Sentenciados escrita por André Tornado, AnnieWalflarck


Capítulo 1
Amanda Scott


Notas iniciais do capítulo

É com um enorme prazer que eu e a AnnieWalflarck apresentamos esta história, "Sentenciados".
Acreditamos que vos vai prender do primeiro ao último capítulo e que se irão apaixonar pelas personagens que desenvolvemos com muito carinho.
A companhia dessas personagens enquanto escrevíamos esta história foi incrivelmente satisfatória e desafiante e jamais nos iremos esquecer de toda esta experiência.
Aqui teremos um Português simbiótico, com sabor a Brasil e a Portugal.

Então, sem mais delongas, boa leitura!



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Naquele dia o tempo não estava chuvoso, frio ou ensolarado. Apenas se via das imensas janelas do escritório da empresa, situado na Rua 21.ª, um aglomerado de nuvens espessas que tornavam o tempo estranho.

Era mais um dia dentro daquelas imensas estruturas espelhadas cheias de movimentações constantes e monótonas, dia após dia, semana após semana. Sons de telefone, clipes de papéis, máquinas fotocopiadoras expelindo folhas recém copiadas, murmúrios, cadeiras arrastando sobre rodinhas e conversas paralelas.

Só o tempo no exterior parecia anormal.

Já na parte interna, tudo parecia na mais perfeita ordem em mais um dia de trabalho para Amanda Scott. Ela nem prestava atenção às nuvens do exterior, se fazia calor ou frio, o ar condicionado climatizava o interior e fornecia uma temperatura constante bastante agradável. As suas rotinas prosseguiam sem sobressaltos. Atender ligações, anotar recados, marcar reuniões, as tarefas típicas de uma secretária de alta direção. Basicamente, auxiliar o chefe em seu enfadonho e infernal dia naquele escritório com um persistente e enjoativo aroma a flores proveniente do desinfetante. Ela odiava o cheiro, mas já tinha encontrado uma forma de ignorá-lo. As dores de cabeça eram corrigidas com comprimidos e o foco no trabalho distraía-a do odor irritante.

Havia mais de uma hora que Gaio Malone, o seu chefe, estava ao telefone com um cliente, explicando o mesmo assunto pela quinta vez. A moça sentia-se na obrigação de admirá-lo por tamanha persistência, ainda que o homem em si fosse um tremendo babaca. Porquê? Porque a paciência e as boas maneiras só se restringiam aos seus clientes. Os seus funcionários eram presenteados por mudanças repentinas de humor durante o expediente. Exigências, pressões, piadinhas, berros, até insultos. Elogios, nem vê-los…

O telefonema terminou.

— Abigail? – Gaio chamou-a.

— Sim, senhor? – respondeu a moça levantando a cabeça. Era notável como tentava sorrir do melhor modo, porque odiava quando ele a chamava de “Abigail”.

Sim, esse era outro motivo porque o achava antipático… O seu nome era Amanda e já havia cansado de repeti-lo vezes sem conta… Chegou até a ser repreendida por estar a chamar o chefe à atenção com certa petulância e ela percebeu que não devia insistir mais. Precisava daquele emprego e quando se precisa de alguma coisa, fazem-se algumas cedências…

Acontecia que o senhor Gaio Malone tinha a mania de inventar nomes para tratar os funcionários, pois dizia que era ocupado demais para se lembrar dos nomes de todos, mesmo daqueles que trabalhavam mais próximos dele – vinte e quatro horas, praticamente. Então, olhava para as caras de cada um e dava os nomes que achava que correspondiam às linhas dos rostos que decifrava. E ela, mesmo que detestasse esse nome por fazer-lhe lembrar uma tia velha que lhe dava beliscões quando a ia visitar para uma tarde de chá com a mãe quando era criança, era Abigail.

Não se podia queixar, pensava ela. Não estava tão ruim assim, apesar de tudo, porque mesmo o trabalho sendo um saco, mesmo precisando daquele posto, ao menos o que Amanda ganhava permitia-lhe ter uma vida confortável, embora socialmente reduzida a pó... 

Na lista de motivos para suportar aquele emprego estava, sem dúvidas, a continha semanal recebida e ser chamada por um nome diferente uma vez ou outra não era tão insuportável assim... Mesmo o nome da tia Abigail dos beliscões…

— Hoje ficará até mais tarde – informou o chefe de modo repentino. – Preciso que termine um relatório que vou usar na minha reunião das seis da manhã – exigiu ele desapertando sua gravata, soltando o ar pela boca ruidosamente. Ela escutou a cadeira chiar com o peso dele, que se tinha recostado, provavelmente a pensar no telefonema chato com o cliente.

Amanda sabia que as seis da manhã… eram do dia seguinte. Consultou a agenda só para se certificar da sua tremenda má sorte! Mas sabia a agenda do chefe de cor, pelo que o gesto foi mesmo como um golpe acrescentado à dor que sentiu por todo o corpo. Ficou zangada.

Por mínimos segundos Amanda quis enfiar o seu salto na garganta do moreno ou estrangular o pescoço avantajado do senhor Gaio Malone com a gravata vermelha, pois havia emitido uma ordem repentina como se ela não tivesse vida além do escritório. Embora em parte não tivesse... Isso não significava, porém, que queria passar sua vida toda trancafiada em uma sala na frente de um computador.

— Tudo bem, senhor – resolveu responder.

— Não esperava uma resposta negativa, Abigail.

Assentiu escondendo os instintos agressivos, porque lembrou-se de todas as razões para estar naquele escritório a servir um chefe ditador. Se saísse dali não conseguiria encontrar um emprego tão cedo como secretária. Não tinha formação superior e Gaio Malone não lhe escreveria uma carta de recomendação. No máximo acabaria talvez a servir mesas numa loja de Cheesecake.

 

(...)

Quando conseguiu livrar-se finalmente do maldito relatório, no relógio eram onze e quarenta em ponto. Precisava sair logo, não teria muito tempo para descansar, ela sabia. Teria de estar de regresso ao escritório às cinco e meia da manhã para preparar a sala de reuniões. Se havia coisa que Gaio Malone exigia era pontualidade e se a reunião era para acontecer às seis da manhã, iria acontecer às seis da manhã. No mesmo relógio onde ela via que faltava pouco para a meia-noite.

— Ai, como odeio minha vida! – resmungou sozinha entre quatro paredes, soprando a franja longa do cabelo acastanhado e ondulado, que lhe tinha escorregado pela face.

Então se colocou de pé pegando a bolsa preta no braço da cadeira de couro pronta para ir embora. Deu uma última olhada nas cópias deixadas sobre a mesa de vidro que ocupava, onde o único toque pessoal era uma foto sua com seu gato raiado que tinha por nome "Prejuízo" e saiu da sala.

Assim que fechou a porta escutou um som de algo sendo derrubado na sala comum onde ficavam vários terminais de computadores e onde funcionava o Call Center da empresa.

Seu coração deu um salto por um momento, seu sangue gelou, a garganta secou. Muniu-se de coragem, mesmo tendo as mãos a tremer e os joelhos fracos e começou a andar com extrema cautela. Dava passos curtos na direção onde sabia que algo ocorria.

Escutou duas vozes logo em seguida dialogando de modo bem alterado.

— Não! Eu estou dizendo que não farei mais isso. Diga ao Gartix que não trabalhei minha vida toda neste projeto para ele simplesmente querer usá-lo de modo tão leviano – comunicou a primeira voz.

— E achas que vais ter possibilidade de sair? – indagou a segunda voz, grave e tonitruante.

— Não me interessa! O projeto é meu e eu lhe darei o uso que achar apropriado. Existe a ética!

— Não tens escolha. És patético se pensares que podes simplesmente dar ordens ao Gartix.

— E ele pode dar-me ordens?

— O dinheiro é dele!

Escondida, Amanda aproximou-se silenciosamente. Parou atrás da porta entreaberta e espreitou.

A primeira voz pertencia a um homem de cabelos ruivos bem penteados, alinhados perfeitamente para trás com uma camada de gel que reluzia na única luz que permanecia ativa na sala do Call Center.

Nunca o havia visto antes, até aquele dia, mas sabia quem era o segundo homem que estava a dialogar com o desconhecido. Ele era do setor de cobrança, até onde a memória favorecia-lhe. Lembrava-se que era tratado por "Charles Big", um apelido, que ganhou por causa da sua aparência imensa e monstruosa que o fazia parecer um lutador de MMA. Era dele a voz poderosa, que fazia estremecer tudo como um trovão.

E pelo modo como o colega de trabalho olhava para o segundo homem dava legitimidade ao apelido, porque o ruivo parecia em desvantagem como se fosse uma pequena barata diante da aproximação de Charles Big.

— É o seguinte, anãozinho – comunicou o gigante moreno. – Se o chefe paga, o chefe é quem manda. E você… – ele pousou o indicador no peito do sujeito empurrando para trás e ordenou com intimidação: – Acata, tampinha.

— Pois eu digo que estou fora desse negócio – falou o ruivo cheio de coragem, pois não parecia nem um pouco intimidado com Charles Big, por mais que este fosse um homem muito maior do que ele.

— Essa é sua palavra final, Terris? – perguntou Charles, endireitando-se.

— Sim – afirmou o ruivo categórico, sem pestanejar.

Foi tudo muito rápido. Amanda viu Charles Big sacar uma arma do cinto e apontá-la para Terris. Sustentando a mira na testa do ruivo e exigindo:

— Passe o resto do seu projeto. Sei que está aí, no pendrive. Nunca andas sem o projeto, por causa… dos perigos!

— Nunca! – replicou Terris em uma voz dura. – Não farei isso jamais e se quiser terá de atirar em mim.

Amanda sentiu um arrepio correr-lhe a espinha. Ela estava com mais medo de Charles Big do que Terris demonstrava ter. Seria aquele sujeito um completo louco ou apenas havia uma imensa certeza que o gigante nunca apertaria aquele gatilho? Talvez por o projeto não ser nada sem ele… Normalmente os criadores deixam armadilhas para que o seu trabalho não seja decifrado facilmente e eles sejam indispensáveis para a sua conclusão.

— Não está me dando outra opção. – Charles Big sorriu maléfico com suas palavras como se sentisse prazer por dizê-las.

Os olhos do moreno cintilavam com a certeza de que aquilo não era uma mera ameaça ao ruivo. Ele estava falando mais sério sobre tirar a vida do homem. Porém, o ruivo continuava a encará-lo sob uma máscara de segurança que mostrava que aquilo para ele não era uma opção. Havia um segredo qualquer...

— Últimas palavras? – pediu Charles fazendo soar um estalo indicando que a bala havia deixado o pente e que tinha percorrido o cano interior para se encaixar na posição de disparo.

— Vai se arrepender – afirmou Terris. – Mas depois será demasiadamente tarde. Eu já não estarei para consertar o que quer que seja…

— Vamos correr esse risco. Adeus! – finalizou Charles, apertando o gatilho.

Amanda levou as mãos à boca para abafar o grito. Viu o homem ruivo que se chamava Terris ser executado com três tiros à queima roupa que lhe rasgaram a cabeça em curtos segundos. Sentiu ânsia de vômito pela cena escabrosa, mas o desespero indicou uma ação ridícula e instintiva que foi mais forte que a primeira. Fugir dali!

Então, ela correu para longe da sala do Call Center em direção às escadas de emergência, fazendo seu corpo reagir à custa da energia liberada pela adrenalina. Sabia que Charles Big não iria querer deixar testemunhas do crime e Amanda teve a impressão de que ele a tinha visto quando desatou a correr.

Estava certa e o seu coração bateu com mais força contra as costelas.

Escutou os passos apressados do gigante moreno logo atrás. Cruzou a porta basculante da saída de emergência e trancou-a rapidamente. Os dedos estavam trêmulos no engate quando sentiu aquele primeiro pontapé que o homem deu sobre a porta, na tentativa de arrombá-la. 

Ela recuou. Sabia que aquilo não deteria Charles Big por muito tempo. Continuou pelas escadarias metálicas, descendo os degraus aos tropeços por causa dos sapatos de salto alto pontiagudos que usava. Como percebia que não ia conseguir escapar-se assim, parou por mínimos segundos e descalçou-se com agilidade no terceiro patamar que atingira.

Estava muito assustada, mas ainda assim procurou ter a mente desanuviada e pensar no que estava a acontecer. Deduziu que poderia ser pega em outro acesso, não sabia se daria tempo, não sabia se atingiria a saída antes que Charles Big a encontrasse. Ele podia usar os elevadores que eram bastante mais rápidos e apanhá-la no último piso. Seria melhor voltar à sala, se esconder e encontrar ajuda?

"Ajuda…", repetiu para si mesma.

Enfiou a mão na bolsa e, tateando, encontrou o seu celular. Digitou na imensa tela o número da polícia. Olhava para cima. Olhava para baixo. As escadas de emergência estavam solitárias, ela era a única ocupante. Charles Big não voltara a pontapear a porta.

— Alô... – respondeu nervosa, quando a telefonista atendeu do outro lado da linha. – Por favor, encontro-me no prédio da "Investimentos & Segurança", na Rua 21°. Estou no vigésimo segundo andar... Há um homem aqui com uma arma e ele assassinou uma pessoa na sala de Call Center. Por favor – insistiu em desespero. – Preciso de ajuda!

Estava a denunciar um segurança da empresa, um suposto colega que conhecia, de vista, de reputação, mas não se importou. Vira um crime, o homem estava armado e era perigoso. Queria salvar-se, queria sair daquela situação complicada. Falou tudo de seguida, aflita, nem escutou o que a telefonista lhe dizia.

(...)

Resolveu esconder-se noutro lugar. Talvez se regressasse ao andar dos escritórios… Ela conhecia bem o local onde trabalhava, sabia que havia ali esconderijos que podia utilizar, uma arrecadação, num dos compartimentos dos colaboradores. Então subiu as escadas numa corrida, destrancou a porta e voltou a correr. Estava tudo demasiado silencioso.

Pela rota que tomava precisou de atravessar a sala onde Terris jazia morto. Respirou fundo. O cadáver estava rodeado de sangue que molhava o chão. Ela ia para desviar o olhar, mas reparou em algo peculiar. Próximo ao corpo havia uma peça brilhante e metálica.

Depois de observar de forma muito breve, Amanda viu que era um relógio, provavelmente o relógio que Terris usava. A parte da pulseira estava rasgada, mas o mais estranho não era aquilo. Constatou que ao lado do objeto, a mão estirada do ruivo segurava um pedaço de papel.

Olhou para os lados, aguçou os sentidos.

Precisava de provas contra Charles Big. Não pensou que poderia estar a agir mal, ao contaminar um local do crime e a recolher evidências indevidamente.  Então agachou-se, agarrou no relógio e no pedaço de papel que se manchava com sangue fresco. Desdobrou a folha para verificar sua validade e em uma caligrafia minuciosa encontrou a palavra que fez seu coração acelerar.

Sentenciados”.

Não era esclarecedor, não dizia muita coisa, no entanto ela tinha escutado sobre aquilo duas semanas antes num dos blocos noticiários enquanto devorava o jantar aquecido no micro-ondas.

Os “Sentenciados” eram um grupo criminoso muito procurado pelo FBI. E se eles haviam matado aquele homem, através de Charles Big que faria parte das suas fileiras, Amanda sabia que provavelmente não sairia dessa ilesa. Regressou ao escritório e enfiou-se na sala de reuniões. Encolheu-se contra um armário, junto às janelas panorâmicas. Antes espreitou e viu que na esquina distante apareciam os carros da polícia, com os rotativos ligados, disparando luzes vermelhas e azuis na noite.

Amanda fechou os olhos e esperou ser salva. Os seus problemas tinham acabado de começar.


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Notas finais do capítulo

Um primeiro capítulo muito tenso! Começamos com a adrenalina em alta!
Conhecemos a Amanda Scott, presenciámos um homicídio, soubemos de um projeto secreto e descobrimos que existe um grupo chamado "Sentenciados". As atribulações de Amanda estão apenas a começar, infelizmente.

Eu e a AnnieWalflarck agradecemos a vossa leitura, os favoritos e os comentários.
Aguardamos por vocês no próximo capítulo, onde iremos conhecer mais sobre o cientista que aqui foi assassinado.
Esta história será atualizada todos os domingos.

Próximo capítulo:
Terris O'Brian



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