Premonição: Congelados escrita por VictChell


Capítulo 4
Agonia


Notas iniciais do capítulo

☠ - Novo capítulo. Aproveitem.
☠ - Fiz uma wishcast com os personagens de Congelados e postei no Pinterest. Bem humilde, tá gente? KKKK Caso queiram imaginar os personagens como eu os imaginei quando escrevia a fic, dê uma checada no link: https://victchell.wixsite.com/website



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/776246/chapter/4

Your hands start undressing me

Your lips won't stop kissing me

I hear you say you love me

But, baby, you're lying

 

7 Dias Depois

— Quarto 2048. – Disse a recepcionista entregando uma chave dourada à Josh.

Diana estava particularmente feliz. Esperava passar o final de semana a sós com o namorado, aproveitando cada segundo ao lado de Josh. Por breves momentos se pegava refletindo se ela não estava se acomodando com a sombra de insegurança e agonia que a seguia toda vez que pensava que Josh poderia deixa-la a qualquer momento. Sentia-se dando mais do que conseguia, sem receber o que merecia de volta, e, então, se hospedando ao lado dessa ilusão. Quer dizer, será que era uma ilusão? Era sua fértil imaginação lhe pregando uma peça? Ou poderia ser uma trilha de migalhas em alarmes que ele vem deixado há muito tempo. Queria significar para ele o mesmo que ele representava para ela, mas até que ponto isso deixou de ser saudável?

Não importava para onde seus pensamentos a levavam, a conclusão sempre era a mesma. Então mais uma vez deixou a sombra lhe dar um abraço pelas costas enquanto observava o namorado à sua frente.

— Obrigado. – Ele disse pegando a chave e jogando no bolso da frente de sua jaqueta verde.

O saguão estava relativamente vazio. Alguns hóspedes jornadeavam num entra e sai do salão, enquanto outros desfadigavam nos assentos dispostos pelo local. Todo o ambiente transmitia um ar vintage, com cores revezadas nos tons de branco, preto, grafite e marrom. Alguns objetos decorativos estavam intencionalmente envelhecidos com pinturas encanecidas e peças que remetiam aos anos quarenta.

— Assine aqui, senhor, por favor. – A moça pediu. Ela parecia estar mais preocupada com o que o computador exibia do que com os clientes à sua frente. Seus cabelos encaracolados, presos por uma fita de nylon preta, mexiam toda vez que alternava o olhar entre Josh e o monitor. De algum jeito, assistir os fios negros e cacheados do cabelo da atendente se movendo sempre que se ela oscilava, serenavam Diana. Assim como testemunhou folhas secas se desprenderem de uma árvore no outono após uma tempestade torrencial quando era criança, Diana manteve-se na expectativa de que algo poderia acontecer a qualquer momento.

Diana percebeu a loira platinada atrás deles na fila. Ela analisava Josh imprudentemente da cabeça aos pés por baixo dos óculos escuros que usava – o que não impediu Diana de lobrigar a anatomia da garota. Ao lado dela, uma amiga – deduziu – a acompanhava. Ambas não pareciam estar muito interessadas em ostentar um visual airoso: chinelos, cangas, coques malfeitos na cabeça, maquiagem mal aplicada, pequenos shorts jeans rasgados e cabelos sem sinal de terem sido toucados. Carregavam bolsas folgadas e coloridas (uma laranja e a outra roxa) que só combinavam com a falta de afinidade em todo o conjunto. As duas pareciam ter sido enterradas sob toneladas de areia por dias na praia mais próxima e quando, finalmente, conseguiram se libertar, correram para aquele hotel em busca de abrigo.

— Prontinho. – A recepcionista disse por fim.

— Vamos? – Ele se dirigiu à Diana, passando a mãos ao redor de sua cintura.

Ela assentiu e seguiram pelo átrio. Os dois se entreolharam quando passaram por uma escultura de mármore. A imagem era de uma coruja de asas abertas, prestes a içar voo. Provavelmente devia ter algum significado por trás, foi o que pensaram, mas isso não os importava tanto. Contudo, para alguém isso representava alguma coisa, já que essa coruja estampava a logo do hotel Cahrman.

— Tudo bem? – Ele nota o olhar absorto da namorada para tudo à volta.

— Uhum, tá tudo bem sim. – Eles param diante de um elevador e Josh aperta um botão lateral. – Não parece que estamos num filme noir? – Diana abre um sorriso e os braços, vislumbrando o cenário.

— Filme noir ou Noviça Rebelde? – Diz ele acompanhando a namorada em seu entusiasmo.

— Por que não pode ser os dois? – Ela dá uma pirueta improvisada e continua. – Podemos fazer nosso próprio filme aqui. Um noir musical.

As portas do elevador se abrem sem nenhum aviso. De dentro, escapa uma corrente de ar frio, como se os andares superiores estivessem dando um suspiro e expelindo todo o ar de seus halls, que os cerca numa laçada – quase que os chamando para dentro. Uma música soa baixinho de algum lugar escondido no teto do elevador, como um convite à iniciar uma dança.

 

Girl, you’re so sad

Something is wrong

Close the door, choose a song

Turn it up and sing along

 

— Então vamos nessa, minha Elsa Bannister. – Josh faz um movimento com os pés como se estivesse praticando sapateado. Ele dá um giro e estende a mão para Diana, olhando-a com um ar travesso.

Ela envolve seus dedos nos dele e responde:

— Ok, Michael O'Hara. Estou pronta.

 

The kids just need a way

The kids just need a way

The kids just need a way

Home

 

 

— Eu falei com a Diana hoje. Eles não vão. – Sierra disse.

— A gente já sabia disso, né? Nem precisava de confirmação. – Chris estava certo. Todos os amigos sabiam que Diana estava planejando sua ida com o namorado para o Hotel Cahrman há mais de duas semanas. Desde que pôs essa ideia na cabeça, focava em ficar apenas com Josh de sexta a domingo num “final de semana romântico”, como ela repetiu várias vezes.

Essa noite vai acontecer o memorial da pista Howclover, onde o pequeno shopping – que tinha como o Ice Space integrado –, irá prestar um respeitoso tributo às pessoas falecidas no local. Depois de alguns dias, o corpo de bombeiros e policiais da cidade se movimentaram para resgatar os corpos remanescentes e trabalhar no reconhecimento de cada vitima do acidente. Levaram cerca de cinco dias para que todo o local fosse revirado de ponta cabeça pelas autoridades e então oficialmente interditado.

Jake, Melissa, Sierra e Chris acordaram em ir prestar sua solidariedade juntos. Brandie, que ainda sentia-se abalada pela perda da irmã, optou em ir com seus pais pela memória de Marcie.

Em uma das prateleiras de uma estante na sala de estar, peças entalhadas pelo pai de Sierra enfeitavam como um conjunto da bela “coleção naturalista”, como ela gostava de chamar as obras do pai. Todas as peças de madeira tinham imagens de animais, idealizadas através de um compromisso diário que o Sr. Shawn tinha com os documentários do Animal Planet. Um flamingo cor de rosa, um galo laranja, um tucano em cerúleo e uma borboleta Monarca em tons terrosos, cada um do tamanho de uma embalagem de shampoo. Foram postos em fileiras numa prateleira especialmente reservada para eles. Os olhos esbugalhados do galo encaravam Chris como se tentasse passar algum tipo de aviso. Ele, por sua vez, estava congelado, enfrentando o olhar do animal se perguntando qual dos dois estava, na verdade, inanimado.

A televisão exibia um programa que nenhum dos amigos estava dando atenção, deixavam que o som preenchesse o lugar até a hora que alguém decidisse dizer algo. Todos pensavam no que a noite traria além do sentimento de impotência e lágrimas quando o memorial começasse.

Chris sacou um cantil de aço do bolso ainda de olho no galo. Sierra, Melissa e Jake o encararam sem muita inibição.

— O que foi? Tô com sede.

— Tem água na cozi... – Chris não espera Sierra terminar de falar, virando o objeto e deixando que seu conteúdo escorra pela garganta. – Ah, esquece.

 

 

O sol penetrava pelas janelas panorâmicas do estúdio de Harper, que, convenientemente, também era seu apartamento. A estância tinha dois enormes andares, que, para apenas um morador, parecia exageradamente espaçoso. O ateliê ficava em baixo, onde Harper trabalhava com as fotografias, cenário, edição e revelação. No andar superior, adaptou efetivamente seu lar.

Seu prédio possui cinco andares, que de um olhar externo, parecia deter o dobro do que de fato é por dentro. Cada apartamento gloria-se de um duplex invejável, motivo pelo qual Harper o escolheu para morar. Quarto andar, “o único disponível”, disse o corretor, “espaço arejado, mais de seis quartos, todos são suítes e é o único que possui a maior cozinha. Banheiras já instaladas em todos os banheiros e na suíte do quarto principal há três chuveiros. Alguns quartos já estão mobilhados, mas mantê-los seria de sua preferência”. Não pensou duas vezes: “É esse que eu quero!”. O vendedor, claro, ficou mais que feliz com sua venda.

— Segunda tenho um horário livre antes do almoço. – O rapaz falava ao telefone. – Cara, depois de você já tem outra modelo, que toma a minha tarde toda. – Ele pausa. – Não posso, Kayden. De onze e meia até uma da tarde seria o único horário para te colocar na segunda. – Jasmine examinava cada movimento que ele fazia com as mãos ao falar no celular. – Vai ser isso mesmo então? Tá certo. Até lá. – E desliga.

— Dia difícil? – Ela brinca.

— Ah, a agência do Kayden está pedindo uma renovação de fotos urgente. – Ele a encara. – E sobra pra mim.

— Quem é a modelo depois desse aí? – Ela pergunta desconfiada.

Ele ri.

— Você não deve conhecer. – Ela o encara esperando a resposta. – Yanka Jane Poole.

— Ah! Como eu não conheço? Posso não estar por dentro de tudo, mas eu tenho Instagram. Que é quase a mesma coisa que você faz. – Eles riem. – Não é aquela maluca cheia de piercings, alargadores e tatuagens?

— Essa mesma.

Jasmine não responde de imediato. Yanka era dona de um corpo curvilíneo que mais parecia uma tela de pintura com um mapa temporal de todos os momentos que já viveu. Ficava instigada em registrar em sua pele cada passo importante que julgava compor sua história, de um mínimo coração vermelho sobre a veia carótida até um rosto feminino de cabelos esvoaçantes cujos traços se assemelhavam aos rasgos na superfície de um tronco de árvore. Cabelos negros volumosos e a boca preenchida sempre rosada, Yanka Jane Poole fez relativa fama em suas redes sociais por postar fotos de seu corpo seminu, exibindo orgulhosamente suas tatuagens e piercings.

Ambos ficaram em silêncio por algum tempo até ele ser quebrado.

— Tem certeza de que não quer ir? – Jasmine perguntou. Estava estirada no sofá disposto no ateliê com os pés sobre o colo do namorado.

— Tenho. Aquilo é muito mórbido pra mim. – Harper relutava em comparecer ao memorial. Mexia distraidamente nas lentes de suas câmeras fotográficas enquanto falava. – Por quê? Você quer ir?

— Uma amiga minha vai estar lá.

— Aquela loira? – Ele plissa sua testa tentando lembrar.

— É, a Melissa. Ela tem uma amiga que perdeu a irmã no acidente.

— Jas, eles não são meus amigos. Não os conheço. Aquele garoto... Jake, né? – Ela anuiu à pergunta. – Então, esse Jake salvou nossas vidas. Somos muito gratos por isso e reconheço a coragem e afeição dele em tentar veemente impedir que as pessoas se machucassem. Mas esses tipos de eventos não têm um bom clima. As pessoas vão visitar o local onde muitas morreram. Morreram. – Ele repetiu. – Não tem ninguém lá que esteja ligado a mim, ninguém quem eu gostava ou sequer conhecia. Se eu fosse, me sentiria mal por nada. Pois você sabe que essas solenidades – Harper cantarola essa última palavra como se tivesse medo de pronuncia-la. – têm uma carga pesada. Prefiro ficar em casa e prefiro ficar com você. – Ele beija os lábios dela e continua. – Mas se você quiser ir dar apoio para a amiga da sua amiga, beleza. Eu te espero acordado. – E dá um sorriso sugestivo.

Jasmine sentiu uma vibe espiritual raiando das palavras de Harper. Será que ele é supersticioso? Com certeza é religioso. Ficou intrigada com seu discurso. Acabara de conhecer um pouco mais de seu namorado, já que nunca conversaram sobre suas crenças, princípios religiosos ou fé.

— Acho que eu não me sentiria muito a vontade. – Decidira então ficar com Harper durante a noite. – Tem razão, vou me sentir melhor aqui.

Harper ri maliciosamente vendo ela se aproximar para outro beijo.

 

 

Lágrimas enxaguavam o chão de pedra. Uma grande cerca situava-se em frente da, onde uma vez esteve, Howclover Ice Space. Já não havia mais destroços, apenas uma plana camada de concreto (que foi corporificada por cima das rachaduras, das eivas e do piso quebradiço). O sentimento admissível de tristeza imanente se alastrava pela atmosfera como um vírus, deprimindo todos que ali pisavam.

No cercado, fotos ilustravam os entes queridos. Velas iluminavam a escuridão. Cartas escritas para aqueles que nunca poderão ler enfeitavam com os desenhos dos mais jovens em luto. Ao redor, orações e choros melodiavam o cenário.

Jake observava inquieto as famílias e amigos daqueles que partiram.

Sierra pousou sua vela num altar qualquer – de uma garota ruiva, Sierra sabia, pois uma foto delatava. Chris caçava um local especifico para pôr a sua, procurava um canto sem fotos ou mensagens. Queria prestar solidariedade todos àqueles que morreram, e não apenas abandonar a vela ao lado de uma fotografia aleatória.

Melissa ainda segurava sua vela acesa. Espionava Brandie com os pais de longe. Sua mãe – vestida de preto – não parava de rezar, seu pai permanecia quieto e Brandie... Brandie fitava as fotos de Marcie milimétricamente arrumadas e presas num barbante colorido. Pensou em ir falar com a família, mas desistiu logo. É um momento deles, não posso atrapalhar.

— Amor, vai acender a sua vela? – A loira perguntou ao namorado avoado.

— Vou depois. – Jake ainda segurava uma vela apagada.

Melissa beijou Jake no rosto e seguiu até a cerca junto de Sierra e Chris.

— Achei que você ia ser o primeiro a acender uma vela. – Uma vez feminina disse atrás de Jake. Ele se virou. Sondra!

— Não esperava te ver aqui.

— Eu esperava te ver aqui. – Ela se aproxima até ficar ao lado dele. – É muito triste. – Ele a encara não entendendo. – Tudo isso é muito triste. Num minuto você está vivo, no outro... – Sondra não acha uma palavra adequada. – Você acha que vai sair e se divertir com a sua família. Tirar fotos, tomar sorvete, fazer compras... Patinar. – Ele desvia o olhar para Brandie, que continuava distante com sua família. – Ninguém nunca imaginou que algo assim poderia acontecer consigo. Ninguém nunca tem ideia. – E então Jake volta a olhar pra ela, que agora o encara insinuantemente. – A não ser... – Ela se interrompe de propósito para ele completar a frase mentalmente.

— O que você quer, Sondra? – Diz ele ignorando seu jogo mental.

Ela dá um sorriso sarcástico.

— Não quero incomodar. Só quero a resposta que ficou de dar.

Jake pensou na conversa deles por uns segundos.

— Não sei o que fazer ainda. – Ele disse olhando para as mãos dela. Vazias. Sem vela, sem cartão e sem foto.

— Achei que tivesse pensado, conversamos há uma semana atrás. – Ela soa descompromissada.

— Está me cobrando uma resposta? Não estou sendo pago pra falar. – Ela sorri com a frase.

— Não. Está sendo pago para ser ouvido. – Ele entorta a cabeça. – Quer dizer, pago simbolicamente.

— O que eu ganharia com a minha história sendo publicada no seu blog? – Ele pronuncia a palavra “seu” bem devagar.

— O direito de ser ouvido. Direito esse que será deturpado nessa mídia facista vira lata.

— Mídia facista? Tá de brincadeira, né?

— Estou te dando a oportunidade de contar sua própria história com seu próprio discurso.

— E por que está tão interessada na minha história? – Ele frisa as palavras “minha história”. – Foi algo que aconteceu, não quero que isso defina minha vida. E não tem a ver comigo... Ou só comigo. Não é disso que se trata.

Jake se encontrava num dilema definitivo. Queria contar, isso era certo, porém temia que sua história se engrandecesse e virasse “o garoto que previu o acidente”. Por outro lado, se ficasse com a boca fechada, essa poranduba poderia chegar ao conhecimento público por vias desonestas visando apenas os fins lucrativos explorados do entrecho de Jake. Era definitivamente um tiro no escuro, mas não se importava se iria ganhar, apenas pensava no que deixaria de perder.

 

Brandie se afastou um pouco dos pais depois de ver uma família rezando de joelhos num espaço entre o estacionamento e um poste de luz. Ela deu alguns passos entre as pessoas que choravam pelo local para se aproximar até ver um cartaz cheio de mensagens escritas com marcadores coloridos. No centro, a imagem de uma menina jovem sorria ao lado de um balanço de cordas preso à uma árvore. Ela tinha o cabelo alaranjado e rebelde, emoldurando todo o seu rosto. Abaixo dos grandes olhos, pequenas sardas se espalhavam pelas bochechas dando um charme da beleza da menina. A foto captara um sorriso invejável, junto com os brincos de argola e dentes mais brancos do que giz.

— Linda ela. – Uma voz masculina disse ao lado de Brandie. Ele tirou a atenção dela por alguns segundos, mas logo voltou à menina desconhecida.

— Uhum. Era muito linda. – Ela responde.

O rapaz era alto e possuía uma beleza embriagadora. Se rosto parecia desenhado à mão, seus cabelos castanhos pareciam pintados com guache e sua voz era um eco para a luz numa caverna escura. Ele carregava uma mochila de uma só alça, que cruzava seu peito.

— A conhecia? – Brandie pergunta.

— Não conhecia. – Ele embicou os lábios e encarou a garota ao seu lado.

— Eu também não. – Disse sem ele perguntar. – Eu só... Achei ela tão familiar. Ah, sei lá. – Ela não soube explicar. – Sabe aquelas sensações de que parece que você já viu alguém, mas nunca viu de fato?

— Déjà vu?

— É, isso mesmo. Ela me faz sentir isso. – Brandie procura no cartaz a identidade da menina, mas seu nome não lhe trás sentido algum. Não conheço ela, definitivamente.— Desculpa, deve estar achando que eu sou alguma maluca.

— Não. Sem neura, não estou julgando.

— Perdeu alguém? No acidente. – Ela quis saber.

— Na verdade não. Estou aqui acompanhando uma amiga.

— Ah. – Ela entendeu.

— É uma merda quando isso acontece. Ninguém nunca está preparado pra isso.

Ela escuta suas palavras e volta a pensar na irmã.

— Journey Woolery. – Estendeu a mão.

— Brandie Scheer. – Ela apertou e se apresentou.

— Brandie. – Ele repetiu. – E você, perdeu alguém?

 

— Você de novo! – Melissa bufa ao ver Sondra.

— Me desculpe, eu dei o espaço que pediu. – A jornalista começa se explicando logo quando ouve a voz de Melissa, com certa preocupação sobre a garota. – Só queria trocar umas palavras com Jake. – Sondra olha para Jake esperando um apoio, entretanto, ele não se manifesta.

— Você não entendeu o que eu disse da última vez. – Melissa soava calma, nem aparentava estar querendo discutir com Sondra. – Quero que deixe meu namorado em paz. Não queremos falar sobre isso.

— Você que não está entendendo, Melissa. Eu estou oferecendo ajuda.

— Não precisamos da sua ajuda. Estamos bem. – Ela agarra o braço de Jake.

Chris se aproxima com Sierra.

— Tá tudo bem? – Diz ele vendo a expressão no rosto da amiga.

— Está sim. – Jake se pronuncia. – Mel, a Sondra realmente só quer ajudar. Escuta o que ela tem a dizer.

Melissa estranhou. Achou que estava defendendo o lado certo, a privacidade dele.

— Não faz sentido. Nada que te exponha. Não pode deixa-la fazer isso.

— Mel! – Ele pega na mão dela. – Só escuta. Tente compreender.

Ela morde o lábio, mas nada diz.

Brandie chega com Journey ao seu lado.

— O que vocês estão falando? – Ela pergunta.

Chris aponta para Sondra e responde:

— Ela vai contar uma história, eu acho. – Ainda por fora do assunto, ele tenta se encaixar visto que ninguém pretendia explicar o que está acontecendo.

— Meu nome é Sondra Shell. – Ela se dirigiu à Chris, Sierra e Brandie para elucidar suas mentes. – Quero representar a história de Jake na pista Howclover. E, ah... Não os apresentei antes. Esse é Journey Woolery, ele trabalha comigo. – Aponta para o rapaz ao lado de Brandie.

 

 

Josh acariciava as costas da namorada. O casal estava na parte rasa da piscina do hotel. Havia mais uma dúzia de pessoas com eles. Uns sentados nas cadeiras reclináveis, outros nadando. Crianças pareciam extintas ali, o que deixava o lugar mais sossegado. O único som que incomodava, era a conversa entre duas mulheres de, no mínimo, quarenta anos. Na verdade, um monólogo, já que uma delas não conseguia falar e era atropelada toda vez que tentava.

Diana beijava Josh timidamente, com medo de que alguém gritasse “isso não é motel!”, como ouvira já duas vezes no saguão. Ele sorria entre os lábios dela enquanto a loira se arrepiava com os dedos grossos dele massageando a pele debaixo da sua nuca – o que o lhe provocou uma inútil ereção.

— Tô morrendo de fome. – Josh sussurrou no ouvido da namorada.

— Que sexy. – Disse ela com ironia. – Daqui a pouco o hotel serve o almoço. – Ela olha o relógio. Marcava meio dia e quarenta. A área de lazer fecharia para o horário de almoço, meio dia e quarenta e cinco. – Quero fazer uma sauna antes de almoçar. Vem comigo?

— Acho que não. Vou subir e me arrumar. – Disse ele observando as pessoas já se dirigindo à saída. – A gente se vê no restaurante então?

— Tem certeza? Vamos ser só nós dois aqui.

— Não me provoca. Você tá acabando comigo.

Ela assente com um beijo.

Josh sai da piscina, cata uma toalha e uma garrafinha de água que trouxeram.

— Josh, deixa a água pra mim.

Ele obedeceu e seguiu atrás das duas senhoras com uma delas ainda tagarelando sobre um casamento em que houve uma grande tragédia.

Diana o acompanha com os olhos até a saída até reparar numa uniformizada mulher rechonchuda entrando, conduzindo um carrinho de limpeza. Nele há esfregões, panos, uma lixeira de tamanho médio acoplada na parte da frente, e vassouras e rodos presos na lateral. Ela estaciona o carrinho ao lado da pequena escada que leva para a sauna, encostado à parede para não cair – já que uma das rodinhas estava teimando em querer se desconectar do resto da estrutura. Escada curta, com apenas cinco degraus largos de mármore. A mulher se posiciona ao lado do objeto, como um cão de guarda, esperando que todos deixem o local para poder fechar a área.

— Que droga! Ela não vai me deixar entrar. – Fala para si mesma.

A loira sai da piscina, agarra sua garrafa de água e caminha para a pequena escadinha deixando para trás um rastro molhado.

— Moça. A senhora não pode entrar agora, vamos fechar essa área para horário de almoço. – A senhora rechonchuda advertiu calmamente.

— Será que eu não poderia ficar mais uns dez minutinhos? – Diana pediu graciosamente. Seu biquíni acentuava suas curvas angelicais enquanto os pingos a derretiam. Sem perceber ela começou a brincar com a tampa da garrafa nervosamente, a desapertando.

— Lamento. São normas do hotel. Fechamos na hora do almoço.

Diana dá um sorriso malicioso e se aproxima da mulher.

— Gina. – Ela lê em seu crachá. – Por favor. Essa política de deixar a área aberta só noventa minutos antes do horário do almoço é injusta. Eu fiquei com o meu namorado na maior parte do tempo, então não consegui ir à sauna. – Gina revira os olhos cansados. – Vai estar todo mundo em horário de almoço mesmo, ninguém vai perceber.

— Eu posso me prejudicar, senhora.

— E se eu pagar? – Disse Diana, com uma voz sonhadora e suave. – Não que isso seja suborno...

Os olhos de Gina ganharam vida com as palavras de Diana. A mulher estuda Diana de baixo para cima, analisando se ela pode ser confiável. Deixar uma hospede dez minutos a mais na sauna em troca de uma “gorjeta”? Não parecia uma má ideia na cabeça de Gina, uma vez que seu salário sempre foi o mesmo ominoso número em seis anos. Resolveu ceder.

— Vou para o andar de cima. Volto em dez minutos.

— Vinte minutos.

— Está pechinchando tempo comigo? – Ela disse comicamente. Os lábios de Diana desenham um sorriso no canto de sua boca. – Quinze minutos.

Diana estava satisfeita, não precisava mais do que isso.

A mulher deu meia volta e saiu por onde tinha entrado. Diana ficara sozinha segurando sua garrafa. Esperou alguns segundos para ver se era um blefe de Gina, mas parece que ambas entraram num acordo válido.

Desceu os poucos degraus, parando no último com um sobressalto. Um infeliz ruído ecoou nos ouvidos da garota a causando arrepios. Olhou em volta. Tudo o que via era a porta da sauna com um pequeno e circular espaço protegido por algum tipo de vidro. Como uma janelinha.

— Gina? – Ela gritou, mas não obteve resposta.

Ao lado da porta, protegido dentro de uma caixa de acrílico, estava o termostato evidentemente moderno. Quando aberta a área de lazer pela manhã, os funcionários do hotel – ou aqueles que cuidam especificamente dessa parte – ajustam o termostato para 149 °F, trancando, em seguida, a caixa que o envolve.

Mais um passo e aconteceu. A água que escorria de seu corpo fez uma pequena poça em torno de seus pés, imperceptível aos olhos de Diana. Escorregou, lançando sua garrafa para o alto. A tampa se desuniu do objeto decolando num ângulo torto. O líquido foi expelido sinuosamente, acertando a caixa de acrílico e uma parte da porta.

— Que droga! – Diana queixou-se. Ela leva as mãos ao tornozelo. – Ai, merda!

Não estava quebrado, longe disso. À caminho do chão, seu pé atingiu a pedra do degrau, o que deixou uma vermelhidão na área impactada.

Diana se esforçou para levantar e mancando entrou na sauna – já quente. O interior era toda de madeira, assim como os dois simples bancos que ali repousavam. Era bem menor do que aparentava do lado de fora, apesar de não ser possível ver muito externamente. Era uma sauna do tipo seca.

Ela se senta na beira de um dos bancos e analisa seu pé. Fica feliz em ter certeza de que não é nada muito grave, só uma leve contusão. Ela olha em volta. Na porta, o pequeno vidro redondo que permitia ver o lado de fora estava embaçado e no chão, saia vapor por ralos redondos com mais ou menos o mesmo tamanho do vidro da porta.

Ao lado de fora, sobre a caixa de acrílico, uma cavidade de água rasa se formou. O liquido escorria por entre as brechas nas dobras, pingando sobre o aparelho e molhando o termostato. Faíscas iluminaram o interior por milésimos de tempo, alterando o controle. 158°F.

 

Jake sentia a água fria cair sobre sua cabeça. Ele passava o sabonete pela quinta vez no abdômen sem perceber. Encarou os azulejos na parede, pareciam estar suando, o que lhe parecia estranho e improvável já que a água estava fria.

— Jake, não demora. – Melissa abriu a porta do banheiro para avisa-lo. Eles tinham combinado de se encontrar com Chris e Sierra para almoçar num restaurante mais afastado da cidade que a amiga descobrira recentemente. O cardápio do local era inteiramente composto pela cozinha japonesa, paixão de Melissa e Chris. Combinaram de ir conhecer o novo restaurante na noite anterior, no memorial, após se separarem da dupla Sondra e Journey. Algo neles fazia Melissa se sentir desconfortável.

 

Memorial. Diana ficou um pouco arrependida de não ter comparecido. De não ter dado apoio a Brandie, sua amiga. Ela perdeu Marcie. Eu devia estar prestando solidariedade para com minha amiga. Eu deveria. Diana se castigava. 167°F.

Ela passa a mão pela testa, acumulando uma quantidade assombrosa de suor. Sua respiração fica ofegante. As paredes de madeira pareciam encolher ao meio nebuloso. A garota bamboleava a cintura para que a pele de suas nádegas desgrudasse do assento.

O carrinho de Gina, no topo da escada, cede para o lado em que a rodinha está danificada. Inclinando na parede ligeiramente. 176°F.

 

Jake ergue a cabeça para retirar o sabão de seu rosto. Seus olhos saltaram quando percebeu o vapor subindo da água do chuveiro. Subindo da água do chão. Saindo dos azulejos nas paredes. O vidro do boxe se polui com o vapor e goteja de modo alentado.

— O que? – Diz involuntariamente. – Que porra é essa?

Ele se coloca debaixo da água para ter certeza da condição de sua temperatura. Certo, como ele tinha posto quando entrou. Água fria, banho frio. Da onde está saindo isso? Pensa olhando para todo o vapor que o boxe está concentrando. Ele sente o copo quente, seu sangue ferve lentamente.

 

— Caramba! – Diana mexe no biquíni para descola-lo da pele. O suor é expelido pelos seus poros como se um balão de ar cheio de água fosse furado. Ela se abana freneticamente enquanto tenta secar o suor sob os olhos. 185°F.

O pé do banco em que está sentada se encontra apoiado justamente sobre um dos ralos. Os quais liberavam o vapor. A loira respira pesadamente e tosse. 194°F.

— Nossa! Isso tá muito quente. – Ela se prepara para levantar quando o pé do banco rompe a gradezinha e descai no pequeno buraco, estacando numa posição estranhamente torta. – Ah! – Ela se levanta antes que pudesse escorregar pela madeira. Além do vapor, que ainda escapava da abertura, fumaça preta subia em conjunto. Ela previu o que estava prestes a acontecer, porém foi mais rápido que qualquer atitude que Diana poderia ter tomado. Fogo subiu pelo pé de madeira do banco, iluminando a sauna escura. As paredes tomaram cor como se estivesse sendo refletidos milhões de piropos à uma luz intensa. 203°F.

A garota ficou hipnotizada pelas chamas que iam crescendo. Preciso sair daqui! As labaredas chiavam e dançavam sobre a madeira.

A roda do carrinho de limpeza finalmente inadimpliu, fazendo o grande objeto resvalar pela parede e cair na beirada da escada. O peso incidiu em um dos lados, o que fez o mesmo deslizar escada abaixo, acertando a sauna e se estabelecendo entre a porta e o último degrau.

Diana azafamou na direção da única passagem para o lado de fora, mas algo estava estranho. Ela não abria. Pelo pequeno vidro da porta, ela podia ver o pedaço de um grande objeto branco. Não o reconhecia, mas percebeu que aquilo, seja o que for, estava bloqueando a saída.

— Não! Não! – Ela empurrava com mais força.

O fogo subia cada vez mais. A fumaça negra invadia o lugar como uma nuvem numa noite de tempestade.

— Alguém me tira daqui! Tirem-me daqui! – Ela batia incessantemente na porta. – Socorro! – Podia sentir o sangue vertendo de suas mãos enquanto golpeava a pequena janelinha de vidro. – Aah!

 

Jake saiu do boxe ainda estranhando o que acontecera ali dentro. Enxugava os cabelos com a toalha. O vapor parecia mais quente, sentiu soar debaixo das orelhas. Encarou o espelho sobre a pia. Embaçado.

— O que está acontecendo? – Disse baixinho para si.

Passou a mão pelo objeto úmido e deu um pulo ao ver sua imagem. Seu rosto estava vermelho. Muito vermelho. O tocou instintivamente, mas não o sentiu cálido. Estava gelado como a água de seu banho.

— Jake! – Melissa entrou novamente. – Se apresse, amor. – Pediu quase miando. — Sabe como a Sierra fica quando está com fome.

— Melissa, espera. Não sai. – Ele fala antes que pudesse fechar a porta. – Olha isso. – Ele aponta para o espelho.

A loira se aproxima até ficar ao seu lado. Ela estava arrumada. Uma blusa rosa pó de visco crepe, que se harmonizava com a minissaia preta. Os cabelos loiros estavam presos num rabo de cavalo e lábios tão vermelhos quanto cerejas durante o verão.

— O que? – Ela parecia confusa.

Jake olhou novamente. O espelho estava à sua frente, nele refletido o seu corpo nu e molhado, ao seu lado Melissa vestida num visual categórico. Sem pingos escorrendo ou vidro embaçado. O que? Como assim? Ele olha em volta, no boxe principalmente, e nada estava como um minuto atrás.

— Jake, o que foi? Olhar o que?

— Err... – Ele passa a mão no cabelo úmido. – Nada. Deixa.

Ela dá uma risada ainda tentando entender, mas logo desiste.

— Se enxuga. Não demora. – E sai.

 

O fogo consumiu parte da sauna. Línguas em chamas ricocheteavam a pele das costas de Diana – que, agora, estava colada à porta tentando ficar longe das chamas. Ela batia no vidro com esperança de quebra-lo. Sentia sua pele derretendo, como a cera de uma vela acesa. Seus músculos moíam sob a temperatura. Seus olhos ardiam tanto que lágrimas pulavam como um chafariz, podia senti-los desgrudando do rosto. O cheiro de cabelo queimado seria insuportável se Diana conseguisse reparar nesse detalhe.

— Josh! Gina! Me tirem daqui. Me tirem. Ah!

Os gritos de Diana eram abafados pelo calor.

Labaredas passavam por baixo dos pés da loira, fazendo-a dar saltinhos. O fogo está chegando perto. Pensou. Gritava desesperadamente. Não tinha coragem de olhar para trás ou sequer parar de gritar, só pensava em sair daquele lugar.

— AH!

O vidro começava a rachar. Com um só golpe, ela o poderia quebrar. As chamas tomaram conta de todo o piso dentro da sauna, Diana estava absorvendo o ardor pela sua superfície. Sentia o fogo atravessando sua pele, comendo sua carne, engolindo seus músculos e alcançando seus ossos.

Ela juntou as forças que ainda restava em seu corpo e acerta o vidro pela última vez. Pá! Ele se despedaça em cacos. Só precisa gritar e esperar que alguém a ouvisse. Ou visse a fumaça.

— AH! – Grita o mais alto que podia até fazer sua garganta sangrar.

O fogo devora todo o interior da sauna. As brasas escapam pelo vidro quebrado, onde apenas o braço de Diana estava pendurado para fora. Um membro de um corpo esbraseado e, agora, sem vida.

 

I see the truth you're hiding

I look at you and I just died in your eyes

Before I start crying, give me a reason for trying

The one thing that keeps me alive

I just died in your eyes

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

☠ - E o que acharam da minha homenagem? Não chega nem aos pés, mas foi algo que eu sentia que precisava fazer. Já tem um nome riscado da lista.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Premonição: Congelados" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.