A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 15
14: A salvadora de raposas.


Notas iniciais do capítulo

Obrigada por voltar.

GLOSSÁRIO:

Onna-musha: Mulher samurai.

Reino Médio: Antigo nome da China.



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Gintsune dobrou correndo o corredor, ele olhou para trás, sem ver sinal de seu perseguidor, porém seus ouvidos e nariz lhe diziam que ele não estava tão longe assim — e não parecia que iria desistir tão fácil também — o corredor estava vazio, então o problema poderia até ser facilmente resolvido se ele simplesmente decidisse desaparecer dali, adentrando pelo plano astral e sumindo a vista dos olhos comuns, porém, antes que pudesse fazer isso, sentiu outra presença que se aproximava pelo próximo corredor, e teve uma ideia ainda melhor.

Ocultando um pequeno sorrisinho ele virou à esquerda ao mesmo tempo em que olhava para trás, e assim “sem ver para onde ia” trombou-se com alguém.

—Opa! — O professor Haruna exclamou surpreso.

—Ah! Professor! — Gintsune exclamou, e olhou para trás “nervosamente”.

—Não se deve correr assim pelos corredores da escola, Ayaka-chan, é perigoso. — Professor Haruna repreendeu com um sorriso gentil e amigável — E se eu estivesse carregando alguma coisa quando você bateu em mim?

Gintsune curvou-se rapidamente.

—Eu sinto muito, professor. — ele ergueu as mãos à altura do peito, segurando o pulso esquerdo protetoramente — Mas o professor Oyamada, viu minha pulseira e tentou confiscá-la, por isso eu tive que fugir.

Como se ele realmente fosse deixar algum humano encostar em seu talismã.

—Ah, entendo. — o professor Haruna passou a mão pelo queixo — Mas acessórios realmente são contra as regras da escola.

—Eu sei, mas... — Gintsune apertou o pulso esquerdo com mais força.

Ninguém tomaria aquilo dele, nem mesmo Haruna.

De repente ele olhou para trás quando percebeu os passos do professor Oyamada se aproximando.

—Rápido Ayaka-chan, me dê seu braço! — professor Haruna pediu alarmado.

Gintsune virou-se novamente para ele, cerrando os olhos.

—Isso não é...!

Antes que pudesse terminar de falar, o professor Haruna agarrou seu antebraço e o puxou contra si, erguendo sua mão e deixando a mostra o aro prateado em volta de seu pulso, no exato instante em que o professor Oyamada virava o corredor.

—Inadmissível. — professor Haruna disse de repente com uma voz severa que se sobrepôs a sua surpreendendo-lhe — Ah, professor Oyamada. — ele ergueu os olhos — Eu acabo de pegar essa aluna correndo nos corredores e, além do mais, está usando esta pulseira... — professor Haruna voltou a olhá-la — Sinto muito, Ayaka-chan, mas terei que confiscar isso.

Gintsune nada disse, logo atrás o professor Oyamada fungou.

—Ah sim cuide disso, por favor, Haruna. — e num tom de censura continuou: — Mas trate de não passar a mão na cabeça desta também, você é sempre muito complacente, não é a sua representante de classe que está sempre sendo chamada na sala dos professores? Duas vezes por semana, pelo menos.

—Não precisa se preocupar, eu tomarei conta disso. — e soltando-lhe o braço o professor Haruna fez um gesto para que sua aluna passasse a sua frente — Ayaka-chan, queira acompanhar-me agora até a sala dos professores.

Gintsune inclinou a cabeça levemente.

—É claro professor.

—Não se preocupe Ayaka-chan, eu não vou confiscar sua pulseira. — Haruna disse depois de algum tempo escoltando-a.

—E eu agradeço muito por isso professor. — Gintsune girou nos calcanhares — Ela me é um tesouro, sabia?

O professor parou em frente à porta da sala dos professores.

—Então talvez deva cogitar a ideia de guardá-la? Nem sempre eu vou estar por perto sabe... — ele abriu a porta, e com um gesto indicou que entrasse. — Por favor.

Gintsune piscou.

—Espere então a parte sobre acompanhá-lo até a sala dos professores era séria?

—Sim. — repetiu novamente o gesto — Agora Ayaka-chan, por favor, sim?

Que virada inesperada... Mas ainda assim, a raposa em forma de garota sorriu docemente e entrou.

A sala dos professores era um ambiente grande e refrigerado, com janelas que corriam de uma parede a outra, mas era um labirinto de corredores estreitos feitos de mesas postas umas ao lado das outras, cheias de maletas, papeladas, computadores e afins.

É claro que Gintsune já havia estado ali antes, por quatro ou cinco vezes, mas apenas através do plano astral, para infiltrar-se nos pensamentos de Haruna e fazê-lo pensar, sempre quando menos esperava, em Ayaka Shiori... Mas aquela era a primeira vez que era, de fato, convocado até ali.

Algo até irônico considerando-se o número de advertências e vezes que ele era colocado para fora da sala, pensou com uma risadinha.

—Bem Ayaka-chan, deve estar se perguntando por que te chamei até aqui.

O professor sentou-se a sua mesa enquanto Gintsune pegava uma cadeira para si mesmo diante dele.

—Ah sim, com certeza. — respondeu.

Afinal havia tantos motivos...

—Eu pretendia chamá-la depois da aula, mas já que a encontrei antes... — ele pigarreou — Bem, a razão para eu tê-la chamado aqui, Ayaka-chan, é que estou preocupado com suas provas.

Ah claro, isso.

—Algum problema, professor? — perguntou inocentemente.

Como se ele não soubesse...

—Hã... Sim. — o professor parecia um tanto desconfortável com aquilo, o que divertiu Gintsune — É que suas notas não fazem o menor sentido.

—Oh. — Gintsune piscou inocentemente — E por quê?

—Olhe... O seu teste de matemática foi excelente, de fato foi o melhor teste da classe. — ele afirmou mexendo em uma papelada, que Gintsune percebeu serem suas provas. — Mas o seu teste de estudos sociais, por exemplo... Aqui, quando pede a você que descreva os principais fatores que levaram à Batalha de Sekigahara e você respondeu “Os humanos brigam o tempo todo, e eu não memorizei o porquê de cada discussão deles”.

—Bem professor, eu não menti, humanos realmente brigam o tempo todo, não há como eu simplesmente memorizar a razão de cada conflito... — até porque ele não ligava a mínima.

Haruna lançou-lhe um olhar sério e prosseguiu:

—E aqui, quando é perguntado quem foi Minamoto no Yoritomo, você respondeu “Não conheci, deve ter vivido antes de eu nascer”, e todas as outras respostas seguem esse mesmo padrão.

O professor lançou mais um olhar sério à Gintsune, que sorriu de volta, Haruna girou os olhos e passou para a prova seguinte:

—E esta aqui! A sua prova de inglês!

A prova de inglês! A simples menção a ela quase fez com que Gintsune revelasse suas orelhas, mas conseguiu conter-se a tempo e, ao invés disso, sorriu inocentemente mais uma vez, inclinando a cabeça de lado ao perguntar:

—Sim? Algum problema?

—Você simplesmente não respondeu nada em sua prova além de seu nome! — ele bateu na prova com as costas da mão, e num tom irritado prosseguiu — E pior: Rabiscou a prova toda com este emoji, esta carinha sorridente...! E... O que é que está dizendo aqui? — ele ajeitou os óculos e aproximou a papelada de seu rosto — “Parabéns! Estou lhe dando um bônus: uma prova a menos para corrigir!”. — ele olhou-a rigidamente por cima das folhas — Ayaka-san.

Disse lentamente, e Gintsune não deixou de notar o “san” em lugar de “chan”, ele devia estar realmente bravo, era sempre divertido irritar as pessoas, fossem aquelas como Yukari e Satoshi, que se irritavam por qualquer coisinha, ou aquelas como Haruna, que não se irritavam por quase nada.

Gintsune teve que se controlar para não rir.

—Ah, professor... Mas é que não foi culpa minha, sabe? Eu não entendi absolutamente nada do que estava escrito nessa prova. — disse fazendo-se de coitadinho, embora dissesse a verdade — Nunca vi esses símbolos estranhos na vida! Que tipo de kanjis são esses?

—Nunca viu...? Este é o alfabeto usado no ocidente, Ayaka-chan, como pode nunca tê-lo visto? — o professor explicou parecendo ainda tentar se decidir se Ayaka estava ou não brincando com ele.

—Ah, então esse é o alfabeto usado pelos estrangeiros! — Gintsune exclamou juntando as palmas das mãos, porém isso ele já havia deduzido por si próprio, afinal não era idiota, mas... — Mas todos os estrangeiros usam esse mesmo alfabeto?

Mesmo em suas várias viagens, Gintsune nunca havia ido além do Reino Médio, porém, em suas recentes visitas à biblioteca da cidade ele lera dúzias de livros e também vira uma porção de mapas, e até fizera algumas tentativas de pesquisas naquela coisa nova que os humanos inventaram — a tal da internet — embora não tivesse nem conseguido ligar a máquina, e ele sabia o quanto o mundo era extenso, havia dezenas de países lá fora, como era possível que todos eles usassem o mesmo alfabeto?!

—Bem, não, não todos, mas... De qualquer forma, Ayaka-san...!

—Sim, Professor-san? — brincou.

Haruna fez uma careta.

—Você não pode ficar brincando dessa forma na escola. — repreendeu, batendo mais uma vez nas folhas com as costas das mãos — Você está se preparando para o seu futuro aqui.

—Ah... Professor, mas é que não é minha culpa. — Gintsune decidiu mudar de tática. — É que as outras provas não me estimulavam como a sua, muito pelo contrário, elas só me entediavam.

—Minha... Minha prova a estimulou? — o professor perguntou desconcertado — De que forma?

—Ora, não se lembra? — Gintsune piscou — Antes de começarmos a prova o senhor disse “Ah, e para as alunas curiosas que estão sempre me perguntando isso durante as aulas, as minhas medidas são as respostas das três primeiras questões” — sorriu — Eu estava realmente curiosa, e depois de responder as três primeiras eu já tinha pegado o jeito e acabei respondendo o resto também.

—Ah... Isso, eu já havia até me esquecido disso. — o professor Haruna passou a mão pela parte de trás do pescoço, parecendo levemente constrangido.

Gintsune inclinou-se para frente um pouco mais interessado.

—Me diga professor, aquelas eram realmente suas medidas?

—Eram sim. — Haruna respondeu com um riso de constrangimento.

—Nossa! Então o professor tem quase as medidas de uma garota. — deu uma risadinha.

Com as bochechas rosadas o professor abanou a mão em frente ao rosto.

—Que isso Ayaka-chan? Não vamos exagerar, sim? — ele riu acanhado.

—Ora professor! Não precisa ficar tímido!

Haruna voltou a rir... Até a professora de inglês, parada ali perto, pigarrear e lhe lançar um olhar severo.

Tossindo levemente Haruna procurou endireitar-se na cadeira e recuperar a compostura:

—Como eu dizia, Ayaka-san. — ele retomou o tom sério de antes — A escola não é lugar de brincadeira sabia? Já está na hora de você parar de brincar por aí e começar a levar seus estudos mais a sério...

Quando Gintsune saiu da sala dos professores, quase meia hora depois, ainda pôde ouvir lá dentro, entre as vozes dos professores o suspiro do professor Haruna:

—Ah... Eu realmente não sei lidar com isso.

Ao que outra professora, possivelmente a professora de inglês que lhe repreendera com o olhar, respondeu:

—Se não sabe lidar com crianças, ou dar bronca nelas, não deveria ter se tornado professor para inicio de conversa.

—Vamos, vamos professora Suzuki. — Haruna reclamou com a voz arrastada — Por que agora eu também estou recebendo bronca?

Isso fez com que Gintsune desse uma risadinha consigo mesmo.

Voltando à sala de aula ele tirou o aro prateado do pulso e usou-o para amarrar o cabelo no alto da cabeça, afinal não havia nada nas regras escolares sobre amarrar o cabelo, não que ele realmente pretendesse entregar seu tesouro caso algum professor tentasse confiscá-lo, mas às vezes era útil seguir as regras escolares quando lhe convinha, e ele havia acabado de levar um longo sermão de Haruna, não seria conveniente se o professor achasse que ele não lhe dava ouvido.

Não, aos olhos de Haruna Kakeru, Ayaka Shiori tinha que ser uma doce e comportada menina.

Ele quase se esqueceu de ocultar o seu sorrisinho e parecer chateado quando chegou à sala de aula, não seria bom para a reputação de Haruna — e consequentemente para a relação entre ele e sua doce aluna — se Ayaka parecesse satisfeita, por qualquer razão que fosse, depois de levar um sermão dele.

O professor Oyamada, que estava ministrando a aula daquele horário, deu-lhe um olhar superior, avaliando-o de cima a baixo antes de fungar e balançar sua gorda mão em direção aos assentos resmungando um “vá se sentar” desinteressado, mas Gintsune não deixou de notar o pequeno tom de satisfação implícito em sua voz.

Ah, por isso os humanos eram tão divertidos, eles eram tão fáceis de manipular.

E, só pra variar, daquela vez ele comportou-se como uma aluna exemplar e não foi expulsa da sala de aula.

Foi um completo tédio, é claro, mas com certeza valeria a pena quando o professor Haruna fosse elogiado por ter conseguido fazer com que a irresponsável Ayaka Shiori se comportasse em sala de aula, e o deixaria muito satisfeito com sua querida aluna... Deixando-o um passo mais próximo de quebrar seus tão preciosos princípios morais.

E isso soava muito divertido.

Assim ele fez questão de se comportar muito bem até a hora do intervalo.

—Estou morta! — reclamou deitando a cabeça na mesa assim que o sinal tocou.

—É verdade que você nunca tinha passado tanto tempo assim em sala de aula antes. — comentou Himari-chan ao seu lado — Parabéns Ayakashi-chan.

Gintsune deitou a cabeça de lado para fitá-la.

—Obrigada Himari-chan. — agradeceu.

Bem, ele realmente estava se esforçando, mas não pelos “motivos certos” é claro, e em algum lugar da sala não muito longe de si, alguém riu de forma debochada pelas suas costas.

—Ela levou um puxão de orelha do Haruna depois de ter levado bomba em todas as matérias e agora acha que pode compensar. — comentou Fuyuki alto o bastante para que Gintsune a ouvisse mesmo sem sua audição apurada.

—Só pode ser piada. — concordou Emiko no mesmo tom. — Depois daquelas notas horríveis é mais do que óbvio que ela é só uma pobre idiota, devia desistir de uma vez, nunca vai dar em nada!

E saíram rindo maldosamente da sala.

Himari-chan olhou zangada para a direção pela qual elas saíram antes de voltar-se novamente para Gintsune.

—Não se preocupe Ayakashi-chan! — disse em tom encorajador — Tenho certeza que você ainda pode melhorar! Não ligue para o que elas dizem, só estão com inveja!

 Inveja? Ora, é claro que elas sentiam inveja, independente da forma que assumisse — humana ou youkai — Gintsune sempre despertava naqueles à sua volta sentimentos de amor, ódio, admiração e inveja, essa era a consequência de ser um ser tão belo e perfeito quanto ele.

Uma vez uma mulher até tentou envenená-lo por duas vezes, levada pela inveja e ciúmes que sentia de seu marido, e a cara que ela fez quando Gintsune não morreu foi com certeza a melhor parte!

—Está tudo bem, Himari-chan, não se preocupe. — ele ergueu-se se endireitando na cadeira — Mas você também acha mesmo que minhas notas estão tão ruins assim?

—B-bem, acontece que...

Himari-chan gaguejou nervosa, provavelmente sem querer “ferir seus sentimentos”, que fofa.

—Afinal eu fiquei em sétimo no raking geral da escolar.

—Sétimo? — repetiu desconcertada.

—É claro. — respondeu solene — De trás pra frente.

—Ayaka, ficar em sétimo de trás para frente não é motivo de orgulho. — a representante o repreendeu seriamente, se aproximando.

Gintsune virou-se alegremente para ela também.

—Representante! — disse — Veio trazer meu almoço?

—Traga você mesma o seu almoço, ou ao menos dinheiro para comprar algo. — ela suspirou com descaso.

—Representante, parabéns por sua colocação em primeira no raking! — Minori-chan a cumprimentou.

A representante sorriu.

—Sim obrigada, parece que Hanyu-senpai não está com sorte esse ano, depois de tantas medalhas de prata no dia esportivo ele acabou não dando sorte também no raking e ficando em segundo lugar outra vez. — A julgar pelo sorriso da representante parece que Gintsune não havia sido o único a se divertir no dia esportivo — Mas esqueçam disso, porque eu vim para falar de outra coisa agora.

—Ah, sim? — ele apoiou o queixo sobre os dedos entrelaçados. — Então pode falar.

—Fico feliz que tenha assistido todas as aulas do dia até agora, e espero que continue assim.

—Mas é claro.

Pelo menos por um dia ou dois ele se comportaria... Quem sabe.

—Mas, além disso, é bom que não saia correndo e desapareça assim que o sinal tocar.

Gintsune piscou.

—E por que não?

Se ela estava se referindo a cumprir com as atividades de limpeza, a representante já estava esperando demais dele...

—Porque a partir de hoje até o final da semana estaremos nos reunindo após as aulas para decidir os preparativos do festival cultural, e durante a semana que vem não teremos aulas e nem atividades dos clubes para nos dedicar aos preparativos do festival.

Gintsune arqueou as sobrancelhas.

Mas que festival cultural?

O festival cultural, como a representante fez questão de explicar a Gintsune — enquanto ele comia seu almoço aproveitando-se de sua distração —, era um evento que tinha como objetivo motivar os estudantes e exibir suas habilidades artísticas e de organização para membros da família, além do público em geral que viria visitá-los, e também promovia a união dos laços entre colegas e estudantes, fortalecendo o senso de amizade, e cuja participação era obrigatória — ela também fez bastante questão de enfatizar essa última parte.

Como se Gintsune realmente pretendesse perder algo assim!

Afinal não apenas Gintsune, mas qualquer youkai adorava festivais e diversão!

Apenas a parte de trabalho e organização é que não lhe atraiam muito.

Assim como a representante havia dito, as reuniões para o festival começaram naquele mesmo dia após as aulas, lideradas por ela e “supervisionadas” pelo professor Haruna — embora Gintsune tivesse certeza que ele estava jogando sudoku.

—Muito bem! — a representante bateu no quadro para chamar a atenção de todos — Alguns clubes também irão participar do festival, o que significa que alguns de nós ainda têm reuniões de clubes para irem, então é melhor nos apressarmos aqui. — e com isso ela provavelmente estava incluindo a si mesma também — A primeira reunião do comitê do festival será amanhã, e cada sala deve enviar dois alunos para representá-la e ajudar no comitê, então o primeiro de tudo que temos que decidir é: Quem serão esses alunos?

—Só lembrando que representantes de classe estão vetados de participarem do comitê do festival, eles precisam ficar em suas classes liderando os colegas. — acrescentou Haruna da janela, onde estava sentado com sua revista de passa tempo.

—É verdade. — A representante concordou e voltou-se novamente para a turma — E então? Alguém se candidata? Ou indica algum colega? Podemos fazer uma votação, ou simplesmente sortear um par também.

Um garoto chamado Tokumoto Jun, que costumava se sentar atrás de Yukari, se candidatou, e na sequência indicou que Ayaka Shiori fosse sua parceira, e isso gerou uma pequena revolta na sala, porque se fosse para fazer dupla com Ayakashi-chan a maioria dos garotos e até algumas garotas, incluindo Yukari (isso foi inusitado, mas engraçado) queria também.

Mas, embora os membros do comitê não precisassem participar da montagem das salas — um trabalho que Gintsune dispensaria alegremente —, eles tinham muito trabalho, afinal era o comitê que se encarregava de organizar e enfeitar o resto do colégio, planejar os horários e mais um monte de outras tarefas chatas, isso e claro: membros do comitê não participavam diretamente das atividades do festival.

Então se era apenas muito trabalho e nenhuma diversão, por que Gintsune iria querer uma coisa dessas? Assim ele declinou o convite alegremente, com a desculpa de que “se iria causar uma briga, ela preferia não ser membro do comitê”, e assim o segundo aluno escolhido para representar a classe foi decidido por sorteio — por sugestão do professor Haruna: um garoto que se sentava em frente à Aoi-chan, chamado Sato Hiroshi.

—Muito bem, então temos nossos representantes. — A representante anotou o nome dos garotos no quadro — Agora seria bom se decidíssemos logo o que fazer, para que eles possam levar nossa proposta ao comitê logo amanhã na primeira reunião, quanto mais cedo dermos nossa proposta, menos chances de outra turma já ter entregado uma igual antes e termos que escolher outra coisa. E depois disso encerraremos a reunião por hoje. E então? Alguma sugestão?

Ela olhou a volta e os alunos começaram a cochichar entre si, falando suas sugestões uns aos outros, porém ninguém fez qualquer sugestão em voz alta.

—Vocês podiam fazer uma sala de cinema. — o professor sugeriu erguendo o rosto sorridente — Eu gosto de “Meu amigo Totoro”.

Algumas risadinhas soaram pela sala.

—Meu amigo Totoro? Professor o senhor é uma criança? — Alguém perguntou.

—Isso é um clássico! — o professor defendeu-se.

—Podemos decidir o filme depois. — comentou a representante anotando “Cinema” no quadro — Então já temos cinema, mas alguém tem alguma sugestão?

Keita-kun ergueu a mão.

—Vamos ter pipoca? — perguntou.

—Se é para ter comida prefiro que seja um café ou algo assim. — opinou Jun-kun.

Alguns alunos murmuraram em cordância.

—Então um café. — a representante acordou.

—E as meninas precisam usar fantasias! — Tenji-kun, afirmou erguendo a mão.

Os garotos concordam com exclamações animadas de “fantasias fofas!” para todos os lados, mas as meninas se puseram a reclamar “por que somente as meninas?!”.

—Se vão se fantasiar é melhor que todos se fantasiem. — sugeriu o professor — Assim será divertido para todos.

—Café temático então. — a representante concordou acrescentando o “temático” ali — Mais alguma ideia?

—Eu quero fazer algo sobre aliens! — alguém sugeriu.

—Que ideia idiota! — outro alguém reclamou

E a turma caiu na gargalhada, mas mesmo assim a representante anotou, com uma careta, “Aliens” no quadro.

Ryo-kun, ao lado direito de Hiroshi-kun, ergueu a mão.

—E que tal uma casa mal assombrada? — sugeriu.

Gintsune lembrava-se dele da corrida de obstáculos, ele havia feito parte da equipe junto consigo e a representante.

—Parece bom. — concordou a representante anotando no quadro.

—O que? Mas assim não terá comida! — reclamou Keita-kun.

—Keita-kun, por que você só está falando de comida? — riu Himari-chan.

—Porque comida é importante! — ele defendeu-se.

—Desde que eu possa me fantasiar estou ótima. — Gintsune encolheu os ombros.

Houve um burburinho de concordância de que fantasias eram importantes, entretanto no lugar a sua frente Aoi-chan encolheu-se visivelmente, com a possibilidade de ter que fantasiar-se também, mas era tímida demais para reclamar de qualquer coisa.

Na cadeira ao lado de Yukari, uma garota chamada Yamada Shizuka, ergueu a mão.

—Se fantasias são assim tão importantes, eu poderia trazer minha câmera no festival. — sugeriu — Assim todos poderiam guardar uma lembrança.

—Isso seria maravilhoso! — exclamou Fuyuki.

—Sim! — concordou Emiko — Eu quero uma foto minha de princesa!

—Se é assim por que não justamos logo um monte de fantasias e fazemos um estúdio de fotografia? —Shizuka sugeriu.

—Ah! Gostei dessa ideia! — exclamou alguém.

A representante concordou.

—Muito bem, estúdio de fotografia. — e anotou. — Mais alguma?

A reunião alongou-se ainda por mais uns vinte minutos, com várias sugestões para o festival, mas a maioria delas acabou por ser descartada, até que somente quatro opções restassem: Cinema, Café Temático, Casa Mal Assombrada e Estúdio Fotográfico.

—Tudo bem. — a representante avaliou as opções restantes — Creio que agora deveríamos votar.

Somente a representante e Aoi-chan votaram pelo cinema, provavelmente por ser o único onde não precisariam se fantasiar (Aoi-chan) e também por ser aquele que provavelmente teria um orçamento mais em conta (Representante) — o professor até tentou votar, mas professores estavam vetados do voto.

Yukari votou pelo café temático, desde que ela não precisasse usar um quimono, pois já estava acostumada a servir pessoas, e Kaoru-chan, Keita-kun e outras quatro pessoas se juntaram a ela.

Quando Ryo-kun e outras seis pessoas votaram pela casa mal assombrada, a representante suspirou.

—Parece que chegamos a um impasse. — comentou observando os resultados da votação — O Café Temático e a Casa Mal Assombrada então empatados na dianteira, cada um com sete, então a menos que alguém queira mudar de opinião, parece que teremos que desempatar entre essas duas. De qualquer forma, antes é melhor terminamos com isso: aqueles que são a favor do estúdio fotográfico levantem a mão.

Os últimos cinco alunos restantes na sala — incluindo Gintsune — ergueram as mãos.

—Eu quero o estúdio fotográfico. — falou, embora palavras não fossem necessárias no voto.

—Na verdade acho que eu também prefiro o estúdio fotográfico. — Jun-kun, que antes havia votado pela casa mal-assombrada ergueu a mão, e lançou um sorriso brilhante em sua direção.

—Eu também... — Himari-chan ergueu a mão, subtraindo assim um voto do café temático para o estúdio fotográfico.

A representante arqueou a sobrancelha.

—Muito bem então. — ela virou-se para contabilizar os novos votos — Parece que faremos um Estúdio Fotográfico então.

Fantasias e fotos, isso parecia perfeito.

A proposta foi levada ao comitê no dia seguinte e, assim como a representante havia dito, poucas turmas já haviam entregado as suas propostas, três delas queriam fazer um café temático e outras duas queriam fazer uma casa mal assombrada — ter mais de um café temático no festival não era problema, desde que tivessem temas diferentes, mas as duas turmas que queriam a casa mal assombrada iriam precisar se decidir no palitinho —, mas nenhuma havia escolhido fazer um estúdio fotográfico, então a proposta deles foi aceita sem maiores problemas, e assim o resto das reuniões dedicou-se a definir o orçamento, quem ficaria responsável pelo dinheiro, quem faria parte do grupo que compraria as coisas para o festival e o que comprariam, como organizariam as coisas, além de distribuir as tarefas, os horários e etc. E Gintsune esquivou-se de cada uma dessas tarefas magistralmente. Exceto de uma...

—Muito bem, agora que Ueno concordou em ser nosso segundo fotógrafo para o dia, vamos aos Aces. Nossas armas secretas! — anunciou a representante batendo no quadro com a mão espalmada.

—Armas secretas para o que? — Ryu-kun perguntou.

—Para atrair clientes, é claro.

—Então... Sãos as pessoas que divulgarão nosso estúdio no festival? — Emi-chan, sentada em frente à Keita-kun, perguntou.

—Não, não. — a representante negou — Como todos sabem, os garotos, em geral, não são muito fãs de tirarem fotos, a menos que estejam com as namoradas. O que significa que a maioria de nossos clientes serão compostos de garotas e casais. Por isso bolei uma estratégia para atrair também aos garotos solteiros. — todos esperaram em silêncio que ela continuasse — Nós temos, em nossa sala, as duas garotas mais populares de nossas séries, quem sabe da escola, isto é, Ayaka e eu. Então seria simplesmente um desperdício não usar isso a nosso favor. Portanto ao invés de participarmos das equipes normais, nós duas seremos os Aces na manga para atrair clientes: Durante o festival, daremos uma cartela para cada cliente que nos visitar, e em cada visita eles receberão um carimbo. Em sua terceira visita o cliente em questão recebe o direito de tirar uma foto grátis com uma de nós.

—Essa parece uma ideia interessante. Eu concordo. — Gintsune comentou apoiando o rosto entre as mãos, especialmente porque parecia que, com essa tarefa de Ace, ele teria menos trabalho e mais tempo livre que os outros.

 —Muito bem — a representante assentiu — Alguém tem algo a discordar ou acrescentar?

Tenji-kun ergueu a mão.

—Representante o que acha de um Ace masculino entre as femininas? Poderíamos dividir os Aces por turnos, e assim com três seria menos cansativo do que com dois.

A representante ergueu uma sobrancelha.

—E suponho que você esteja se oferecendo para ser o nosso Ace masculino, Kijima.

Tenji-kun nem fez menção de disfarçar seu sorriso.

—É evidente.

—Alguma oposição? — ela questionou olhando a volta. Silêncio. — Muito bem então. Kijima é nosso terceiro Ace. Agora sobre o resto de nós, irei dividi-los em duas equipes, Equipe A e Equipe B, para o festival...

Por fim durante a última reunião, no sábado, a representante anunciou também que o comitê havia decidido realizar um concurso de príncipes e princesas no festival.

—É um concurso de beleza. — ela simplificou — E cada turma deve escolher um casal para representá-la.

Tenji-kun ficou de pé levando uma mão ao peito.

—Obviamente eu serei o príncipe da classe. — afirmou.

—Alguém mais gostaria de se candidatar ou tem alguma objeção a isso? — a representante olhou em volta, mas ninguém se manifestou — Muito bem então. — ela escreveu “Kijima Tenji” no quadro — E quanto a nossa princesa?

Gintsune reparou em Tadashi Emiko e Naruko Fuyuki prestes a erguerem suas mãos, mas Yukari acabou sendo mais rápida:

—Deveria ser você, não é? — perguntou erguendo a mão de cenho franzido.

Himari-chan também ergueu a mão.

—Mas se se trata de um concurso de beleza... Talvez devêssemos escolher a Ayakashi-chan.

Houve murmúrios por toda a sala, é claro que Gintsune sabia que ele era muito mais belo que a representante, mas ela era a líder inegável da sala e admirada por todos, e era a lealdade deles a ela que os faziam entrar naquele impasse.

—Ah... Tantas princesas para apenas um príncipe. — Tenji-kun comentou com um sorriso.

Naquele dia o professor sequer estava ali também para atuar como mediador na decisão — pois ele também era professor conselheiro em um dos clubes da escola e precisava dar atenção ao seu clube —, mas a representante percebeu o desconforto da turma.

—Na verdade creio que eu já vou estar muito ocupada no festival com nosso estúdio, então prefiro me abster de qualquer atividade extra. — afirmou — Estão todos de acordo que nossa princesa seja Ayaka?

Livres da culpa a turma concordou rapidamente, exceto por Emiko e Fuyuki que se resignaram a remoerem em silêncio em seus lugares.

—E quanto a você Ayaka. — A representante se dirigiu a ele — Tudo bem para você ser nossa princesa?

—Eu adoraria. — concordou com um sorriso brilhante.

—Muito bem. — ela escreveu “Ayaka Shiori” no quadro. — Vocês podem apresentar-se no palco usando uniforme, roupas casuais ou fantasias, decidam entre vocês mais tarde.

Mas se Gintsune havia sido tão bem sucedido em fugir de todas as suas tarefas e responsabilidade até ali, por que parar agora, não é mesmo?

—Haruna! Ajude-me com essas caixas!

Haruna Kakeru virou-se ao ouvir seu nome ser chamado, e sorriu para a professora de inglês.

—Professora Suzuki, olá! — ele pegou uma das caixas que ela carregava — Eu acabei de entregar a proposta de meu clube ao comitê, sabia?

—A certo, o “clube de investigação paranormal” não é mesmo? — a professora passou a caminhar ao seu lado no corredor e olhou-o de forma cética, afinal para que servia aquele clube? As crianças ali certamente só estavam brincando, e o professor também, com certeza. — E o que eles farão?

—Ah! Um pequeno cinema! E exibirão sessões de “Meu amigo Totoro”, “Princesa Mononoke”, “Castelo Animado” e “A viagem de Chihiro”. — respondeu animado.

—Sei. — responde — E a sua turma? Sua representante esteve no meu clube de teatro para pedir emprestado algumas fantasias sobressalentes.

—Eles estão fazendo um Estúdio Fotográfico! — respondeu Kakeru. — Estão se esforçando muito também!

—A minha turma quis fazer um café temático. — ela respondeu — Eles também estão se saindo bem, mas aquele meu representante...

—Seu representante de classe é... — fez uma pausa por um momento tentando lembrar-se — Hanyu Saykis-kun, eu estou certo?

—Está.

—Qual o problema com ele? Ele sempre me pareceu um garoto bem diligente...

—De fato ele é. Mas também é muito impulsivo. — suspirou — Imagine que aquele garoto resolveu se meter no concurso de príncipes e princesas do festival, eu o avisei que ele já teria coisas demais para fazer, mas ele insistiu que dava conta. Foi a mesma coisa do Dia Esportivo. É um garoto tão impulsivo! — balançou a cabeça — E quanto a sua representante Haruna? Ela também será a princesa da classe?

—Não, na minha turma a princesa será... — Ayaka Shiori-chan — Shiori-chan... Ayaka-chan!

Corrigiu-se rapidamente.

Kakeru piscou confuso, como ele sabia sobre isso? Algum de seus alunos havia lhe contado? Ele não se lembrava disso... E por que sabia quem seria a princesa, mas não o príncipe? E principalmente: Por que chamara uma de suas alunas pelo primeiro nome?!

—... na ... runa... Haruna!

—Hã? O que? Perdão professora, dizia alguma coisa? — Haruna surpreendeu-se saindo de seus devaneios.

A professora fez uma careta.

—Eu estava dizendo que conheço essa Ayaka Shiori. — repetiu.

—É mesmo? — sorriu — Como?

—O clube de teatro estará encenando “A Raposa de Higanbana” durante o festival, Ayaka será a raposa.

—Eu não sabia que Ayaka-chan estava no clube de teatro! — surpreendeu-se.

Mas era sempre bom descobrir algo novo sobre Shiori-chan...

Kakeru franziu o cenho, porque ele havia pensado aquilo tão de repente? Era como se nem fossem mais seus próprios pensamentos. Na verdade Kakeru já havia notado que, de tempos em tempos, era como se não possuísse mais o controle dos próprios pensamentos, e eles acabavam sempre vagueando para Ayaka-chan sem qualquer razão aparente...

Talvez eu me importe mais do que pensei com Shiori-chan e... Não! Não! O que estava acontecendo?!

—Ela não está. — a professora Suzuki o trouxe, mais uma vez, de volta à realidade — Mas ainda assim conseguiu, de alguma forma, convencer os membros do clube a deixá-la participar, embora todos já estivessem treinando há umas seis semanas... Bem, de qualquer forma é apenas um papel com umas poucas falas, e se os membros do clube não têm nenhuma oposição, então por mim está tudo bem também.

—Pois guarde um lugar para mim, essa peça eu certamente gostarei de assistir! — afirmou alegremente.

O que nenhum dos dois era capaz de perceber, no entanto era a raposa de longos cabelos prateados que flutuava logo atrás de Haruna, com os braços em volta de seus ombros, sussurrando palavras e pensamentos em seu ouvido.

Mas, dando-se por satisfeito por hora, Gintsune resolveu soltá-lo e deixá-lo seguir seu caminho, enquanto ele mesmo ia buscar algo para comer.

O colégio estava apinhado de alunos trabalhando de um lado para o outro em todos os cantos, todos apressados com o prazo apertado, e empolgados com o festival que se aproximava, e tão distraídos, oh, tão distraídos mesmo com seus almoços... Ele foi para o pátio, onde os alunos estavam mais dispersos, e seria ainda mais fácil pegar o almoço de algum distraído, que certamente levaria horas até dar pela falta dele, a maioria deixava seus almoços em classe, é claro, mas sempre havia este ou aquele, que estava concentrado demais no trabalho até para lembrar-se disso.

Ele podia pegar comida em uma das máquinas de venda pela escola, é claro, mas Yukari ficara uma fera com ele no dia anterior quando ele quebrara uma máquina — por colocar pedras transmutadas em dinheiro nelas que obviamente voltaram a ser pedras em seu interior depois, e ele não precisava de mais motivos para sermões intermináveis — não que ele ficasse para ouvi-los, mas ele ficava sem ter com quem conversar depois.

Não demorou muito até achar seu alvo perfeito: Um trio de obentos havia sido deixado sobre um banco perto do gramado, provavelmente pertencente a alguns dos alunos que trabalhavam no pátio montando as barraquinhas e a decoração.

Sorrateiramente ele passou para o mundo físico em sua forma de raposa e aproximou-se dos lanches, pegaria os três é claro, já estava abrindo a boca para apanhá-los quando um som agudo perfurou seus tímpanos.

Paralisado Gintsune sentiu o coração acelerar, ele não queria olhar para trás, sua vontade era fugir dali, sair correndo, levantar voo, qualquer coisa.

Mas, contra sua vontade, lentamente sua cabeça virou-se.

E a raposa encheu-se de pavor quando seus olhos encontraram com os olhos da besta, dois poços de escuridão, negros e queimando de fúria.

...

—Alguém viu a Ayakashi-chan, por aí? — Kijima perguntou chegando a sala e olhando em volta.

—Kijima você está atrasado, muito atrasado, pegue esse martelo e vá ajudar Keita com a nossa placa promocional, ele está no pátio interno. Eu me entendo com Ayaka mais tarde. — a representante passou a ele um martelo e então checou sua prancheta — Como estão nossas fantasias?

—Estão... Indo bem. — Aoi-chan respondeu erguendo os olhos de seu trabalho de costura.

Uma grande variedade de fantasias se fizera necessária para o estúdio, assim quase metade delas fora emprestada pelo clube de teatro, e ainda outra parte fora trazida pelos alunos de suas casas e mais uma pequena parte estava sendo produzida ali mesmo.

Todos os acessórios a serem confeccionados e tudo o que precisasse ser ajustado, ou concertado nas roupas estava sendo feito em sala também.

—Eu ouvi dizer que ela está na peça do clube de teatro também. Talvez tenha ido ensaiar? — comentou Himari-chan de cima de uma escada dobrável, retirando as antigas cortinas brancas.

No chão, segurando as cortinas negras que seriam postas a seguir, Yukari fez uma careta. Isso era bem improvável. Aquele preguiçoso com certeza estava apenas vadiando por aí.

Até mesmo Tadashi e Naruko estavam ali ajudando no trabalho de costura, elas mantinham as expressões fechadas e seus pontos eram tortos e nada diligentes, mas elas ao menos estavam ajudando, e aquela raposa onde estava?

—Aquilo é um cachorro? — perguntou Kaoru também em cima de uma escada dobrável trocando as cortinas antigas na outra extremidade das janelas.

Deixando-se levar pela curiosidade, Yukari — assim como outros tantos alunos — aproximou-se da janela: Lá fora uma pequena confusão acontecia no pátio, entre as barraquinhas a serem montados e o trânsito de alunos, um cachorro corria, todos pareciam tão surpresos que nem sequer tentaram pegá-lo.

—O que ele está perseguindo? — perguntou alguém ao redor de Yukari — Não parece um gato...

Yukari aproximou-se um pouco mais da janela, cerrando os olhos tentando ver melhor, o cachorro certamente estava perseguindo alguma coisa, mas não parecia um gato... Era pequeno e branco e...

De repente arregalando os olhos de surpresa, Yukari largou as cortinas negras que carregava e saiu correndo da sala sem dizer nenhuma palavra.

...

Gintsune estava em pânico, por mais que corresse não conseguia despistar o monstro, e estava tão cheio de pavor que não conseguia sequer sair voando, escapar pelo plano espiritual, mudar de forma...! Qualquer coisa! Ele nem sequer conseguia parar de correr em círculos!

O monstro o pegaria, sabia, o mataria...!

De repente, como um chamado do paraíso ele ouviu:

—Aqui!

Instintivamente virou-se, fazendo uma curva fechada, correu por entre as pernas de uma garota que gritou num misto de susto e surpresa, com a fera ao seu encalce, latindo, rugindo, sedenta por seu sangue, por matá-lo.

—Aqui! — ele ouviu novamente.

E, como Inari a protetora das raposas, ele viu a figura salvadora de Yukari surgir saindo do prédio do colégio.

—Aqui! — chamou-o novamente.

Ela abriu seus braços, disposta a acolhê-lo, a salvá-lo da besta e, sem pensar duas vezes Gintsune saltou ali.

Yukari o apanhou surpresa, nunca antes a raposa havia assumido uma forma tão diminuta quanto àquela, mas aquele serzinho branco e felpudo enrodilhado de forma amedrontada em seus braços era ele sem dúvida.

A sua frente um adorável Shih Tzu com longos e lisos pelos brandos e castanhos e um laço roxo no alto da cabeça parou confuso abanando a cauda e latiu — fazendo a minúscula raposinha branca estremecer por inteiro em seus braços —, mas seu latido em nada denunciava qualquer vontade agressiva, o animalzinho parecia apenas querer brincar um pouco mais.

Na verdade Yukari até mesmo conhecia aquela cadelinha, ela morava na floricultura do distrito comercial não muito longe dali.

Yukari a encarou cética, e balançou uma mão no ar.

—Xô! — disse calmamente — Xô! Vai para casa, vai! Xô!

—Mimi! — alguém chamou, e momentos depois Tanaka Hiroshi-senpai, presidente do conselho estudantil, passou por Yukari e pegou a cachorrinha nos braços — Mimi! O que faz aqui? — latindo alegremente, e fazendo a miniatura de raposa encolher-se ainda mais nos braços de Yukari, Mimi agitou a cauda e lambeu Tanaka-senpai alegremente — Certo. Certo. — ele a afastou ligeiramente e ajeitou os óculos de armação redonda se voltado para Yukari — Sinto muito pelos problemas que Mimi possa ter causado, sei que animais são proibidos nas imediações da escola, mas ela deve ter me seguido de casa. — desculpou-se. — A levarei embora agora mesmo.

Yukari balançou a cabeça.

—Está tudo bem, senpai. — afirmou.

Tanaka-senpai voltou a ajeitar os óculos.

—E está tudo bem com seu... Gato? — questionou observando o animal em seus braços do qual apenas a cauda branca e felpuda era visível.

Yukari apertou-o um pouco mais nos braços, na intenção de escondê-lo, e respondeu:

—Na verdade ele não é meu, mas darei um jeito nele agora mesmo.

Curvando-se ligeiramente, Yukari levou-o para o único lugar que conseguiu imaginar estar vazio em um momento daqueles: o vestiário feminino.

E aqui paremos um momento para enfatizar bem a ironia da situação: Yukari sempre proibiu a raposa de entrar, ou sequer aproximar-se do vestiário e, por alguma razão misteriosa, ele obedecia.

E agora ali estava ela: trancando-se dentro do vestiário com ele.

—Não há ninguém aqui, já estamos a sós, você está seguro agora. — garantiu trancando a porta atrás de si e soltando-o.

Imediatamente a pequenina raposa saltou para o chão.

—Aquilo foi incrível Yukari! — afirmou voltando-se para ela, naquela forma até sua voz ficava diferente, um tanto mais aguda, como se ele houvesse aspirado hélio — A forma como você enfrentou a fera!

—Não era fera alguma. — Yukari franziu o cenho cruzando os braços — E tenho certeza que ela só queria brincar.

—Era uma besta raivosa e queria me matar! — afirmou com olhos arregalados;

Ele não parecia de forma alguma envergonhado por ter ficado apavorado com uma cachorrinha daquelas.

—Se você diz. — Yukari suspirou desistindo. — Mas por que está tão pequeno? Com certeza se estivesse maior poderia tê-la afugentado.

—Essas bestas selvagens não se intimidam por tão pouco. — discordou sentando-se no chão e coçando a orelha esquerda com a pata de trás — E quanto ao tamanho não foi opção minha.

—Como assim?

—Muitos youkais tem sua forma ligada às suas emoções, Yukari, principalmente os transmorfos como eu. — explicou se espreguiçando no chão — Se ficamos furiosos ou estressados a tendência é crescermos independente da nossa vontade, mas se nos sentimos acuados e amedrontados...

—Vocês diminuem? — Yukari completou assistindo-o crescer cada vez mais enquanto se espreguiçava.

De volta a sua imensa e costumeira forma de raposa branca, ele sentou-se no chão.

—Precisamente. — confirmou. — Mas você, por outro lado, foi tão valente! Parada ali sem tremer diante do perigo eminente como uma verdadeira onna-musha! Foi uma coisa realmente impressionantes de se fazer! E salvou-me ainda por cima! Parecia até que a própria Inari-Sama havia lhe enviado...!

Yukari passou a mão pelo rosto.

—Pare com isso. — resmungou — Está me deixando constrangida.

Se ele estivesse simplesmente falando da boca para fora Yukari poderia facilmente lidar com isso, mas de uma forma muito irritante ela sentia que ele estava sendo sincero.

A raposa inclinou a cabeça de lado.

—Constrangida? — repetiu como se desconhecesse tal palavra — Mas por que, se estou te elogiando? E olha que eu não costumo elogiar os outros com frequência, então devia se sentir honrada...

—É justamente por estar me elogiando que estou ficando envergonhada, então pare. — respondeu sem encará-lo.

—Você fica constrangida quando te elogiam?! — ele perguntou confuso como se, de repente, os humanos tivessem se tornados incompreensíveis para ele.

—Não é assim, eu fico bem quando sou elogiada pelos clientes na pousada, mas você está exagerando. — explicou.

Ele estava aumentando demais as coisas, pois Yukari não sentia que havia realmente feito algo tão grandioso a ponto de merecer tantos elogios.

— Mas eu sempre fico feliz quando sou elogiado!

—Sim, mas você é você e eu sou eu. — respondeu balançando a cabeça e esforçando-se para não corar — Agora pare, eu já entendi que você está grato.

—Muito! — ele confirmou entusiasmado — Foi fantástico!

 —Eu já disse que entendi. — ela suspirou passando a mão no rosto mais uma vez — E, em primeiro lugar, nada disso teria acontecido se você ficasse ajudando em classe como o resto de nós, ao invés de à toa por aí!

—É verdade. — a raposa admitiu, tomando a forma de Ayaka Shiori bem diante de seus olhos, embora não importava a forma que ele assumisse duas coisas nunca mudavam: os olhos cinza tempestuosos e o aro prateado em volta do pulso esquerdo.

Mas não havia qualquer pedido de desculpas ou indício de culpa em seu tom de voz, apenas uma constatação dos fatos.

Yukari girou os olhos.

—Se ainda assim insiste em ficar no colégio, ao menos ajude ao invés de apenas atrapalhar!

Ela destrancou a porta para sair do vestiário, mas antes que o fizesse a raposa pulou em suas costas, abraçando-a por trás.

—Yukari, você na verdade é muito fofa, não é? — riu.

—Mas do que você está falando agora? — irritadamente ela tentou, em vão, soltar-se de seu abraço.

—Você parece sempre tão zangada, como se realmente me odiasse, mas está sempre tentando ficar perto de mim! — afirmou alegremente.

—De onde você tirou isso? — Em fim Yukari conseguiu soltar-se, e virou-se para ele pondo as mãos nos quadris.

A raposa piscou, como se os dois compartilhassem um segredo agora.

—Você. — disse — Sempre age como se não me quisesse por perto e nem quisesse ter nada haver comigo, mas eu vi você erguendo a mão para ser minha dupla quando foi cogitada a possibilidade de eu me juntar ao comitê do festival, e agora quer que eu volte para a sala com você!

—Eu preferia que você sumisse de vez da escola e nunca mais voltasse, mas se é para ficar aqui, quero ao menos tê-lo onde eu possa vê-lo para ter certeza que não está causando problemas. — ela suspirou abrindo a porta — E então? Você vem ou não?

Gintsune fez uma careta, ele não queria trabalhar, mas Yukari o havia ajudado antes, então ele também devia ajudá-la de alguma forma.

...

Já havia anoitecido lá fora, e era quase hora de todos irem embora, Yukari estava voltando para a classe com uma lata de tinta, acompanhando a representante que carregava algumas tabuas sobre os ombros e um martelo na outra mão, quando avistaram a raposa.

Ele estava escorado à parede ao lado da porta lixando as unhas.

—Ayaka. — a representante o chamou — Eu pensei ter te dito para ajudar Yamada e Ueno a colocarem o fundo branco para as fotografias.

—Ah, sim. Pediu! — ele respondeu sorrindo.

A representante franziu o cenho.

—E você já acabou?

—Estou trabalhando nisso nesse exato momento! — afirmou alegremente.

Yukari deixou a lata de tinta no chão.

—Como?

Apontando com o polegar por sobre o ombro, ele indicou a sala de aula, e espiando lá para dentro Yukari e a representante viram dois garotos desconhecidos — que definitivamente não eram da turma — ajudando a por o fundo branco.

—Mas afinal quem são eles? — a representante perguntou, embora conhecesse quase o colégio inteiro.

—Oh. — a raposa juntou as pontas dos dedos — Dois gentis senpais do terceiro ano que se ofereceram para me ajudar.

Yukari o olhou.

—Você não sabe os nomes deles, não é?

—Definitivamente não! — admitiu descaradamente — Mas dois pares de mão são melhores que um, não é?

Yukari fez uma careta e esperou que a representante dissesse algo contra, mas ao invés disso ela apenas deu de ombros e concordou:

—É verdade.

Ele continuou a fazer aquilo pelo resto da semana, para cada tarefa que era delegada à raposa, ele o terceirizava para dois ou três alunos aleatórios de outra sala, o que acabava adiantando o trabalho da classe, por trazer mãos de trabalho extras para eles, mas atrasava o das outras salas, por tirar essas “mãos extras de trabalho” delas.

Yukari achou que a representante iria protestar contra, mas ao invés disso ela apenas deu de ombros e afirmou:

—O mundo dos negócios é brutal.


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Notas finais do capítulo

Curiosidades do Japão:

Raking Escolar:
As escolas japonesas incentivam ao máximo a competição entre seus alunos, e para isso criam até mesmo um “raking de notas” colocando num quadro as notas gerais de todos os alunos listados do melhor para o pior. Não tenho certeza se o raking é realmente geral ou dividido por anos, mas vamos deixar aqui como sendo um raking geral.

Limpeza nas escolas:
As escolas japonesas geralmente não possuem faxineiros porque os próprios alunos cuidam desse serviço, limpando depois das aulas desde as salas de aula até os banheiros, as turmas seguem uma programa de divisão de tarefas que determina que turma limpará o que em que dia e que turma terá folga (mas Gintsune obviamente sempre escapole quando é dia da sua turma realizar as tarefas de limpeza XD).



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