Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 10
A ambição do investigador


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridas leitoras, caros leitores!
Vamos a mais um capítulo desta história e hoje voltamos ao inspetor-chefe do FBI, John Aldo Poleris.
Estão bem sentados? Confortáveis? Pois precisam, pois este capítulo traz muitas surpresas.
Eu e a AnnieWalflarck agradecemos a vossa leitura!



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O som irritante penetrou-lhe os ouvidos como se os tímpanos estivessem a ser perfurados por algo aguçado. Ele alçou o braço pesado de sono e tateou à procura do culpado pelo ruído ensurdecedor que o tinha arrancado tão repentinamente de um lugar calmo e quente, onde ele tinha podido, por fim, descansar sem remorsos.

Não sabia que estava tão cansado, nem sequer iria aceitar que a fadiga era de tal ordem esmagadora que precisava de dormir de uma forma tão completa – sem sonhos, sem conhecimento de onde se encontrava, sem receio de estar vulnerável. Ele não gostava de admitir as suas fraquezas, embora as tivesse como qualquer um dos meros mortais. Apreciava os apodos que indicavam que ele era super-humano. Se infundia temor, este vinha sempre antes do respeito e ele queria, acima de tudo, ser respeitado para poder completar a sua agenda sem entraves desprezíveis.

Estava numa cama – e mais estranho, estava na sua cama. Reconheceu o odor dos lençóis por lavar que retinham os perfumes estafados do seu próprio suor. Tinha de fazer uma cama de lavado, mas nunca arranjava o maldito tempo e, convenhamos, as tarefas domésticas ocupavam pouquíssimo tempo no seu esquema diário de prioridades.

Pois o que era estranho era como tinha ido ele chegado ao seu apartamento, quando não se recordava de ter conduzido da agência até ali. Nem se lembrava de ter entrado no carro, nem tão pouco de ter aberto a porta, de ter ido até ao quarto e de se ter deitado.

A mão calcou no despertador, só que o barulho prosseguia. Alguma coisa caiu ao chão e ele supôs que tivesse sido o candeeiro.

Gemeu quando entreabriu uma pálpebra pesada e viu que o despertador estava calado. O barulho vinha de outro lado. Soergueu-se aborrecido e olhou em volta. As persianas estavam corridas até metade e através da janela passavam faixas de luz indicando que a manhã chegara ao auge.

Praguejou ao saltar do colchão e tropeçou nas roupas espalhadas pelo quarto quando tentou avançar até a porta da rua, percebendo finalmente que o barulho vinha da campainha que soava estridente porque alguém estava a carregar nesta, chamando-o insistentemente.

Reparou, numa rápida avaliação, que dormira vestido. A camisa estava amarrotada e as calças torcidas em redor dos tornozelos. Tivera o bom senso, contudo, de tirar os sapatos. As meias cheiravam mal e despiu-as, atirando-as para o canto do quarto. Foi descalço até à porta, penteando os cabelos com um gesto rápido feito com a mão esquerda.

— Estou a ir! Estou a ir! – exclamou zangado à impaciência que alguém demonstrava do lado de fora.

Quando Poleris abriu a porta do seu apartamento deparou-se com Eric Crowe que carregava ainda no botão da campainha. O seu assistente levantou o dedo e o barulho, finalmente, terminou, para alívio da cabeça latejante do inspetor-chefe do FBI. Entortou o sorriso e cumprimentou com uma alegria deslocada:

— Bom dia, chefe! Perdeu a hora…

Ele revirou os olhos com a sua falta imperdoável. Detestava que o viessem acordar a casa, coisa que nunca tinha acontecido. Tentou lembrar-se se realmente nunca tinha acontecido e concluiu que aquela era a primeira vez que o vinham buscar à cama e sentiu-se miserável. Resmungou:

— Parece que me deixei dormir. Que horas são?

— Dez e meia da manhã, chefe.

— Porra! – Encaminhou-se apressado para a minicozinha que se separava da sala através de um balcão desarrumado, pejado de louça usada de jantares anteriores. – Queres café?

— Pode ser. Eu fico à espera enquanto se despacha, chefe. Hoje tínhamos um interrogatório, lembras-te?

Na verdade, ele não se lembrava. Ligou a máquina do café com uma sensação crescente de pânico e de incerteza. A sua mente, por ter sido acordado de uma forma tão rápida e violenta, ainda não estava totalmente desanuviada. Por outras palavras, não se sentia desperto, em pleno controlo das suas capacidades. O seu instinto estava a lançar-lhe avisos dispersos que ele não conseguia entender.

— Como não apareceste na agência, nem atendias o celular, resolvi vir ver o que se passava. Acreditei que estivesses a dormir…

— Não é normal! – avisou ele, irritado. – A noitada de ontem deve ter sido demasiado pesada… o que é estranho.

Sim, muito estranho, pois não me lembro de ter ficado de tal ordem cansado para desfalecer sem memória do que aconteceu até ter chegado a casa e ter apagado, pensou, aumentando a sua irritação.

Resolveu indagar o assistente, casualmente, para não levantar suspeitas sobre a sua desorientação.

— O interrogatório… Não o deixei passar, pois não?

— Não, chefe. Eu não deixaria que isso acontecesse.

— É por isso que te pago, Crowe, para seres eficiente. – E a seguir pensou desolado, Onde eu não estou a ser eficiente. Merda! O que se passou comigo?— Ainda o caso do cientista?

O silêncio de Crowe fez que ele se voltasse. A máquina começou a borbulhar, enchendo o jarro de vidro de café acabado de filtrar. O perfume forte encheu o exíguo apartamento que estava desarrumado e com evidente falta de limpeza, o típico apartamento de um homem sozinho demasiado empenhado na sua carreira.

Poleris fez uma carranca, que fez Crowe reagir. Começou a explicar:

— Eh… Chefe, o interrogatório tem que ver com aquele barão da droga que engavetámos na semana passada. O Chico Jiménez… Temos duas testemunhas seguras, que devíamos interrogar hoje, que são capazes de ligar os negócios do Jiménez aos “Sentenciados”. O dinheiro da droga é usado para financiar o grupo. É uma excelente pista.

— Quero lá saber do Jiménez! – exclamou Poleris num grito, lançando os braços ao ar. – O homicídio do cientista é mais importante! E esse caso também se liga aos “Sentenciados” e muito possivelmente ao Vog. Esse Jiménez é arraia miúda… Uma distração, Crowe. Uma distração! Eu não tinha enviado o Harris para esses interrogatórios do caso da droga? Se não o fiz, devia tê-lo feito. Avisa o Harris que vá interrogar essas testemunhas… Agarra no celular e faz o telefonema. Nós estamos com o cientista.

— Que cientista, chefe? Que... homicídio?!

— O O’Brian! – gritou Poleris. Gesticulava como um louco, cada vez mais zangado. – E aquela secretária, a Scott, que teve um ataque cardíaco na sala de interrogatório e que também acabou por morrer! Duas mortes e aquela merda baralhou-me o juízo de tal maneira que acabei por dormir demais. Que porra!

Pela expressão baralhada de Crowe, Poleris percebeu que o assistente não estava a compreender nada. Acalmou-se, respirando fundo. Agarrou num par de canecas, passou-as por água para limpá-las da sujidade da anterior bebida que aí tinha sido servida e encheu-as com o café que acabara de fazer. Estendeu a primeira a Crowe e bebeu um grande gole. A cafeína aqueceu-lhe o estômago, estimulou-lhe a corrente sanguínea, limpou-lhe o cérebro. Enquanto bebia olhava para Crowe por cima do rebordo da caneca. O outro continuava estático e confuso, sem tocar no seu café. Por respeito, e somente por respeito, não adotava uma atitude condescendente.

Poleris pousou a caneca quando achou que tinha bebido café suficiente, quando se achou mais calmo e explicou, em jeito de resumo do caso que ele mencionava:

— O cientista da empresa “Bionics” Terris O’Brian foi assassinado, ontem à noite, numa sala do Call center da empresa “Investimentos & Segurança”. Houve uma testemunha, uma secretária dessa empresa chamada Amanda Scott, que foi tida posteriormente como a principal suspeita do homicídio. Segundo o depoimento da secretária, foi um homem com a alcunha de Charles Big que matou o cientista. Mais tarde, a secretária acabaria por ter um enfarte na sala de interrogatório e morreu, apesar de o socorro ter chegado muito rapidamente. Temos dois cadáveres em mãos e um bilhete ensanguentado com o nome do grupo “Sentenciados”.

A confusão de Eric Crowe não diminuiu, pelo contrário. Tornou-se mais acentuada e Poleris compreendeu que não podia perder as estribeiras. O mistério era de tal magnitude que ele precisava de todo o seu sangue-frio para deslindar o que raio se estava a passar naquela situação.

Por outro lado, sentiu uma espécie de alívio excitado ao perceber que a ignorância de Crowe em relação ao caso do homicídio do cientista poderia esclarecer a sua inexplicável presença no seu apartamento, a dormir ferrado até perto das onze da manhã, quando a última recordação que tinha se relacionava com o seu assistente a dizer-lhe que a mulher, a tal de Amanda Scott, estava a ter convulsões na sala de interrogatório. Depois era como se tivesse desmaiado e tinha acordado naquela manhã, em casa após o desmaio, com o som da campainha a ecoar pela casa.

Poleris pediu:

— Diz o que pensas, Crowe. Estou a ver, pela tua cara, que julgas que andei a beber ontem à noite e que inventei esta história toda.

— De facto, chefe…

— Mas?...

Crowe ficou sério:

— Mas não te estou a ver a inventar isso tudo… Nem que tivesses bebido uma garrafa inteira de vodca ontem à noite. Alguma coisa aconteceu… Eu não consigo encontrar uma explicação lógica, no entanto acredito que ela exista. De momento o que sei, a minha verdade é que não aconteceu nenhum homicídio ontem à noite, nem estivemos na agência a acompanhar uma secretária que acabou por morrer numa das nossas salas de interrogatório. Saímos a uma hora tardia, ainda a tempo de jantar, lembro-me que te convidei para uma refeição mexicana rápida e que recusaste, dizendo que estavas cansado… Fomos cada um para casa. – Fez um movimento amplo com o braço, café ainda por beber. – Estás na tua casa, chefe.

A confiança que o assistente depositava nele era admirável. Isso deu novo alento a Poleris. Bateu com a mão uma na outra e anunciou:

— OK, espera aqui por mim, Crowe. Vou tomar um duche rápido e iremos já para a agência. Esquece o Jiménez, como te disse, encarrega o Harris dessas testemunhas que era suposto interrogarmos hoje… Nós vamos ter outro trabalho para fazer.

— Que trabalho, chefe? – perguntou Crowe a vê-lo passar em direção ao quarto, onde se situava o banheiro minúsculo.

Poleris gritou, abrindo a torneira. A torrente de água respingava no chão ladrilhado.

— Vamos chamar à agência o cientista e a secretária!

O espanto era notório na voz de Crowe:

— Os dois mortos?!

Uma gargalhada de Poleris aligeirou a tensão.

— Sim, os dois mortos! – Acrescentou numa voz alta, para se fazer ouvir através do som da água a cair: – Depois de falares com o Harris descobre-me como contactar essas duas almas penadas. Terris O’Brian, cientista da “Bionics”. Amanda Scott, secretária de direção da “Investimentos & Segurança”. Já te dei os elementos principais para que os contactemos. Agora, faz tu o resto!

Quando entraram na agência, Poleris já se revestia do seu costumeiro vigor. Andava apressado, como um vendaval, ignorando os cumprimentos atabalhoados que lhe desejavam um bom dia, ora tímidos, ora provocadores, ignorando os olhares censuradores pela sua atitude arrogante. Crowe seguia no seu encalço, gravando as reações que o seu chefe provocava. Era muito útil ser um mero observador numa selva pejada de adversários. Ele era ambicioso e gostava de se movimentar à vontade, possuindo todas as armas que podiam ser arremessadas mais tarde, para derrubar qualquer inimigo que lhe quisesse passar uma rasteira. Poleris era um superior intratável, mas ao menos recompensava a lealdade com uma proteção à prova de fogo. Enquanto se mantivesse fiel a Poleris, Crowe sabia que a sua promoção estava garantida.

Na agência, segundo o último telefonema que Crowe fizera, já lá estavam a aguardar, em salas separadas, as duas personagens que foram intimadas judicialmente a comparecer no FBI para serem questionadas. Seria uma sessão de perguntas de rotina, relacionadas com uma investigação secreta do Bureau, assim lhes tinha sido explicado para não levantar suspeitas ou medos. Amanda Scott e Terris O’Brian estavam na agência e provavelmente iriam achar a história de John Aldo Poleris, no mínimo, risível, mas seria interessante acompanhar o questionamento, para perceber o que conseguiria Poleris apurar.

Na barafunda habitual da agência, em que havia um corrupio constante de pessoas apressadas, cada caso era tratado com a máxima urgência e prioridade, não podia haver descanso no que tocava ao combate do crime, destacava-se um homem inteiramente vestido de preto, junto ao balcão onde se fazia a receção dos visitantes. Já tinha passado pela burocracia pois exibia na lapela do casaco de corte caro o cartão que o identificava nessa qualidade. Um visitante.

Crowe, que estava híper atento, reparou nele. Poleris, que se movia cheio de adrenalina, com os sentidos focados nesse estranho caso de um homicídio aparentemente inexistente, não se apercebeu do sujeito que o fixava com certa avidez.

Até que a voz dele soou, calma e persuasiva.

— Inspetor-chefe, bom dia. Estou à tua espera. Precisamos de conversar.

Poleris nem olhou para o homem moreno que o tinha interpelado. Escutou-o, contudo, porque disse de raspão e indiferente:

— Marque uma entrevista. Sou um homem muito ocupado. E neste momento não tenho tempo.

— Creio que gostarás de saber o que te tenho para contar, John Aldo Poleris.

A excessiva familiaridade irritou o inspetor-chefe que estacou. Girou sobre os calcanhares e encarou o moreno com um olhar mortífero. O seu lábio superior arrepanhou-se de raiva e o outro percebeu como fora inconveniente. Ou fingiu perceber. Fez uma vénia, gesto pouco comum, uma cortesia excessiva e até zombeteira, e apresentou-se:

— Hugo Black ao teu dispor, senhor inspetor-chefe. – E acrescentou, para justificar a sua intromissão num registo pouco educado: – Tenho informações sobre o caso do cientista Terris O’Brian e da senhorita Amanda Scott.

Poleris crispou a testa. Retomou a marcha, levantando um braço para Black:

— Venha ao meu gabinete, por favor.

Eric Crowe continuava a observar tudo, atento e desconfiado.


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Notas finais do capítulo

E estamos perante outra linha temporal! Onde nada aconteceu...
O Poleris, no entanto, atravessou as duas linhas, por isso se lembra do assassinato do cientista e da acusação à secretária e está numa realidade onde isso não aconteceu - quem anda a manobrar tudo isto? E com que propósito? E por que razão o Poleris foi escolhido para se lembrar?
Com o Hugo Black a querer falar com o Poleris, podemos perceber que estamos, neste momento, num imenso jogo do rato e do gato.

Na semana que vem voltaremos ao Terris e à Amanda. A fuga é, neste momento, a sua melhor hipótese e eles vão tentar fugir.

Próximo capítulo:
Nova identidade.



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