Premonição: Congelados escrita por VictChell


Capítulo 5
Adeus


Notas iniciais do capítulo

☠ - Então, gente, quinto capítulo postado. Mais uma vez, espero que gostem.



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Are you guilty?

Is there a secret that you're hiding?

My prince charming

I guess it's all a case of timing

 

Deprimente. Jake encarava o caixão fechado de Diana a dez metros de distância da onde estava. Melissa chorava baixinho atrás dos óculos escuros, secando o canto dos olhos eventualmente com um lenço branco. Todos os presentes no enterro da sua amiga usavam preto, com exceção de uma senhora que se apresentou com um vestido roxo escuríssimo.

Josh murmurava algo entre as mãos fechadas. Uma prece, talvez. Sob seus olhos, desenhadas na pele, manchas roxas ilustravam a sua dor. Brandie se enraizou ao amparo de Chris, que a abraçava fortemente. Qualquer pessoa que não os conhece poderia afirmar de longe, que ambos eram namorados, simplesmente pela forma que se consolavam. Os pais de Diana permaneciam num mórbido silêncio – desde que chegaram ao local –, que soava perturbadoramente desconcertante aos ouvidos das pessoas presentes.

As palavras do padre se perdiam ao vento. Cada sílaba era dispersa pelo cemitério, que chegavam aos ouvidos fortuitos dos cadáveres em suas camas. Eles não ouviriam, mas quem faria? Aqueles que não pensavam em Diana, estavam ocupados demais agradecendo cada um à sua virtude teológica ao fato de não serem eles naquele caixão.

Sierra escolheu um lugar mais perto do corpo da amiga morta. Uma fileira atrás do Sr. e Sra. Arnold afigurava o local ideal para prestar suas condolências, também queria estar próxima do que restou de Diana. Sua amiga. Agora morta e pronta para ser enterrada.

Josh está, perceptivelmente, com os seus dois olhos inchados. Ele não deixaria que acontecesse à vista de outrem, mas entre quatro paredes se permitia sentir a trágica e fria punhalada da melancólica culpa. Autoquestionamentos vem à tona quando deita sua cabeça no travesseiro – que nesses momentos parece ser feito de cascalhos – se perguntando do porquê deixou a namorada sozinha. Por que não ficou com ela o tempo todo? Quer dizer, esse era o plano. Certo? Passar o fim de semana juntos, romântica e selvagemente, ininterruptos momentos de êxtase com a sua amada. Diana. Diana, meu amor.

A perspectiva do Sr. e da Sra. Arnold não desviavam muito da posição de Josh. Ele é o culpado! Disse o Sr. Arnold salivando minutos depois de receber a notícia. O que você fez com a minha menina? Oh, minha filhinha. Por que você não tomou conta dela? Era tudo para nós. As palavras da Sra. Arnold saíram sem muita aliança entre si, já que algumas letras pareciam se deformar sob uma nojosa secreção nasal. Não o queriam no enterro, contudo, após inúmeros apelos, se declararam indiferentes quanto a sua presença. Josh optou por se colocar atrás de uma senhora obesa, que, estrategicamente, o camuflava entre as pessoas. A última coisa que precisava era uma troca de farpas com os olhares dos pais da ex-namorada.

O celular de Brandie vibra. Chris avalia a amiga procurar o aparelho dentro de sua bolsa. Ela encara o visor e descarta a ligação sem pensar duas vezes.

— Não acha melhor atender? – Sussurra.

— Agora não. – Responde sem olhar para ele. – É a minha mãe de novo.

Ele assente com a cabeça – reportando que entendeu o contexto –, coisa que ela não viu.

Por ser mais alto que Brandie, Chris tem uma visão panorâmica das tranças dela. Tranças essas que ele não tirava os olhos desde que a amiga enlaçou seu braço e inclinou a cabeça em seu peito. Por algum motivo que não conseguiria decifrar no momento, sentia-se mais confortável não encarando as pessoas ou o caixão. Queria pode esquecer que aquilo realmente aconteceu, que uma de suas amigas mais próximas acabara de morrer num trágico acidente. Com uma das mãos livres, ele a esticou até o bolso e deixou que seus dedos sentissem o aço frio de seu cantil. Deseja uma dose como nunca antes.

 

 

Harper ouviu as batidas na porta. Sabia quem era.

— Harper Laurent Mitchell? – Perguntou o rapaz à sua frente de uma forma assumidamente retórica.

— Sou eu. E você deve ser o Kayden. – Harper e o modelo se apresentam formalmente, uma vez que Kayden já o conhecia de diversos trabalhos os quais o modelo sempre admirou.

Kayden era moreno, alto e forte, mas principalmente atraente. Tudo o que Harper esperava, já que não costumava fotografar pessoas muito diferentes dessas diretrizes. Ele guia o modelo por um hall cheio de fotografias sob o efeito sépia até chegar ao vestíbulo, onde uma mulher com cabelos curtos e picados – até os ombros – está esperando.

— Kayden, essa é a minha assistente Lynn. – Harper os apresenta.

Eles apertam as mãos.

— Oi, como vai?

— Ótimo. – Ele responde educadamente e admira o local.

No fim da sala, as janelas panorâmicas refletiam o brilho quente do sol. No meio da sala, o suporte de fundo – dois tripés de três metros de altura, com dois metros de distancia um do outro, e uma barra de metal presa ao topo de cada um, os ligando – estava armado, com um tipo de tecido que escorria da barra presa acima e percorria o chão num caminho reto até chegar aos pés do janelão.

Uma escada de graduação plissada levava à um segundo andar, com corrimões de vidro e degraus de madeira. Um aparador sâmara posicionado à esquerda, servia café e uma garrafa de champanhe. Bem como um bebedouro de mesa eletrônico, caso algum visitante prefira analisar as possibilidades. No canto, um aparelho de áudio estava conectado com algum iPod, que transmitia uma música por caixas de som espalhadas pelos cantos do teto.

Um pouco antes do suporte de fundo fotográfico, havia dois sofás pretos virados um de frente para o outro. Entre eles, uma mesa de vidro com alguns dossiês de donos de empresas de material fotográfico, o roteiro de um evento sobre artes visuais da Europa do século XX e um portfólio do próprio trabalho de Harper. Perto do hall de entrada, um umidificador de ar estava a todo vapor, ao lado de uma foto em preto e branco da silhueta de Harper numa cachoeira do Himalaia – uma viagem feita com sua irmã.

— Esse lugar é incrível. – Diz admirado.

— Eu adaptei pra ser meu estúdio. – Respondeu Harper talvez de forma muito enfática.

Kayden remexe em sua mochila e retira uma pasta.

— Ok, Harper, pediram pra te entregar isso. É o perfil das fotos. Não sei bem o que quer dizer, mas falaram que você entenderia.

— Ah. – Diz o loiro. – Tudo bem, você tem perfil. Achei que fosse só uma renovação. – Ele pega a pasta. Dentro, requisições e fotos de Kayden saltam para as mãos de Harper, junto com um bilhete da diretora assistente da empresa. – Enquanto eu dou uma olhada nisso aqui, a Lynn pode te deixar à vontade.

— Ok. – Respondeu.

A garota de cabelos pretos guiou o modelo até outro canto do cômodo.

— Então, vai me maquiar ou algo assim? – Ele faz ela ri.

— Não posso tocar em você até que o Harper diga algo. – Ela cruza os braços e observa o olhar agitado do rapaz. – Tá nervoso?

— Talvez.

— Aposto meu olho direito que não é a primeira vez que fotografa. – Ela sabia que não era.

— É a primeira vez com esse cara. – Kayden aponta Harper. – Ele é muito foda. Nunca pensei que trabalharia com ele.

— Ah, já entendi. Você é fã. – Lynn dá um sorriso de canto de boca.

— O cara é bom. Falei muito com a minha agência pra me mandar pra ele. – Ele percebe o que acabou de dizer e para quem disse, e na fração do segundo seguinte veio a preocupação de que Lynn pudesse lhe tirar o pouco de chão que ainda o sustentava diante de Harper. – Ah, espera. Não vai contar isso pra ele.

Lynn ri.

— Não vou, relaxa. O Harper é gente boa, só não fica assim.

— Assim como?

— Assim! – Ela aponta pra Kayden com uma careta a fim de tentar imita-lo.

— Ah, tudo bem. Achei que ele tivesse uma equipe maior.

— O Harper gosta de trabalhar em casa e não gosta de muita gente na casa dele, então...

— Ah.

— Escuta, fica à vontade aí. Tem água no bebedouro e café. Quando ele voltar a gente vê o que faz com você. – Ela sorri maliciosamente.

— Você é tão doce. – Diz sarcástico.

— É meu charme. – E ela se joga num dos sofás que estavam ali.

 

 

Por baixo do terno preto, Josh encobria seu corpo robusto moldado pela constante imposição autocriada da melhor forma física energética. Ou apenas um “ego regulado”, como Diana disse quando ele passou horas dentro da academia depois do inverno. De qualquer forma, essa era uma questão na qual Josh não se preocupava em se aprofundar. Horas de academia em dias irregulares durante a semana, e quando estava exausto, com as pernas tremendo como uma corda de violão, seus halteres pessoais – que guardava secretamente dentro de uma caixa de sapato no fundo do armário – serviriam por uns dias.

Sentia-se forte na maior parte do tempo, com controle. Era como bombear um imenso balão, onde ele poderia encher ou esvaziar quando e como quisesse. A morte de Diana não estava em seus planos ou em seus pensamentos. Sentiu-se, então, com as mãos longe do volante e seu balão estourou cedo demais. Pela primeira vez percebeu-se sem controle, sem força.

Seu corpo se adstringe quando sente a pressão da mão de Chris em seu ombro.

— Se quiser ficar mais um pouco, a gente te espera. – Chris fala. Apesar de estar ao lado de Josh e ter dito de forma natural, a sua voz chega num retumbo aos ouvidos do amigo, como se ele estivesse muito distante para compreender qualquer coisa que se passa dentro de sua cabeça.

Todos já tinham ido embora, com exceção dos pais de Diana e alguns poucos parentes. Josh mantinha-se bem afastado, observando onde Diana agora descansava.

— Não vou demorar. – Ele responde entre dentes palavras quase incompreensíveis.

Chris faz um sinal com a cabeça e deixa o amigo sozinho.

 

Ainda dentro do grande cemitério, o sol brilhava tristemente sobre a estreita vereda. De um lado, carros parados, do outro, o gramado recheado de túmulos fechados. Jake e Melissa caminhavam devagar em silêncio. Ela abraçava a cintura dele, que por sua vez passava o braço ao redor de seus ombros. Embora as pernas dele sejam mais compridas que as dela, ambos conseguiam manter o mesmo ritmo.

— O que acha que aconteceu? – A loira questiona subitamente.

— Foi um acidente. – Jake não sabia como responder essa pergunta. Olhava para os carros estacionados de um lado da alameda refletindo seus passos com Melissa.

— Sim, mas como? Quer dizer, ela ficou presa dentro de uma sauna, que... Que... Incendiou. Pegou fogo. Como isso é possível? – Achava difícil aceitar que foi um acidente, parecia improvável, quase irreal. Seria mais fácil uma pessoa, qualquer pessoa, dizer que um lunático a trancou ou que ela mesma fez isso. Eram possibilidades que tinham mais sentido em sua cabeça, apesar de nenhuma delas parecer mais fácil de lidar.

— Não sei, Mel. Ninguém contou nada pra gente.

— Isso é insano.

— Talvez a Diana... – Ele se interrompe quando vê a porta de um dos carros sendo escancarada uns três metros à sua frente. Ele congela os pés e Melissa não percebe a principio, mas ao ouvir os passo ela faz uma careta.

As figuras deixando o veiculo se aproximam. Sondra e Journey.

— Até aqui? – Melissa bufa no ouvido de Jake.

A mulher se aproxima com seu suéter azul marinho e uma bolsa debaixo do braço. Journey está vestindo uma calça sarja marrom clara com uma camisa social, por cima, um blazer mais escuro todo aberto, e como da última vez que Jake e Melissa o viram, ele está com a mesma mochila de uma só alça.

Sondra abre a boca para falar, mas trava quando pretendia dizer algo. Tenta novamente, mas parece não saber como começar.

— Meus pêsames pela sua amiga. – Diz finalmente.

— Realmente sentimos muito. – Journey completa ao ver que Melissa mantinha os lábios retorcidos.

— Obrigado. – Jake responde. A namorada apenas balança a cabeça. – Ela... A nossa amiga... Ela era muito importante para nós.

— Sabem que isso é um cemitério e estamos num velório, não é? – Melissa lançou uma pergunta retórica dando um passo à frente. – Se vieram até aqui prestar condolências, podiam ter se vestido da forma adequada.

— Hum... Sim. É verdade, Melissa. Mas não viemos até vocês para isso, unicamente. – Sondra retira um recorte de uma folha de um jornal da bolsa. – Achei que não tivesse visto. – Ela desamassa o papel em suas palmas e entrega para Jake.

Uma noticia pequena, sem foto nem muitas palavras. Uma pergunta estava em negrito e dois parágrafos seguiam. Apesar da letra pequena, Jake e Melissa puderam ler o que dizia numa fração de segundo – o bastante para que os surpreendessem.

Garoto prevê acidente na pista de patinação do Shooping Howclover?

 

 

Flashs estalam como bombinhas na câmera de Harper. Uma música ambiente tocava no sistema de som interno procedente do iPod de Lynn – que sempre conectava ao aparelho antes que Harper a impedisse.

 

Put your white tennis shoes on and follow me

Why work so hard when you could just be free?

You got your money, now you got your legacy

Let's leave the world for the ones who change everything

 

Atrás de Harper, as vidraças foram cobertas por uma cortina blackout, que desciam de um extenso rolo conectado à parte superior do janelão. Uma manivela, instalada numa altura acessível, torna a viagem de subida e descida da tela mais prática. As cortinas foram especialmente acrescentadas como instrumento de maior aptidão solicitado pelo fotógrafo.

Luminárias, habilidosamente posicionadas, rajavam uma satisfatória claridade sobre o corpo seminu de Kayden. Lynn repousava num dos sofás, longe do campo fotométrico – de maneira que ela só conseguia ver a parte de trás do suporte de fundo. O fotógrafo enquadrava as poses de seu modelo em suas lentes. O suporte de fundo apoiava um tipo de lona escorrida, um tom morbidamente escuro foi escolhido para encenar o fundo.

— Valeu, Kayden. Vamos dar um tempo. Depois voltamos com o strobist. – Harper disse, fazendo umas modificações em sua câmera.

Lynn prontamente se levantou, deu a volta no suporte e se colou à Kayden, lhe entregando um copo d’água e aperfeiçoando a maquiagem. O modelo se apresentava estático diante da assistente, apenas com uma cueca branca. A garota não conseguiu evitar sentir os arrepios por sua pele – que se acentuavam com o sorriso que se formava no canto da boca dele.

Harper unia os equipamentos particulares para iniciar uma sessão com flashs TTL.

— Onde é o banheiro? – O modelo pergunta.

— Aquele corredor. – Lynn aponta. – Última porta, direita.

— Valeu. – Ele pega um roupão e segue na mesma direção.

Harper exibe um risinho malicioso nos lábios.

— O que foi? – Lynn sabia que o sorriso estava implicitamente ligado à ela.

— Sabe o motivo de ele ter saído, né?

Ela faz um biquinho.

— Eu não tô intimidando ele. – Ela se defende.

— Não você, mas seus peitos sim. – Ele ri. – O cara tá só de cueca, fica chato pra ele.

— Como se eu nunca tivesse visto um pênis ereto na minha vida. E além do mais, fica chato é pra você, chefe. – Ela brinca. Apesar de Lynn trabalhar para Harper e estar, hierarquicamente, abaixo dele, eles sempre mantiveram uma relação de amizade. Conhecem-se desde que Harper ainda dividia a casa com um amigo, quando ele ainda tentava conseguir dinheiro nas passarelas e antes de, definitivamente, trocar de lado. Deixou de ser modelo para fotografa-los. Harper e Lynn formaram uma equipe desde então.

— Hum, mas eu vejo pênis todo santo dia. – Diz calmamente enquanto passava uma flanela na lente de sua câmera, o que a faz olhar com desconfiança para ele.

— Como é que é, Harper Laurent Mitchell? – Fala abrindo um sorriso cheio de anuência.

— Ué, eu tomo banho todos os dias. – Ele ri.

— Ridículo. – Ela da uma gargalhada e joga um pano branco (sujo de tinta de maquiagem) nele.

 

Do you like?

Do you like where you've been, where you're going to?

Say good night

Say good night to the life and the world you knew

 

 

— Foi triste, mãe. Minha amiga morreu, como quer que seja o velório dela? – Brandie respondia azedamente as fatigantes perguntas de sua mãe. – Não quero agora, vou almoçar depois que sair daqui. – A garota está fazendo movimentos circulatórios sob um imenso galho de uma das árvores da aleia, dentro do cemitério. Viu um rapaz se aproximar dela. – Depois te ligo, mais tarde estou em casa. – E desliga antes que sua mãe pudesse falar mais alguma coisa. Brandie reforçava em sua mente o quanto a ama, contudo não conseguia afastar o sentimento de que não aguentava mais sua superproteção após a morte de Marcie. Sentia-se mal por tentar se esquivar das cobranças da própria mãe.

— Problemas com sua mãe? – O rapaz pergunta.

Ela olha para o homem e o reconhece da noite do memorial. Journey.

— Não, só está preocupada.

— Ah. Todas as mães parecem ter um radar especial. – Ele tenta forçar um sorriso e ajeita a mochila que carrega.

— Ela não me marcava tanto. É que têm acontecido muitas coisas.

— Como a morte da sua irmã? – Ele atira.

Brandie o encara nos olhos e avalia seu rosto. Ela balança a cabeça positivamente.

— A gente tem que parar de se encontrar assim. É mórbido. O memorial da Howclover, no enterro da minha amiga...

— Minhas sinceras condolências pela sua irmã e pela sua amiga. De verdade. – Ele tenta exprimir o máximo de sinceridade que consegue em suas palavras, mas não parece satisfazer Brandie. Ela o ignora, mas adota sua maneira de falar.

— A Melissa me falou mais de vocês naquele dia. Depois que foram embora. Que vocês sondaram o Jake no memorial e também na delegacia.

Journey expele seu desprazer numa bufada entre um torto sorriso.

— Melissa... Claro que ela disse isso. – Desde que Sondra apareceu pela primeira vez, a namorada de Jake não hesita em esconder seu desagrado toda vez que a dupla dá o ar da graça. – Olha, ela pode ter exagerado no que quer que tenha falado. Não queremos explorar seu amigo.

— Aí é que está. Isso não evolve só ele. – Eles se encaram como se estivessem contracenando mentalmente um jogo de charadas, onde um teria que adivinhar os pensamentos do adversário.

— Vocês estão num momento frágil. Você principalmente. Perdeu duas pessoas queridas num espaço curto de tempo. Eu entendo como você deve estar se sentindo.

— Não. Você não entende o que eu tô passando, a minha dor. Elas morreram e não vão voltar. Você e sua amiga precisam ficar fora disso. Meus amigos estão arrasados e presença de vocês não ajuda muito. – Diz ela no seu tom doce habitual. – Não quero ser grossa, só não é o momento.

Ele franze a testa, tentando entende-la.

— Tudo bem? – Chris aparece por trás de Journey.

— Está sim. – O rapaz responde acanhado.

— Tô falando com ela. – Ele passa pelo rapaz e se junta à sua amiga.

— Tá tudo bem. – Ela fala.

Chris segura a mão da garota e a guia para longe de Journey, ignorando-o completamente.

— Vamos esperar no meu carro. Melissa e Jake estão falando com aquela blogueira e o Josh ainda está se despedindo.

Ela assente.

 

 

Lynn vem da porta de entrada acompanhando Yanka.

— Espera um pouco, o Harper já está acabando com o Kayden. – Ela informou.

— Relaxa, sei que cheguei cedo demais. – Fala se jogando num dos sofás e sacando o celular. – Oi, Harper. – Balança os dedos no ar.

Ele responde a moça sem tirar os olhos de Kayden.

 

Jasmine verifica sua bolsa mais uma vez. Vestiu uma camisa choker preta e uma calça jeans azul marinho, duas das poucas peças de roupa que tinha levado para o apartamento de Harper. Os cabelos ainda húmidos do banho não eram um incomodo, sempre achou que ficava mais apresentável quando seus fios secavam naturalmente. Dá uma última olhada no espelho do quarto do namorado e sai.

Ao descer as escadas do apartamento, observa o namorado batendo fotos de Kayden – que, a principio, achou estar pelado antes de ver sua cueca. De canto de olho, percebeu Lynn maquiando Yanka, que estava com o olhar fixo no celular e envolvida por um roupão branco. Sentiu-se influída em se apresentar, mas preferiu resguardar sua tentação para outro momento. 

— E... Fim. – Harper encerrou ao ver a namorada caminhando para a porta. – Valeu, Kayden. Foi ótimo! – Os rapazes apertam as mãos e trocam umas rápidas palavras. O modelo procura suas roupas e o fotografo corre para alcançar Jasmine no hall de entrada.

— Hey, Jas. Já ia sem falar comigo? – Diz sorrindo timidamente.

— Você nem ia reparar que eu saí. Meia hora, no máximo. E eu não queria atrapalhar também.

— Não vai almoçar? – Pergunta ele curioso.

— Vou comprar o almoço pra gente e volto para comermos juntos. – Ela pausa ao ver sua testa franzir. – Não era isso o que íamos fazer?

Harper ri.

— Não, Jas. Não vai dar tempo pra mim. Vou ter que comer mais tarde hoje. A Yanka pegou meu horário de almoço. E o Kayden foi uma surpresa... Meio que ocupou o dia, sabe?

— Fala sério. – Disse Jasmine, com um muxoxo.

— É sério. – Ele responde o aborrecimento dela com uma careta antes de puxa-la para um beijo.

 

And I will never sing again and you won't work another day

I will never sing again. With just one wave it goes away

It will be our swan song

 

— Tudo bem. Quer que eu traga algo pra você?

— Hum, um doce. Pode ser?

— Doce? – Responde surpresa. – Ok, qual?

— Me surpreenda. – Ele exibe os dentes perfeitamente alinhados num sorriso.

Ela sorri de volta e o beija de novo. O rapaz sente um vazio no peito e um peso sobre os ombros conforme Jasmine se afastava em direção à porta. Ela sopra um beijo no ar antes de fechar a porta, fazendo um eco irreconhecível no hall. Os quadros emoldurados nas paredes tremem levemente com o ar gelado que inesperadamente correu pelo local.

A corrente de ar parecia uma coisa viva – infiltrava-se por um lugar que Harper não conseguiu identificar e fazia seus cabelos da nuca se arrepiarem. Tentou acompanhar o vento, mas tudo o que conseguiu ver foi um vulto sem forma movendo-se pelo vidro dos quadros nas paredes, deslocando-se pela superfície e transmudando de moldura para moldura ao passo que ele passava os olhos por eles.

Ele ouviu Lynn chamar, mas optou por ignora-la.

Olhou novamente para os quadros, mas somente o que viu foram as fotos em sépia e as molduras de vidro. Sem vulto, ou sombra. Ele encarou uma das fotos e lentamente aproximou-se como se ela tivesse um segredo para contar. Mas nada veio. Passou a mão na nuca para tirar o calafrio, então voltou ao estúdio.

 

Put your white tennis shoes on and follow me

Put your white tennis shoes on and follow me

Put your white tennis shoes on and follow me

Why work so hard when you could just be free?

 

 

Josh encarava sua sombra na grama. O sol iluminava todo o campo, com exceção daquela silhueta. Os pais de Diana já não estavam lá, assim como o restante dos parentes. Agora sua namorada é só mais um cadáver sob aquele gramado. Alguém deixado para trás.

Ao lado de sua projeção, outra sombra surgiu. Primeiro não se preocupou por achar que fosse algum de seus amigos ou qualquer outra pessoa, porém fios negros esvoaçavam do que parecia ser a cabeça da pessoa. Diana!

Ele se voltou para trás com um largo sorriso, que só precisou de um segundo para se desfazer.

— Megan? – Ele não conseguiu disfarçar a decepção em sua voz. – Tá fazendo o que aqui?

— Eu queria te ver. Eu precisava. – Ele balança a cabeça. – Sinto muito pela Diana. Eu sinto que eu devia isso. À você, à ela. – Seus olhos mostram arrependimento e compaixão.

— Não. Não. Isso tá errado. Tá tudo errado. Você não devia estar aqui.

Megan não responde. Não fala. Sua expressão dizia que estava prestes a chorar, porém o que faz é completamente diferente. A garota se aproxima de Josh e encosta as mãos em seu rosto. Com as palmas, ela pressiona suas bochechas enquanto os dedões afagam as lágrimas remanescentes sob os olhos dele.

— Não me afasta, Josh.

— Não me encosta. – Ele retira sua mão delicadamente. – Não aqui. Nunca mais, entendeu? Conversamos já, não podemos mais nos ver. Eu não quero mais isso.

— Equivoco.

— Erramos, Megan! Erramos com nós mesmos. Com a Diana.

— Isso é culpa, Josh. Tá se sentindo culpado pela morte dela.

— Isso é bom senso. O que fizemos foi errado! – Ele dita suas últimas palavras antes de se virar e dar de cara com Sierra, que parecia tão chocada quanto ele ao vê-la.

— Vocês dois...? – Ela alterna o olhar com desprezo

Ele fica mudo. Sentiu algo o puxando para baixo, algo que o tirava de todas as suas opções, que o privava de sentir ou escolher. As pernas tremiam depois de percorrer um labirinto por anos e se deparar num corredor sem saída. Queria saber o que dizer ou o que fazer, porém Josh simplesmente se deixou derreter até que ficasse preso no chão.

— Então era verdade? Estava traindo a Diana? – Ela começa a levantar a voz. – Com ela?

— O que? Como assim? Ela sabia? – Ele derrama uma lágrima sem perceber.

— Como você pôde fazer isso com ela? Ela era sua namorada.

Megan tapa o rosto com as mãos.

— Ela era a porra da garota que você dizia que amava, seu cretino!

— Não queríamos que isso fosse longe.

— Cala a boca, vagabunda! Minha amiga está morta por sua causa. – Sierra se atira contra Megan. Josh a segura antes que pudesse atingir a garota. – Me solta, porra! – Ela dá um soco no peito de Josh. – Ela tá morta por culpa de vocês dois, miseráveis. – Ela lança uma tapa no rosto de Josh. O estalo ecoa por todo o cemitério.

Megan tira o cabelo do rosto e fita os olhos do amante. Não pode ser.

— Que? – Josh pergunta surpreso.

— Não sabia, né? Ela queria ir pro Carhman pra se reaproximar de você. Ela achava que vocês estavam se afastando, porque você tinha arranjado uma amante. – Sierra olha para Megan com profundo desdém. – Uma piranha qualquer.

— Josh! – Megan esperava que ele a defendesse, o que não ocorreu. – Josh.

— Cala a boca! – Sierra gritou em meio as lágrimas. – O que você veio fazer aqui? Acabar com a paz da minha amiga? Não foi o suficiente em vida?

Josh ficara boquiaberto. Sussurrava para si mesmo: Ela sabia. Ela sabia. Me desculpe, amor. Diana, meu amor, me perdoa. Lágrimas, que antes caiam clandestinamente, agora, são derramadas sem modesta.

— Sierra. – Chris fala chegando rapidamente com Brandie. – Calma. – Ele aperta seu ombro.

— Não toca em mim. – Afasta ele nervosamente.

— O que aconteceu? – Brandie pergunta olhando para Josh. – Quem é você? – Nota Megan ao seu lado.

— Me desculpa. Eu sinto muito. – Ela meneia a cabeça para os lados e corre (quase saltitando) para um carro distante. Parecia verdadeiramente arrependida, apesar de Sierra parecer que é o extremo oposto.

A garota de tranças não entende muita coisa, assim como Chris.

— Pergunta pra ele. Ele é o culpado. – Sierra protesta enquanto os amigos a encaram. – Culpado pela morte da nossa amiga.

Ainda confusos, Brandie e Chris são deixados sozinhos com Josh – que não parecia estar em si. O rapaz não fazia questão de disfarçar que algo estava errado. Seu choro denunciava sua culpa, e com a fuga de Megan, os pontos se ligavam na cabeça dos amigos.

 

 

Yanka teve sorte de ter sido preparada antes de seu horário efetivamente começar. Lynn resolveu acompanhar Kayden até seu carro – no subsolo da garagem –, porém, aparentemente, essa garagem não ficava muito perto, pois Lynn saiu há exatos vinte e cinco minutos atrás. Obviamente, nada se tem a declarar sobre isso, que até Harper não ousou mencionar a demorada do único membro de sua equipe. E preferiu não fazer.

Yanka usava uma lingerie que julgava ser a mais sexy que já pôs em seu corpo. Seus cabelos negros dançavam em associação às buzinadas do ventilador. Vul vul, as hélices cortavam o ar freneticamente. Apesar de o ar condicionado central estar ligado no máximo, o ventilador era “essencialmente necessário” – segundo o fotografo.

— Inclina a cabeça um pouco para a esquerda. Isso. – Harper dizia. – Muito bom! Maravilha. Agora olha pra mim, garota. – Ele continuava com a entonação de orgulho na voz.

Sem pudor, a modelo posava fazendo caras e bocas promiscuamente. No suporte de fundo, atrás dela, foi escolhida uma cor num tom mais avermelhado. Rubro seco, como o Harper chamava. Do suporte caia um extenso pano, que corria sob os pés dela e, mais a frente, sob os pés dele, e seguia até encostar-se aos pés das janelas panorâmicas – que não estava muito distante.

O tênis dele amassava o tecido vermelho. Andava da direita para a esquerda, avançava e recuava. Atirava comandos, que eram captados e desenhados na voluptuosa modelo. Se abaixava, então se levantava, jogando com a modelo.

— Será que poderia desligar o ar? Tá muito frio aqui. – Yanka esfrega as tatuagens nos braços tentando se aquecer.

Ele abaixa a câmera e suspira.

— Ok. Vamos aproveitar e usar os filmes. – Ele aponta para a janela. Ela assente, entendendo o que ele quis dizer. Não é a primeira vez que trabalha com Harper, pelo contrário, os dois já tem mais de quatro photoshoots juntos e alguns eventos de modelagem também. – Me dá só um minuto pra arrumar esse negócio. – Diz ele se referindo ao blackout.

— Todo o tempo que precisar. – Ela cata seu roupão e caminha para o bebedouro.

Harper deixa sua câmera em cima de um banco e começa a girar a alavanca para manipular o movimento da tela negra que cobria as janelas. O suporte acima range na medida que o eixo gira, subindo o tecido.

Yanka enche um copo de vidro com água gelada, fechando de forma preguiçosa a fonte. Uma gota despenca da abertura da torneira e acerta a base do objeto. Seguidamente, uma segunda gota faz o mesmo. E outra. E outra...

— Harper, volto num minutinho. – A garota tatuada jornadeia até o banheiro bebericando sua água. Ela passa pelos sofás e segue pelo corredor oposto.

— Sem pressa. – Ele termina de levantar toda a tela negra. O peso do rolo de blackout oprime o eixo que já fora muitas vezes utilizado (e, sem surpresa, desgastado). Os pregos do suporte provocavam ranhuras no metal de toda a esquadria das janelas panorâmicas. As hastes de cima pareciam se entortar imperceptivelmente, forçando seu peso sobre o vidro até as janelas superiores começarem a fissurar.

As caixas de som exprimem um barulho estranho no meio de uma música como unhas dando arranhões num quadro negro. Primeiramente Harper estranha, até que o som se amplifica e emite um chiado semelhante à um grito de pavor. Ele estava prestes a tapar os ouvidos quando o som para e começa a tocar outra música. Ele estampa uma cara de apreensão.

— O que tá acontecendo? – Fala baixo para si mesmo.

E encara o iPod conectado ao aparelho de som. Ele brilhava como se estivesse sorrindo.

 

 Everything I want I have: Money, notoriety and Rivieras

I even think I found God in the flash bulbs of the pretty cameras

Pretty cameras, pretty cameras

Am I glamorous? Tell me, am I glamorous?

 

 

— Eles não sabem de nada ainda. – Jake joga os recortes de Sondra numa lixeira verde.

— Mas sabem que aconteceu alguma coisa. – A blogueira falava. – O que quiserem fazer, é melhor pensarem rápido. A policia não vai conseguir segurar essa história por muito tempo. Eu sei disso, pois trabalhei com isso por algum tempo.

— Obrigada por nos avisar. – Melissa queria dar um ponto final na conversa.

— Tudo bem. – Sondra entende o recado. Journey se junta a ela, observando Brandie de longe. – Eu e Journey vamos então. Só espero que faça a coisa certa. – Diz diretamente à Jake.

— Fiquem bem. – O rapaz se despede.

Quando a dupla dá as costas, Sierra grita de longe.

— Hey, fofoqueiros! – Sondra e Journey olham – É, vocês. Podem me dar uma carona? – Ela chega afobada ao encontro deles.

— Sierra, não vai almoçar com a gente? – Melissa pergunta. – A gente tinha combinado. Pela Diana, lembra?

— Aham, eu lembro sim. Só não tô com fome, Mel. Ou perdi a fome, sei lá. Eu não posso ficar perto daquele babaca. É demais pra um dia, eu não consigo.

— Babaca? Quem? – Mas Sierra não ouviu, correu em direção à Sondra e Journey e tentou convence-los a deixa-la o mais próximo possível de uma loja de conveniências, a qual ficava perto de sua casa.

Jake e Melissa não entendem a agitação da amiga, então eles apenas a observam persuadindo Sondra e Journey. Embora Melissa acreditasse que essa seria uma oportunidade para Sondra de conseguir mais informações do que ela tentava não fornecer.

— O que tá acontecendo? – Jake pergunta.

Brandie aparece alarmada.

— Jake, o Josh tá tendo uma crise. Pode ir ajudar o Chris a levar ele pra casa?

— Como assim, o que houve?

Brandie dá de ombros, alegando não saber explicar. Estava com o sangue pulsando nas veias e tudo o que queria naquele momento era descansar. Esvaziar a mente e deixar que sua mãe tire de seu corpo os demônios que a assombram durante o sono. Ela sabia que sua mãe faria isso se ela pedisse, a sra. Scheer apareceria com dois pares de cobertores, uma xícara de chocolate quente, um travesseiro extra e uma canção dos anos setenta. Faria algumas orações ao lado da filha e a observaria cair no sono.

Porém não era o que aconteceria quando pisasse em casa. Sua mãe a encheria de perguntas sobre seus sentimentos, sobre o velório de Diana e voltaria ao dia do acidente da pista Howclover para saber mais dos últimos momentos de Marcie. Ela repetitivo e angustiante. Brandie queria um descanso disso tudo.

— Tá bem. Vou lá. – Ele beija rápido Melissa no topo da cabeça e corre até o carro de Chris, que está no outro lado da alameda.

— O que tá acontecendo com ele? – Melissa ainda não entende.

— Podemos almoçar? Te explico no caminho. É muita coisa para processar. Nem eu sei se entendi direito.

— Aham. Parece que o nosso almoço de despedida pra Diana vai ser só nós duas mesmo. – As duas se abraçam e Brandie solta um leve suspiro. – Que dia de merda.

 

Josh está com o rosto enterrado nas mãos emitindo um som que aos ouvidos de Chris parecia ser de choro. Estava sentado no banco traseiro do carro do amigo com os pés para o lado de fora. Chris estava apoiado na porta aberta tentando entender as palavras cuspidas e abafadas do amigo.

— O que tá rolando? – Jake pergunta ao ver Josh naquela situação. Parecia um lutador derrotado após várias pancadas no rosto. Uma pontada de pena atravessou a consciência de Jake, sentindo-se assim em relação à Josh pela primeira vez.

— Ele estava traindo a Diana e tá desabando em remorso.

Jake leva alguns segundos para absorver a informação, mas não é impactado pela mesma. Tinha em seu imaginário a imagem de um Josh que nunca prestou para ter um compromisso ou ter vontade de engatar numa viagem dessas. Diana foi a primeira a conseguir o disputado título de “namorada”, coisa que Josh sempre evitou ter quando ele, Jake e Chris eram mais jovens. Comer pelas beiradas não seria algo improvável de se conceber, apesar de não achar compreensível.

— Josh, se acalma. – Ele coloca as mãos nos ombros do amigo.

— Aqui, isso deve ajudar. – Chris retira um cantil de algum lugar de sua roupa e entrega para Josh. – Eu já bebi metade, então não posso te oferecer uma festa inteira.

— O que você tá fazendo? Não dá isso pra ele. – Jake toma de suas mãos e devolve para Chris. – Ele já está uma merda, vai ficar pior amanhã se ele tomar isso.

— Beber me ajuda a esquecer toda essa merda. – Então Chris vira o cantil nos lábios.

O celular de Jake toca. Ele se afasta dos lamentos do amigo para atender.

— Mel?

— Jake, o Josh está melhor? Vai dar pra se encontrarem com a gente?

— Não está, amor. Ainda vamos ver o que fazer com ele. Acho que ele precisa de um mata-leão.

— Tudo bem. Eu só queria dedicar um almoço e um brinde para a Diana.

— A gente faz isso outro dia, hoje não dá.

— Ok, tudo bem.— Diz deprimida.

Jake sabia que Melissa queria muito fazer um almoço especial em homenagem à amiga. Ela já tinha um discurso preparado, assim como algumas lembranças. Queria trazer o melhor do que Diana lhes proporcionou em vida, para, assim, conseguirem seguir em frente. Tinha lido em algum lugar que passar por isso com alguém que partilhe do mesmo sentimento ajudaria a superar algumas coisas.

— Mel, por que não liga para a Jasmine? Ela pode levantar um pouco o seu astral. – Falou da primeira pessoa que veio a mente a fim de substitui-lo no almoço. Lembrou-se do humor alegre de Jasmine e decidiu apostar nessa ideia. – Vocês são uma boa dupla.

— Eu não sei... Acho que isso não vai dar certo.

— Vale tentar.

Ela balança a cabeça tentando ver algum sentido.

— Ok, vou pensar nisso.

Eles se despedem rapidamente.

Sabia que Jasmine poderia ajudar Melissa, sempre achou a garota com uma boa vibe, mas nas circunstâncias que ele se encontrava naquele momento, não poderia pensar em almoço. Precisava pensar em Josh.

— Chris! – Jake vê Josh virando o cantil de Chris e deixando um pouco do seu liquido escorrer pelo canto da boca.

— Foi mal, ele quem pediu.

— Que porra, cara! – Jake apanha o objeto novamente, deixando Josh com os húmidos olhos vazios. Transmitia a figura de um bebê com uma mamadeira arrancada em pleno momento de ânsia, e Jake tinha tirado isso dele. – Vamos levar ele pra casa.

— Vamos levar ele pra minha casa, os pais dele vão surtar se virem ele assim. – Chris sugeriu.

— Beleza.

— Ainda tô aqui. – Josh fala finalmente. – Não sou uma criança.

Jake o encarou. Estava com a testa enrugada e o nariz vermelho. Tudo ao redor de Josh começou a ficar embaçado. A grama, o céu, o carro e por fim, Josh. Jake sentiu uma leve tontura como se todo o oxigênio tivesse sido sugado de seu cérebro com um canudo. Soltou um gemido antes de sentir um impacto forte na barriga. Caiu de joelhos no chão, então se estremeceu até ficar em posição fetal.

— Jake? Jake? – Ele ouviu Chris chamar. – Jake! Responde, cara.

Sentia uma dor ominosa na barriga, como se tivesse levado um milhão de tiros. Ele piscava, mas a visão embaçada parecia piorar cada vez mais. Tudo ficou branco como o sal do mar, como se estivesse perdido numa tempestade de neve. Uma sensação nauseabunda crescia dentro da dor, incitando uma ânsia de vomito subir pelo esôfago.

— O que tá acontecendo com ele? Porra, Chris!

— Eu não sei. Chama alguém. Liga pra alguém.

Jake começou a tossir, queria expurgar algo que, definitivamente, não estava dentro dele. O garoto fazia força para limpar a garganta e respirar. Ele bateu com as palmas no chão querendo dizer algo. Seus pulsos começaram a ralar.

— Jake! O que é isso? Cara, não faz isso com a gente.

Jake cuspiu no concreto toda a baba que se acumulou entre as gengivas. A garganta estava vermelha e suas mãos machucadas. Sentia seu estômago moer enquanto a dor passava.

— Não. Não precisa. – Ele se recompunha. – Eu tô bem.

Josh estava com o celular no ouvido.

— Pode desligar, eu tô bem. – Jake se sentia cansado, como se tivesse corrido dez quilômetros. A dor se fora, junto com a ânsia. Ele se deita de costas e tenta respirar suavemente. Conseguiu ver o sol e a grama, sua visão não lhe enganava mais.

— Jake, o que aconteceu? – Chris empurrou cuidadosamente ele para se sentar no banco do carona do carro.

— Foi um mal estar, só isso. Não se preocupem. – Ele assegura.

Josh e Chris trocam olhares curiosos.

 

 

Summertime is nice and hot and my life is sweet like vanilla is

Gold and silver line my heart but burned into my brain are these stolen images

Stolen images, baby, stolen images

Can you picture it? Babe, the life we could've lived

 

Harper passava a imagem das fotos em sua câmera. No visor, Yanka aparecia tentadoramente confiante. Exibia sorrisos perigosos, que faziam qualquer homem matar por ela. O corpo, no formato de violão, inteiramente tatuado era um mapa para a perdição. Yanka Jane Poole é cabalmente e inquestionavelmente uma das mulheres mais atraentes que ele já vira.

Não era a primeira vez que ele fotografava a modelo, seu primeiro encontro ocorreu no início da carreira dela, quando ainda fotografava para revistas e propagandas de perfume. Ele avaliava seu trabalho naquela sessão, visto que ela ainda não retornara do banheiro. Estava em frente ao suporte de fundo, sobre o tecido rubro seco, sentindo a música preencher o lugar.

 

Hello, hello. Can-can you hear me?

I can be your china doll if you like to see me fall

Boy, you're so dope, your love is deadly

Tell me life is beautiful, they think that I have it all

 

A água que pingava do bebedouro escorria pela base do objeto e regava o chão. A esquadria trincou e o suporte preso à parte de cima da janela cedeu. O peso incidiu sobre os talos pretos de ferro que seguravam as chapas de vidro, causando uma grande ruptura em toda a janela. O vidro estourou como se algo tivesse explodido do lado de fora.

Num susto, Harper sentiu fragmentos de vidros bem pequenos acertarem suas costas. Como primeiro instinto, virou-se rapidamente, a tempo de ver o janelão todo se despedaçar em seu ateliê. Para sua sorte, estava distante desse infortúnio, porém, na queda da esquadria, uma haste de metal quebrada enganchou no tecido vermelho que estava disposto no chão. Toda a ruína despencava para o lado de fora do prédio, fragmentos foram cuspidos para dentro do apartamento e Harper se agachou como se estivesse sendo coroado. A primeira impressão que o fotografo teve foi de estar no meio de um tiroteio, em seguida, de seu prédio estar desabando. Mas nada fez sentido em sua cabeça. Não conseguia pensar no que acabara de acontecer. Fitou os pedaços de vidros ainda presos às beiradas da janela e sentiu que precisava sair dali, mas antes que pudesse dar um passo, o pano sob seus pés fora agressivamente puxado. A haste enganchada foi avocada para fora com seu peso, arrepelando o tecido impetuosamente.

Ele fora arrebatado furiosamente para trás, abalroando contra o suporte de fundo. Todo o estofo acompanhou o caminho feito pelos vidros e hastes, sendo transportado para a beirada da janela. Harper estava sendo arrastado como numa correnteza para a beira de um precipício, começou a engatinhar na direção oposta. As hastes da esquadria continuava a cair do prédio e puxando o tecido. Seus joelhos pareciam estar doloridos e suas mãos cortadas por micros cacos que se espalharam. A força que estava sendo implicada no tecido era mais forte e rápida. Um puxão vacilou a tentativa de salvação do loiro, que o fez cair como uma tartaruga de costas.

— Ah! – Gritou.

Quando estava prestes a chegar ao limite do piso do andar, conseguiu se agarrar na beirada da janela. Todo o tecido, vidro e hastes caíram. Ele não ousou olhar para baixo, tentava se agarrar a alguma coisa para impedir sua queda.

— Harper? – Yanka aparece na sala gritando. – Meu Deus! – Esperneia sem reação ao ver a cena.

Sangue escorria das mãos do fotografo, ele tateava o chão em busca de suporte, porém só cerrava suas palmas em cacos de vidro. Estava pendurado na beirada da janela, seus pés chutavam o que quer que estivesse mais embaixo para encontrar algum apoio, mas nada. O vento começou a soprar com força contra as costas de Harper.

— Yanka, me ajuda! – Ele tentou gritar. Sentia que se fizesse qualquer esforço não conseguiria mais se sustentar. Ele estava com mais da metade do corpo para fora do que para dentro do apartamento. Suas pernas se debatiam desgovernadamente no ar.

A modelo pôs-se a correr, mas algo a impede de chegar ao seu destino. No caminho, uma poça de água a faz perder o equilíbrio. Ela cai ruidosamente no chão e bate com a cabeça no braço de um dos sofás. Sua queda não fora mortal, porém a desacordou ao chocar a cabeça contra o objeto e o chão.

— Yanka! Levanta, levanta! Yanka! – Ele tentava.

Tentava subir, mas se via escorregando mais para baixo.

— Merda! Yanka, acorda!

No teto, ainda seguro por uma haste, um pedaço pontiagudo de vidro oscila. Estava pronto para se soltar desde que todo o resto fora destruído. O vento sopra mais uma vez, a última vez para Harper. A placa despenca de uma só vez sobre as costas do fotografo, guilhotinando seu corpo em dois na altura da escápula. O sangue é esguichado por todo o chão, escorrendo grotescamente pela janela do andar abaixo. Seus olhos sem vida encaram um vazio além, enquanto sangue vazava de sua boca.

 

Can you blame me

For protecting myself?

Baby, you're too perfect

Too perfectly orchestrated


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Notas finais do capítulo

☠ - O que estão achando? Não esqueçam de comentar as suas impressões. Eu sei que tem muitos leitores fantasmas que aparecem, leem e evaporam. Deem seu apoio com um comentário =D
☠ - Todos os objetos citados no capítulo referentes ao estúdio de Harper existem e não foram inventados. Jargões profissionais e termos com um teor “purista" foram extintos para maior compreensão de vocês. E minha também =D



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