Espadas, Chamas e Chifres escrita por Risadinha


Capítulo 8
Início do torneio - Peso das dores


Notas iniciais do capítulo

Yolaaaaa!! Pelo título, já sabem que o torneio começou, então momentos importantes se aproximam. Muitas emoções estão para vir.
Boa Leitura!



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— Sua campeã é uma graça, Erudon — disse a líder de Ellia.

Ronan riu, então abaixou a cabeça. Do seu lugar na arquibancada, Elesis parecia mesma uma garota patética de pijama barato no centro da arena. Ela não parava de se balançar enquanto a juíza ditava alguns avisos. Era como uma criança.

— Ela é uma boa campeã, apesar disso — respondeu Ronan.

A líder abriu um sorriso de afirmação.

— Elesis estava relacionada à queda de Cazeaje, certo?

— Sim, ela estava.

O sorriso da líder se voltou para a espadachim.

— Isso vai ser interessante.

Ronan não pensou no que aquelas palavras significavam. Tudo que precisava era se manter equilibrado, mas assistir Elesis sem uma espada e de pijama o enlouquecia aos poucos. Suas mãos se fecharam sobre o colo.

No centro da arena, Elesis se colocou afastada dos adversários em preparação. O grande paredão em volta parecia um obstáculo. A juíza se preparava para anunciar o início da prova. O pé direito da espadachim se arrastou para trás, apoiado no chão, pronto para impulsionar seu corpo.

— Boa sorte.

Elesis virou o rosto para o lado. Pino acenou, um sorriso simpático para ela.

— Ah — Elesis tinha esquecido dele. — Boa sorte pra você também.

Pino parecia calmo em relação à prova. Sua confiança afetava Elesis. Tentou o ignorar, atenta ao caminho na sua frente.

— Preparar! — gritou a juíza.

O corpo de Elesis flexionou. No momento que a mão da juíza desceu...

— Vão!

Elesis voou como uma bola de canhão ao usar o berserk. Seus pés descalços encostaram no topo da parede da arena. Mais um impulso e ela sobrevoava a cidade. Àquela altura, o vento gelado batia contra seu rosto e o queimava. Elesis sentiu mais frio, mais fraca. A febre iria aumentar.

Antes de seu corpo voltar ao chão, ela notou a companhia de outra pessoa ao lado. Lin estava na mesma altura que ela, porém seguia reto no ar com seu par de asas, uma branca e outra preta.

— Sinto muito — pediu Lin.

O bater das asas criou uma intensa ventania que levou Elesis para baixo. Sua aterrisagem foi amortecida pelo berserk em suas pernas. Sem tempo a perder, ela continuou a correr pelas ruas da cidade.

No meio do caminho, Elesis esticou a mão para o lado e segurou um poste de luz, arrancando-o com um simples puxão. Ela girou, por fim lançando o objeto em Lin no céu. Pela velocidade, a mesma não teve tempo de desviar e foi atingida na asa.

Elesis sorriu. Ao dar seu primeiro passo para correr, foi acertada nas costas por um chute. Capotou no chão enquanto frio a contornava e se tornava denso, líquido como a água que a envolvia.

Presa dentro da bolha d’água, viu Azin passar por ela; sorridente, como sempre.

Um movimento furioso com os braços fez a bolha explodir. Elesis caiu de joelhos no chão, mais pesada que antes, mais quente também. Uma piscada e sua visão embaçou por alguns segundos. Elesis estava em uma contagem regressiva naquela prova, que estava consumindo mais do seu corpo que achava.

Existia uma forma de chegar no fim da prova rapidamente, porém exigiria muito de si. Um ataque explosivo, uma única chance de dar certo. Elesis já estava decidida antes mesmo de lembrar disso.

A espadachim voltou a sobrevoar a cidade com o impulso das próprias pernas. Ao longe, viu seus adversários mais à frente, mais pertos do fim do que ela. Quando sentiu seu corpo voltar a cair, Elesis levou toda sua mana para seus pés descalços. Havia aprendido isso por engano. Certo dia, ela conteve as chamas vermelhas na sua palma, esperando descobrir a resistência das suas chamas. De repente...

BOOM!

As chamas explodiram e seu corpo foi impulsionado. Dor estalou nos seus joelhos. Ela ignorou, continuou a lançar o próprio corpo com o poder da explosão das chamas. Elesis tinha se tornado um foguete humano, ganhando mais velocidade e menos resistência. Sua visão não mais tinha foco, borrões dos prédios e ruas sendo o único guia.

Então as cores do castelo real se destacaram. Elesis diminuiu as chamas, sentindo-se imediatamente mais fraca.

Em meio as cores do castelo, a bandeira vermelha se destacava no topo do telhado. O tecido balançava. Chamava por ela. Elesis posicionou o corpo em direção ao alvo, ergueu as duas pernas o máximo que pôde e disparou as chamas por uma última vez.

Ela voou em direção à bandeira. Pra baixo, numa velocidade que teve pouco tempo de reação. Quando as telhas estavam próximas de seu rosto, Elesis esticou a mão para pegar a bandeira e fechou os olhos.

Parte do seu peito e ombro amorteceram a queda. Doeu. Uma dor que arrancou ar de seus pulmões, batidas do seu coração. Seu corpo girou sobre as telhas, caindo pela inclinação. Elesis segurou com a outra mão e pés descalços.

Porém não havia bandeira em sua outra mão. Com olhos arregalados, encarou a bandeira ser erguida por outra pessoa. Pino.

— Boa jogada — elogiou Pino.

As dores despertaram em suas pernas. A febre de antes se tornou intensa, principalmente pelo frio da cidade e por estar molhada após o ataque de Azin. Elesis perdia forças até mesmo para se segurar na telha.

A visão curvou. A espadachim não conseguiu continuar acordada. Os dedos soltaram a telha, os pés não buscaram mais apoio. Lentamente, deixou escorregar pelas telhas e...

O corpo sem vida de Elesis caiu do telhado, atingindo o cercado da varanda abaixo. A coluna foi o centro do impacto. Outra vez, caiu.

***

O nariz de Lass latejava, mas farejava por algo. O Conselho tinha esse cheiro constantemente, escondendo segredos que nem mesmo o ninja sabia que precisava saber. A cada corredor, um novo mistério se desvendava se escolhesse a porta certa.

No entanto, algumas portas não abriam. A porta da sala de Ronan era uma delas.

— O que você tá fazendo?

Lass se virou assustado. Então se assustou outra vez ao perceber Lupus.

— O que você faz aqui? — acusou Lass. — Achei que tivesse trabalho para fazer.

— E eu tenho. Por isso estou aqui. — Lupus o olhou com desconfio. — Irmãozinho, o que você quer na sala do Ronan?

Lass apoiou as costas na porta. Não valia a pena esconder a verdade de Lupus.

— Preciso acessar à sala de arquivos do Conselho — explicou o ninja. — Mas não tenho acesso, então estou buscando alguma outra alternativa.

— Eu tenho as chaves das salas — mostrou o chaveiro. — Vem, eu abro pra você.

Isso também assustou Lass. Lupus era o tipo de pessoa que não podia ter acesso a muitas coisas por simplesmente ser o Lupus. Um caçador está sempre caçando por valores maiores. Com as chaves do Conselho, qual seria a próxima coisa que ele teria? Um trabalho ao lado de Ronan?

Lass não pensou nisso e seguiu o irmão.

— Como você conseguiu as chaves?

— Edel deixou comigo — ele respondeu com um sorriso vitorioso.

— E ela sabe que você tá usando as chaves?

Pararam na porta dos arquivos. Lupus procurou pela chave.

— Eu fiz ela permitir — o caçador esboçou outro sorriso.

Lass entendeu a intenção do sorriso, mas preferiu não perguntar sobre.

A porta foi aberta. Lass entrou com pressa, vagando pela longa sala com estantes cheias de documentos e itens guardados em caixas. Ele não sabia por onde começar, o que era um grande problema.

— O que você tá procurando? — Lupus perguntou.

— O revólver que o Astaroth usou pra se matar.

Lupus franziu o cenho, esperando Lass dizer o real motivo para estar ali. O silêncio do ninja confirmou a dúvida.

— O que você quer com isso, Lass? Não me diga que você pretende usar em si.

— Você adoraria isso.

Vagando entre as estantes, ouviu a risada afirmativa de Lupus.

— Perguntando sério agora — disse o haro, encostado na estante. — O que você tá fazendo?

Lass abriu várias caixas, nenhum tendo um revólver feito por Mari. Seguiu para outra estante, Lupus o acompanhando atrás.

— Você não acha estranho a morte do Astaroth? — questionou o ninja.

Mais caixas, nenhum revólver. Lass precisou olhar para trás para ver se Lupus ainda estava ali. A pergunta o deixou pensativo.

— Eu sempre achei estranho, mas nunca me importei de saber mais — admitiu o caçador. — O que você descobriu?

— O revólver que o Astaroth usou foi feito especialmente pela Mari — contava enquanto continuava sua busca. — Por que ele pediria por uma arma tão específica, que ele nem mesmo usa?

A caixa que pegou era mais pesada que as demais. Antes de abrir, já estava certo que aquela era a caixa certa. Lass tirou o revólver do interior, olhou cada detalhe e teve certeza que aquele era o projeto de Mari.

— Ei, achei—

Lass se virou. A garota a sua frente o encarava de olhos arregalados. Olhos especiais, azuis com uma cruz branca no centro. O cabelo verde estava preso em um coque, dando uma aparência frágil a jovem de baixa estatura.

— O que você faz na sala dos arquivos? — ela perguntou.

— Hã? — Lass estava muito confuso.

Ele olhou em volta. Para onde o Lupus tinha ido?

— Eu sou Lass...

Estendeu a mão em cumprimento, porém foi acertado no peito pela garota. A palma foi enterrada no seu torso num ataque veloz e único. No mesmo instante, as chamas azuis foram expelidas do seu corpo, explodindo pelas costas do ninja.

Lass caiu no chão. Todo seu corpo doía, os músculos retorcidos em uma exaustão nunca sentida antes.

— Não se mexa! — gritou a garota de punhos erguidos.

— Lass?!

A garota apontou um punho para Lupus. Ele se aproximou mesmo assim.

— Quem é você? — o caçador perguntou, sério.

— E-Eu sou Holy Serinity! — exclamou a mesma. — Assistente de Ronan Erudon! O que vocês fazem aqui?!

Lupus suspirou, menos tenso.

— Somos amigos do Ronan — ele explicou, calmamente. — Temos a chave para essa sala. Temos permissão para estar aqui.

Ele mostrou o chaveiro. Holy não abaixou os punhos, mesmo tendo sido convencida pelas chaves do caçador.

— Ronan não gostaria de saber que vocês estão aqui — ela rebateu. — Principalmente o garoto com demônio no corpo!

Lass se retorceu no chão, ofendido. As chamas riram no interior da sua mente, mas o ninja estava sem humor devido à absurda dor por seu corpo. O ataque de Holy não foi um simples ataque. Envolveu um tipo de magia oposta a que possuía no corpo.

— Não se preocupe com o garoto com demônio no corpo — mencionou Lupus. Lass reuniu todas suas forças para mostrar o dedo do meio. — Ele é inofensivo.

Inconscientemente, Holy abaixava os punhos.

— Ele é o portador das chamas — disse ela, séria. — Não tem nada de inofensivo nisso.

Lupus não mudou a postura pela seriedade de Holy, demonstrando isso com um chute em Lass no chão. O ninja rosnou, segurando sua perna por apoio e uma forma de impedir outro chute.

— Aliás — disse Lupus enquanto levantava o ninja pela camisa —, desde quando o Ronan tem uma assistente?

— O torneio trouxe mais trabalhos para ele — respondia Holy. — Meu trabalho também envolve o proteger de algum perigo durante o torneio.

Lupus largou Lass, que voltou ao chão, e apontou para ela. Apontou para a garota baixinha de aparência fofa.

— Você?

Raiva apenas tornava Holy mais fofa.

— Eu sou forte! — ela gritou.

— Derrubar o Lass não significa que você seja forte — debochou o haro. — Ele apanha pra todo mundo.

Lass encarou seu irmão, uma raiva similar ao de Holy, que cruzou os braços, inflando as bochechas; mais fofa ainda.

Sem aviso, Lupus avançou contra a paladina. Holy agarrou seu pulso e o puxou para baixo, acertando com o punho aberto na clavícula do caçador. Isso o derrubou imediatamente.

Com muito esforço, Lass se sentou para ver o haro apagado aos seus pés.

— Pelo que vocês procuram aqui? — Holy dirigiu a pergunta a Lass.

Ele apontou para o revólver caído no chão.

— Eu preciso muito daquela arma — disse Lass.

— Ronan não gostaria disso.

— Olha, Ronan não vai te demitir ou te punir por isso. Apenas diga que foi o Lass que pegou.

Holy cruzou os braços. Era bom ver a jovem com os punhos afastados dele. Mesmo após ter sido atacado, e ainda estar afetado pelo ataque, ela não parecia possuir tanta força que verdadeiramente tinha. A roupa com peças de armaduras criava esse ar mais inocente.

Holy o olhou, descruzando os braços. Lass congelou.

— Prometa falar com ele depois sobre isso — disse ela. — Não quero me meter em confusão por sua causa, garoto com demônio.

— Falo com ele — confirmou Lass. — Agora você pode trazer o idiota do meu irmão de volta? Eu vou precisar dele.

***

Elesis foi arrancada da inconsciência através da dor em sua coluna. Uma queimação por toda as costas, desde o osso aos músculos. Respirar tornava todo esse processo mais doloroso, derramando lágrimas de agonia.

— Não se mexa.

Ronan estava na ponta da cama. Um olhar negativo, mas braços cruzados para conter o que passasse em mente.

Elesis tentou se mover, sentar-se, ao menos, mas seu corpo se tornou rígido por tanta dor concentrada na coluna.

— O que aconteceu? — sussurrou a espadachim.

— Você não conseguiu pegar a bandeira e caiu do telhado do castelo. — Ronan tentou, mas não conseguiu evitar sua postura preocupada. — Você bateu a coluna na queda.

— Hã?! — ela gritou e se arrependeu no mesmo instante. Falar alto doía.

— Não aconteceu nada de grave — disse Ronan, com certo alívio. — Só que você precisa descansar muito pra se recuperar, principalmente do resfriado.

Isso era bom, pensava a espadachim. Porém seu corpo permaneceu tenso, à espera de mais notícias do mesmo calibre de Ronan.

— E...?

— E que foi decidido as lutas, quem lutará com quem. A primeira vai acontecer depois de amanhã.

Elesis continuou a esperar por mais péssimas notícias.

— Vou lutar com quem?

— Edel.

— Oh.

Um frio passou pela barriga de Elesis. Não era medo de Edel em si, era um sentimento parecido. Não eram amigas, e sim adversárias. Ambas estarem na mesma arena para lutarem não parecia agradável.

No entanto, um problema maior incomodou Elesis.

— Então eu vou lutar...

— Depois de amanhã, sim — confirmou Ronan. — Você tem dois dias para se recuperar e lutar contra a Edel.

Elesis não sabia se conseguiria levantar da cama, muito menos entrar numa luta com tamanha dor nas costas.

— Por isso vou te perguntar, Elesis. — Ronan se aproximou, parando ao lado dela. — Você consegue continuar? Não vou te forçar a entrar nesse torneio se não quiser.

Isso ofendeu Elesis, um lado muito antigo e infantil da espadachim. Duvidar de sua capacidade de lutar era mesmo uma ofensa, principalmente por envolver a vida de Lass. Se não tivesse com tanta dor, teria debatido imediatamente com Ronan.

Entretanto. Um grande entretanto. Do que adiantaria lutar em tais condições? Insistir em uma luta que já tinha como garantia a derrota seria mais que uma teimosia clássica de Elesis.

— Eu consigo — apesar disso, confirmou a espadachim.

— Então não ouse sair dessa cama até amanhã — exigiu o rapaz.

A porta do quarto se abriu. Arme entrou em passos empolgados, tão animada que mudava o clima do cômodo.

— Arme vai cuidar de você — explicou Ronan.

A maga se sentou ao lado dela.

— Estou ao seu dispor — disse Arme, animadamente.

Isso deixou Elesis profundamente confusa.

— Espera, a Arme não poderia simplesmente me curar? Seria mais simples, não?

Ronan coçou a cabeça.

— No torneio, vai ter uma verificação mágica no seu corpo — ele explicava. — Caso alguém decida usar alguma poção ou magia para ganhar alguns atributos extras.

— Mas é só cura... — disse Elesis.

— Nenhum tipo de magia, Elesis. Por isso estou tão preocupado com você.

— Elesis vai ficar bem — falou Arme, dando leves tapas na coberta da cama. — Lire tem alguns medicamentos que vão ajudar a Elesis ficar novinha em folha até o dia da luta.

Nas mãos das suas amigas, ela ficaria muito bem, disso tinha certeza. Mas a falta de magia ou poções a matava. Não sabia quanto mais tempo suportaria a dor nas costas, que parecia crescer com o tempo.

— Vou te deixar aqui — avisou Ronan, ficando agitado para ir embora. — Você terá os melhores cuidados aqui no castelo, então descanse.

 Com o mencionar, Elesis percebeu como o quarto tinha uma elegância e espaço que os quartos do colégio não tinham. O próprio conforto da cama e travesseiro a fazia se sentir melhor.

Ronan se dirigiu à saída.

— Nos vemos mais tarde, Elesis — ele se despediu.

A porta se fechou. O clima ficou estranho.

— Ele tá puto comigo — desabafou Elesis.

— Não é bem com você — disse Arme. — Ronan está resolvendo muitas coisas. Ele só tá cansado.

Um cansaço que Elesis e Lass causavam nele.

— Eu queria ter ganhado.

Embora tudo tenha parecido uma brincadeira pela espadachim aparecendo de pijama e atrasada para a prova, Elesis levava muito a sério tudo isso. Era por Lass. Tudo isso era por ele. O pijama estúpido e as dores nas costas.

***

Lass era como um idoso reclamando das dores na lombar.

Não sabia se o ataque de Holy tinha atingido sua coluna ou se a dor estava associada a outra razão. De todo jeito, uma dor maior surgiu junto com Adel no seu caminho ao quarto.

— Por que seu nariz tá roxo? — Adel perguntou.

Lass coçou a ponta do nariz. Havia esquecido desse outro ponto de dor. Valeu, Adel.

— O que você faz aqui? — perguntou o ninja.

Jogou a pergunta no ar e seguiu adiante. Adel não o impediu de entrar no quarto, mas o seguiu para dentro do cômodo e permaneceu parado na frente da porta. Lass também tentou não desconfiar disso, por isso se sentou na cama e colocou a caixa com o revólver de lado.

— Você ainda não soube da Elesis? — Adel perguntou, um pouco surpreso.

— Ela não foi fazer a prova do seu torneio idiota?

— Elesis se machucou na prova, caso não saiba.

A mão de Lass tocou a própria coluna. A dor ressoante continuava presente. Instantaneamente, ele levantou, olhos arregalados.

— Ela tá bem — Adel respondeu a pergunta silenciosa do ninja. — Por isso estou aqui.

Lass ignorou, apressando-se para sair do quarto. Assim entendeu a razão de Adel estar bloqueando a saída. Ele apontou seriamente para Lass não dar mais um passo.

— Você vai ficar aqui — mandou o líder. — Elesis está no castelo, se recuperando.

— Eu só quero ver ela!

— Você ignorou a parte do “Elesis está no castelo”? — Adel questionou, nervoso. — Você não pode ir pra lá! Tem líderes por perto.

Há dias, Lass não suportava mais ouvir sobre os líderes e como sua presença incomodava os mesmos. Não era uma surpresa seu afastamento de Elesis aumentar com o início do torneio, mas ele precisava vê-la.

— Pare de pensar — disse Adel. — Pare de pensar numa forma de vê-la. Elesis está bem, depois você vai poder vê-la.

Adel nunca pareceu tão sério e desgastado quanto agora. Não estava desgastado no nível de Ronan, porém sua presença ali, no quarto de Lass, carregava uma aura tão ansiosa que afetava o ninja igualmente.

— Eles não precisam me ver — insistiu Lass.

— Lass — Adel sussurrou seu nome, pondo suas mãos em volta do rosto dele. As mãos do líder estavam frias. — Você não vai chegar perto daquele castelo. Pelo bem da Elesis. Pelo seu próprio bem. Entendido?

Lass afastou as mãos de seu rosto.

— Você e o Ronan estão escondendo algo de mim?

As mãos voltaram ao rosto de Lass, descendo para seu pescoço. Ele tentou se soltar, mas os dedos apertavam sua garganta. Lass agarrou seus pulsos, assustado.

— Você não escuta ao Ronan, então escute a mim — falava Adel, a voz calma em contraste a sua pegada agressiva em volta do pescoço do ninja. — Você vai ficar longe daquele castelo. Tem alguns líderes querendo te ver, querendo principalmente achar uma desculpa para você ser preso até o julgamento.

— Eles não podem me prender por um motivo bobo — disse o ninja, engasgado.

Adel riu genuinamente. Lass tossiu ao ser solto, mas se encolheu com os leves tapas na bochecha.

— Acredite, eles podem te prender por você ter feito uma cara feia para eles. Agora, seja um bom garoto racional e não ouse usar as chamas — ele deu mais um tapa, próximo do nariz.

Lass estremeceu pelo contato. Tinha que dar um jeito nesse nariz.

— Eu até colocaria a Edel pra ficar te vigiando, mas ela tem trabalho pra fazer — mencionou Adel. — Vou acreditar que você pode fazer isso sozinho.

Aquela pausa aguardava por um juramento. Lass assentiu, sabendo que Adel e Ronan escondiam alguma coisa dele. O pior, Elesis deveria saber também.

Mantê-la distante assegurava o segredo dos líderes.

— Não vou no castelo, Adel. Fica tranquilo.

— Ótimo! — exclamou, empolgado. Continuou no mesmo tom: — Mas caso você ouse me desobedecer, saiba que eu mesmo te coloco na prisão até o julgamento.

Cazeaje sempre foi assustadora como líder por possuir uma passividade em suas ameaças e planos sádicos. Adel também é assustador, pois essa passividade soava muito natural a sua persona. Ele nasceu assim. Um sorriso gentil seguido por uma facada no peito; não necessariamente nessa ordem.

— Não me desaponte!

Adel se foi.

Mas sua presença continuou.

***

— Adel pediu pra você ficar de olho em mim, não é?

O sorriso de Jin não desmanchou após ouvir a pergunta do amigo. O ruivo se sentou no chão do quarto e começou a arrumar o tabuleiro de Banco Imobiliário. O desconfio de Lass permaneceu no ar, pesando junto com o silêncio.

— Jin.

— Eu só te chamei pra jogar Banco Imobiliário comigo — disse o ruivo, focado nas peças. — Qual é o problema disso?

— Você não gosta de Banco Imobiliário! — acusou Lass.

Sieghart passou por cima do tabuleiro, apressado atrás de seu casaco.

— Verdade, você é péssimo contando — disse Sieghart.

— Vocês vão jogar ou não?! — Jin jogou o bolo de dinheiro no chão, impulsivo. — Dio?

O asmodiano permaneceu de braços cruzados na porta do quarto, um olhar distante da realidade atual. Jin estalou os dedos e isso chamou a atenção dele.

— Foi mal, não vou jogar — disse Dio. — Vou estar indo ver o dragão. Alguém tem que vigiar.

— Ah, agora você chama de dragão — falou Sieghart, ainda procurando por um casaco.

— Tecnicamente, não é um dragão — olhou emburrado. — Dragões são mais espertos.

O que não era o caso dos que tinham atacado a cidade. Muito primitivos, mas ainda faziam parte da linhagem dos dragões. Chamar aquelas criaturas dessa forma não fazia tanta diferença, no final das contas.

— E você, Sieg? — Jin perguntou. — Não é preciso duas pessoas para vigiar um dragão adormecido.

Sieghart encontrou o agasalho sob as cobertas da cama.

— É, mas alguém tem que ficar de olho no chifrudo ali.

Dio agarrou o rosto do rapaz, dedos furiosos que arranhavam a pele do mesmo. Sieghart apenas riu.

— A gente tá atrasado — dizia o asmodiano, empurrando Sieghart para fora do quarto. — Até.

Jin foi o único a acenar em despedida. A relação de Sieghart e Dio não parecia mudar com o tempo, sempre tinham o mesmo jeito de lidar com um ao outro. Mas ultimamente, Jin tem visto os dois grande parte do tempo juntos, discutindo por qualquer bobeira. Ele gostaria de saber o que acontecia entre ambos quando não estava por perto.

— Você ainda não me respondeu — disse Lass.

— Eu nem vi o Adel hoje, cara! Por que você tá assim?

Lass se segurou, então perdeu a postura séria. O ninja se juntou a ele no chão.

— Ronan quer me pegar na porrada, agora o Adel também.

— Legal, a lista tá aumentando. Quantos até agora?

Ele contou nos dedos.

— Não sei. Parei de contar quando passou dos vinte.

Jin riu. As peças foram distribuídas. Pelo silêncio do amigo, ele jogaria com ele.

— Eu só quero que esse julgamento chegue logo — dizia Lass. — Se decidirem cortar minha cabeça, ok, façam logo isso.

— Não fala isso — Jin olhou com profunda preocupação. — Você vai sair vivo dessa. E inteiro. É, vai ficar tudo bem...

O dinheiro de mentira era entregue. Lass pegou as notas, percebendo as mãos trêmulas do ruivo. Olhando bem, ele estava pálido, encolhido do outro lado do tabuleiro.

— Você tá bem? — Lass perguntou.

A pergunta assustou o lutador.

— Hã? Por que eu não estaria? — então riu, sem graça.

— Você parece nervoso.

— Não estou nervoso. Estou empolgado porque vou jogar Banco Imobiliário!

Lass coçou o queixo.

— Tá acontecendo alguma coisa que eu não tô sabendo? — murmurou o ninja.

Lass tinha voltado, e apesar de boa parte do tempo ter passado com Jin, não tinha percebido o comportamento diferente do amigo. Ainda existia animação em seu tom de voz, porém, em certos momentos, Jin falaria baixo, um sussurro que ele considerava barulhento. Lembrava uma criança que tomou bronca e tinha receio de fazer alguma coisa pra tomar um castigo.

Assim Lass lembrou de onde tinha vindo as cicatrizes de Jin. Não as cicatrizes em seus punhos e rosto, e sim aquelas escondidas sob a camiseta. Marcas de um dia estressante.

— Eu tô bem, cara — respondeu Jin. — Você tá? Tantas perguntas.

— Porque você parece estranho.

— Não estou—

— Então por que você recusou participar do torneio?

Jin se escondia atrás do sorriso.

— Eu sei que te chamaram antes do Azin — disse Lass. — Você é perfeito pra isso.

— Achei que você fosse o cara que odiasse torneios — riu o ruivo.

— E eu achei que você fosse o cara que amasse lutas!

Jin olhou para os lados e, por um gesto impulsivo, bateu os punhos sobre o tabuleiro. Apesar disso, ele continuava a sorrir, a manter os olhos emotivos distantes da visão de Lass.

— Eu... — ele fez um gesto com a mão, procurando por palavras. — Eu tô bem.

Então Jin o olhou, implorando para que não insistisse. Não era o forte de Lass descobrir os problemas das pessoas. Mesmo que Jin dissesse o que passava por sua cabeça, não saberia o que dizer para amenizar essa dor. Elesis saberia. Sim, Elesis parecia uma babaca insensível, mas ela sabia o que dizer, como dizer.

— Ok — disse Lass. — Vamos jogar então.

Um grande alívio tomou Jin. Por um instante, seu sorriso estremeceu, quase desaparecendo. Lass se esforçou para ignorar.

***

Elesis ficou de pé e quis se deitar imediatamente. Dor impedia que ela andasse, dor impedia que ela respirasse. O único pensamento que passava por sua mente era como lutaria com Edel desse jeito. Não pediria para sua inimiga pegar leve com ela ou entregar a luta; seria uma ferida no orgulho que doeria mais que a atual.

— Consegue andar mais um pouco? — perguntou Lire.

Elesis andou, então parou. A parede era seu apoio.

— Parece que tem uma barra de ferro enfiada na minha coluna — disse Elesis. — Não tem nada melhor do que esse chá? Eu tenho pouco tempo pra ficar cem porcento.

Arme riu.

— Eu duvido muito que você se recupere totalmente sem o uso de magia e porção — disse a maga. — Talvez amanhã de manhã você acorde melhor.

— É, mas melhor não quer dizer o melhor — resmungou Elesis.

Ela tinha sido imprudente demais. Elesis foi a única a se ferir gravemente, para inclusive afetar seu desempenho no torneio. O que fez foi: pegou uma arma e puxou o gatilho com o cano virado para si.

Gênia.

— Seja positiva, Elesis — animou Lire. — Você é forte, vai conseguir dar um jeito de lutar no dia do torneio.

Ela conseguiria mesmo? Enquanto pensava, Elesis deslizou pela parede até cair sentada. Seu corpo tinha ficado mais pesado, porém menos dolorido.

— Às vezes, me pergunto se eu matei Cazeaje de verdade — mencionou a espadachim.

Lire e Arme olharam juntas, preocupadas.

— Por que você tá dizendo isso? — questionou Arme. — É claro que foi você que matou ela, Elesis!

— É, mas e se... — O grande e se. — E se foi tudo coincidência. Além do mais, eu usei grande parte das chamas azuis para isso. Não foi bem eu que matei ela.

— Elesis, você está dizendo isso porque está se sentindo fraca — disse Lire, delicada nas palavras. — Não precisa duvidar da sua força por isso.

Ela precisava quando tinha a vida de Lass dependendo disso. As mãos foram levadas à cabeça, unhas pressionadas no coro cabeludo. Ela se sentia tão fraca e incompetente.

— Elesis, seu celular tá tocando — disse Arme.

A maga entregou o aparelho a ela. Tinha ficado distante do celular o dia todo, sabendo que teria mensagens de um certo alguém preocupado. Ronan a proibiu de vê-lo; o mesmo deve ter valido para ele.

Ela atendeu, encolhendo-se contra a parede. O olhar de Lire sobre ela era assustador.

— Pergunta rápida — disparou Lass, do outro lado da linha. — Você quer uma casa de praia ou um castelo?

Elesis riu da estranheza da pergunta.

— Eu gosto de praia, então...

— Hum. — O silêncio se abafava por sua respiração e a voz distante de Jin. — Jin, passa a casa de praia.

— Vocês estão jogando Banco Imobiliário? — questionou Elesis, sem acreditar. — Achei que o Jin odiasse.

— E ele odeia!

Arme balançava os braços, chamando a atenção da espadachim. Ela apontava para a cama.

— Ele odeia tanto que tá perdendo — completou Lass.

A negação de Jin era audível para Elesis. Ela riu enquanto se levantava com ajuda da parede. Logo Lire se ofereceu para ajuda-la.

— Mas deixando isso de lado — continuou o ninja. O tom brincalhão desapareceu. — Como você tá?

Elesis chegou na beira da cama em passos robóticos. Lentamente, se sentou enquanto continha um grito de ser solto.

— Estou perfeitamente bem — disse ela, convincente. — Deveria estar preocupado com a Edel. Vou descer a porrada nela.

— Eu agradeceria, mas... você vai poder mesmo lutar?

Mesmo sentada na cama, Elesis não conseguia respirar apropriadamente. Tentou se manter firme, porém desistiu, deitando-se.

— Eu vou ganhar a luta, Lass.

— Não foi essa minha pergunta.

Ela esfregou a testa. Difícil resolver isso.

— Mas o que importa é se vou ganhar ou não — insistiu a espadachim. — E eu vou ganhar.

Lass se calou. Não importava a mentira que usasse, ela reprovaria todas do mesmo jeito.

— Eu tenho que voltar ao jogo — ele murmurou. — Melhore, Elesis.

O fim da chamada foi abrupto. A espadachim soltou o celular e pôs as mãos no rosto. O que ela podia fazer além de conter a raiva que sentia?

— Por que vocês vivem brigando? — perguntou Arme.

Com as mãos contra a face, Elesis falou:

— Deve ser alguma maldição ou coisa do tipo.

Melhore, Elesis. A espadachim gostava de acreditar que essas palavras significavam melhoras para sua saúde, mas era mais um pedido para ela melhorar as mentiras. Ela precisava mesmo melhorar as mentiras, pelo bem do relacionamento deles.

***

O longo cabelo de Dio possuía curvas nas pontas. Incomodado pelas longas mechas, ele decidiu prender em um coque. Isso mudava a aparência do asmodiano, dando um ar pacífico, quase que humano para o mesmo.

Sieghart não sabia como se sentir em relação a isso. Existia um dragão preso em correntes no salão junto com eles, no entanto, a atenção do rapaz estava no asmodiano adiante.

— A Rey já deve tá chegando — disse Dio enquanto guardava o celular. — Já pode ir, se quiser.

Sieghart se moveu até Dio, apoiando seu braço no ombro do amigo.

— Acho que Mari está certa. Deveríamos matar esse dragão.

Dio negou com a cabeça.

— Precisamos saber por que ele está aqui — referiu-se ao dragão. — Existe alguma razão para esse bicho estar aqui, em Ernas. Deve está procurando por alguma coisa.

— E se deixarmos ele vivo, logo logo ele vai encontrar.

Dio negou outra vez, mas sem mover a cabeça. Era um pequeno detalhe que Sieghart conseguiu perceber estando perto. O asmodiano torcia o nariz, tentando não expressar muito sua discordância do assunto.

Sieghart pressionou o cotovelo contra a bochecha de Dio.

— Você tá escondendo algo — acusou Sieghart.

— Só estou apreensivo do que pode acontecer em seguida — comentou o asmodiano.

 O sorriso de Sieghart cresceu espontaneamente.

— Você está preocupado com a gente!

— É claro que eu estaria — disse Dio, ofendido. — Eu me importo com vocês.

Era uma raridade ver Dio se abrir, mesmo que pouco. Sieghart esfregou sua mão no rosto do asmodiano, que o tentava afastar com grande raiva.

Aff, se peguem lá fora!

Dio empurrou Sieghart com a entrada de Rey. Nenhum som de passo, já que a mesma flutuava. O ar da sala se tornou amargo como sua postura diante o dragão adormecido.

— Chegou no horário certo, finalmente — comentou Dio.

— Não se acostume — disparou a asmodiana.

— Então é minha deixa para ir — apontou Sieghart, seguindo para a saída. — Não façam merda!

Rey e Dio possuíam personalidades opostas, o que criava tanto conflito entre eles. Mas ali, encarando Sieghart, eles pareciam idênticos com seus olhares afiados.

Sieghart riu e deixou o salão. Então deixou o subsolo que aprisionava a criatura.

Do lado de fora, o ar da manhã o cumprimentou. Seu rosto queimava, um calor que o sufocava. Sieghart precisava encontrar uma forma de se livrar disso antes que o consumisse por dentro.

Ele voltou para o colégio e quando levou a mão para a maçaneta da porta do seu quarto, parou. Seu rosto ainda estava quente. Sieghart fechou os olhos e bateu a cabeça na porta. E bateu de novo.

Ao entrar no quarto, sua atenção foi direcionada aos dois corpos no chão, em volta do tabuleiro de Banco Imobiliário. Jin e Lass estavam cobertos por dinheiros falsos e cartas do jogo.

—  Não acredito que vocês se pegaram no meu quarto — disse Sieghart.

Lass despertou, virando-se para encara-lo. Sieghart lançou seu sorriso debochado.

— Que horas são? — perguntou o ninja.

— Cedo o bastante pra tomar um café da manhã.

Lass não estava com fome. Sentando-se, sentiu seu corpo reclamar das dores de ter dormido no chão. Não foi uma escolha dele ter dormido no quarto de Jin, principalmente no chão. O jogo se prolongou ao ponto de apagarem no meio da partida. Grande razão disso se deu pela conversa com Elesis, que incomodou tanto o ninja ao ponto de jogar apenas para tirar a raiva do peito.

Ainda restava um pouco de raiva.

— Jin? — Sieghart o acordava, cutucando o corpo do ruivo com o pé. — Acorda, vamos. Você tomou seu remédio ontem?

Sieghart se abaixou e sacudiu o ombro dele. Jin se moveu no susto, agarrando o braço do rapaz.

— Sou eu — disse Sieghart, como se aquela não fosse a primeira vez que falasse isso. — Tomou ou não?

Lass observou em silêncio. Existia uma outra camada naquela conversa que ele não tinha descoberto ainda.

Jin soltou o braço do amigo, sua postura defensiva desaparecendo em seguida. Ele se ergueu, andando em passos arrastados em direção ao banheiro. A porta se fechou e Lass lançou um olhar questionador para Sieghart.

— O que ele tem? — sussurrou o ninja. — Que remédio é esse?

 — Jin anda um pouco... ansioso ultimamente — sussurrou também. — Tente não o pressionar sobre isso. Ele odeia.

Lass tinha percebido horas atrás. Jin parecia bem, mas no fundo, Cazeaje ainda mexia com sua cabeça. Tudo que Lass pôde sentir era pena.

***

O uniforme que Ronan a deu estava apertado demais. Não era porque seu corpo tinha muito volume e músculo. Não, era por causa da maldita dor da coluna que deixava todo o restante do corpo dolorido, sensível ao toque mais sensível do tecido da roupa.

— Eu não vou usar esse casaco! — desabafou a espadachim.

Despiu-se da jaqueta preta e a jogou no chão. Bem melhor.

Ronan cruzou os braços.

— Você precisa estar apresentável no torneio — debateu o líder. — E não vestida com uma cueca, que nem sua era.

Elesis o encarou.

— Então se a cueca fosse minha, tudo bem?

— Esse não é o ponto! — Ele suspirou. — Você vai está me representando, Elesis. Representando Canaban!

Elesis era a pior pessoa possível para representar; inclusive ela própria. Apesar disso, ela não se opôs ao pedido de Ronan. Precisava de uma roupa para a luta, mas não uma que a sufocasse como a atual.

— Consiga uma jaqueta maior — disse Elesis. — Vai ser uma luta contra a Edel, ela é muito rápida.

— Certo. Prometa que vai, ao menos, usar o short.

O short estava de bom tamanho, melhor que uma calça, que a atrasaria como a jaqueta.

— Eu não vou lutar com a cueca do Lass, relaxa — debochou a espadachim.

Ronan a encarou com um semblante fechado. Com a falta de palavras, Elesis entendeu aquilo como um fim de conversa. Assim começou a desbotoar a camisa social que usava, pouco se importando com a presença do rapaz.

— Como que você chegou a usar a cueca do Lass? — perguntou Ronan.

— São que nem shorts, ótimas para dormir.

Isso não fez Ronan desfazer o julgamento em seus olhos. Elesis riu enquanto se despia da camisa. O torso da espadachim continuava marcado por mãos, um pouco mais escuro que antes. As queimaduras estavam em um processo lento de recuperação.

Mas ainda incomodava Ronan. De costas para ele, algumas marcas não podiam ser escondidas.

— Por que você deixa ele fazer isso com você? — perguntou Ronan.

Elesis se virou, entendendo ao que ele se referia.

— Isso não é da sua conta, Ronan.

— Sendo ou não, me incomoda te ver machucada.

Ela bufou. Ronan se aproximou, levando sua mão à marca da mão no ombro da espadachim. Os dedos e palma se alinharam perfeitamente. Elesis procurou entender sua intenção pelo pesado silêncio entre eles. A forma como a encostava, evitando segurar seu ombro. Ronan fazia de tudo para parecer distante, apesar de se aproximar mais dela.

Elesis o segurou pelo pulso.

— Tudo bem? — ela perguntou.

Ele despertou com a pergunta. Ronan recuou, esfregando o rosto, tirando parte do cabelo da face.

— Desculpa, me distrai por um instante — murmurou. — Preciso ir agora. Descanse!

Da forma mais apressada possível, o líder deixou o quarto.

Elesis era muito lenta para entender certas coisas da vida, mas não aquilo. A amizade que tinha com Ronan havia desaparecido, sendo trocada por algo que apenas ele enxergava.

Elesis se sentiu mal. Torcia para estar errada.

***

Elesis tinha se acostumado com a dor nas costas como se fizesse parte de si. Os remédios e massagens de Lire ajudaram a aliviar, mas era a determinação de lutar que a fazia suportar tudo que sentia.

O dia chegou.

Elesis despertou, levantou da cama e olhou a cidade pela janela do quarto. À noite, o torneio iniciaria e a primeira luta seria a dela. A segunda de Azin contra o campeão de Ellia. A terceira de Amy contra Lin. A espadachim torcia por poder terminar sua luta contra Edel inteira, ao menos para assistir às outras lutas.

E o simples pensar da sua adversária a fez entrar no seu quarto. Edel avançou, agarrando a espadachim pela gola da camisa.

— Escute bem — disse a capitã, próxima de seu rosto. — O idiota do meu irmão pediu para eu entregar a luta pra você. Saiba que eu não vou.

— Não quero que você entregue também — falou Elesis, um pouco perdida no tom da conversa.

— Ele pediu pra entregar porque você tá machucada. — Edel a empurrou ao solta-la. Elesis fez uma careta pela dor despertada. — Mas esse é um torneio, você lutará com outras pessoas. Portanto, vença a melhor.

Elesis assentiu. Mesmo que ganhasse de Edel, ainda teria outros adversários para vencê-la. Adversários fortes, e principalmente desconhecidos, como o caso de Lin e Pino.

— E se eu ganhar, não ache que eu vou lutar pelo idiota do seu namorado.

— Não vou perder, Edel.

Edel empinou o nariz, superior mas sem perder a pose.

— Bom mesmo.

Sua rival foi embora e isso trouxe uma certa motivação para Elesis. Como se não bastasse a liberdade de Lass estar em jogo, Edel precisava a relembrar disso através de palavras ameaçadoras.

***

— Não tenho tempo pra você agora, Lass — disse Ronan, sem se dar o trabalho de olha-lo.

Lass também não o olhava. Não era preciso olhar para saber que Ronan estava em sua mesa de sempre do Conselho, olhando papeis infinitos. Não, Lass preferia ocupar sua visão com os cadarços sujos dos sapatos, também sujos. Não os limpava desde que chegou de viagem.

— Daqui a pouco vai começar o torneio — continuou Ronan. — Preciso estar presenta para ver a Elesis.

Lass puxou o cadarço com força.

— Holy me contou que você e o Lupus estiveram aqui alguns dias atrás. — Enfim os papeis foram colocados de lado. Ronan o olhou quando não recebeu uma resposta. — O que você quer com a arma que o Astaroth usou pra se matar?

— Faz parte do meu novo hobby.

— Hobby? — ele ergueu uma sobrancelha.

— Você disse pra eu achar, e achei.

Não poderia considerar um hobby de fato, mas ocupava sua mente o bastante para não pensar na Elesis. Também era uma boa forma de mantê-lo afastado do torneio. Ronan não havia dito, mas Lass não seria permitido de jeito nenhum na arena para assistir as lutas, mesmo as que não envolveriam a espadachim.

Lass estava puto, e estar puto o deixava mais puto que o padrão de puticidade.

— Só prometa que você vai devolver essa arma depois — pediu Ronan, cansado demais para debater. — Inteira, de preferência.

Ronan levantou, arrumando sua mesa. Lass terminou de amarrar os cadarços, porém não saiu da cadeira.

— O que você e a Elesis estão escondendo de mim? — questionou Lass.

O som do papeis morreu subitamente. Lass ergueu o rosto para olhar o líder, parecendo mais sério que o habitual pelo nariz machucado. O roxo agora era um lilás que ganhava tons verdes próximos das bochechas. Dor não o incomodava mais; Lass era bom nisso, acostumar-se com dor.

— É por causa do torneio, não é? — deduziu Ronan, sem nenhum sinal de nervosismo.

— Eu não sei, o fato de você quebrar meu nariz e trancar a Elesis no castelo, onde não posso ir, me faz suspeitar de alguma coisa. — Bateu com a ponta dos dedos no lábio, fingindo o ar pensativo. — Sem falar no Adel me ameaçando também.

Os olhos de Ronan estreitaram, até se fecharem enquanto levava sua mão para o rosto. Esfregando a testa, mechas da franja se prenderam em seus dedos. Ronan estava um caco de vidro.

— Como eu disse — disse Ronan, seguindo para a saída —, não tenho tempo para você, Lass.

Mas Lass o seguiu para fora da sala.

— Se vocês sabem de alguma coisa sobre mim, eu tenho direito de saber — dizia o ninja, aumentando o tom. — O que ganha escondendo de mim?!

— Lass, eu tenho um torneio pra cuidar e você agindo como uma criança não me ajuda em nada — falou Ronan, seguindo caminho pelo corredor.

— E como se não bastasse isso, você ainda enfia a Elesis nessa merda.

Ronan parou e o encarou. Ele não queria discutir.

— Foi uma escolha dela.

— E como foi uma escolha sua aceita-la ou não!

Lass já sabia que essa discussão não daria respostas que procurava, mas era muito bom falar alto o que incomodava. Se ele se concentrasse bem, conseguiria sentir a dor na coluna. Se concentrasse com maior intensidade, ouviria os gemidos de dor de Elesis.

Sabendo disso, Ronan revirou os olhos.

— Você é muito babaca, Lass.

— Claro, fui eu que coloquei a Elesis numa prova que quase quebrou a coluna dela — rebateu, mais debochado que irritado. — Como também sou eu que está incentivando ela a participar do torneio nesse estado.

— Isso é uma escolha dela, queira você ou não! E esse é o seu problema, Lass — disse, seguindo adiante. — Você está incomodado pela Elesis tomar escolhas que não envolvem mais você.

Ronan quase foi atingido pelas chamas azuis, que atingiram a parede mais próxima. O brilho o cegou momentaneamente, mas o calor não chegou a ser sentido. Apesar disso, ele se virou, um olhar perplexo para Lass em volta das chamas.

Lass bufou pelas narinas, apagando de vez as chamas do corpo.

— Se alguma coisa acontecer com a Elesis, esteja preparado pelas consequências — disse o ninja, por fim, partindo.

Ronan continuou sem palavras após a ida de Lass. A parede atingida ficou marcada por uma mancha escura. Poderia ter sido ele. Poderia ter sido ele se Lass quisesse.

***

Todo o estresse de Lass vinha do torneio. As pessoas a sua volta não paravam de falar, transformando todo aquele momento de esperar em uma tortura.

— Você parece estressado.

Lupus também não ajudava muito. Ele gostaria de mandar seu meio irmão para longe, mas precisava de sua companhia. Sacrifícios que o ninja fazia. Se ele tivesse a opção, não estaria em uma mesa de bar, na qual dividia com o haro.

— Eu aposto que se você pintasse o cabelo e colocasse um óculos, ninguém te reconheceria no torneio — apontou Lupus. — Cabelo preto combina com você.

— Sério, você não tem o mundo pra salvar? — indagou Lass.

— Sem a Edel, não tenho muito o que fazer. Aliás, este é um momento importante para nós.

Lupus sorriu. Pareceu honesto, genuíno, mas, afinal das contas, era Lupus e ter um sorriso puro não era de sua pessoa. Em resposta, Lass deu o dedo do meio. Ultimamente, este tem sido sua forma de se expressar com seu meio irmão.

 — Você não sabe mesmo como funciona essa arma? — com um tom mais calmo, Lass perguntou.

Ele batucou os dedos sobre a caixa. O mistério em seu interior o perturbava, forçava-o a se mover em busca de respostas. Lupus era uma das pessoas que poderia dar alguma resposta do tipo, mas, aparentemente, ele adorava se fingir de inútil.

— Só existe uma pessoa que pode te responder isso — respondeu Lupus.

E essa pessoa parou ao lado da mesa deles.

Lass e Lupus eram diferentes fisicamente, especialmente em suas personalidades. Quem visse ambos juntos, não diriam que eram irmãos. Mas na presença de Regis, a fonte desse dna divergido, algumas características se destacavam entre os irmãos. As sobrancelhas finas e retas ganhavam a mesma forma quando faziam uma careta raivosa.

Tão parecidos quando demonstravam desprezo pelo pai.

— Você me chamou e aqui estou — disse Regis. — Não me olhe assim, Lass.

— É o meu olhar padrão — disse o ninja, sem mudar de expressão.

Regis olhou Lupus.

— Não acreditei quando o Lass me disse que você estava na cidade — mencionou Lupus, desdenhoso. — Mas olha só...

Regis puxou uma cadeira para se juntar à mesa.

— Desculpe por ter sido insensível — dizia Regis. — Gostaria de um abraço de consolação, filho?

 — Se tem uma coisa que eu não quero de você é o seu abraço — um corte rápido e efetivo.

Regis riu, contudo. A bufada, propositalmente alta, de Lass chamou a atenção dos Wilds. Somente assim, o mais velho notou o nariz machucado do filho.

— O que aconteceu com você?

— Não importa — contou o ninja, tão sério quanto Lupus. — Eu te chamei aqui por isso.

Ele empurrou a caixa, sem mais explicação. Regis a abriu e tirou o revólver do interior. Seu olhar crítico observava os detalhes da arma; um olhar que Lupus herdou.

— É uma arma bem inútil, tenho que dizer — admitiu Regis. — O que você quer que eu faça com ela?

— Por que ela é inútil?

— É uma arma com pouco poder de fogo, mas o principal problema está aqui. — Ele abriu o tambor do revólver, cujo o espaço eram de apenas dois projeteis. — Geralmente um revólver tem mais espaço para munição, justamente por ser uma arma fraca. Não faz sentido ter apenas dois buracos.

— Foi o que eu disse pra ele — comentou Lupus.

Lass ignorou o irmão, pensando nas possibilidades vantajosas que Astaroth poderia ter sobre essa arma. Primeiramente, não fazia muito sentido ele usar uma arma de fogo, tão antiquada na sua posse como espadachim. Algo não se encaixava, como previa.

— E quanto as balas? — Lass perguntou. — Esse revólver parece aguentar uma munição mais pesada.

— É, eu notei isso — disse, olhando o tambor da arma mais de perto. — É um calibre maior, o que não aumenta muito o poder de fogo.

— Que tipo de projetil seria usado?

Ali estava a pergunta que Lupus não soube responder com certeza. Ele era especialista em armas de fogo, porém era seu pai quem tinha maior conhecimento sobre o assunto. Pela forma como olhava o revólver fez Lass ter certeza.

— Isso me faz lembrar de outra coisa — mencionou Regis, concentrado na arma. — Tem essa bala especial usada para curar ferimentos graves.

Lass se debruçou na mesa, olhos arregalados.

— Como isso funciona?

— É um tipo de bala mágica. Ela cura enquanto tiver alojada em seu corpo. Por se tratar de uma cura intensa, você a usa apenas uma vez.

Os pontos se conectavam, dando um sentido a todas as dúvidas de Lass. O mundo se abriu, novas possibilidades ao se alcance.

— Você tem certeza disso? — perguntou Lupus, na mesma sintonia que o ninja.

— Por que querem saber dessa arma? — Regis olhou ambos.

— Isso é possível ou não? — questionou Lass.

Regis devolveu o revólver à caixa. Ao se recostar no apoio da cadeira, cruzou os braços.

— Sim, é possível.

Lass estava eufórico por dentro. Isso era possível, muito possível.

— Por que essa surpresa? — Regis perguntou.

— Astaroth usou esse revólver pra se matar — respondeu Lass. — E, bem, eu não acho que ele tenha se matado.

Regis não demonstrou tanta surpresa, mas seus olhos se voltaram para a caixa e o peso de sua importância.

— Astaroth sempre foi excêntrico, fazer uma coisa desse não seria uma surpresa para mim — comentou Regis. — Tendo sido isso ou não, só existe uma forma de descobrir.

Lass concordou. Conhecendo bem seu antigo mentor, ele sabia que Astaroth não partiria assim sem uma despedida apropriada. Pelas Deusas, ele não deixou nem uma carta ou algo do tipo. Um dia Astaroth vagava pelo mundo, no outro ele deixava de existir.

Lass sentia raiva. Uma amargura que não tinha lugar mais dentro de si.

***

Elesis estava mais nervosa que o comum. As mãos não paravam de suar, tão trêmulas quanto suas pernas. O uniforme que usava não apertava, mas continuava a se sentir presa dentro das camadas de tecido.

— Por que você tá nervosa? — perguntou Ronan.

— Não estou — disse imediatamente.

Ronan não desviou a desconfiança dela.

— Talvez um pouco. E se eu perder?

Como se todo seu corpo pesasse, Elesis se recostou na parede do corredor. Através dos tijolos, ela conseguia sentir a vibração do público do lado de fora. A arena estava cheia para ver a primeira luta do torneio.

— Elesis — suspirou Ronan, recostando-se na parede oposta. — Se você não está em condições para lutar, não entre na arena. Tenho certeza que possamos achar outras maneiras de ajudar o Lass.

— Não — ela balançou a cabeça. — Essa é a melhor forma.

Ela precisava acreditar mais em si do que em Ronan. Confiava nas escolhas do amigo como líder do Conselho, mas ela não teria controle da situação dessa forma. Entrando na arena para enfrentar Edel e outros adversários era a única forma de garantir a liberdade de Lass.

— Aqui.

Ronan tirou do cinto uma espada e a entregou. Uma espada simples, porém pesada para a espessura da lâmina.

— Eu tenho meus sabres — disse Elesis, confusa.

— Estão velhos e arranhados — dizia Ronan, tirando os sabres da espadachim. — E também lutar com duas espadas contra Edel? Melhor não. Foque apenas em uma espada.

Com uma espada, Elesis era mais ágil. Fazia sentido.

— Mas meus sabres são mais resistentes — apontou a espadachim.

— Essa espada foi cara, Elesis. Eu duvido que a Edel consiga fazer algum arranhão nela.

Elesis guardou a espada no cinto. Enfim a juíza do torneio surgiu, possuindo um cajado em mãos.

— Vim fazer o teste de magia — disse ela, estendendo o topo do cajado para Elesis. — Por favor.

— Ah sim — confirmou Elesis.

Ela se aproximou, mas quando levou a mão ao cajado, paralisou. Lembrava do que Ronan tinha dito sobre esse teste. Era feito para saber se existia alguma magia ou poção sendo usada para aumentar seu desempenho. Elesis não tinha nenhum dos dois, no entanto, a mana de Elyos ainda circulava por seu sistema.

Dio e as chamas azuis avisaram sobre isso. Ela tinha esquecido completamente.

E se tocasse no cajado e essa mana fosse revelada? Ela seria desqualificada. Uma magia indevida para uma humana.

— Algum problema, Elesis? — perguntou Ronan.

— Não, sem problema — ela sussurrou, nervosa.

Elesis não tinha outra escola. Encostou os dedos no cajado, mudando a cor de seu cristal. Alguns segundos bastaram para a juíza assentir.

— Tudo bem — disse a juíza. — Entre em cinco minutos.

Elesis se assustou com a ida despreocupada da juíza. Olhou para a própria mão, sem entender o que aconteceu. A mana de Elyos circulava por suas veias, a espadachim conseguia sentir. Mas por que não foi identificada?

— Vou estar indo para o meu lugar na arquibancada — avisou Ronan. — Vou estar torcendo por você.

Elesis abaixou a mão, deixando de lado a preocupação. Ronan percebeu seu nervosismo. Ele segurou o ombro dela, um aperto que transmitia confiança.

— Você consegue.

Ela sorriu, concordando.

Ronan a deixou no silencioso corredor. O pouco de confiança que tinha a moveu em direção à arena. Os sons abafados do público aumentavam como as batidas do seu coração. Elesis era forte, Elesis era capaz de vencer o torneio. Pelo Lass, pela liberdade dele.

Sua entrada na arena foi barulhenta. Muitos a conheciam, tinham motivo para ficarem empolgados por uma luta que a envolvia. Elesis abriu um sorriso genuíno. Fazia tempo que não se sentia assim, tomada pela emoção de uma luta.

Edel entrou na arena e permaneceu distante, mas com um olhar tão afiado que Elesis se sentiu atingida dali. Ela parecia ameaçadora com o florete em mãos.

Elesis empunhou sua espada, o peso da lâmina forçando a dor nas suas costas despertar. Não tinha se recuperado da prova, somente o pouco para se manter de pé e manusear uma espada. Agora lutar? Não, ela ultrapassaria limites por isso.

Pelo Lass, ela voltou a repetir. Então olhou a arquibancada a sua volta, rosto a rosto, mas não encontrou nenhum que se assemelhasse ao ninja. Ele não estava ali, já era previsível.

— As duas participantes estão prontas?! — Uma imagem da juíza surgiu no centro da arena.

— Sim — disse Edel, sem hesitação.

A juíza olhou para Elesis.

— Sim — sussurrou a espadachim.

Então a juíza ergueu a mão. Elesis segurou a respiração, apertou os dedos no cabo da espada. Edel arrastou o pé para trás e pôs seu florete de lado. Sua postura lembrava a posição de combate de Lass com sua katana.

— Lutem!

A torcida berrou e todo o ar da arena foi consumido. Elesis não conseguiu inspirar, perdendo forças. A espada pesou, mas ergueu a lâmina diante seu rosto no instante que viu Edel se mover e... sumir.

O pensamento seguinte da espadachim foi desviar para o lado. Ela se moveu, vendo a luz prateada passar ao seu lado junto com o impacto na espada. Um ataque tão forte que estremece a lâmina e machucou as palmas da sua mão.

Vento passou intensamente, atrapalhando sua visão com a terra. Elesis se manteve em alerta enquanto a poeira abaixava. Edel estava do outro lado da arena com o florete erguido.

A espada deixou de pesar. Uma mistura de surpresa e espanto tomou conta de Elesis ao perceber a lâmina partida ao meio. Tudo que restou foi um pequeno pedaço, transformando a elegante e resistente espada de Ronan em uma adaga sem valor.

Edel avançou novamente, tão veloz que a reação de Elesis apenas surgiu quando o florete estava próximo de encostar no seu rosto. A espadachim se defendeu e recuou. Edel continuou os ataques rápidos com a ponta da lâmina, vantajosa sobre a lâmina quebrada da ruiva.

Elesis se irritou e deixou as chamas tomarem o espaço a sua volta. Isso forçou Edel a recuar. Pouco esforço foi exercido, mas ela estava ofegante dos ataques da sua adversária. Sem mencionar as costas, o maior peso que poderia carregar durante aquela luta.

— Por que você está se segurando? — questionou Edel como uma cuspida. — Eu disse pra você não se segurar.

— Não estou bem me segurando — resmungou.

Sem soltar a espada, abriu um pouco das mãos para ver o estado das palmas. Vermelhas, doloridas com os poucos ataques. Elesis nem mesmo tinha tempo para reclamar quando Edel já estava em cima com o florete em ação.

Elesis recuou, Edel acompanhou seu passo com um ataque horizontal. Ela pôs a espada na frente, e a perdeu imediatamente em seguida. De repente o cabo deslizou de sua mão. Sem arma, o que a restou foi receber o chute no meio do peito, parando contra a parede. Sua coluna berrou, uma eletricidade dolorosa inundando todo seu corpo.

Ela ergueu o rosto, à procura de ar, então viu Edel avançar mais uma vez. A ponta do florete mirado no seu rosto. Elesis moveu a cabeça para o lado, a parede sendo perfurada pela agulha da espada.

Um movimento furioso, Elesis bateu com a mão no peito de Edel e a empurrou. Um empurrão que arremessou a jovem para o outro lado da arena. Isso comprou tempo para se recuperar enquanto o público se agitava. Pela dor nas costas, Elesis tinha perdido todo o humor para participar da empolgação.

O florete de Edel tinha ficado preso na parede ao seu lado. Elesis pegou para si, sentindo uma mudança de peso imediata. A leveza, de certa forma, a incomodava. Parecia que se quebraria a qualquer ataque que fizesse.

Então ela avançou. O florete era uma arma de perfuração, assim usaria contra sua adversária. O problema era que a arma pertencia a Edel e todos os ataques de Elesis eram desviados de formas previsíveis. Uma arma inútil nas mãos da espadachim.

Edel revidou o ataque seguinte com seu revólver. A mira foi precisa e rápida na mão que Elesis segurava o florete. O tirou pegou nas costas da mão, porém não atravessou, era mais uma bala mágica, que era mais dolorosa apesar de não haver estrago. O florete voou para o lado. Edel mirou no ombro de Elesis e puxou o gatilho mais uma vez.

A espadachim caiu no chão com a mão no ombro. Caída, viu Edel correr atrás de seu florete. Aquela luta já tinha durado tempo o suficiente. As dores das costas aumentavam, o que se tornariam um grande problema se não terminasse com esse combate agora mesmo.

Edel, com seu florete recuperado, correu em direção a Elesis. A espadachim rolou pelo chão, a cada girada, uma camada das chamas vermelhas a contornava. Ao se levantar, a única ação que a espadachim tinha era de desviar dos velozes ataques de Edel. Ela pulava ao recuar, girava pelo chão, mas não era o bastante para evitar alguns cortes finos por todo seu corpo.

No fundo, o calor incomum despertou dentro de Elesis. A cada dor sentida, velha ou nova, maior esse calor ficava. Ele se solidificava através das suas chamas, tão intensas que a própria espadachim sentia dor enquanto era contornada.

— Lute, Elesis! — gritou Edel.

Mana se acumulou na ponta do florete que avançava em direção ao rosto de Elesis. Ela não sentiu medo, nem se preocupou com o ataque letal que se aproximava. Todo o calor dentro de seu corpo foi convertido em calma, uma energia gelada e confiante.

Elesis pôs o braço na frente. A agulha do florete entortou ao entrar em contato com seu antebraço. Silêncio pesou ali; entre elas e o público da arena. Os belos olhos de Edel arregalaram. Estranho, pensou Elesis, aquela era uma expressão que não combinava com ela.

As chamas contornaram seu punho fechado. Densas, pesadas por poder desconhecido. O soco avançou como uma bala na barriga de Edel, dobrando seu corpo e o impulsionando. Elesis não viu o corpo de Edel se afastar, mas sentiu através do intenso vento gerado.

Silêncio permaneceu como a poeira no ar. As chamas apagaram, restando um frio incomum em Elesis. O único calor que pôde sentir veio dos gritos do público.

A poeira abaixou. Edel estava distante, imóvel sobre a escadaria da arquibancada. O público a sua volta se aproximava, logo a juíza.

Elesis abaixou os punhos. Já sabia o resultado antes do anúncio da juíza. Ela sorriu, exalando uma fumaça quente pelas narinas.

O peso da vitória a fazia se sentir leve.

***

Elesis era uma obra de arte sob o céu da noite. Ela brilhava pelo suor no centro da arena, erguendo seus braços mais num ato de alívio do que de comemoração. O orgulho que sentia dela não cabia em seu peito.

Ele se agachou, um pouco difícil pela roupa peluda que usava. Fazia tempo desde que a usou pela última vez, mas pouco se importou. Sobre a parede da arquibancada, tinha a vista privilegiada de assistir as próximas lutas.

Sob o céu escuro, o Gato Preto se tornava um com a noite.


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Notas finais do capítulo

Review?
* Pouco Elesis e Lass nesse cap, dando um pouco de folga pra eles.
* Personagens antigos voltando...
* Ship novo se formando!



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