Borboleta Transparente escrita por Clyver


Capítulo 2
Um quadrado me salva




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Au.

Eu acordo com um grunhido de dor.

É preciso que o desfoque dos meus olhos desapareça para eu entender o que está acontecendo a minha volta. No entanto, não há desfoque nas dores.

Como se alguém estivesse me esfaqueando duzentas vezes por segundo, o centro de meu estômago formiga em angústia. Sinto ferimentos cobrindo minha barriga e costas de dor.

Eu me lembro o que aconteceu antes de eu acordar, o stand do meu inimigo não me perdoou em seus últimos momentos de vida. Minha barriga foi atravessada por um objeto cortante. Anteriormente, o mesmo objeto cortante atravessou a lateral de meu tronco e também cortou meus punhos com minha tentativa de defesa.

Mas há algo estranho. A esse ponto, meus punhos deviam estar machucados e bem doloridos. Mesmo sobre a parte lateral da barriga, não sinto nada de diferente. Os únicos ferimentos reais são do ataque que atravessou minha barriga, e eles estão bem menores.

Não sinto minhas luvas, não sinto meu moletom, não sinto ½ da minha camiseta de manga comprida. Ela foi cortada da barriga para baixo, onde está meu machucado. No lugar de sentir minha luva e camisa, sinto curativos grandes em meus punhos e barriga. Apesar da falta de minhas roupas comuns, cobertores densos me protegem da neve cobrindo meu corpo. Também sinto um certo calor vindo de fora, acredito que de alguma fonte de energia.

Me sinto como se estivesse de cama numa gripe sendo cuidada pela minha mãe. Exceto que a gripe é um enorme buraco que atravessa minha barriga.

Meus olhos finalmente focam, consigo ver o que tem na minha frente. O sol está prestes e a se pôr.

Além da neve que estou sobre, à minha esquerda, uma fogueira aquece meu rosto.  Ao redor da fogueira, duas mochilas – uma da qual é minha – e vários tipos de tralha, incluindo peças de roupa – todas das quais são minhas – e alguns objetos estranhos, talvez medicinais? Há algumas seringas e curativos.

Finalmente, eu noto ele. Meu... salvador, ou algo do tipo.

Vejo uma forma quadrada.

Calma, é um homem, um homem com músculos expressivos, peitoral e braços bem definidos, seus braços ficam mais largos em direção à mão. O formato de sua cabeça é quadrado, e olhos, orelhas, e grossas sobrancelhas retangulares. Contrasta com seu pequeno nariz triângulo. Um cabelo escuro meio curto, liso e bagunçado – ele não parece ligar muito pra aparência, de qualquer forma.

O que me deixou assustado é que em meio ao frio de mais de 15 graus negativos, ele usa apenas uma calça com uma faixa de karatê e mais nada. Seu corpo totalmente exposto e pés pisando da neve. Ele trata isso como se estivesse pisando em grama. E, por algum motivo, o homem toma uma taça de vinho tranquilamente.

— Quem... é você?

— Ah. – Ouço sua voz séria e grossa. – Você acordou.

Permaneço quieta. Ele responde.

— Pode me chamar de Don.

— Eu... eu sou Shizuka.

Acho que posso confiar nele. Não tem motivo, afinal, para aparecer mais um inimigo. Eu espero. Continuo a falar.

— An... – Ainda estou meio atordoada – oi...

— Prazer em te conhecer. – Ele sorri e estende suas mãos cinco vezes maiores que as minhas a mim.

Eu permaneço quieta. Não sei o que fazer. Não sei se devo fazer algo sobre isso. Não sei se devo confiar nele. Ele é um estranho. E se for outro inimigo? E agora? Aquele foi uma exceção, pois aqui é muito seguro, mas... eu não sei.

Nada recebe a mão que ele estendeu. Ele faz uma cara de bravo.

— Você não é muito gentil, não é? – o homem se irrita.

Eu permaneço calada. Ele toma mais um gole de seu vinho.

Não posso ficar aqui por muito tempo, ainda tenho um objetivo a cumprir. Eu faço esforços para me levantar. Depois de um grunhido de dor pelo movimento ter balançado meus machucados, eu consigo ao menos me sentar. Acho que levantar nesse estado está fora de questão. Levo o cobertor comigo e me mantenho coberta com ele quando me sento. Continuo a conversa com o homem.

— A quanto tempo estou desmaiada?

— Cerca de 5 ou 6 horas, eu diria. – Don responde. Eu olho pra baixo. Continuo quieta.

Faz tempo que eu não faço algum contato social com alguém que não seja meu pai. Não sei como me comportar diante disto.

Ele, ainda sério, olha um pouco para minha cara e depois de um tempo desvia o olhar.

— Se não fosse por minha causa você teria morrido, sabia? – ele me informa, meus olhos se encontram com o dele em surpresa. – Você praticamente não tinha mais estômago, e o sangue que saiu de você era suficiente pra suprimir uma baleia.

Eu sinto minhas mãos e meu estômago, ainda dolorido. Com uma voz muito baixa, pergunto:

— Como... todos os ferimentos sumiram tão rápido?

Don dá um sorriso e me responde:

— Esta é a Atlas Medicina.

— A... tlas...? – faço uma expressão de confusão

De onde eu vi, a medicina e a tecnologia está 300 anos avançada. A um ponto que com alguns movimentos braçais e algumas células pessoas são curadas de machucados extremos em poucas horas. – Eu olho atentamente a ele enquanto explica. Don pega de sua mochila um saco com um tipo de massa laranja – Conheça as células-atlas, elas analisam a memória em seu cérebro e com muita rapidez reconstroem seu corpo naturalmente.

 Eu fico fitando o homem.

— E de onde você vem?

Ele continua sorrindo, fecha os olhos, dá o último gole restante de seu vinho, e me responde.

— Não posso falar esta informação no momento, mas... – uma rajada de vento vem no meu rosto com a força do braço dele sendo apontado a meu rosto – eu estou aqui para ficar o mais forte possível.

Continuo fitando ele com os olhos e boca aberta.

Quando percebo, vejo Don colocando mais vinho em sua taça e assando uma carne na fogueira com um espeto. Ele parece relaxado.

— Vamos, sirva-se. – O homem manda. – Você precisa se alimentar direito para seu estômago reajustar.

Eu pego um pedaço de carne encima da mochila, coloco em um espeto também ali e a seguro sobre o fogo. Ele fala comigo novamente.

— Então, não me disse seu nome até agora.

Eu fico quieta por alguns segundos, mas depois, bem baixo, o respondo:

— Shizuka.

— Shizuka, hm... Parece ser uma garota com espírito elevado, o que faz nesse lugar tão machucada?

— Eu... acho que você não vai entender. Eu não sei por que eu fiz isso de qualquer forma. Não devia ter saído de casa.

Don abre os olhos em curiosidade

— Mas o que te fez sair de casa?

Eu mordo os lábios e olho para o lado.

— Eu... eu quero realizar meu sonho. – Os olhos de Don aumentam. Eu continuo. – Minha vida inteira, fiquei protegida em casa em um lugar calmo, quieto e escondido, mas quando meu pai morreu e eu fiquei sozinha, resolvi começar uma jornada.

— Jornada para realizar seu sonho?

— Sim, eu acho – Uma expressão quase feliz se abre em minha boca e levo meus olhos até os dele.

— E pra onde está indo?

— Sensha-cho.

— Sensha-cho? Não sou daqui, mas isso não é uma cidade fantasma? E, tipo, muito perigosa? Pra que você quer ir lá?

— Eu... ouvi coisas sobre ela. Eu preciso ir lá. Vai ajudar a realizar meu sonho.

— Que determinação... – Don olha para mim admirado. – E por que você precisava ser protegida? – ele pergunta enquanto morde um pedaço de carne.

— Bem... Eu... – faço uma pausa – Não sei o quanto posso confiar em você. Não sei se posso falar mais que isso

A expressão de curiosidade do homem se fecha e ele fica sério, e meio desanimado.

— Bem, guarde pra si mesmo, então. – Ele levanta as mãos como um sinal para deixar eu fazer o que quiser. A expressão dele parece indiferente e vazia.

— Desculpe... – viro meu rosto para baixo em desanimo.

O clima fica tenso enquanto ele morde outro pedaço da carne, ninguém fala nada por alguns segundos dolorosos. Eu tento perguntar ele algo.

— E... você? O que está fazendo aqui? – viro meu rosto para cima e olho até ele atentamente. – Com... essa roupa.

— Ah. – Ele se anima de novo. – Isso não é nada demais. É só um treinamento que estou tentando fazer.

— Pra quê?

— Não sei o quanto posso confiar em você. – Ele sorri.

— Filho da puta... – Resmungo, rindo.

Ao falar isso, ele fica furioso e começa a se movimentar em uma velocidade que não consigo acompanhar.

Velozmente impulsiona seu pé direito em minha boca com muita força, me fazendo sangrar. Foi um movimento tão rápido e forte que o fogo nem conseguiu queimar a perna dele.

— Aaaah! – eu grito.

Entrei em alerta total. Ele era mesmo um inimigo? O que está acontecendo? Ele é um usuário de stand? Onde está seu stand? Ele vem me enganando esse tempo todo? Seria outro intruso da Fundação Speedwagon? Como ele sabe que eu estou aqui? Me levanto e me preparo para a batalha, apesar dos machucados. Ele continua sentado, e apenas profere:

— Sem palavrões.

O... o que? – Eu tento processar a situação. – Você me bateu por que... não gosta de palavrões?

— Não devemos ser mal-educados. Sua família não lhe ensinou bons modos?  – Seus olhos estão furiosos.

Meu coração ainda bate rápido e meus olhos estão arregalados.

— Se você for um inimigo... eu não te perdoarei. – Eu sento novamente.

— Desculpe, apenas odeio pessoas que falam palavrões. Tome algumas células atlas. – Ele pega de seu saco um pouco de massa e coloca na minha boca. Alguns segundos depois, de alguma maneira, minha boca é recuperada.

— Tudo bem... eu acho...

— Não fale palavrões perto de mim novamente, ou acabarei com você. – Ao Don falar isso, percebo que estou na presença de um demente.

— Aliás... essas coisas realmente são boas. De alguma forma, já estou curada. – Falo enquanto mastigo a carne.

— Não subestime a Medicina Atlas. É a melhor do mundo.

— Aliás, o que é essa tal de Atlas?

— Não posso falar muito sobre isso também. – Ele fecha os olhos e balança a cabeça horizontalmente.

Eu bufo.

— Parece que todos temos segredos, não é?

— É a vida. – Nós dois sorrimos. – De qualquer forma, eu irei me retirar daqui a pouco. Preciso intensificar meu treinamento.

— Hum... – atento meus olhos nele, agora curiosa. – Ei, você vê isso? – Eu invoco Achtung Baby e a forma aparece na frente dele. Apenas usuários de stands podem ver outros stands.

— Seu stand? Claro. – Quando ele responde, meus olhos arregalam.

— Você... é um usuário de stand?

— Não... porém... – Ele dá um tapa na mão de meu stand. Eu sinto o tapa na minha mão. Fico mais surpresa ainda. – Eu sou bem treinado.

— Como diabos...

— Stands são manifestações da alma, Shizuka. Se você treinar sua alma e corpo eficientemente, essa limitação de pessoa e alma não vai importar. Meu corpo e minha alma são treinados pelos melhores guerreiros de meu país. Eu consigo ver e tocar stands alheios, mesmo que eu não tenha essa habilidade. – Ele termina de comer a carne. – E sinceramente, não tenho a mínima vontade.

 – Uau... pessoas como você realmente existem... – Meus olhos continuam arregalados e, apesar do frio, suor cai de mim.

Mesmo assim, ele pode estar mentindo e apenas ser um usuário de stand tentando me enganar. Não deixa de ser uma possibilidade cada vez mais forte. Eu estou sendo perseguida, e ele pode ser um dos perseguidores. Não sei o que fazer.

— Você pode confiar em mim, Shizuka. – Eu me espanto com a fala de Don.

— Você... leu meus pensamentos?

Esse é o stand dele?

— Li sua alma e seu rosto, garota. Não subestime minhas habilidades. Você passa uma aura extremamente insegura, além do seu rosto pensativo sobre mim.

Ah...

— Bem... – eu começo – Você está indo para onde, então?

— Até aonde o vento do destino me levar. Aqui já não é um lugar bom o suficiente para mim, já treinei o quanto pude. Estou pensando em ir para um vulcão ou algum lugar radioativo. Só vim para esse país por conta das suas temperaturas.

 – Realmente... Groenlândia realmente é um lugar difícil. – Eu mastigo a carne. Fico admirado com a sua vontade de treinar em lugares humanamente impossíveis de existir.

— E você?

— Eu? Estou... digamos que estava indo para um lugar cheio de gente perigosa. Muito perigosa.

— Interessante – ele bota a mão no queixo e fica pensando.

— Mas... eu acho que vou desistir. – O rosto de Don esbugalha quando falo isso. – Quer dizer, eu só não estou morta porque você me salvou... Qual é a minha chance de continuar?

Don fica um tempo calado.

— Esse lugar... ele está cheio de gente perigosa, não é?

— É...

— Mais perigosa que a última pessoa que você lutou?

— Provavelmente.

Don está extremamente sério e me olhando fixamente.

— Shizuka, eu vi o cara caído no chão. Ele já estava morto. Você derrotou ele, não é?

— Acho que sim, mas ele ia me derrotar de qualquer jeito – Viro o rosto enquanto respondo. Termino de comer a carne.

— Bem... Você está viva, não é?

— Mas é só por sua causa – olho para baixo.

Mais alguns segundos de silêncio. À medida que o sol vai se pondo, algumas borboletas aparecem indo em direção ao sol

— Você não deve ficar invisível assim.

— O quê?

Ele conhece minha habilidade?

— Não quer ser a maior guerreira que existe? – Ele se levanta. – Você não pode passar por esse mundo invisível assim. – Olho atentamente para ele – Vai deixar seu sonho passar sem ninguém ver em frente a todo mundo?

Eu fico alguns segundos em silêncio.

— Eu...

— Você não é invisível. Você existe. Você tem um sonho. E precisa mostrar isso para todos. Já acabou o tempo em que você foi escondida e protegida de todo mundo. Como um guerreiro, você tem minha palavra.

Consigo ver a determinação de Don em seus olhos.

— Eu preciso... ficar visível?

— Esse lugar que fala tem muitas pessoas fortes. Sendo assim, esse é meu próximo objetivo. É o meu próximo treinamento. Você pode vir comigo, se quiser. As células atlas estarão sempre a sua disposição.

Ele ergue sua mão em minha direção novamente e me questiona.

— Vai realizar seu sonho, Shizuka?

Eu me levanto.

Olho para os olhos de Don por bastante tempo. O homem ergue a mão para mim ao pôr do sol, que já está se escondendo. O lugar está ficando escuro. Escuro, gelado e vazio. Agora, tudo que conseguimos ver é a luz fraca da chama.

Em um ato de loucura, o homem pega algo em sua mochila, acho que um carvão, e joga com força no fogo. A chama enfurece e aumenta incessantemente, que acerta nós dois, mas exala uma luz absurdamente brilhante.

Ele continua com a mão erguida, mão que está sendo dolorosamente queimada pelas chamas

Eu aperto a mão do homem, também sendo queimada pelas chamas.

O acordo está feito.

De alguma forma, selamos uma parceria enquanto queimávamos nossas mãos. Não sei o que isso significou, mas, aparentemente, ele vai viajar comigo de agora em diante.

Vejo várias borboletas agora sendo iluminadas pelo fogo.


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