai ser o próximo a perder pra mim?

— Lin.

Elesis olhou um pouco surpresa. Após ter saído da arena, ela não se deu ao trabalho de saber quem venceu as outras lutas. As apostas da espadachim eram Amy e Azin como vencedores, mas aparentemente errou nas escolhas.

— Amy lutou muito bem — continuou Ronan. — Mas Lin conseguiu ser mais sagaz. Digo o mesmo do Azin. Ele evoluiu bastante.

— Eu não vejo a Lin há anos — mencionou Elesis, pensativa. — Não tenho ideia do estilo de luta dela.

— Os ataques dela são de longa distância. Você consegue vencê-la.

Ela sentia um certo alívio por não ter que enfrentar Azin. A raposa era um adversário complicado de lidar.

— E quem vai enfrentar o Azin? — olhou curiosa.

— Pino. Ele tinha ganhado a prova da bandeira, essa vai ser a primeira luta dele.

Elesis havia esquecido dele. Pino era um tipo de pessoa que se destacava quando via pessoalmente, mas que era totalmente esquecível depois de um tempo. Ela tinha medo dessa imprevisibilidade que era o campeão de Arquimidia.

— O que você acha dele? — perguntou Elesis. — Do Pino.

Ronan se recostou na cadeira, terminando sua torrada.

— Não o conheço, mas para o líder de Arquimidia ter escolhido ele é porque ele luta bem — explicava Ronan. — O líder de Arquimidia é muito exigente, não consigo imaginar o líder escolhendo qualquer um.

Essa não era o tipo de resposta que Elesis esperava ter. Ao menos, ela esperava pela vitória de Azin sobre esse desconhecido. Não estava com vontade de entrar numa arena para descobrir a verdadeira habilidade dele.

— Aliás — disse a espadachim, ganhando um tom irritado —, não vou lutar mais com uma espada sua!

Ronan tentou conter o sorriso, mas ele deslizou uma risada sem graça. Elesis corou de vergonha.

— Você quase me fez perder por aquela espada vagabunda!

— Não era uma espada pobre — ele debateu entre risadas. — Não é minha culpa se a Edel conseguiu quebra-la.

— Meus sabres não quebrariam! — Elesis pegou uma fatia de pão e jogou em Ronan. — E pare de rir!

Com tentativas sérias, seu amigo de infância não conseguiu voltar à feição neutra. Em meio a isso, a espadachim sorriu sem jeito, vendo toda a situação por um lado cômico. Ela tinha ganhado, podia relaxar.

— Você tinha que ver a reação da Arme quando sua espada quebrou — contava Ronan. — Ela gargalhou tanto.

— Eu achei que vocês estivessem torcendo por mim.

— Bem, a gente sabia que você ia ganhar, então... — deu de ombros. — Nunca achamos que a Edel poderia te vencer.

Todas as expectativas de seus amigos a faziam se sentir bem. Não estava nessa luta sozinha, e Elesis agradecia com todas forças por isso.

Mas... Ela ficaria mais grata se Lass estivesse no mesmo time. Ele não se importava, ele fingia não querer saber dela durante o período do torneio. Machucava.

— Você foi ver ele ontem, não é?

Elesis ergueu o olhar. Enfim, Ronan voltou ao normal, tão rápido que não parecia ter chorado de rir minutos atrás.

Ele se escondia atrás da xícara de café.

— Eu queria ver como ele estava — respondeu Elesis, sem medo da verdade. — Todos os líderes estavam ocupados com o torneio.

— Eu sei, mas...

Não continuou, o que não era preciso. Elesis assentiu, concordando com o silêncio do amigo. Não era bom se arriscar muito.

Elesis se levantou da mesa. Antes de ficar completamente de pé, apoiou-se na beira do móvel para manter o equilíbrio.

— Como eu disse antes, não vou mais usar espada sua — dizia Elesis. — Então estarei indo pegar uma minha no colégio.

 — Para o colégio? — Ronan olhou surpreso. — Não acho que seja uma—

— Só vou pegar a espada, Ronan.

Ela apoiou a mão no ombro dele. O sorriso mostrava honestidade.

— Não se preocupe — completou Elesis.

Mesmo sendo uma mentira, Elesis não seria recebida de braços abertos por Lass. Enquanto o torneio estivesse acontecendo, o ninja manteria distância dela.

E ela conseguia o entender.

***

Sieghart finalmente cedeu às críticas, as quais ele podia chamar de insultos pela forma como eram entregues. Ele não se importava tanto, mas o trabalho de manter um bigode perfeitamente simétrico o obrigou a desistir de uma vez.

Uma lâmina afiada e uma quantidade moderada de espuma, então pronto, um rosto liso de pelos faciais. Ao terminar de jogar água no rosto, olhou-se no espelho. De relance, pareceu com um desconhecido, porém poucos segundos depois ele já se achava o homem mais bonito de Ernas.

Porque o de Elyos já existia.

Sieghart acertou um tapa na própria bochecha. Não gostaria de começar o dia com tais pensamentos. Ele se apressou para trocar de roupa e deixar seu quarto vazio, ausente de Jin, que deveria está secando as lágrimas de Amy até agora.

Ao sair, Sieghart se deparou com as costas de Lass. O ninja usava pijama enquanto mantinha a testa encostada na parede. Calado, sem se mover. Sieghart sentiu medo vendo aquela cena.

— Lass?

Lass não se mexeu.

— Bom dia, Sieg.

Sieghart se aproximou. Os olhos azuis de Lass fitavam os pés descalços.

— Bom? — questionou Sieghart. — O que você tá fazendo?

— Eu... não sei. Eu briguei ontem com a Elesis e acordei me sentindo mal. Então eu levantei e sai do quarto, pra ir me desculpa, mas... — Seus lábios se pressionaram. — Não tenho certeza se isso é o certo.

Sieghart usou a parede como um apoio para suas costas, escutando ao que Lass tinha a dizer.

— Por que você acha que é errado se desculpar com a Elesis? — perguntou Sieghart. — É por causa do torneio?

— O torneio está incluso. — Lass afastou a cabeça da parede, apenas para bater a testa novamente. — Eu deveria confiar nela, mas é tão difícil.

 Esse era um sentimento tão pesado que machucava seu coração. Lass fechou os olhos, querendo acordar no dia anterior, antes de fechar a porta do quarto na cara de Elesis.

— Eu só quero que ela seja honesta — disse o ninja.

— Bem, você conhece a Elesis melhor que qualquer um, sabe como ela age. Se ela está mentindo pra você, com certeza é por um bom motivo — explicou Sieghart, seu sorriso amenizando o clima. — Tente não pegar pesado com ela, principalmente com o torneio no meio.

Lass voltou a encarar os pés, pensativo. O que Elesis esteja escondendo é pelo bem dele, mesmo o deixando furioso por ela preferir sua segurança em vez dela própria. A espadachim sempre seria uma pessoa imprudente, com meios radicais para proteger as pessoas que gosta.

Ele virou o rosto para o lado, ganhando uma surpresa repentina com a falta de bigode no rosto de Sieghart.

— Ah — ele apontou. — Você tirou aquela coisa fora.

— Pode, ao menos, respeitar a morte do meu bigode? Não é tão difícil!

Lass riu, finalmente afastando sua testa da parede. Ter falado o que incomodava o fez se sentir mais leve. Sieghart era um tipo de pessoa que conseguia tirar o peso de seus ombros com o bom humor de sempre.

— Eu tô indo levar algumas coisas para o Dio — mencionou Sieghart. — Quer ir? Talvez te distraía.

— É, pode ser.

Lass tomou caminho, sendo parado por Sieghart.

— Você vai assim?

Não precisou se olhar para saber que não estava adequado, mas também não se importava o bastante para voltar para seu quarto e trocar por outra roupa. No fim, Lass assentiu e Sieghart deu de ombros.

Mas foram parados novamente. A voz aguda veio do outro lado do corredor junto com os passos apressados de formiga. Lass a reconheceu imediatamente pelos olhos de cruz.

— Garoto com demônio no corpo! — gritou Holy. — Devolva a arma que você pegou!

— Eu já diss—

Holy avançou com o punho aberto. Lass se jogou para o lado, segurando o braço da paladina no segundo ataque.

Discretamente, Sieghart deu um passo para trás.

— Eu vou devolver, ok? — rosnou o ninja. — Me dá um tempo.

— Isso não é um brinquedo! — rebateu Holy. — Precisa ser devolvido para o Conselho!

— O que tá acontecendo? — perguntou Sieghart.

Lass soltou Holy com um olhar de aviso. Ela apenas encheu as bochechas, contendo sua raiva.

— Essa aqui é a ajudante, sei-lá-o-que-mais, do Ronan — explicou o ninja. — Ignore ela.

— Sou ajudante e segurança de Ronan Erudon! — corrigiu Holy, ofendida.

— Ótimo, vá defender ele e me deixa em paz.

Holy bateu com os pés no chão, tão furiosa que ela poderia ter quebrado o piso com o simples movimento. Aquele era um sinal para Lass não testar os limites da mesma.

Por sorte, ele tinha Sieghart para ajudar nisso.

— Ei, gostaria de ver um dragão? — ele perguntou, simples assim.

Holy pareceu muito confusa.

— Hã? Dragão?

— Você é ajudante do Ronan, mas aposto que ele não deve ter deixado você ver o dragão ainda.

Lass também pareceu confuso. De onde Sieghart tinha tirado aquela sugestão? Mas, aparentemente, tinha sido efetivo sobre a paladina de feição pensativa.

— Eu nunca vi um dragão de perto antes — falou Holy, encolhida como uma garotinha inocente. — Posso mesmo?

— Claro! A ajudante do Ronan deveria saber como é um dragão!

Aquilo pareceu um delírio, Lass sendo o único afetado. Holy não era mais uma ameaça, e sim uma garota tímida diante a explicação de Sieghart sobre o dragão. A magia que ele usasse, era efetivo sobre qualquer pessoa.

— Ok, vamos logo — resmungou Lass.

***

Elesis bateu na porta. Nada. Bateu mais uma vez. Outro nada.

Na terceira batida, a porta se abriu antes e seu punho foi contra o rosto de Lupus.

— Ah foi mal!

O rapaz tirou as mãos do rosto, uma fúria sobre a expressão sonolenta. Ainda estava de pijama, seu quarto um completo breu no fundo. Não parecia uma boa hora para conversar com ele.

— O que você quer? — perguntou Lupus. — E fale baixo, a Edel tá dormindo.

Elesis tentou enxergar através da escuridão, querendo ao menos saber o estado da jovem. A porta foi fechada. Lupus cruzou os braços, colocando-se no caminho.

— Ela está bem? — perguntou Elesis, genuinamente preocupada. — O último ataque que eu dei nela foi bem forte.

— Você quebrou três costelas dela — Lupus tentou usar um tom que não a fizesse se sentir culpada, mas ela se sentiu apesar disso. — Desde quando seu berserk se tornou tão forte?

A espadachim esfregou o braço. A pior parte de ter amigos espertos era ter esse tipo de observação deles. Ela não podia contar a verdade, por mais que Lupus seja um bom guardador de segredos.

— Eu vim falar da espada — disse Elesis. — Não quer saber?

— Ah, essa espada. Claro, conte-me o que descobriu.

— Já aviso que não descobri muita coisa das chamas — falou com certo nervosismo, motivo pelas chamas em si. — Elas não sabem onde está, mas chutou Elyos. Útil?

— Não, devido ao tempo. Eu preciso dessa espada logo, não posso viajar até Elyos para procurar.

Lupus bufou. Elesis viu o desespero brilhar nos seus olhos. Era impressão dela ou todos pareciam cansados ultimamente? Lupus carregava um peso desconhecido sozinho, e o que o matava tanto por não saber quando aconteceria. O que aconteceria. Por quem.

— Bem, as chamas disseram que elas podem matar o Berkas, caso ele apareça — mencionou Elesis. — E também temos várias pessoas fortes pra combater. Todos os continentes estão aqui.

Ele riu com escárnio.

— Primeiro, eu não vou depender da boa vontade das chamas para isso. Segundo — ele lançou um olhar sério —, muito menos dos outros continentes.

Em partes, Elesis concordava. Depender dos líderes para salvarem Ernas nunca seria a melhor opção. Alguns deles se ofereceriam para lidarem com o problema com as próprias mãos, mas outros, como o líder de Arquimidia, daria as costas na primeira oportunidade que tivesse de fugir.

A covardia enfurecia Elesis. Ela não tinha problema com pessoas fracas, mas tinha com pessoas que escolhiam a fraqueza.

— E o que você pretende fazer? — perguntou Elesis. — Sem espada, sem as chamas, o que mais te resta?

— Rezar para as Deusas, talvez.

Aquilo não foi uma piada. As piadas de Lupus eram acompanhadas por seu sorriso debochado. Seu rosto era um cemitério, sem qualquer esperança.

— Esse dragão não pode ser tudo isso — riu Elesis, mais por nervosismo. — Não existe outro dragão que o posso combater? Ou algo do tipo?

— Tem Magnolia — ele respondeu, sem ânimo. — É um dragão antigo. Poderia combater Berkas, mas pense nos estragos que essa luta causaria.

Dois “pequenos” dragões invadiram a cidade e causaram grande caos por onde passaram. A existência de mais dois do tipo, porém em uma escala colossal, fazia Elesis perder o fôlego. Seu peito se enchia de tanta ansiedade quanto da vez que enfrentou Cazeaje com Lass. Apenas existiu medo em seu corpo naquele dia, mas o medo também a motivou a continuar, a lutar pelo Lass; como agora no torneio.

Ela não tinha certeza se teria a mesma força para combater berkas.

— Querida Elesis!

Sieghart passava pelo corredor acompanhado de uma garota. Elesis demorou a reconhecer.

— O que faz aqui? — Sieghart perguntou. — Deveria está descansando do torneio.

— Eu sei... Você tirou o bigode! — ela olhou surpresa.

— As Deusas agradecem — disse Lupus.

O sorriso de Sieghart sumiu com sua expressão emburrada. Ao lado dele, Holy acenou para Elesis.

— Olá, Elesis! Você foi ótima ontem.

Mesmo confusa em relação à presença da paladina, Elesis agradeceu, sem jeito. Dois passos adiante e Holy entregou um olhar oposto a Lupus. A ameaça silenciosa fez o haro retribuir com um sorriso.

— Com licença, estamos indo — disse Sieghart, que então apontou para Lupus. — Bela cueca, mas a do seu irmão é melhor.

Do jeito que chegaram, eles se foram. Elesis tinha perguntas na ponta da língua, mas foram respondidas com a chegada de Lass. O ninja usava um pijama como o haro, parecidos nas roupas e cabelos despenteados.

Lass ignorou totalmente a presença de Lupus e apenas se focou em Elesis. Tentava dizer algo, mas se impedia. A espadachim aguardou em silêncio.

— Fala logo — disse Lupus.

O ninja quase socou o caçador pelo olhar. Nisso, nenhum pensamento se formou mais. Ele lamentou silenciosamente para Elesis.

— Tudo bem — suavizou Elesis. — Eu entendo.

Ela não queria ter falado isso, por mais que parecesse o certo, como ela também não queria terminar a conversa e deixar Lass ir embora. Eles dois sabiam que se continuassem a persistir no assunto, só tornaria a situação pior.

Então Elesis o deixou ir. Fechou a boca e se moveu apenas com a ida dele.

Lupus riu, sem se censurar ou respeitar a espadachim.

— Pode parar? — ela pediu, irritada.

Ele parou, de repente. Elesis se manteve desconfiada sobre o mesmo.

Lupus voltou a rir, dramaticamente jogando a cabeça para trás enquanto usava a porta de apoio. Então, sua risada sumiu. A porta se abriu e Lupus caiu para trás.

Edel tinha uma expressão morta, combinando perfeitamente com seu estado atual.

— Você poderia calar a boca? — ela disse para Lupus. Seus olhos azuis, e vermelhos de cansaço, ergueram-se para a espadachim. — O que faz aqui?

Elesis tinha ganhado a luta no torneio, mas ali, diante Edel pós derrota, não estava tão certa se poderia ganhar novamente. Edel era rodeada por uma energia pesada, tanto que a espadachim recuou um passo.

— Como você tá? — ela perguntou, com uma verdadeira preocupação.

— Não importa.

Uma resposta que Elesis já esperava.

— Eu vim aqui para buscar uma espada — continuou a espadachim. — Lupus, pode me ajudar a carregar?

O caçador, que ainda estava caído no chão, a olhou de sobrancelha erguida. Elesis entregou um sorriso inocente.

Ela precisava mesmo de ajuda para carregar a espada de Gerard.

***

Holy era uma pequena formiga diante o dragão acorrentado.

— Descobriu alguma coisa? — perguntou Lass.

Dio estava sentado contra a parede, o que estava parecendo seu primeiro descanso da semana. Asmodianos não tinham olheiras, mas aquele asmodiano começava a ter e isso preocupava Lass. Ninguém além de Dio e Rey tinham a capacidade de ficarem de guarda do dragão de Elyos.

— Ele tá dormindo — disse Dio, coçando os olhos cansados. — Ele parou de se mexer depois de ser preso. O que é estranho, considerando que não usamos nenhuma magia do tipo.

— Achei que as correntes deixassem ele fraco — mencionou Sieghart.

— Deixam fraco, mas isso não o impede de se mexer.

Lass encarou os olhos imóveis da criatura. Por um breve instante, ele deixou as chamas saírem do seu corpo. Uma pequena provocação. Os olhos da criatura permaneceram imóveis, desinteressados.

— Ele está reservando energia — respondeu Holy.

— Hã? — Sieghart indagou.

— Eu consigo sentir a energia crescer dentro dele. — Como os olhos do dragão, os olhos de Holy não piscam, fixados no ser. — Tem energia bastante para ele poder se soltar sozinho. Por que ele não se solta?

As paranoias de Lass já eram grandes o suficiente para o deixar inquieto perto do dragão, após ouvir a Holy, ele estava a um passo de correr dali. Não por medo, mas para proteger as chamas. Seja qual fosse o objetivo daquele dragão, envolvia as chamas e Lass estava preparado para revidar qualquer emboscada.

— Com licença — interferiu Dio. — Quem é a anã ali?

Holy olhou ofendida.

— Holy Serenity, seu asmodiano!

O silêncio se alongou. O clima ficou estranho.

— Algum problema comigo? — questionou Dio.

— Até onde sei, asmodianos não são de confiança — respondeu Holy, encolhida. — E esse dragão é de Elyos.

— Então é minha culpa esse dragão está aqui? — ele apontou agressivamente.

— Não estou dizendo isso! — ela apoiou as mãos na cintura. — Estou dizendo que criaturas de Elyos não costumam ser boas.

Dio levantou, mas Sieghart se colocou no seu caminho. Rindo nervosamente, o rapaz queria evitar um combate entre esses dois. A santa e o diabo, quem diria, uma luta no subsolo do Conselho. Seria uma incrível história a ser contada, especialmente por envolver o portador das chamas azuis de pijama e um dragão acorrentado.

Soava como um bom início de piada.

— Não se preocupe com isso, Holy — dizia Sieghart. — Dio é do bem. Ele nunca faria algo do tipo.

A paladina começou a se encolher, no sentido de recuar a intensidade das suas palavras. Timidamente, ela abaixou a cabeça.

— Sinto muito se ofendi — ela sussurrou.

Mas a sala estava tão ausente de sons que Dio a ouviu.

— Tudo bem — ele falou com um tom mais calmo. — Estou acostumado a isso.

Holy se encolheu mais pelo peso da culpa. Sieghart se voltou para Dio, ainda sorrindo com uma positividade propositalmente contagiosa. O asmodiano esquivou o olhar.

Mas Lass ignorou tudo isso e se aproximou de Holy. Ela era mesmo baixinha, agora que a via de pé, perto dele.

— Como você sabe sobre o poder no dragão?

— Eu fui ensinada — ela respondeu. — Nós, paladinos, crescemos com os ensinamentos da energia e mana. É um dos nossos meios de luta também.

— Estilo de luta? Como assim?

Holy abriu as palmas, dedos estirados e colados. Lembrava o estilo de luta de Azin, mas existia um peso na movimentação da menor que mais remetia ao movimento de um martelo do que a suavidade da raposa.

— Eu posso extrair sua mana do corpo — ela disse. Eles olharam surpresos. — Temporariamente.

— Que técnica incrível — elogiou Sieghart. — Como que faz?

Holy se moveu em direção a Sieghart, um passo necessário para alcançar a palma aberta contra o peito dele. O golpe foi rápido e pesado, uma sensação de ser atingido por um tijolo. As chamas roxas explodiram das suas costas, rasgando o tecido da camisa e casaco.

Sieghart abriu a boca, cuspindo todo o ar dos pulmões. Por fim, caiu no chão.

Era bom assistir aquele ataque de outro ângulo, pensou Lass, surpreso apesar disso. O ataque daquele dia na biblioteca ainda ecoava por seu peito. Toda a fraqueza seguida por esse golpe fazia sentido agora.

— Ele... — falava Holy, um pouco preocupada. — Ele vai acordar logo.

— É o que esperamos — disse Lass, também com um tom preocupado.

Dio não esboçou tanto, parecia estar distante da situação. Ele esfregava seu braço demoníaco, a estranha dor no interior do membro o incomodando. Não, não o incomodava, e sim o deixava amedrontado pelo que poderia ser.

Sem querer se aprofundar nos pensamentos, foi em direção a Sieghart. O asmodiano necessitava de uma distração.

***

Elesis estava cansada. Cansada de si, cansada de brigar com Lass, cansada do torneio, cansada de carregar a pesada espada de Gerard e cansada de pensar quão cansada estava.

Ela esfregou os olhos, conseguindo sentir pelo toque as olheiras se formando. Pesavam suas pálpebras inferiores. Ao alcançar as escadas do castelo, todo esse peso se multiplicou, puxando-a para mais perto dos degraus. Elesis ficou surpresa por conseguir subir tudo sem tropeçar uma única vez.

— Elesis.

Ela tropeçou sozinha. Ronan reparou, mas tentou não se importar ao ver a aparência cansada da espadachim.

— Você precisa descansar — ele disse. — Resolveu o problema da espada?

— Deixei com a Mari. Ela disse que tem uma ideia pra renovar, então vou esperar até o dia do torneio. — Ela pôs a mão no ombro dele. — Você paga a ela.

— Sem problema. — Ele a olhou bem. — Tudo bem?

Elesis tirou a mão dele. Ela sorria, sem nem mesmo perceber isso. Era uma mania de se esconder da verdade, escapar das preocupações dos seus amigos.

— Vou ficar quando tudo isso terminar — ela forçou o tom positivo.

Mas Ronan conseguia ver através dessa máscara.

— Não se esforce muito — ele pediu, honesto. — Aliás, devo te avisar: final de semana, os líderes virão aqui, no Castelo. Vai ser um jantar especial só nosso.

— Por favor, não me diga que eu vou ter que usar um vestido e forçar um sorriso — ela implorou, tão desesperada com os olhos arregalados.

Isso fez Ronan rir. Vestidos eram coisas assustadoras para a jovem espadachim, o que piorava quando tinha que forçar uma simpatia dentro das várias saias da vestimenta. O tipo de tortura que mais amedrontava a ruiva.

— Você não precisa — falou Ronan no fim da risada. — É só entre os líderes, então você tá salva.

O suspiro que soltou expeliu um grande peso que ela não tinha percebido carregar. Ronan sentiu um aperto no coração vendo sua amiga de infância carregar tanta responsabilidade pelo seu amado. Na verdade, o que ele sentia poderia não ser simplesmente pena. Seus sentimentos se resumiam em querer estar mais perto de Elesis, de poder carrega-la junta com os pesos.

Ronan segurou a mão dela em um movimento inconsciente. A ruiva arregalou os olhos, surpresa.

— O que foi? — ela perguntou, inocente.

Ele apertou a mão dela. O aperto em seu peito se tornava em uma angustia pela falta de palavras.

— Vai ficar tudo bem! — disparou Ronan. — Entre você e o Lass...

Não era bem isso que ele queria falar, mas falou e Elesis escutou.

— Ronan!

Arme parou de correr até eles ao ver as mãos entrelaçadas. Ronan soltou a espadachim, abrindo um sorriso nervoso que somente a maga poderia entender. Apesar disso, ela estendeu a capa roxa.

— Você esqueceu — disse Arme, sorrindo simpaticamente. Ela se voltou para Elesis. — Uau, você parece acabada! Quer que eu pegue algumas poções para você?

— Eu amaria — choramingou Elesis.

Ela abraçou Arme sobre os ombros, usando-a de apoio. Ronan pegou sua capa, incapaz de olhar sua amada nos olhos. Felizmente, Elesis fez as despedidas de ambos.

— Vamos indo — dizia a espadachim, empurrando a amiga enquanto abraçada. — Depois nos vemos, Ronan!

Ronan se despediu, seu sorriso morrendo com a ida das duas. O aperto em seu peito subiu para a cabeça, questionando todo seu lado racional de minutos antes. O que tinha acontecido? Ele pressionou a capa contra o rosto. Como desejava morrer ali com seus sentimentos conflitantes.

***

Durante todos os dias, Lass não conseguiu se livrar da coceira que era a culpa. A pessoa que mais amava nesse mundo veio até ele à procura de apoio e ele a negou isso. Havia mentiras entre o relacionamento deles, com certeza havia, mas Lass começava a se questionar se valeria a pena carregar essa amargura dentro de si enquanto Elesis sofria sozinha, tudo por um orgulho próprio.

— Lass, sua vez.

O ninja piscou e lembrou que estava no meio de uma partida de cartas com os rapazes. Ele lançou sua jogada no centro da mesa do refeitório.

— Pensando na Elesis de novo, imagino — apontou Lupus.

Lass tentava lembrar da razão de estar ali, jogando com os rapazes. Estava sozinho em seu quarto quando Jin o chamou. Vendo bem, não foi uma boa escolha.

— Deixa ele em paz — interferiu Sieghart. — Alguns dias longes não faz mal.

Enquanto estivessem brigados, fazia sim. Lass soltou um suspiro discreto, que mais pesou seu corpo do que o aliviou.

— Por que você não se desculpa logo com ela?

Aquela era uma pergunta que poderia ser de Sieghart, ou do direto Lupus, ou de Jin. Mas a questão veio de Azin, tão calado durante o jogo todo. Foi uma surpresa sua entrada na conversa. Ele ainda tinha alguns curativos da última luta, mas em comparação a Elesis, ele estava muito melhor.

— Me desculpar não vai fazer ela falar a verdade — respondeu Lass. — Eu sei que ela está escondendo algo, e eu preciso saber o que é.

— Já tentou perguntar ao Ronan? — sugeriu Sieghart com sua jogada. — Com certeza ele sabe.

Lass riu.

— Se já é difícil tirar alguma informação da Elesis, imagine do Ronan.

— Então se quiser ficar puto com alguém, fique com o Ronan — disse Lupus.

Lass abaixou as cartas. O que Elesis estivesse escondendo, Ronan tinha grande responsabilidade sobre isso. A entrada dela no torneio apenas poderia ser realizada por uma pessoa.

Mas se ele queria um motivo para odiar o líder do Conselho, ele já tinha vários. Uma perda de tempo.

— Não se incomode com isso — falou Azin. — Deveria está preocupado com as próximas lutas. Aquela Lin... hum, não sei...

— A Amy teria ganhado — sussurrou Jin. — Mas com certeza a Elesis vai ganhar.

— Tenho certeza que ela vá ganhar, mas não posso dizer o mesmo de quando ela me enfrentar.

O ruivo encarou o amigo sorridente. Tanta confiança quanto a vontade de Jin querer soca-lo.

Lass, por outro lado, não tinha um comentário sobre. Sua mente se distanciava da mesa, querendo vagar pela cidade até chegar no castelo onde Elesis estava aprisionada. Ele queria tanto vê-la e abraça-la. Uma pena seu lado racional se negar com mantenha seu orgulho, ela tá mentindo na sua cara enquanto o lado emocional gritava vai logo pegar ela. O lado emocional também era conhecido por chamas azuis. A voz do ser ecoava dentro do seu crânio, mais alta que as vozes dos seus amigos.

Lass, pare de ser orgulhoso. Já basta a Elesis.

Dois cabeças-duras em um relacionamento não funcionaria. Por anos, Elesis sempre foi a teimosa e Lass o responsável pelas consequências da mesma. Talvez as chamas, e seus amigos, e a própria Elesis, estivessem certo. A espadachim havia prometido contar a verdade no final do torneio.

Lass podia esperar mais um pouco.

— Lass.

Jin o cutucou com o cotovelo, apontando com as sobrancelhas grossas para o jogo.

Lass olhou para as cartas em mãos, mas as largou sobre a mesa e se levantou.

— Tenho que resolver uma coisa — ele disse em despedida.

***

Elesis sentiu falta de ar vendo os líderes se reunirem à mesa.

— Você não precisa ficar, Elesis — falou Ronan.

— Eu sei.

Observava toda a cena do outro cômodo, olhando do cantinho da porta. Enquanto Ronan estivesse ao seu lado, sentia-se segura. Era engraçado pensar nesse sentimento de perigo, pois apenas os líderes estavam presentes, e não seus campeões. Apenas tinha restado Azin como um adversário previsível, já que os demais, Lin e Pino, eram um poço de mistério. Quais seriam suas técnicas, modos de luta?

Elesis se corroía nas perguntas enquanto olhava os líderes.

— Por que estão fingindo isso? — perguntou Elesis. — Qualquer coisa que você fale e um líder anuncia uma guerra contra você.

— Essa é uma visão dramática sua, Elesis — riu Ronan. — Não ache que esse jantar vai terminar em guerra.

Ela cruzou os braços.

— O que não quer dizer que possa terminar mal.

— Tente se preocupar mais com você agora. — Ronan entrou na frente do seu campo de visão. — Entendeu? Esse jantar é meu trabalho, não seu; como o torneio é trabalho seu, não meu.

Elesis foi forçada a concordar. Algumas das serviçais do castelo passaram por eles, levando parte da decoração da mesa. Isso trouxe um ar de fim de conversa.

Ronan arrumou sua roupa, que para um jantar estava muito elegante. Sempre uma capa para cobrir apenas um ombro, trazendo a imagem de poder ao amigo da espadachim.

Elesis não deixou de se incomodar.

— Como você consegue fazer tudo isso?

Ronan ergueu as sobrancelhas.

— Sabe, eu sempre achei que Cazeaje tivesse um pouco de maldade no coração com seu desejo de poder. Mas... — ela encarou os próprios pés. — Mas acho que foi o cargo de líder do Conselho que a corrompeu de verdade.

Até onde Elesis sabe, Cazeaje foi tão humana quanto eles. Um dia, ela já foi criança, um dia, ela já foi uma garota sonhadora. Elesis se questionava onde tinha dado errado, em qual parte a mulher de cabelos roxos decidiu começar a tirar vidas e virar um demônio.

Todas essas questões podiam ser respondidas quando olhava para o Conselho.

— Cazeaje era louca — corrigiu Ronan. — Sempre foi.

— Tá, mas e se o mesmo acontecer com você?

A pergunta despertou um doloroso, e lento, sentimento no rapaz. Seu brilho natural morreu ali, porém o sorriso permaneceu, segurando uma expressão infeliz. Elesis ficou surpresa. Através do silêncio, ela entendeu a resposta do mesmo.

Ronan já havia pensado nessa questão antes. Pela forma como se recompôs, não tinha sido a primeira vez.

— Vá descansar, Elesis — ele pediu carinhosamente. — Depois levo uma sobremesa para você.

E sem se opor, ela assentiu e deixou Ronan com seu jantar.

Elesis voltou para o seu quarto, todo o barulho da sala de jantar sumindo pelos longos e opressores corredores do castelo. Quando entrou no seu cômodo, ela sentiu uma certa leveza por estar longe dos líderes, da porta bloquear qualquer entrada daquelas pessoas.

Ao se deitar na cama, ela se permitiu descansar, deixando responsabilidades e ansiedades no chão junto com seu par de tênis. Amanhã seria seu último dia de descanso. No dia seguinte, a luta com Lin aconteceria e seria decidido os participantes da final. Nada mais que a obrigação da espadachim ganhar.

Elesis fechou os olhos, pronta para dormir. No momento que sentiu seus músculos relaxarem, a batida na porta a despertou. Ela ignorou.

Qual é, não ignora ele.

A espadachim levantou da cama. Por mais que soubesse, ela ficou surpresa ao abrir a porta. Existiam milhares de motivos para Lass não estar ali, mas ele estava e parecia estar ciente disso.

— Os líderes—

— Eu sei, eu vi quando estava subindo.

A despreocupação do ninja fez Elesis se remexer.

— Ninguém me viu, relaxa.

— E o que você faz aqui? Podia ter ligado.

Lass segurou a lateral da porta, segurando-se à madeira como se fosse cair. Com a outra mão, ele esfregou a nuca com o rosto contorcido.

— Eu não quero me desculpar — ele falou, enfim. — Eu também não quero que você se desculpe. Você tem seus motivos para mentir, como eu tenho os meus para ficar com raiva.

Uma pausa pensativa. Elesis não ousou o interromper.

— Eu queria muito que você parasse de mentir, porque se me envolve, eu tenho que saber. Mas... — Seus dedos apertaram com mais força a porta. — Eu confio em você, Elesis. É uma merda isso, mas eu confio tanto em você... então...

Lass repousou a testa na porta, ofegante apenas pela postura. Sob a intensa briga que o ninja tinha consigo, ele a olhou, implorando com tudo que tinha.

— Vamos parar de brigar, por favor.

Brigar era um fenômeno inevitável no relacionamento deles. Por mais que tentassem, alguns fatores externos surgiam e geravam esse conflito. Elesis tentava lutar contra, mas não adiantava. Lass tentava evitar e o mesmo acontecia.

Eles tentavam, tentavam bastante, mas o mundo girava contra todos seus esforços.

Contra tudo isso, Elesis estendeu os braços e segurou o rosto de Lass. A gravidade puxava seus punhos para longe dele, mas ela permaneceu firme, segurando com todas as forças o rapaz que amava.

— Confie em mim.

Ele a beijou. Elesis se encolheu, uma reação de surpresa, e um certo receio de achar que Lass poderia sentir o gosto daquela mana dentro de seu corpo. Seu contato lhe fez relembrar da existência daquilo, então a conteve, recebendo os lábios de Lass como deveria.

— Você pode ficar? — perguntou Elesis. — Hoje é meu último dia de folga, e amanhã terei o último treino...

— Eu fico.

Um pedido egoísta, mas tão desesperado pela companhia do ninja. Por mais que soubesse que isso era uma trégua temporária, ela agradeceu. Deixou Lass entrar em seu quarto, fechando a porta. Girou a tranca, o pouco da segurança a tranquilizando.

Ronan a odiaria por isso, ela tinha certeza. Tentou não pensar muito nessa questão.

— Ele te deixou mesmo no luxo — comentou Lass.

O quarto era maior que qualquer quarto que o rapaz teve na vida. Elesis também se admirava do espaço que tinha ali, mas após alguns dias, após ter se acostumado com tudo isso, ela deixou de perceber.

A atenção de Lass voltou para ela. Pelo seu ponto de vista, ela era minúscula em comparação ao quarto.

— Você parece quebrada.

Todo seu cansaço transparecia quando parada. Elesis tinha se recuperado bem, tratado dos ferimentos da luta contra Edel, porém, continuava distante de um 100%. Ela sentia isso quando andava, seu corpo rígido de curativos sob as roupas.

Lass se sentou na beira da cama quando Elesis se aproximou. As mãos do ninja deslizaram sob a camiseta dela. Os dedos apenas pararam ao encontrarem os curativos traçados pela coluna.

— Eu soube disso — falou Lass. — Eu fiquei muito preocupado.

— Por quê? — ela achou engraçado.

— Eu... — Parou e pensou. — Eu não sei. Eu não gosto de te ver machucada.

— Deveria ter se acostumado.

Lass balançou a cabeça, sorrindo gentilmente.

— Não, eu não quero me acostumar a isso.

Elesis retribuiu o sorriso.

— Então você não vai—

— Não — ele riu. — Até encontrar uma forma de controlar as chamas, eu não vou tentar, porque eu vou te machucar, tenho certeza.

Elesis lutou para não continuar o assunto. Após ter conversado com Regis, as chamas era apenas vista como sua propriedade de agora em diante. O calor das mãos de Lass não o pertencia. Esse mesmo calor estava o matando, segundo a segundo, dia após dia. Elesis apertou sua mão, pressionando sua palma contra a dele. Lass puxou seu braço para uma trilha de beijos que subiram por seu ombro.

 A espadachim passou a outra mão pelo rosto do ninja. Tirou o cabelo sobre sua testa, sentindo o comprimento dos fios.

— Você pode ir na minha próxima luta?

A pergunta simplesmente saiu, sem um propósito em mente. Lass arqueou as sobrancelhas.

— Você sabe que eu sou proibido lá.

— Sim, mas... Eu queria que você torcesse por mim.

Uma plateia cheia de pessoas energéticas não bastava. Só existia uma pessoa que ela precisava para lutar; para vencer.

— Posso tentar.

Com isso, ela se sentiu confiante ao nível Elesis orgulhosa. Ele não podia concordar com sua participação no torneio, mas apenas sua presença era o que a espadachim procurava para continuar lutando.

Todas as dores valiam a pena, no fim. Ela o beijou, sentindo o calor das chamas contra sua pele. Mais dores que estava disposta a suportar por Lass.

***

Ronan viu Lass entrar no quarto de Elesis.

O que mais o incomodou não foi ver o ninja desobedecer a uma regra, mas o ambíguo sentimento que sentiu no momento em que a porta se fechou. Não era raiva, muito menos ciúmes. Ele apenas se sentiu estranho, o corpo mais pesado e fraco. O prato com um pedaço de bolo ganhou um peso anormal.

Embora não entendesse o que sentia, ele estava certo que era idiota. Precisava ser esquecido. Por isso voltou para a sala de jantar, devolvendo o prato a uma serviçal.

Ronan se sentou em seu lugar na ponta da mesa e pôs a máscara que havia deixado ao lado de seu prato.

— Como está a Elesis? — perguntou Adel.

Ronan limpou a garganta antes de mudar o tom de voz.

— Perfeitamente bem. Ela vai dormir mais cedo hoje, para treinar amanhã de manhã.

— É bom essa garota se preparar mesmo. — O líder de Arquimidia tomou mais um gole de seu vinho. Então tomou mais um até não restar mais nada em sua taça. — Se ela ganhar ainda, não é mesmo?

Ronan teve que rir.

— Tenho certeza que a Elesis chegará na final do torneio, Ark. — Ele pegou uma taça e apenas tomou um pequeno gole do vinho. — Espero que seu campeão também consiga.

 Suas palavras passivas conseguiram atingir o líder do outro lado da mesa.

— Ei, vamos parar com isso — falou Adel, balançando as mãos. — O dia do torneio será no dia do torneio. Quem ganhará ou perderá só será decidido nesses dias, não hoje.

A líder de Xênia concordou, agitando seu cabelo colorido que mudava de brilho a cada mecha.

— Sim, sim! Minha campeã perdeu, mas nem por isso estou jogando farpas em vocês.

Mesmo se quisesse, Ronan não estava com a mente em ordem para discutir com o líder de Arquimidia. Seu corpo estava à mesa de jantar, mas seus pensamentos no andar de cima.

Levou as mãos ao rosto. Sentiu seus pulmões apertarem, impedindo qualquer entrada de ar. Sufocado, a queimação em seu peito tornou tudo pior. Os dedos apertaram contra o rosto, contra os olhos que se envolviam em lágrimas.

— Beba um pouco.

Afastou as mãos. Adel enchia sua taça de vinho, então a empurrava.

— Beba — sorriu o líder. — Vai te fazer bem.

Ronan não pensou duas vezes antes de pegar a taça e tomar o vinho em goles grandes.

***

Você está morrendo.

Elesis despertou e Lass foi a primeira visão do dia. A imagem do ninja adormecido transmitia calma, a fazia tão bem quanto o sol que entrava pelas janelas. O calor de ambos revigorava seu corpo ferido.

Essa coisa dentro de você...

Com a cabeça apoiada no ombro do rapaz, Elesis fez uma careta.

O quê? Estou apenas te avisando. Um movimento idiota seu de esconder do Lass.

Elesis tinha controle da mana dentro dela. As veias não mais escureciam, a febre que sentiu no começo havia acabado. Uma peculiaridade ter ganhado mais força durante a luta contra Edel, mas isso era mais um ponto positivo que negativo.

Além do mais, Elesis não tinha tempo para tirar a mana de seu corpo. E se tirasse, e se alguém descobrisse? Não estava confiante disso, então assim deixaria.

Você é como um reator nuclear, prestes a explodir.

­— Cala a boca.

Lass se mexeu. O sussurro da espadachim foi mais alto que esperava. Ele a olhou, um olhar preguiçoso e cheio de sono.

— Você disse algo?

Elesis se encolheu.

— Estava pensando alto.

Ela levantou o corpo, jogando a cabeça para trás até ouvir um estalo da sua nuca. Fez o mesmo com os braços, então notando o doce sorriso de Lass voltado para ela. Elesis sorriu timidamente, sem motivo algum.

— O que foi?

— Só estou me perguntando como uma pessoa pode me fazer sentir tanta raiva e amor ao mesmo tempo — respondeu Lass. — Você teria alguma resposta?

Ela segurou o riso, cruzando os braços com a postura esnobe.

— Como eu posso saber a resposta se eu sou a própria pergunta.

Elesis se deitou sobre ele, deixando de ser a Elesis que todos conheciam e se tornando a exclusiva de Lass. Seus lábios encostaram e a batida da porta os parou.

— Elesis, está acordada?

Ronan. Elesis se levantou da cama num pulo, acompanhada de Lass. A onda de adrenalina apagou seus pensamentos do que fazer.

Enquanto uma calma absoluta a aguardava do outro lado da porta. A mão de Ronan repousava sobre a maçaneta. Imóvel. Era um movimento tão simples girar a maçaneta e entrar no cômodo, dar de cara com a falta de confiança que tanto a espadachim tinha com ele quanto de Lass.

Então ele esperou. Tempo suficiente para essa situação não ocorrer e continuar a viver na mentira.

— Bom dia, Elesis.

Ronan entrou. A espadachim estava sentada na beira da cama enquanto tentava esconder sua respiração ofegante.

Ela sorriu, levantando.

— Eu já ia levantar — ela disse entre as inspiradas. — Como foi o jantar de ontem?

— A Mari tá lá embaixo com um pacote pra você. Acho que é sua espada.

Elesis se tornou um sol radiante de animação.

— Sério?!

— Sim—vista uma roupa antes!

A reação de Elesis foi genuína ao perceber, na saída do quarto, o pijama que usava. Ela voltou, buscando roupas no armário. Antes de vestir a calça por cima do short, Ronan notou marcas de queimadura nas coxas da mesma; algumas próximas da virilha.

Ele virou a cabeça para o lado. Quanta indecência da sua parte.

— Tô indo, Mari — gritou Elesis a caminho da saída.

Ronan ficou sozinho no quarto. Fechou a porta e se sentou na beira da cama, soltando o longo suspiro. O quarto estava mesmo vazio, ninguém além dele próprio.

— Ok, pode sair — não gritou, apenas falou em seu tom padrão. — Sei que você está aí, Lass.

O quarto permaneceu como estava. Ronan coçou a bochecha, paciente. Foi quando ouviu o baixo som, seguido por Lass aparecendo sob a cama. O ninja não se levantou, apenas manteve o olhar tenso para ele.

— Olha — mencionou Lass —, não desconte na Elesis.

— Não vou fazer nada com a Elesis. — Olhou Lass. — Nem a você. Só quero conversar.

Apesar disso, a tensão do ar continuou entre eles e o ninja não ousou sair debaixo da cama.

— Por mais que não pareça, eu estou do seu lado, Lass. Tudo que estou fazendo no Conselho é pra te ajudar, não o oposto.

— E esconder informação me ajuda como?

Conversa entre Ronan e Lass era altamente inflamável. A qualquer momento poderia explodir pela menor chama. Lass tinha noção disso como Ronan, mas nem por isso eles tentavam evitar.

Porém, eles se seguraram nesse momento. Ronan respirou fundo para não revidar a questão.

— Sabendo ou não, não fará diferença — disse o líder. — Mas não é sobre isso que quero conversar.

— Sobre a Elesis?

— Em partes. Vai ficar aí mesmo?

Solene, Lass assentiu.

— Depois do torneio, vou fazer um jantar para a Elesis e o Adel. Encare como uma comemoração para a final ou o que for. Quero que você venha.

O pedido saiu de forma estranha. Na cabeça de Ronan pareceu mais simples.

— Não sei — respondeu Lass.

Ronan ficou surpreso com a dúvida do ninja.

— Tenho coisas para resolver — continuou Lass. — Mas posso tentar. Pela Elesis.

Era bom destacar a motivação. Lass não estava disposto a aceitar um jantar de Ronan para criar esse clima falso de amizade entre eles. Ainda eram amigos, mas a situação atual forçava a se odiarem por motivos pessoais.

Ronan sorriu em agradecimento.

— Saia pela janela — ele falou. — Adel está no castelo, não seria bom se ele te visse aqui.

Ronan levantou da cama.

— Por que está fazendo isso? — perguntou Lass. — Sendo tão bonzinho, de repente.

— Como eu disse, estou do seu lado, Lass.

E deixou o quarto.

***

Por Elesis, Lass estava indo longe demais. Não era por ter dormido no castelo, mesmo após as ameaças de Adel, ou manter as chamas para si, assim ela não teria acesso ao poder. Não, era algo mais simplista que isso.

Ele encarou a caixa de tinta de cabelo e se olhou no espelho.

— Você poderia usar uma peruca — sugeriu Jin.

— Eu iria parecer ridículo.

— E pintar o cabelo faria você se sentir menos?

Lass abriu a caixa e despejou os produtos dentro da pia.

— Eu quero parecer menos suspeito possível, e não — ele jogou a caixa em Jin — como um cara bizarro de peruca!

 Seu amigo riu. Azin também soltou uma risada ao entrar no banheiro, apenas de calça, cabelo molhado e uma toalha em volta do pescoço enquanto escovava os dentes.

— Vai parecer bizarro com o cabelo pintado também—com licença.

Azin cuspiu a espuma na pia.

— Obrigado por cuspir na tinta — disse Lass. — E você não deveria estar se aquecendo no torneio?

— Se eu tivesse água quente no meu banheiro, com certeza eu já estaria pronto há tempo, mas... — encheu a boca de água e cuspiu mais uma vez. Isso fez Lass pôr as mãos na cintura. — Não estou atrasado também. A luta da Elesis vai ser a primeira.

A luta de Elesis. Por mais estranho que parecesse, Lass estava nervoso. Tinha certeza que a espadachim ganharia, mas o medo de presenciar isso pessoalmente o fazia se sentir estranho. Durante todo o evento, e se alguém do Conselho o reconhecesse? Era um medo tão bobo, tanto que o forçava a pintar o cabelo.

— Espero que você ganhe — ouviu Jin falar.

— Aquele cara de Arquimidia não me dá medo — debochou Azin. — A final serei eu contra a Elesis. Se ela ganhar.

 — Você está confiante demais.

— Não é questão de confiança, só de força mesmo. E eu sou forte.

Lass pegou os produtos da pia e pensou um pouco antes de tomar a decisão. Passou a mão no cabelo, fios tão brancos que se destacavam singularmente. A tinta temporária acobertaria todos eles, fazendo o ninja ganhar uma aparência nova e aura diferente.

Passo a passo, Lass seguiu cuidadosamente com ajuda de Jin. Todo o processo pareceu longo, mas quando percebeu, sentava-se na arquibancada da arena com uma postura diferente.

— Parece que o Sieg e o Dio estão aqui hoje — dizia Jin. — Finalmente deixaram aquele dragão de lado. Eles precisam de uma folga.

O Lass de cabelo preto, penteado para trás, e óculos concordou. A sensação era de usar uma máscara em cada parte do corpo. As lentes eram obviamente falsas, mas ainda se sentia incomodado de enxergar as coisas através delas.

Bem, se ele se sentia diferente, as pessoas o veriam diferente. Nenhum desconfio até o momento.

— Ainda acho que deveria ser você lá — falou Lass. — Na arena. Lutando.

O sorriso de Jin quase desmanchou.

— Azin pode representar melhor que eu. Mas ignore isso e se foque na luta da Elesis, é por isso que você está aqui.

— Certo, certo.

— Aliás, você tá muito bonito assim.

Lass encarou como uma piada e Jin riu. Ele havia se olhado no espelho e achado ridículo a aparência atual. Não se reconhecia e por isso ridicularizava da própria imagem.

Mas não fazia isso para si, mas por Elesis. Para apoia-la, o que fosse preciso.

***

Um escudo de metal, essa era a sensação que Elesis tinha ao empunhar a espada de Gerard. Nunca deixaria de ser pesada, nunca deixaria de ser intimidadora aos olhares externos, até mesmo da própria espadachim. Ela pôs a espada de pé e percebeu que seu corpo se escondia completamente atrás da lâmina.

Por mais que parecesse com a antiga espada de Gerard, Mari havia feito mudanças que Elesis sentia no manusear. O cabo era mais confortável, além de uma alavanca de freio conectada. Parecia segurar um guidão de bicicleta. Elesis girou o cabo e o interior da lâmina estremeceu em calor. Ela se sentia poderosa.

— Campeã de Canaban.

A juíza se aproximou com o cajado em mãos. Elesis mais uma vez hesitou no teste de magia. Mas ela encostou a mão.

— Tudo certo. Entre em um minuto.

A mão de Elesis permaneceu erguida, perdida por todo o processo de verificação de magia e como se negava a encontrar mana dentro de seu corpo. Não estava preocupada, mas o fato de não estar era o que a preocupava de verdade. Toda a urgência que deveria ter não surgia; talvez devesse ouvir as chamas e dar um jeito de vez nisso.

Mas agora não era o tempo certo. Elesis apoio a lâmina da espada sobre o ombro e entrou na arena.

Tantas pessoas para assisti-la. Elesis olhou em volta, pois sabia que Lass estava ali, em algum lugar. Sentia a energia das chamas os conectar, fazendo suas emoções serem uma: nervosismo. Elesis precisou conter isso para a luta.

O público voltou a se agitar com a entrada da sua adversária. Lin sempre transbordou simpatia, tão bela e poderosa ao mesmo tempo. Vendo-a ser recebida assim fez Elesis se sentir fraca, uma pequena formiguinha diante uma deusa.

— Bela espada — gritou Lin do outro lado da arena. — Boa sorte, Elesis!

A espadachim sorriu de volta, cheia de orgulho.

— O mesmo para você! Vamos ver se você me derruba com esse leque vagabundo.

Lin abriu o leque, abanando-se com um sorriso igual. Elas se entendiam bem, uma pena nunca terem tempo para conversarem.

— As duas participantes estão prontas? — perguntou a juíza.

Elesis tirou a espada do ombro. A lâmina tremeu o solo sob seus pés ao bater no chão. Lin abriu seu leque, contornada por uma corrente de ar que balançava seu cabelo branco.

A juíza ergueu o braço.

Elesis girou o cabo e a espada cuspiu fumaça.

— Lutem!

O cabo foi segurado com as duas mãos e então ela avançou. O primeiro corte trouxe uma mistura das chamas vermelhas com fogo. Sem surpresa, Lin desviou como uma pena voando contra o vento. Elesis avançou mais uma vez e errou o ataque.

Lin pousou do outro lado da arena, olhos arregalados de atenção. A espada de Gerard era incrivelmente pesada, mas poderosa ao ponto de um único ataque derrubar seu oponente. Essa era a estratégia de Elesis; embora não estivesse saindo como planejava.

Ameaçou avançar mais uma vez e Lin rebateu com seu leque. O vente fez o corpo de Elesis ser empurrado, obrigando-a a se segurar na espada como uma ancora. Ela se escondeu atrás da lâmina até os ataques distantes pararem. Lin tinha uma resistência baixa.

A espada voltou para seu ombro ao correr. Pesada demais, sua velocidade caía drasticamente. Girou o cabo e sentiu o calor aquecer suas costas.

Por outro lado, Lin era veloz. Rápida como a luz que saiu de sua mão. Elesis fechou os olhos, cega. Somente escutou a movimentação, o som da energia sendo disparada. Abriu os olhos e viu o disparo de luz se aproximar, perto de seu rosto...

Com ajuda do berserk, Elesis pôs a espada na frente. A energia atingiu a lâmina com intensidade. O peso contra suas palmas ardeu. Ao abaixar a lâmina, viu Lin avançar.

Elesis ergueu a espada como escudo. Lin desviou, passou por seu lado numa rasteira, emendando com um ataque de vento. Sua precisão foi como um corte de faca. Elesis largou a espada e se jogou para trás, desviando a tempo.

Uma oportunidade. Lin abanou contra o solo, pondo toda a poeira para o alto com um intenso vento. Elesis foi impulsionada para cima, e quando estava para voltar ao chão, o vento se intensificou e a levou mais para o alto. Não tinha ao que se segurar, muito menos se impulsionar de volta ao chão. Elesis já não tinha mais controle do próprio corpo que girava a cada rajada de vento.

Viu entre as mechas de cabelo Lin se aproximar, subindo diretamente com seu par de asas. Elesis fechou o punho e tentou acertar um soco nela, sendo mais um ataque em vão. Lin a agarrou pelas costas da camisa e a levou para mais alto. A espadachim foi solta.

Alto demais. Lin desceu, ganhando distância entre elas, então agiu com seu leque. O selo mágico atingiu a garganta de Elesis. Ardeu e fechou qualquer passagem de ar. A ordem de pensamentos se perdeu pelo desespero, sem oxigênio e girando no ar, Elesis não fazia ideia do que fazer além segurar o próprio pescoço. Ela se forçou a pensar em algo, pelo menos alguma coisa, idiota, gritava pra si.

Assim observou Lin abaixo, planando com suas longas asas de cores oposta. Ela apenas aguardava por sua derrota. Isso enfureceu Elesis. Uma luta tão passiva e antiquada para uma adversária ativa como a espadachim.

Em um ato de rebeldia, Elesis ergueu o pé e voltou seu corpo para Lin. BOOM. As chamas explodiu seu sapato direito e a impulsionou como um meteoro em chamas para cima de Lin, que abriu a boca, imóvel. Quando ousou se mover, Elesis a agarrou pelo calcanhar e continuou a descer.

O berserk passou por todo seu corpo, fixando então em seu braço. Elesis jogou Lin contra o solo. No segundo que ela atingiu o chão, desceu com o punho fechado.

Lin era mesmo rápida. O soco da espadachim atravessou o chão, com isso, o ar que restava se foi e ela se sentiu presa no corpo que se encolhia, exprimia qualquer fio de consciência que resistia se manter. Elesis puxou ar pela boca, mas nada entrava, nada saía. Ela fechou os punhos, abaixou o rosto com uma mordida no lábio inferior. Aquela era uma luta entre si para se manter de pé.

Ela lutava com tudo que tinha. E ganhava.

A dor das unhas atravessando suas palmas e os dentes cortando seu lábio viraram combustível para aquela chama interior. Elesis ergueu o rosto, lágrimas transbordando de seus olhos com o sangue que pingava de seu queixo.

Lin pareceu sem ar. A imagem da espadachim despertava um poço de agonia dentro dela.

Elesis apertou com mais força os punhos, deixando o sangue pingar entre os dedos. Aquilo crescia dentro dela, a dava forças, mas também consumia. Veias escuras brotaram pelas têmporas, traçadas como um caminho até os olhos.

Então ela berrou. Um grito de liberdade.

Elesis saltou, tão intensa com o berserk ativo, e pousou ao lado da espada. A pegou e viu Lin se mover, correr para longe do ataque. A espada era pesada, mas naquele momento não. Ela girou o cabo e avançou.

Lin ainda era rápida. De todos seus ataques, ataques dramáticos de tão explosivos, nenhum deles a atingia. Ela saltava, rolava no chão, tudo com a leveza de uma pena.

Foi então o momento de revidar. O vento intensificou e uma corrente de energia contornou Elesis. Ao dar o próximo passo, suas pernas estavam presas no chão, pesadas como toneladas. A espada em suas mãos também era puxada para o chão.

Tudo pesava.

Lin abriu as asas por uma última vez. Tomou voo, planando em uma altura sobre a arena. Ela ergueu o leque fechado para o alto e uma energia se acumulou na ponta, crescendo, crescendo, crescendo.

Elesis arregalou os olhos para a esfera de energia que estava para ser jogada nela.

— Qualquer problema, você pode trocar para seu estilo de espada tradicional — a voz de Mari ecoou em sua mente. — Eu mantive a troca de lâminas. Apenas precisa...

Usando mais força do que deveria, Elesis girou o cabo várias vezes. Ao sentir o calor do interior encostar em seus dedos, ela aperta a alavanca de freio.

Foi com ajuda do berserk que Elesis conseguiu se mover. Do interior da lâmina, ela puxou uma espada de lâmina vermelha. Não vermelha porque Mari tinha pintado, mas pelo calor que ela emanava.

Elesis flexionou os joelhos e avançou. Seu salto foi contra a esfera de energia que Lin arremessou. Um ataque de desespero contra a completa calma da espadachim.

Não temeu. Elesis cortou a esfera ao meio.

As duas partes explodiram. Lin foi atingida, jogada para o solo como se uma onda do mar a levasse. No momento que ficou de pé, apenas viu o vermelho da lâmina vir em direção ao seu pescoço. Ela paralisou completamente, como a espada próxima da sua pele.

Elesis girou e acertou um chute no rosto de Lin. Foi jogada contra a parede, caindo de joelhos. Ela ergueu o rosto e viu de perto o calor da lâmina sobre sua cabeça.

Aquele era um ato de piedade, seguido pela vitória da espadachim. Elesis manteve a espada sobre Lin por mais alguns segundos, enfim pondo-a de lado.

— Uau — murmurou Lin. — Você ficou muito forte.

No meio de tanta gritaria do público, Elesis sorriu.

— Você também.

***

— Elesis está em outro nível.

Jin aplaudia, gritando junto com o público. Ao voltar para seu banco, viu em Lass uma preocupação e admiração por trás das lentes dos óculos.

— Você não acha?

Lass o olhou, saindo do transe que foi a luta. Ele balançou a cabeça, levemente atordoado.

— Sim, ela está incrível.

— Agora imagina ela na final.

Lass imaginava. Nunca foi uma surpresa a espadachim ter uma capacidade de vencer um torneio, mas era uma surpresa ver tamanha magia despertar dela com tão pouco esforço. Ele sentia enquanto todos apenas assistiam.

Lass levantou, o corpo pesado como se tivesse acabado de lutar.

— Onde vai? — perguntou Jin com sua passagem tímida entre os bancos.

— Ao banheiro. Já volto.

— Ok, não se atrase!

Antes que pudesse pegar a passagem para o interior do estádio, olhou uma última vez para o centro da arena. Elesis estava sorridente, apesar dos pesos e dores carregados.

Lass desviou o olhar para outro ponto que o preocupava. Ainda não tinha descoberto a razão de ter uma pessoa vestida de gato preto no topo da arquibancada, mas incomodava, de certa forma.

Sem tempo para isso, o ninja deixou o estádio para o interior. Os corredores eram ocupados por algumas pessoas, porém se tornou vazio ao decorrer do caminho. Quando encontrou a porta do banheiro, Lass sentiu uma presença simplesmente surgir atrás dele.

— Você deve ser o Lass...

Ele se virou, assustado. Pino não parecia tão ameaçador assim.

— Certo?

Lass demorou para lembrar daquele rosto. Campeão de Arquimidia.

— Não se preocupe! — continuou Pino, amigavelmente. — Não contarei a ninguém sobre você.

— O que você quer? — Porque ele queria algo e não precisava ser um gênio para isso.

Pino abaixou os ombros. Totalmente indefeso aos olhos do ninja.

— É sobre o torneio, creio que você deva saber de algo.

— Saber do quê?

— É que... hum... — Ele encarou os pés, indeciso se deveria continuar ou não. — Entenda, só vou te contar isso porque você merece saber. Digo, é sobre você!

Todo o cuidado que Lass tinha foi trocado por uma curiosidade. Não abaixou a guarda, mas acreditou na sinceridade que Pino demonstrava.

— Então, você quer saber?

E Lass deixou ser levado pela pergunta.


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Notas finais do capítulo

Review?
* O encontro da Elesis com o sogro enfim aconteceu... Tenho em mente em ter muitos encontros que não tiveram na temp passada, e essa foi uma delas.
* Não odeiem o Ronan... por favor k
* Peço desculpa pelo torneio estar indo muito rápido, é porque esse não é o foco da história, e sim outra coisa. Mas teremos a final no próximo cap.
* Lass putasso próximo capítulo!



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