Premonição: Congelados escrita por VictChell


Capítulo 6
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Notas iniciais do capítulo

☠ - Capítulo novo. Aproveitem =D
☠ - Gente, eu fui passar um olho nos capítulos anteriores e vi que o Nyah! ignorou algumas configurações que eu fiz no texto. Por exemplo, quando há um intervalo de tempo muito grande entre as cenas ou cenas diferentes cujos os personagens estejam muito distantes uns do outros, eu uso o "☠" para demarcar. Mas quando são cenas que acontecem simultaneamente ou com personagens que estejam separados, porém no mesmo ambiente, eu uso apenas um espaçamento em branco. Acontece que o Nyah! resolveu corrigir =/ Muitas cenas ficaram como um texto corrido, sendo não era para ser dessa forma. Eu vou voltar nos capítulos e corrigir isso quando eu puder, e peço a compreensão de vocês quanto a esse capítulo também. Não tive tempo de reler ele aqui postado, mas se virem qualquer erro (seja de configuração ou de ortografia) podem me sinalizar nos comentários, que eu corrijo :D Assim que der, eu vou reparando esses erros, perdoem a pressa D:



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We feel the hunger in our young hearts

Let's get away just like we used to

I don't care about the pain and 'bout the scars

Don't turn away, love

 

O barulho no restaurante era perturbador. As pessoas falavam dos pelos de seus cachorros, dos preços dos produtos hidratantes vendidos em pavilhões de praças em locais comerciais e de como a comida naquele estabelecimento tinha retrogradado. A futilidade fazia publicidade em cada palavra que ouvia, assim pensava Melissa. Contudo, o que mais lhe causava repúdio era a medíocre coragem de um rapaz conduzir suas investidas fracassadas sobre uma moça sentada numa mesa próxima. Gabava-se de um alto poder econômico e inflava o peito toda vez que se referia na terceira pessoa. A moça, por sua vez, mantinha-se quieta e não se dava ao trabalho de desperdiçar nem mesmo um sorriso falso como resposta. Comentava ele constantemente que ela parecia muito séria, o que perturbava Melissa. Talvez seja você quem não está muito sério hoje, pensou em gritar no salão. Terminou seu prato antes de Brandie e Jasmine: Capelletti de calabresa com carne suína. Diana sempre pedia isso quando estavam naquele restaurante. Se não podia prestar uma última homenagem a ela com seus amigos, faria sozinha – ou com quem estava presente.

Brandie embarcou no tributo, pediu a mesma coisa: a refeição adorada pela amiga com uma garrafa de água e duas rodelas de limão num copo cheio de gelo. A garota não conseguiu não perceber o olhar torto do garçom quando enfatizou que o limão deveria ficar sob os cubos de gelo e não em cima. Estranhamente, Jasmine as acompanhou no preito sem muitas perguntas. Depois de Melissa ligar para a amiga, convidando-a para almoçar, Jasmine achou que o mínimo a se fazer era ter respeito à sua dor. Como Harper ficaria ocupado durante as próximas horas, aceitou o convite sem pensar duas vezes.

Jasmine tentava, uma vez ou outra, durante a refeição, trazer um assunto para a mesa, mas as palavras morriam em segundos como peixes tentando respirar fora d’água.

— O macarrão estava muito bom! – Jasmine limpa a boca com o guardanapo.

— Uhum. – Brandie concorda. – Agora sei por que ela sempre pedia isso.  – Diz tocando a borda da louça.

Melissa encara seu prato vazio, nem imaginava que comeria tanto depois do que houve no cemitério. Jurou que seu apetite havia ido para o espaço depois de se encontrar com Sondra e sua sombra. Jake devia falar com ela, pensou, talvez pôr tudo num texto ajude a descarregar más energias. Mudava de ideia sobre a declaração, mas se mantinha firme em não se aproximar da jornalista. Ou seja lá o que ela se tornara.

— Achei que todos os seus amigos viriam almoçar juntos. – Jasmine tenta, um pouco encabulada.

— Ocorreu um imprevisto. – Respondeu Brandie. – O Josh meio que passou mal no cemitério, o Chris e o Jake levaram ele pra casa.

A cabeça de Jasmine se enleou por alguns segundos após as palavras de Brandie, visto que a ela não conhecia o resto do grupo.

— Josh é o garoto de topete? – Ela faz um movimento com a palma da mão sobre a cabeça tentando imitar, comicamente, o cabelo do rapaz que sua memória evocava.

— Isso. O namorado da Diana. – Brandie faz uma pausa pensando no que acabara de dizer e resolve se corrigir. – Quer dizer, o ex-namorado. – E imediatamente se arrependeu. Dizer isso em voz alta seria admitir que sua amiga já não estava mais viva. Não queria aceitar essa possibilidade, apesar de conceber essa verdade irrevogável. Doeu, então, pensar sobre isso.

Melissa viu a amiga enrubescer de desconforto. Melhor mudar de assunto.

— E o Harper? Por que não trouxe ele?

— Ele tá fotografando um cara de cueca e uma garota tatuada e não pôde sair hoje.

— Um cara de cueca? – Brandie frisou.

Melissa não conteve um sorriso.

— Ele é gato? – A garota de tranças perguntou e se auto respondeu logo em seguida. – Ah, claro que é. Qual modelo não é?

— Nem todos, B. – Melissa retrucou.

— Eu já vi uns que parecem o Zoboomafoo. – Jasmine comentou. – O Harper tem uma pasta com todas as fotos que ele já tirou. E eu, claro, já dei umas olhadas. – Ela fez uma pausa para rir com as garotas. – Sério, tem muito modelo que nem parece ser.

— Gosto dos que tem bocão. – Brandie mexia os lábios para ilustrar seu pensamento.

— Se tiver o rosto maior que a cara vai parecer o Senhor Cabeça de Batata. – Melissa ri. Pela primeira vez desde que saiu do cemitério.

O celular de Jasmine toca.

— Desculpa.

— Tudo bem, pode atender.

Jasmine se levanta e caminha até um local menos barulhento, atrás do metre e perto da porta de entrada. Melissa e Brandie trocam olhares antes de Melissa perguntar:

— Tudo bem?

Ela fez que sim com a cabeça.

— Sim... E não. É muita coisa vindo junta. Uma em cima da outra.

— Eu sei, é muito para assimilar.

— É muito para aceitar. – Brandie devolve numa entonação alta por causa do barulho do restaurante. – O acidente, a visão do Jake, a minha irmã e agora a nossa amiga. A nossa amiga, Mel. Como isso pôde acontecer assim?

A garota torceu os lábios e, assim como na noite em que Jake estava desabando após o acidente, Melissa sentiu-se impotente por não ter uma resposta para aquela pergunta. Pelo menos não uma que iria satisfazer a amiga.

— Às vezes não existe um motivo, não existe uma razão. Só existe a nossa vida e as coisas com as quais temos que lidar. Talvez possamos entender isso tudo nessa vida ou apenas depois dela, mas agora tudo o que podemos fazer é acreditar que a fase ruim passou. Quer dizer, tudo de mau que poderia acontecer, já aconteceu.

— Você realmente acredita nisso? – Brandie disse isso tentando recuperar o que ainda restava de sua inocência.

Melissa a olhou nos olhos.

— Acredito.

Jasmine irrompeu de trás de uma das mesas. Ela parecia ofegante e vermelha, com os olhos ameaçando um choro a qualquer momento, porém parecia mais preocupada com outra coisa do que deixar que lágrimas ofuscassem sua visão.

— Garotas, me ajudem.

— O que foi? – Melissa levantou um olhar de preocupação.

— A Stacy me ligou, ela disse que aconteceu um acidente lá no apartamento do Harper.

— Que tipo de acidente? Quem é Stacy? – Brandie se contagia com o medo de Jasmine.

— Eu não sei, eu não sei o que aconteceu. Ela é a irmã dele. – Jasmine tenta organizar os pensamentos. – Por favor, vocês estão de carro. Podem me dar uma carona até lá? – Diz ela mantendo o controle para não chorar.

— Claro! – Melissa não conhecia Harper nem um pouco, mas de alguma forma sentiu receio por Jasmine. Ela sabia que sua amiga adorava o fotografo e não queria que ela sentisse a dor da perda de alguém próximo tão cedo, apesar de saber que Jasmine já passou por isso ao perder os pais precocemente.

 

 

— Quer um copo d’água? – Chris se dirige ao amigo de forma apreensiva.

Josh não responde. Estava sentado numa poltrona na edícula atrás da casa da família Swanby. Jake e Chris haviam dirigido o amigo por todo o caminho até lá, enquanto Josh tentava articular suas frases com palavras fora de contexto se atropelando em cada investida para uma conclusão interminável. Ainda que Chris tentasse compreender, Josh parecia mais imerso na própria bagunça que eram seus pensamentos do que, de fato, estar tentando dizer algo. Alternando o olhar da estrada para o retrovisor, Jake se certificava que o trem desgovernado que Josh conduzia não iria fazê-los explodir dentro do veículo.

— Quero ficar sozinho. – Disse Josh, finalmente mais calmo. Ele passava as mãos avultadamente pelo rosto numa tentativa de distração, de fazer parar de pensar. Queria poder se concentrar em outra coisa que não fosse na redução de seus pensamentos àquele dia, então se afastar do domínio liliputiano que sua culpa se transformara. Era como se sua mente tivesse enlaçado o luto pela morte de Diana, seu sentimento de contrição em relação à Megan e o medo que lhe tirou os pés na primeira noite sem a namorada, tivesse feito uma bolinha de papel e começado a jogar uma partida de tênis de mesa.

— Acho que não é uma boa ideia, amigão. – Jake se senta num sofá ao lado da poltrona.

Apesar da edícula não ser parecer tão grande do lado de fora, a parte de dentro se assemelharia a uma residência comum do bairro se os três cômodos não fossem estritamente um colado ao outro.

— Minha namorada morreu. Só quero um tempo pra mim. – Ele joga a cabeça para trás e pressiona a testa com os dedões.

— Aqui ninguém vai te incomodar. – Chris defende sua posição.

— Vocês estão me incomodando. – Josh diz de forma descompromissada e com um sorriso sardônico, que logo se desfez quando preferiu dar maior ênfase na seriedade de sua intenção. – Cadê o meu carro?

— Tá com a Melissa. – Jake respondeu colocando a mão no ombro do amigo. – As garotas não iriam almoçar a pé. Certo?

Josh ponderou a situação por alguns segundos, teve um rápido vislumbre do próprio reflexo dali a algum ponto do seu futuro onde não via nada além de pontos falhos e um profundo vazio, uma suposição autocriada para alcançar algum paraíso que estaria escondido entre as nuvens. Talvez, no meio do caminho, numa desmedida escadaria banhada de sangue, ele encerrasse sua recente peregrinação de penitência e remorso.

Por mais que Josh queira voltar para sua casa, sabe que só encontrará quietude após a meia noite. Tem uma família turbulenta, os ama de paixão, mas admite detestar o fato de serem muito barulhentos. É o segundo filho num total de cinco. Sua irmã mais velha, Susan, cuida dos irmãos gêmeos mais novos de oito anos, Alane e Zach. Entre Josh e os gêmeos, Thomas (ou Tommy, como gostava de ser chamado) considerava ser o exato filho do meio uma “grande porcaria” – desfrutava da portentosa posição de último nascido até chegarem os gêmeos em duas mantas de cores distintas nos braços do papai e da mamãe. Josh e Susan virão o rosto de Tommy se fechar na primeira vez que a mamãe negou biscoitos recheados de chocolates após o jantar, coisa que, até então, nunca havia acontecido. Assim como ficaram muito ocupados para busca-los após a escola ou ajuda-lo com o dever de casa. Conformado com a mudança de conjuntura, o menino abaixou a cabeça para as novas e recém-saídas do forno prioridades de seus pais.

O atleta não pôde deixar de se lembrar como se sentiu com a chegada de Thomas em sua casa. A diferença entre eles era de nove anos, muito tempo para o jogador se adaptar à conformidade que seria paparicado para sempre. Thomas esfriou seus sentidos assim que fez sua primeira bola de cuspe deitado em seu berço, trouxe um sentimento humano, potente e significativo para Joshua Burnell, que parecia nunca ter experimentado. Um sentimento que corria até as pontas dos seus grossos dedos e fazia seus carnudos lábios sorrirem involuntariamente. Algo que ele nunca saberia explicar.

Josh, pela primeira vez, o levou para ver uma partida de futebol no estádio de Macalester, e, para a surpresa do irmão mais velho, Tommy se apaixonou pelo esporte. “Você nunca gostou de futebol”, disse Josh saindo do estádio com Tommy sentado em seus ombros. “Acho que nunca prestei atenção”, disse de volta num sorriso incompleto com dois dentes de leite ausentes. O garoto contou ao pai que queria entrar para time de futebol de sua escola, mas sentiu algo o puxando para baixo quando não recebeu a recepção e atenção que esperava. O homem, exausto e com uma menininha no colo, caneou a cabeça de sono. Segunda tentativa. “Mamãe, quero entrar para o time de futebol da escola”. “Tudo bem, meu filho. Podemos ver isso”, prometeu a mamãe tirando o faisão do forno e indo pôr outro filme na TV da sala para distrair os gêmeos em suas cadeirinhas automáticas. Ele esperou, mas a Sra. Burnell deve ter se esquecido, assim imaginou Tommy. Viu os dias passando e seus pais submersos numa rotina que cercava Alane e Zach, a qual nada além disso se tornava encargo de Susan ou Josh.

Mais um dia de escola chega ao fim e Tommy se arrasta casa adentro pensando no dia longo que irá ser quando ele começasse a estudar para a sua prova de matemática do dia seguinte. Na sala um alarde chama sua atenção. “Adivinha quem vai ser um grande campeão um dia”, Josh vociferou erguendo uma faixa branca escrita “Tommy Atomic Champion”. O garoto abre um grande sorriso e Josh sopra sem jeito uma corneta retrátil a fim de anunciar mais notícias. “Fui à sua escola e te coloquei no time. Começa semana que vem”, o irmão mais velho lança uma bola em direção ao irmãozinho, que a agarra sem dificuldades. Ele corre e abraça Josh com força. “Obrigado, irmão”.

Josh se via nos olhos de Tommy. É, sem dúvida, seu irmão mais querido, apesar de nunca se atrever a dizer isso em voz alta.

 

 

Jasmine saiu do elevador como um foguete, seguida de Melissa e Brandie logo atrás, à porta de entrada do apartamento de Harper, onde um policial se postara firmemente. Ele revezava seu olhar entre o corredor e o que acontecia dentro do apartamento, não contendo sua curiosidade. A porta aberta do apartamento deixava o alarido do rebu interno escapar.

— Não podem entrar. – O policial bloqueia imediatamente a passagem das garotas.

— É o apartamento do meu namorado. – Jasmine quase gritava. – Me deixa entrar. – Se forçava entre os braços do homem, que a abraçava feito um polvo.

— Calma, Jas. – Melissa tentava acalmar.

— O que tá acontecendo lá? – Jasmine esperneava.

Antes que o policial pudesse dar qualquer resposta, uma voz feminina chamou Jasmine do lado de dentro. Ela demorou para encontrar a origem do chamado, atordoada pelo número de pessoas ali dentro.

— Jasmine? – Stacy vinha se arrastando pelo corredor. Seu belo rosto estava descreditado por uma maquiagem tenebrosamente escorrida. Suas orelhas, olhos, bochechas e nariz estavam vermelhos como se tivesse saído de uma briga. Seu cabelo loiro antes arrumado num estiloso penteado, agora estava preso desleixadamente num coque. – Jasmine!

O policial, então, permitiu sua entrada com Melissa e Brandie.

— Stacy! O que aconteceu? – Correu em direção à mulher loira.

— O Harper... Meu irmão... – Ela tapa a boca com uma das mãos e deixa as lágrimas descerem sem o mínimo esforço em escondê-las. – Ele... Eu não sei como. Não sei como isso pôde acontecer.

Jasmine não entendia absolutamente nada do que ela dizia, mas estava certa de que, seja lá o que tivesse acontecido, não havia sido bom. Ela deixa Stacy para trás e dá passos largos até chegar ao hall, onde estava a mãe de Harper sentada – quase desmaiando –, com um copo de água em mãos. Lynn estava sentada no chão, com as costas encostadas na parede e o rosto tão vermelho quanto o de Stacy.

Alguns policiais circulavam pelo local, se comunicando, coisa que Jasmine não estava interessada em saber. Procurava o namorado, mas não o viu perto da mãe ou de Lynn. Melissa e Brandie chegaram atrás com Stacy chorando silente.

Não pode ser. Cadê ele? Pensou, tentando não esperar o pior.

Um flash de luz se aviva no campo de visão de Jasmine. Ela procura de onde veio. Da sala! O ateliê. Outro flash ilumina, mas dessa vez a luz se espalha feito água ao seu redor e estoura feito pipoca. Harper! Jasmine corre em direção ao estúdio do namorado e se depara com a cena mais grotesca que já viu na vida. Seus pés freiam e é impulsionada para trás como se tivesse levado um soco na boca do estômago. Todo o seu almoço viajou pelo seu interior, obrigando a garota a se contorcer. Não!

— Tirem-na daqui! – Um homem gritou enquanto outro apontava uma câmera para a cena e apertava o flash. Uma luminosidade explodiu e soou como um tiro para Jasmine.

 

 

Sierra entrou em seu quarto com a mente fervendo. Ligou o ventilador de teto e arremessou sua bolsa carteira preta contra a parede, deixando-a cair sobre a cama. Estava com raiva. Não conseguia sentir outra coisa, o ardor pulsava seu sangue para os músculos, tomando conta da garota. Tentava manter-se calma. A garota sentou-se na beirada da cama e entortava o braço para baixar o zíper detrás do vestido preto. Durante todo o percurso que Sondra fez do cemitério até sua casa, não houve nada além de um mórbido silêncio. Sierra defrontava-se com aquilo como um gesto solidário, apesar de não se sentir nem um pouco a vontade em estar com Sondra e Journey num ambiente onde o único som era o de pneus esmagando cascalhos. O silêncio parecia provir de uma experiência comparticipada, porém Sierra voltava a perceber que estava sozinha com aquele sentimento toda vez que Journey quebrava esse silêncio para falar sobre seus amigos – em especial, Brandie. Ela não entendia o porquê dessas investidas dele, mas compreendeu que o silêncio era um infinito onde os sentimentos e a imaginação podiam enganar, ou, naquela situação, era um espaço onde as pessoas concordavam com coisas com as quais na verdade não concordavam.

Os finos dedos de Sierra não alcançavam o zíper, ela encurvava os cotovelos e mexia com as mãos no tecido. Seus dedos não alcançavam seu objetivo.

— Que merda! – Ela se levanta num ímpeto. – Merda, merda, merda!

Ela envolve as mãos nas alças e puxa com força, as arrebentando. Lágrimas de indignação caem pelas bochechas. Sierra fazia força para arrancar aquele vestido de seu corpo. A costura era rompida e os fios se soltavam, até finalmente o tecido todo se partir ao meio. Estava livre. Encarou o vestido esfrangalhado no chão, viu sua fúria esfarrapada em dois pedaços de luto preto. Acidente na pista de patinação. Brandie em luto por Marcie. Diana queimada viva. Josh canalha. Minha amiga, ela era minha amiga.

Uma corrente de vento invadiu a janela de seu quarto, aflando seus cabelos. A porta é acariciada pela brisa, obedecendo ao fluxo e terminando num baque.

Sierra se assusta com o barulho, virando-se imediatamente. Atrás da porta, havia várias fotografias, desenhos e mensagens coladas. Uma das fotografias – um mini pôster tirado de uma das revistas de fofoca que a garota adorava acompanhar (semanalmente) quando tinha seus dezesseis anos – liberta-se do durex e a garota observa o papel volitar pelo ar até deitar ao chão. A foto mostrava um modelo exibindo seu corpo atlético apenas com uma calça jeans rasgada. Seus lábios estavam lambuzados de chocolate, assim como suas mãos. E, segurando firme entre os dedos enxovalhados, um morango mordido. Sierra se abaixa para apanhar o recorte, mas o vento sopra novamente empurrando a fotografia para longe do alcance de suas mãos, passando parcialmente por baixo da porta. Antes que o vento varra seu quarto mais uma vez, ela puxa o papel com rispidez, roçando a folha no batente de madeira e fazendo um barulho de lixa.

Sua testa ruga quando vê a falha causada na imagem. O pescoço do modelo agora está esbranquiçado, o rosto está amaçado e o sorriso, que antes revelava malícia, agora não passa de uma irregularidade torta suja de chocolate.

 

 

Yanka passa ao lado de um policial por Melissa e Brandie. A modelo estava calada e com a cabeça baixa, envolta de um roupão, um curativo branco enfeitava sua testa enquanto o cabelo estava preso num rabo de cavalo, que, com certeza, foi feito às pressas.

— Isso não é estranho? – Brandie começa. – Ele morreu de uma forma trágica. – Melissa a encara enquanto ela continua. – Tão trágica quanto a...

— Não tem nada a ver. – A loira não deixou Brandie terminar. Sabia que ela mencionaria a morte de Diana, mas não queria ouvir. – Foi uma coincidência.

— Tem certeza? – Brandie se abraça como se tivesse cruzando os braços. Ainda estava com o vestido preto que usara no velório de Diana. Tinha uma manga comprida, mas ainda sentia frio. – Lembra do que ela disse no dia em que Jake foi à delegacia? – Ela aponta para Jasmine, que estava falando com a mãe de Harper num canto perto do hall de entrada. A mulher permanecia quieta a maior parte do tempo e às vezes soava o nariz com um lenço de papel. – Sobre os sobreviventes do voo 180.

Melissa não pôde deixar de levar essa ideia em consideração. Os sobreviventes do voo 180 morreram todos após saírem do avião. Morreram em acidentes estranhos, ela sabia, Diana, Harper... Não pode ser.

— Isso não pode ser verdade. É surreal demais!

— Então o que tá acontecendo, Mel? – Brandie olhava em volta, alerta, como se tivesse se escondendo de algo. Ou, até mesmo, procurando inconscientemente uma rota de fuga, caso fosse necessário sair correndo dali.

— Eu não sei. – Melissa permanecia confusa.

— Primeiro a Diana. Agora esse cara. Isso não pode ser coincidência. Por que isso tá acontecendo?

— Eu não sei, Brandie. Eu não sei.

 

 

Sierra balançava a mão no ar enquanto seu pai dava partida no carro. Do banco do carona, sua mãe a lembrava de pôr o lixo para fora e não esquecer-se de fechar as janelas caso chovesse. A garota apenas mantinha uma expressão neutra e meneava a cabeça numa resposta automática de “sim, mãe. Entendi”.

Sr. e Sra. Shawn partiriam para outra cidade numa viagem particularmente especial. Sr. Shawn prometera a esposa que teriam esse momento algum dia, porém, por algum motivo, nunca parecia chegar. O casal trabalhava muito, e tempo era um elemento precioso para que essa viagem desse certo. Apesar de Sierra já ser maior de idade e muito responsável, Sra. Shawn ainda sentia pontadas de preocupação quando deixava sua menina sozinha por muito tempo. Coisa de mãe, ela e Sierra pensavam.

A garota retorna para seu quarto e encara sua meta mentalmente. Não fui bem na minha prova, só tenho mais uma chance de recuperar meu CR. Abriu o armário e retirou três livros e quatro cadernos, espalhando-os sobre a mesa e cama. Não posso deixar isso acabar ainda mais comigo. Quando bateu a porta do armário, o mesmo chacoalhou quase batendo as hélices ligadas do ventilador acima.

— Droga! Preciso ver isso depois. – Sierra deu três chutes fortes numa das madeiras que serviam como pé do armário para voltar ao seu lugar. O objeto não era tão grande de largura, mas alcançava quase o teto. Achou melhor desligar o ventilador antes de começar. Sentou-se à mesa e fitou os livros, tomando coragem para abri-los.

— Tudo bem, Sierra. Não é tão difícil.

 

 

Melissa estaciona o carro de Josh em frente à casa de Chris.

— B, eu queria te pedir para não falar nada sobre isso para o Jake. – Melissa se virou para ela ao seu lado. Os olhos pareciam saltar de suas órbitas, como se estivesse apreensiva, mas pronunciou as palavras com cautela.

— Como assim?

— Ele ficou bem abalado na noite do acidente e sinto que agora ele está se recuperando. Entende? Voltando aos eixos. Não quero que nada disso o perturbe de novo.

Brandie assente com a cabeça, mas nada diz.

Elas dão a volta pela casa e batem na porta da edícula nos fundos.

— Josh tá mais calmo? – Melissa pergunta quando Chris abre a porta.

— Pergunta pra ele. – Chris indica a poltrona que ele está sentado.

— Cadê meu carro? – Josh atira assim que vê as garotas entrando. – Esses dois malucos não querem me deixar ir embora.

— Não é bem assim. – Jake diz abraçando a namorada.

— Está bem? – Chris pergunta à Brandie, que parecia nervosa.

Ela apenas meneia a cabeça positivamente.

— Está lá fora. Seu brinquedinho tá bem. – Melissa joga a chave para ele, que apanha no ar com sucesso.

— Demoraram mais do que imaginamos. – Chris diz.

— Ah, é que demos carona para a Jasmine. – Revela Melissa o suficiente para não alarmar ninguém. – Depois viemos para cá direto.

— Fizeram um caminho grande então. – Josh estranhou olhando para Brandie.

— É. - A garota de tranças nagô responde a pergunta que não foi inquirida.

Melissa nota seu olhar tenso.

— Vocês estão bem? – Chris percebe algo errado.

— Estamos. – Melissa responde rapidamente, ainda tentando deixar que a máscara de inocência não caísse dos rostos dos amigos. Entretanto, ao fitar Brandie, percebeu que ela transparecia que o seu estresse interno ia muito além do velório de Diana.

Então Brandie saca um revolver e atira na sala para que todos ouvissem:

— Jake, você sabe alguma coisa sobre o voo 180?

A loira abre os olhos e expressa sua insatisfação.

— Desculpa, Mel. Ele teve uma visão, isso pode ajudar.

— Do que vocês estão falando? – Jake não entende.

— As pessoas que saíram do voo 180. Antes de ele explodir. – Brandie explicou. – Um cara previu o acidente e tirou os amigos de lá. E... E depois todos eles morreram. Todos.

Jake fica atônito. Sabia dessa história, mas nunca achou que fosse verdade. Uma simples invenção da internet, cogitou quando lhe contaram.

— Acha isso por que a Diana morreu? – Josh pergunta.

— Não. Acho isso porque o Harper morreu. – Brandie descarrega sua arma na cabeça de todos que a ouviam naquele momento.

— Tá de brincadeira? – Chris pergunta.

— É verdade. – Melissa completa. – Ele morreu hoje.

— Espera, quem é Harper? – Josh questiona.

— O namorado da Jasmine. O cara loiro que saiu com a gente da Howclover. – Jake disse pausadamente tentando conectar as coisas em sua cabeça.

— O que vocês estão dizendo não tem sentido nenhum.  – Josh começa. – Quer dizer, escapamos do acidente na pista de patinação, mas vamos morrer de qualquer jeito?

 - Talvez... Se alguma coisa matou ela. – Jake se corrige. – Matou eles. Quer dizer, faz sentido... Pra mim. Desde o acidente tenho a sensação de vazio. Como se faltasse alguma coisa, que ainda esteja acontecendo.

— Acontecendo o que? – Brandie agarra a alça da sua bolsa que pende em um dos seus ombros.

— Não sei dizer. – Jake se confunde com seus próprios pensamentos. – Como se o que aconteceu lá na pista não tivesse terminado ainda.

— Isso é mórbido. – Chris se manifesta.

— Não, isso é loucura. Uma grande besteira. – Josh se levanta da poltrona onde estava. – Tô me mandando, não preciso ouvir essas porcarias.

— Talvez essa porcaria esteja certa. – A loira fala alto antes que ele saia.

— Eu duvido. – Ele olha em volta. Brandie e Melissa pareciam aliadas dessa ideia antes mesmo de pisarem naquela edícula. Chris não negou a possibilidade nenhuma vez e Jake está visivelmente assinando sua concordância em baixo do que Josh chama de “grande besteira”. Ele estava sozinho, visto que todos os seus amigos ali foram fisgados pela imaginação. – Vocês sabem o que aconteceu com a Diana, com esse Harper. Eu não sei o que está acontecendo, mas é cruel! Fico imaginando o que a Diana passou dentro daquela sauna. É terrível demais! Mas não podem deixar isso subir a cabeça de vocês. Estão parecendo loucos.

— Você que teve uma crise no cemitério. E somos nós que estamos deixando subir a cabeça? – Brandie jogou.

— É diferente. Eu fiz uma besteira, uma besteira muito grande. A qual eu vou me arrepender pelo resto da minha vida. E isso me machuca. Tenho direito de me sentir assim. Mas minha cabeça continua no lugar e não quero que me passem essa maluquice. – Ele vira as costas e sai bufando consigo mesmo.

Jake, Melissa, Brandie e Chris mantém a boca fechada por um tempo.

— Vocês planejavam não me contar isso? – Jake alterna o olhar entre a namorada e a amiga.

— Eu não queria contar. Ela não tem nada a ver. – Melissa admite. – Não queria te encher com mais preocupações.

— Não podia fazer isso, Mel. Tenho me sentido fragmentado desde aquela merda e... Argh!

— Não contou que se sentia assim. Me desculpa. – Ela baixa o olhar e ele a abraça. Ela retribui o gesto com força.

Sem querer quebrar o clima entre os namorados, Brandie hesitou antes de pronunciar qualquer palavra, que, por fim, foram ditas por Chris:

— Jake, sabe como parar isso? – Todos olham para ele. – Alguma de vocês duas sabe?

— Não sabemos nem o que está acontecendo direito. – Jake disse.

Então Brandie aproveitou a deixa para dizer o que estava entalado em sua garganta:

— Talvez alguém saiba dizer. – Falou com esperança.

— Quem? – Jake e Chris perguntam ao mesmo tempo.

— Quando você foi à delegacia um dia depois do acidente, eu e Mel encontramos a Jasmine na cafeteria e ela falou sobre essa história do voo 180, da morte dos sobreviventes. Ela disse que o Harper contou tudo pra ela.

— É, mas ele morreu. Não é? Não tem como ajudar. – Chris fala.

— Sim, mas ele contou pra ela quem sabe muito sobre isso.

— Verdade. – A mente de Melissa clareou. Lembrou-se da conversa que tiveram quando Jake estava fora. – Harper dividiu um apartamento com um cara que era vidrado na morte e nesses acidentes estranhos. A Jasmine nos contou.

— Acham mesmo que ele pode ajudar? – Jake pergunta duvidoso.

Os quatro amigos se olham. Nenhum deles poderia ter certeza da validade dessa teoria ou da ajuda que o amigo de Harper poderia proporcionar, entretanto se sentiam num beco sem saída e com uma pulga atrás da orelha.

— Tem uma ideia melhor? – Brandie pergunta.

 

 

Josh chega a casa e pendura suas chaves do carro num porta chaves perto da porta. Ele entra na cozinha e vê sua irmã mais velha guardando os restos do almoço em potes de vidro, prestes a irem para a geladeira.

— Oi Susan. – Fala com a voz falhada. O rapaz se joga numa das cadeiras da mesa, que estava suja com ervilhas e algum tipo de molho.

— Oi. – Diz com um sorriso animador. – Como foi lá?

Ele a olha com desamor, desconsiderando sua pergunta.

— Eu não devia perguntar isso, né? – Ele não responde. – Eu podia ter ido junto com você, mas você disse que se eu aparecesse lá, ia trocar meu shampoo por cola.

— Ah, foi mal por isso. Os pais dela já não me queriam muito por perto, se eu levasse alguém seria muito abusivo. E eu tô tentando evitar conflitos.

— Tudo bem, eu entendo. Você consegue ser bem persuasivo quando quer. – Diz Susan acalentadoramente, mas sem perder o humor nas palavras. Sua voz suave era uma canção blues numa noite de trovões. Josh começou a imaginar assim desde que a viu cantando para Zach numa tempestade que assombrou a cidade quando seus irmãos gêmeos tinham dois anos. Apesar da canção que cantava não ser necessariamente um blues, Susan tinha o dom de dar esse ritmo a qualquer letra. – Sobrou um pouco do almoço, quer que eu esquente pra você? Ou já comeu?

Josh lembrou-se de Megan no enterro. Havia terminado tudo com ela alguns dias antes de ir para a Howclover. Megan era linda, beleza era um aspecto que nela não faltava, e era a única coisa que tinha em comum com sua namorada, Diana. Ambas ostentavam belíssimos rabiscos faciais, apesar de serem bem diferentes. Diana se assemelhava a um anjo enviado do céu, enquanto Megan exprimia ser uma gangster nascida e criada na casa da Playboy.

A sensualidade de Diana vinha com seus sorrisos, jogadas de cabelo e quando saia molhada do banho, tentando não deixar a toalha cair. Megan, por sua vez, estourava os joelhos dos homens com fúria quando desfilava em um vestido vermelho colado ao corpo, os pondo pra rezar bem à sua frente. Ela gostava de ser o café quente, quando Diana se contentava em borbotar como água com gás. Sentia desejo por ambas, mas em sua cabeça (e coração) estava certo que queria a menina loira para o resto da vida. Era mais que desejo. Era.

Ele deu um sorriso tímido para a irmã.

— Não precisa, não estou com fome. Obrigado.

 Nesse momento, Tommy entra na cozinha correndo.

— Hey, Josh, você chegou. – Susan faz movimentos com a cabeça e mãos para que Tommy não mencionasse nada sobre Diana ou o enterro. Ele entende a mímica da irmã. – Quer ver o jogo comigo? Começou só há dez minutos.

— Hoje não, Tommy Atomic. – O chama pelo apelido. – Não tô muito bem.

Thomas sabia que sua namorada havia morrido, respeitava o luto do seu irmão, assim como Susan, que apenas encostou a mão no ombro de Josh, enquanto Tommy se inclinava para dar um abraço forte no irmão. O rapaz morde o lábio inferior e tenta não desabar na frente dos dois.

 

 

Liberty Fitch, ou apenas como é conhecida pelos amigos, Libby, abriu a porta do apartamento. Dividia-o com Jasmine já há dois anos e meio e se consideravam ótimas companheiras – contanto que uma não entrasse no quarto da outra. Libby tinha por volta de trinta e cinco anos, o que não é assustadoramente distante de sua colega de residência, que possui seus vinte e oito anos. Essa noite mantinha os cabelos loiros, porém, hora ou outra, os tinge com uma coloração vermelho rubi, conservando sua rotina capilar em uma não-rotina, e não ligava para isso.

— Oi. Você é a Libby, né? – Disse Melissa nada surpresa.

— Sou eu. – Ela sorri. – O que desejam? – Fala jogando um olhar devorador sobre o homem ao lado de Melissa. E não pretendendo ser discreta, ela o encara como se não houvesse mais ninguém por perto.

— Eu sou Melissa, amiga da Jasmine. Eu, meu namorado e a minha amiga estamos procurando ela. Ela ainda mora aqui, certo?

— Aham. – Disse arrogantemente. – Agora que o namorado dela morreu, ela lembrou que também paga aluguel. – Ela escancara a porta para os três entrarem. Jake sentiu um arrepio quando passou por ela, desviou o olhar com receio. – Ela está no quarto. Segunda porta por aquele corredor. – Aponta.

 

— Entra. – Jasmine gritou ao ouvir as batidas em sua porta.

— Oi Jas. – Melissa disse baixinho.

— Ah. Oi, Mel. – Viu Jake e Brandie entrarem logo atrás. – E Jake, e Brandie. – Fala estranhando. Ela arrumava uma mala em cima da cama, fazendo bolos não organizados com algumas peças de roupa.

— Oi Jasmine. – Jake olha os sapatos empilhados junto com dois cardigãs. – Fiquei sabendo o que houve com o seu namorado. Eu sinto muito por isso.

— Todos nós perdemos alguém, então... Se precisar de alguma coisa, pode contar conosco. – Brandie diz educadamente.

— Obrigada. – Responde ela. Os olhos estavam inchados, assim como sua boca. As bochechas pareciam estar pegando fogo e os olhos acompanham na coloração.

— Eu e a Brandie te esperamos, mas você quis ficar mais um pouco com a família do Harper. Achamos melhor sair pra deixar vocês à vontade. – Melissa se explicava.

— Tudo bem, Mel. Isso não importa. Eu também quis sair logo de lá e joguei tudo meu dentro dessa mala. Eu tô só arrumando agora. – Ela coloca dois casados em cabides separados e os pendura no armário. Amarra os cabelos desgrenhados para trás e continua. – Vocês vieram aqui só pra isso?

Melissa morde o lábio desconfortável com a situação. Estavam prestes a pedir um fazer a uma garota que acabara de perder o namorado de forma brutal. Sabia que ia fazer de qualquer jeito, porém não conseguiu evitar se sentir incômoda ou soar insensível com os sentimentos da amiga.

— Jasmine, na verdade, queríamos pedir um favor. – Jake dispara na frente. – Você disse uma vez que o Harper dividiu um apartamento com um cara... Hum, não sei dizer exatamente. Eu não estava com vocês na hora.

— Um cara estranho. – Melissa continuou. – Que parecia saber bem sobre a morte e o que aconteceu com... – Ela fez uma pausa pensando na história. – Com os que saíram do voo 180.

— Ah. – Lembrou-se. – Sim, sim. Ele me contou que dividiu o apê dele com esse amigo esquisito. Mas o que tem ele?

— Queríamos saber se você sabe o nome dele, ou o número do telefone. – Jake fala calmamente. – Qualquer coisa que nos ajude a encontra-lo.

— Qualquer coisa. – Brandie completa.

Ela titubeia na resposta, se deparando com uma clara inquietação por parte dos três amigos.

— Não, eu não sei de nada. Não o conheço, e o Harper não falou o nome. – Ela os olhava como se fossem fugitivos de um hospício. Como se estivessem prestes a sequestra-la caso não conseguissem as informações que queriam. – Por que querem achar ele?

— É complicado de explicar. – Melissa tentou não revelar muita coisa para não assusta-la.

— Sabe de alguém que pode saber alguma coisa? – Jake tentava investigar.

— Talvez a irmã dele. Eu posso ligar para ela pra saber.

— Seria ótimo, obrigado. – Agradece.

Jasmine cata seu celular e liga para Stacy.

— Oi Stacy. Deixa eu te perguntar, sabe o nome do cara com que o Harper dividiu o apartamento quando saiu de casa? – Ela faz uma pausa e fala mais algumas palavras. – Aham, ok. Tem o endereço dele? – Jasmine corre até sua mesinha e escreve rápido no primeiro pedaço de papel que vê, um envelope aberto e rasgado. – Obrigada, Stacy. – E desliga.

Ela pega o envelope e entrega para Jake.

— O nome dele é Mac e ele mora aí.

— Obrigada mesmo, Jas. – Melissa sorri de alivio.

— Não sei o que querem com ele, mas tomem cuidado. O Harper disse que ele é muito sinistro.

— Sinistro como? – Jake fica curioso.

— Sei lá. Pelo que ele me contou, esse Mac gosta de ficar falando sobre a morte... Que ela tem um plano pra nós... Ele deve ser uma daquelas pessoas que se vestem de preto, brincam com velas e usam piercings pelo corpo todo.

— Espera, plano? – Jake se interessa. – Plano da morte?

Ela os encara por um minuto até absorver a seriedade a qual eles estavam cavando.

— Gente, vocês estão me assustando. – Jasmine se apoia à mesa. – Se isso tiver alguma coisa a ver com a Harper, precisam me contar. – Jake e Melissa se olham, um buscando consentimento nos olhos do outro. – Por favor.

Vendo a indecisão dos amigos, Brandie puxa uma flecha de sua aljava e mira na cabeça de Jasmine. Atira.

— Não acha uma coincidência a nossa amiga e o seu namorado terem morrido? Eles saíram da pista Howclover, vivos. Agora eles simplesmente... Estão mortos.

— Foi um acidente o que aconteceu no estúdio do Harper. – Jasmine ergue seu escuto contra a flecha de guerreira nagô.

— O que aconteceu com a Diana também. Quais são as chances disso acontecer? Dois sobreviventes morreram em acidentes depois de escaparem de um. Isso não soa estranho? – Brandie via que Jasmine não estava engolindo a história. Então apela para o último artificio. – Isso não soa familiar?

Familiar, pensou. Jasmine não era cética, mas não era do tipo que se assustava com histórias de terror. Não acreditava em zumbis, mas apostava sua perna esquerda que ainda encontraria um unicórnio perdido nesse mundo. Acreditava num poder além do que todos possam ver, algo que mantém cadáveres sob a terra e os unicórnios do lado mágico do arco-íris.

— O voo 180. – Ela disse para si mesma. – Os sobreviventes que morreram. – Uma lágrima escorre pelo olho vermelho. Essa não era para Harper, e sim por ela mesma. – Se isso for verdade, nós vamos morrer? Já estamos todos mortos?

— Acreditamos que esse cara pode nos ajudar. – Jake ergue o papel em suas mãos. – Ele pode saber de algo.

Ela balança a cabeça nervosamente para cima e para baixo.

— Ok, vou com vocês falar com ele. – Ela pega sua bolsa em cima da mesa.

— Na verdade, Jas. Pensamos em ir, só eu e o Jake. Muita gente pode assusta-lo.

— Tão de brincadeira, né? – Jasmine pareceu ganhar vida de repente. – É ele quem vai assustar vocês.

— A gente vai te passar tudo depois que falar com ele. – Melissa insistia.

— Eu não quero ficar sozinha. – Jasmine desaba na cama.

Brandie notou seu medo e rapidamente se identificou.

— Eu planejava dormir na casa da Sierra hoje. Eu sinto a mesma coisa, não quero ficar sozinha. Se quiser vir junto, saiba que é bem vinda.

Jasmine abre um sorriso aliviado. Tinha Libby para fazer companhia no quarto logo ao lado, mas não parecia ser a mesma coisa. Na verdade, o quarto ao lado nunca pareceu tão distante quanto naquele momento. Brandie sabia o que estava acontecendo e isso ancorava a auto segurança de Jasmine.

— Eu aceito sim.

— Vamos com a gente, o Chris está esperando lá em baixo no carro.

 

 

— A gente não precisa bater? – Jasmine falou ao ver Melissa abrindo a porta da varanda que dava para a casa de Sierra. O Sr. Shawn instalara aquela segunda porta por precação, após algumas notícias que estavam ocorrendo assaltos pelo bairro. Ao lado da primeira porta havia um interfone, o qual os amigos ignoraram.

— Tudo bem, a gente já é de casa. – Chris dá um sorriso leve, incluindo a garota no grupo.

— Os pais dela saíram esse final de semana, então vamos ficar bem. – Brandie disse.

O piso de madeira da varanda range enquanto eles sobem os degraus. Nenhum som vinha da casa, o que já esperavam uma vez que sabiam que Sierra estaria sozinha.

— Sierra? – Melissa grita da janela ao ver a amiga saíndo da cozinha com um copo d’água.

— Que susto, caralho! – Ela reclama ao abrir a porta da frente e os deixando entrar. – Não podem entrar assim, campainhas são feitas para serem dedadas. Aquele interfone também. – Ela tenta não deixar a água do copo que segura escapar.

— Achei que fossemos de casa. – Chris tenta amenizar.

— Aqui não é a sua edícula. – Diz transtornada.

— Desculpa, amiga. – Melissa fala. – Eu quem fui meio entrando.

— Tá tudo bem. – Diz ela olhando a sua alcateia de amigos à frente. Ela procura Josh com os olhos e fica aliviada ao perceber que o rapaz não está presente. – Vieram aqui em bando por quê? – Pergunta curiosa.

— Sierra, sabe o namorado da Jasmine. O Harper? – Melissa começa.

A garota afirma com a cabeça sem nem ao menos pensar sobre isso. Sua testa franzida dialoga com as sobrancelhas plissadas.

— Ele morreu. – Disparou Jake.

— Oh Deus. Sinto muito. – Sierra se dirige a Jasmine e segura o copo com as duas mãos pensando. – Mas vocês saíram do enterro da nossa amiga pra vir até a minha casa com uma garota que eu nem conheço para dizer que o namorado dela, que eu também não conheço, morreu? – Seu tom saiu mais rude do que pretendia. – Vocês estão loucos?

Chris não conseguiu evitar uma risadinha discreta.

— Pode parecer estranho, mas... – Melissa é interrompida por mais uma flechada de Brandie, dessa vez, no peito de Sierra.

— A morte está atrás da gente. Quer matar a gente. Pronto, falei. – Todos a encaram como se fosse um fantasma. – Não tem maneira melhor de dizer.

Sierra assimila o que lhe foi atirado.

— Como é que é? A morte está atrás de vocês porque o namorado dela morreu? – Ela espera uma intervenção de algum deles, mas nada vem na hora. – Vocês estão drogados?

— Você também está incluída. Estava com a gente na Howclover e saiu com a gente. – Chris clareia. – Também sobreviveu ao acidente.

— O que vocês estão falando não tem sentido algum. Eu não sobrevivi a nenhum acidente simplesmente porque eu não estive em nenhum acidente. A gente saiu antes de acontecer.

— É isso o que a gente está tentando dizer. – Brandie tenta explicar. – A visão do Jake tirou a gente antes de lá. E a morte nos quer.

— Tá legal, deixa eu ver se entendi. – Sierra massageia sua têmpora esquerda com o polegar. – As pessoas que saíram da pista de patinação antes do acidente estão sendo perseguidos pela... Morte? – Ela encara o olhar de todos, esperando que alguém a corrigisse ou dissesse que era uma piada. – Seja lá o que vocês fumaram, me deem um pouco. Quero ficar tão doidona quanto vocês.

— Acha que estamos fazendo piada. Como poderia explicar essas duas mortes? – Jake cuspiu as palavras. – Duas pessoas que saíram da Howclover estão mortas.

— Diana morreu num acidente. Acidente! Pessoas morrem todos os dias, não é nenhuma surpresa. É triste, é muito triste. Eu tô tão furiosa com isso quanto vocês. E muito ruim. Mas não quero fazer disso uma história louca.

— Não é o que tá parecendo. Não consegue ver algo errado nisso? – Jake insiste. – Temos que tomar cuidado.

— Preciso me cuidar é de vocês, pelo visto. Vocês são malucos e a minha casa não é hospício. Essa história é absurda.

— Não precisa acreditar, ok? – Brandie toma a frente e pede ajuda a Sierra. – Jasmine e eu podemos dormir aqui essa noite? Não queremos ficar sozinhas. – Ela vê a expressão de desaprovação de Sierra e se afirma. – Você não acredita nisso, mas eu... Eu tô com medo. Por favor.

Ela hesita por um estante, mas cede.

— Tudo bem. Só essa noite, porque meus pais saíram.

— Obrigada. – Jasmine agradece.

Brandie a leva para o quarto de hospedes, onde dormira mais vezes que poderia contar. Brandie e Diana se reuniam na casa de Sierra quase toda semana, fazendo “coisas de garotas”, como Diana chamava. Melissa comparecia contingentemente, apenas quando Jake já tivesse outros planos com seus amigos.

— Escuta. Se você não acredita, beleza. Ninguém irá te forçar a aceitar isso. Mas nós acreditamos que alguma coisa está rolando. Uma coisa muito estranha. – Jake fala calmamente para Sierra. – Então, fica de olho nelas. Elas estão assustadas.

Assentiu acolhedoramente com a cabeça, ainda não entendendo por completo do que seus amigos tinham tanto medo. Do que estavam correndo e se escondendo, mas tinha receio de que aquele sentimento a contagiasse do mesmo jeito.

— Vocês vão aonde? – Sierra pergunta vendo Jake e Melissa se dirigindo à porta.

— Buscar respostas. – Jake responde rapidamente antes de fechar a porta atrás de si.

Chris se joga no sofá caçando o controle da TV pelo cômodo.

— Não vai com eles?

— Não. Eles vão com o meu carro. Tudo bem se eu esperar por aqui? – E dá um sorriso irônico brincalhão característico de si, que logo se desfez após Sierra lhe lançar um olhar destruidor. – Tá tudo bem, né? Ou vai me expulsar?

— Não vou, só não zoa com a minha casa. – Ela dá as costas. – Vou estar no meu quarto estudando.

 

 

O carro de Chris para sob uma árvore velha, que poderia desabar a qualquer tempestade. Jake encara a caligrafia de Jasmine no pedaço de papel e confere com o endereço onde mostra o GPS do celular de Melissa. A garota passa as mãos pelo cabelo que o vento bagunçou e assente.

— É aqui que ele mora. – Jake amassa e joga o papel no porta-luvas. – Acha que vai dar certo?

Melissa observa a entrada da casa atentamente e, sem tirar os olhos dela, responde:

— Acho que sim. Esse Mac parece saber de alguma coisa. – Viu o gramado verde se estender até os degraus da porta da frente, cheios de folhas secas. – E espero que saiba mesmo.

Jake segura a mão da namorada e beija os nós de seus dedos.

— Ou isso tudo pode ser pura loucura da nossa mente. – Sussurra.

— Não sei qual é a pior opção. – Ela encara os olhos azuis dele. – Tem certeza que quer fazer isso?

— O que temos a perder? Ele não vai tirar uma faca e apunhalar a gente pelas costas. – Os olhos de Melissa se abrem com essa frase. – ... ou vai?

— Harper disse que ele é sinistro, então... Não tira os olhos de mim, ok? – Ela abre a porta.

— Ok. – Ele diz baixo, acompanhando os movimentos dela para fora do carro.

Jake sai em seguida e, como uma dupla dinâmica, seguem em passos mecânicos até a porta. Quase um minuto depois de Melissa tocar a campainha, o vento corre para dentro da casa assim que a entrada é aberta. Uma jovem loira aparece com um imenso sorriso estampado no rosto e um olhar curioso. Vestia um short jeans e uma blusa quintess provençal.

— Oi, posso ajudar?

O casal se encara involuntariamente, provavelmente compartilhando da mesma insegurança. O que o olhar trocado realmente quis dizer foi: estamos no lugar certo?

— Oi. Procuramos pelo Mac. Nos disseram que ele mora aqui.

— Ah, sim. Ele está aqui. – A jovem loira recua dois passos e grita. – Mac, querido, tem umas pessoas te procurando. – Ela ouve algo em retorno e volta a falar com Jake. – Ele já está vindo.

— Obrigado. – Responde.

Quase no mesmo instante um rapaz se juntou a garota loira na porta de entrada. Cabelo negro, num “corte social” repicado, estatura alta, barba profissionalmente feita e exibia belíssimas feições. Uma calça jeans preta é a única peça de roupa que usava naquele momento, e, balançando sobre o peito nu, um pingente banhado a ouro branco na forma de um singelo falcão é conduzido por um fio de couro.

Definitivamente não era como Melissa e Jake esperavam.

— E aí? – Cumprimenta o rapaz com um simpático sorriso.

— Você é o Mac? – Jake estende a mão antes mesmo do rapaz confirmar com a cabeça. – Sou Jake. Essa é a minha namorada, Melissa.

— Oi. – Diz a loira para Mac, que responde igualmente.

— Hum, não sei como dizer. – Jake o olha inseguro. Tinha medo de passar a imagem de alguém com sérios problemas mentais e arriscar Mac a bater a porta em sua cara. Precisava escolher as palavras certas para não assusta-lo. – Precisamos falar com você.

— Sobre...?

— Achamos que alguma coisa está acontecendo com a gente e nossos amigos. – Melissa explica rapidamente, atropelando o namorado. – Que alguma coisa está nos perseguindo.

Jake fecha os olhos esperando que Mac não tenha a impressão equivocada deles. O rapaz, no entanto, apenas pende a cabeça para o lado numa forma de compreensão, demonstrando acolher o que a moça loira realmente quis dizer.

— “Alguma coisa”? Pode ser mais especifica?

— A morte.

 

Feel the rush, feel the rush, feel the rush

All bloody


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Notas finais do capítulo

☠ - O próximo capítulo é um dos que eu mais gosto e estou ansiosíssima para posta-lo. Até lá =D



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