Honra & Fúria - Interativa escrita por Thiago


Capítulo 11
Capitulo X




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Capitulo X

Segredos de Família

Ponta Tempestade

Orys Morrigen aproximou-se por detrás de uma das colunas com o estandarte dos veados negros. Ele havia ficado surpreso aquela manhã ao saber que seus filhos haviam acordado antes de si, porém quando ouvira de seu escudeiro que os garotos encontravam-se no pátio de treinamento foi que decidira dar uma olhada nos dois.

Sua intensão era averiguar como estavam se saindo no treinamento.  Agora que estavam sobre o atento olhar de um experiente mestre-de-armas como era Sor Wulfred Grandison, o qual em mais de uma década atrás havia treinado Orys quando este ainda era apenas um protegido em Ponta Tempestade.  

Havia uma janela, na ponte coberta entre as forjas e a caserna dos soldados, de onde se podia ver rodo o pátio. Foi para lá que se dirigiu e colocou-se discretamente.

Porém, logo observaria que não se encontrava sozinho e que na verdade uma nova companhia colocou-se ao seu lado. Reconheceu o olhar de seu primo real, Ian Durrandon e uma dama a qual ainda desconhecia quem poderia ser.

— Bom, vejo que veio ver os jovens que estão prestando os treinamentos como costumávamos fazer no passado. – falou Orys Morrigen enquanto o via se aproximar tendo a moça com o braço atado ao seu.

— Estava fazendo companhia a esta bela donzela, meu primo. – falou Ian Durrandon enquanto destraçava seu braço da garota de cabelos loiros – Lorde Tarth pediu-me que tomasse a liberdade em acompanhar seus netos em um passeio por Ponta Tempestade. 

— Compreendo – disse Orys Morrigen – E certamente, você tem aproveitado a bela companhia que te arrumaram ou a está matando de tédio? – Ele deu um meio sorriso ao qual o príncipe ignorou.

— Lorde Tarth esta a tratar com meu pai uma conversa em particular, pergunto-me o que podem estar a conversar. – disse Ian Durrandon, porém nos olhos do herdeiro das Terras da Tempestade parecia existir um olhar de suspeita sobre quais seria o assunto que ocorria na sala de reuniões.

— Você então se vê livre para passear pelo castelo? – disse Orys Morrigen em tom de brincadeira – Achei que depois do que aconteceu, o Rei Dorian iria querer o seu herdeiro por perto. Para aprender a administrar de perto um país passando por um momento conturbado. Isso me deixa um pouco surpreso, de fato.

— Como eu ia dizendo... – Falou Ian então se voltando a sua acompanhante – Esse é o meu primo, eu acho que não teve a honra de conhecê-lo ainda.

 A garota estava parecendo bastante atenta a conversa que eles estavam tendo, ela parecia fascinada pelo príncipe herdeiro que parecia nem mesmo vê-lo ali a sua frente. Era como se Orys Morrigen fosse só mais uma parte da paisagem do castelo, ao que a garota pareceu despertar e então sorrir na direção do rapaz de cabelos longos e negros. O rapaz tomou a dignidade de sorrir para a neta de Lorde Tarth.

— De todo o modo, o jovem Bryce viu que os garotos estavam a praticar e perguntou se poderia participar. Então, eu trouxe a sua irmã para vê-lo em seu treinamento. – completou Ian Durrandon por fim, sem entrar em mais detalhes. – Ele está ali embaixo se preparando para lutar com o Arlan e Arys.

— Garotos e suas espadas – disse a jovem donzela que usava as cores de Solar do Entardecer. – Meu irmão diverte-se muito durante os treinamentos e se esforça bastante, vê? Ele tenta impressionar meu avô para que possa ter uma espada embotada, porém ainda é muito jovem e tem que contentar-se com espadas de madeira.

Por um momento, Orys Morrigen tirou para admirar a beleza da jovem a sua frente. Ela era alta, esguia e tida como bonita quando comparada a muitas jovens da mesma idade com as quais o herdeiro do Ninho do Corvo já havia convivido. Tinha os cabelos dourados e olhos azuis como as águas de sua ilha.

E ela encontrava-se fascinada pelo príncipe herdeiro, o olhando como uma menina que havia visto o príncipe das canções criar vida. Orys sabia que seu primo parecia não devolver o mesmo olhar de encanto que a garota possuía. Pobre garota, não conseguiria nenhuma parte do coração daquele rapaz.

— Esta é Lady Ellyn Tarth, meu primo. – disse Ian fazendo as honras de apresentá-los finalmente – Lady Ellyn, esse é o meu primo e herdeiro do Ninho do Corvo... – Porém, Orys rapidamente iria interromper e corrigir o príncipe.

— Segundo na linha de sucessão – observou Orys – Nosso avô ainda é um homem forte para a idade, Ian. Deveria comprovar com os seus próprios olhos na próxima vez que for ao Ninho do Corvo. – Ele sorriu para o primo - Se os deuses forem bons, ele irá chegar aos seus cem anos.

— Não era nosso avô que eu estava me esquecendo... – falou Ian com um olhar cumplice ao primo – Enfim, esse é Sor Orys Morrigen. – o rapaz fez uma reverência modesta para a moça em cortesia - Ele é o meu primo por parte de mãe através de meu tio, Sor Duncan Morrigen.

— Oh, sim... – disse Ellyn então fazendo uma reverência bastante educada e singela – Já ouvi falar do senhor. Estou encantada em conhecê-lo, sor. – Ao que Orys retribuiu o gesto de maneira formal.  

— Digo o mesmo, milady. – respondeu Orys.

— Bem, eu vou ter que deixá-la... – falou Ian – porém, eu farei isto ao deixar sobre a proteção de um dos maiores cavaleiros que as Terras da Tempestade já presenciaram. Cuide bem dela, meu primo.

— Mas já vai? – perguntou Ellyn um pouco tristonha – Fique mais um pouco, vossa alteza. Sua companhia é deverás agradável e certamente eu não vi tudo que havia para ver no castelo... – Ela segurava-lhe a mão com ternura - Ou eu estou sendo desagradável ou quem sabe entediante de alguma forma?

— Na verdade, eu preciso ir tratar dos preparativos para a reunião do pequeno conselho – disse Ian desviando o olhar daquela feição carente por atenção que agora a donzela usava ao seu favor. – Se não fosse tão importante eu poderia adiar, mas nesse caso estamos falando de minhas obrigações como herdeiro.

— Sim, compreendo. – disse Ellyn – Suas responsabilidades como príncipe, sim. Nesse caso, não tomarei mais do seu tempo e dispenso-o sua companhia. E agradeço-o pelos momentos agradáveis que tivemos um com o outro. E com o meu irmão. Sim, Bryce certamente também está agradecido. – Ela corou graciosamente, com suas maçãs do rosto rapidamente ficando rosadas. - Apenas queria passar algum tempo mais ao seu lado, vossa alteza. Foi tão encantador ver Ponta Tempestade através de seus olhos.

— Caso a senhorita esteja interessada em me acompanhar enquanto falo com cada um dos nossos conselheiros, sinta-se livre para aceitar este meu convite. – Respondeu Ian. Aquilo era um blefe, Orys sabia quando o primo estava sendo cortês enquanto esperava vividamente que a moça recusasse a proposta. Por fim, ele parece ter acertado afinal a garota fez uma expressão desajeitada frente àquelas palavras.

— Eu acho que não seria apropriado – falou Ellyn polidamente enquanto exibia uma face que exalava compreensão. – Eu tenho certeza de que estaria sendo uma intrometida em me expor a tal situação.

— De modo algum – disse Ian – Seria bem vinda caso quisesse ver de perto os tramites necessários que antecedem uma reunião. É uma pena que nenhum Tarth tenha um lugar no pequeno conselho, mas talvez eu convide o seu irmão para o meu quando este tiver idade. E claro, caso ele provasse merecedor de tal posição.

— Ah, seria uma honra para toda a minha casa. – disse Ellyn – Mas não posso aceitar vossa proposta, até porque sei que é uma questão de formalidades. Eu não sou tão ingênua assim, vossa alteza. E bem, como uma boa moça... – Ela aprumou-se e ajeitou sua postura enquanto discursava. - Eu sei quando preciso sair de cena e deixar que os homens façam o trabalho deles.

— Que gentil de sua parte – respondeu Ian.

— Você tem suas obrigações, vossa alteza. – falou Ellyn em um tom de voz amável enquanto ajeitava uma madeixa de seu cabelo dourado - Quem sou eu para pedir que as abandone a fim de tomar algumas horas de seu tempo? Já tive o bastante de vossa companhia, porém ainda que tenhamos passado pouco tempo juntos... – Ela lhe lançou um sorriso - E eu desejasse estender nosso passeio, entendo suas obrigações.

Orys Morrigen teve de conter um sorriso frente aquela situação inusitada. Realmente estava vendo outra garota cortejando seu primo real. Ele perguntou-se mentalmente quantas mais deveriam ter espalhadas pelo castelo a par de prestar por aquele papel.

Afinal, faziam-se quase oito anos desde a morte de Sarenna Swann e a viuvez do príncipe herdeiro. Certamente, haveria alguém capaz de curar um coração partido. Mas ele não sabia dizer se seria a donzela da ilha das safiras.

— Que bom que é compreensiva, Lady Ellyn. – disse Ian – Espero vê-la mais tarde ou em outra oportunidade para que continue a me falar sobre sua formosa ilha. Certamente, eu deveria visitar Tarth mais vezes.

Aquilo poderia soar para ouvidos comuns como uma demonstração de interesse do príncipe, mas Orys sabia que se tratava apenas da educação muito polida de Ian Durrandon. Ou quem sabe seu primo realmente estivesse disposto a abrir seu coração novamente? Pegou-se temporariamente confuso. Afinal, por vezes Ian era tão denso que era difícil de decifrar o que passava-se dentro de sua mente.

— Será bem recebido, vossa alteza. – respondeu Ellyn quando viu Ian fazer-lhe uma curta reverência e afastou-se pelos corredores mais internos do castelo. – Sor Orys Morrigen, certo?

— Sim, se for da vontade da senhorita. – disse Orys Morrigen – Eu me recordo de vosso pai, Lady Ellyn. – Ele lhe deu um sorriso compadecido - Lutamos juntos na última guerra e devo confessar que chorei a sua morte quando o perdemos.  Eu creio que não se recorde de mim, mas eu estive ao lado do Rei Dorian quando este foi até a Ilha de Tarth para levar o seu corpo a fim de ser enterrado nas terras de seus ancestrais.

— Mesmo? – falou Lady Ellyn surpresa – Nossa, eu não me recordo de vossa pessoa, sor. Porém, não pode culpar-me. Afinal, levando-se em consideração as circunstâncias... – Ela sorriu tristemente - Mas se foi um irmão de armas de meu pai, eu suponho que seja tão valoroso quanto ele em combate.

— Sim, eu aprendi muito com Sor Garlan Tarth – disse Orys Morrigen – Muito mais do que simplesmente ser um cavaleiro, mas muito também sobre as condutas e valores que deveria levar em minha vida. – Muito das quais eu deveria aprender com meu pai, mas que infelizmente não pude. Concluiu mentalmente.

— Ellie – chamou uma voz que pareceu fazer com que o sorriso reaparecesse na face da jovem donzela. Ela voltou seu olhar e acenou em direção do irmão mais novo que parecia tê-la notado no pátio de treinamento.

— Dê o seu melhor, Bryce. – falou Lady Ellyn ao irmão – Estou aqui por você. – O garoto de cabelos loiros acobreados sorriu enquanto fazia um movimento floreado com a espada de madeira.  – Ele nunca teve a chance de treinar com outros garotos da mesma idade – Sussurrou para o cavaleiro ao seu lado.

Bryce Tarth estava tão almofadado que parecia que tinha sido afivelado a um colchão de penas. Ele colocou o seu elmo com a ajuda do mestre-de-armas. Os seus garotos encontravam-se também protegidos, porém com menos proteção como era de se esperar de garotos teimosos demais como eram Arlan e Arys Morrigen.

— Eu não posso dizer que entenda isto – disse Orys – Eu vim para a corte  de Ponta Tempestade aos dez anos para servir como escudeiro para o Rei Dorian, porém antes disso sempre tive companheiros enquanto dava os meus primeiros passos na arte militar. 

— Deve ter sido uma grande honra ser o escudeiro de um rei – observou Ellyn parecendo interessada – Vê-lo mais de perto em situações mais informais. Sem falar o local de prestigio que tem frente aos outros garotos de sua idade, inclusive por ser um sobrinho da Rainha Eylinor Morrigen.

— O Rei Dorian é um bom homem – disse Orys – Não posso reclamar da maneira como me tratou, afinal sempre foi gentil comigo, sendo que posso dizer que ás vezes que não me tratou bem foi porque eu não mereci. – Sorriu – Mas certamente, crescer na corte é uma experiência boa. – Melhor do que as vezes em que eu tinha de retornar para casa e encarar a minha realidade deprimente e tão familiar. Completou mentalmente.

— Queria eu ter tido essa oportunidade – suspirou Ellyn.

Após um combate decente entre Arlan e Bryce (em que o loiro foi desarmado pelo garoto um ano mais velho), um segundo foi realizado dessa vez entre o herdeiro da Ilha Tarth com o mais novo dos irmãos Morrigen.

Os garotos fanfarronavam, ofegavam e atacavam-se um ao outro com espadas almofadadas de madeira, sob o olhar vigilante de Sor Wulfred Grandison. Uma dúzia de espectadores, homens e rapazes, estavam ali a observá-los e os encorajavam sendo que entre todas as vozes certamente a de Ellyn era a mais empolgada.

Ambos os combatentes cambaleavam, ambos com menos de dez anos ainda assim tentando mostrar o seu valor. Orys Morrigen concluiu que já lutavam havia algum tempo desde antes dele chegar.

— Seus irmãos mais novos são bons – observou Ellyn.

— Na verdade, eles são os meus filhos. – respondeu Orys e pode notar o olhar de surpresa da garota – Eu me casei aos dezesseis anos, como você vê. É comum quando seu avô está querendo garantir a linhagem da família. – Ela parecia bastante atenta em suas palavras - Não é como se eu fosse muito mais velho. Quero dizer, eu concebi o Arlan nas minhas núpcias... – Ele ainda parecia desconfortável com o olhar dela - Na verdade, eu até sou um ano mais novo que o Ian. 

— Eu não imaginava que o senhor fosse casado – respondeu Ellyn parecendo incomodada com a situação – Talvez eu deva me retirar agora. Já que não é muito próprio que uma donzela seja vista ao lado de um homem comprometido.

— Eu sou viúvo – respondeu Orys – Minha esposa faleceu a cerca de três anos durante o inverno.  – Ele recordou-se de sua senhora, Celene. Sete anos mais velha, ela tinha sido a segunda mulher com quem ele tinha estado na cama, por mais que pensava que não devia considerar a prostituta que seu pai pagou para fazê-lo homem aos catorze anos.

Recordou-se de suas núpcias então, Orys também não se surpreendeu quando percebeu que ela não era mais casta nem se importou na verdade, afinal era um garoto de dezesseis anos que estava a desposar uma moça de vinte e três. Ela foi gentil com ele e paciente, afinal era de se esperar que ambos estivessem assustados com toda aquela situação.

Os dois nutriram uma amizade forte durante o período em que foram casados, ainda assim não era ela a dona de seu coração. Talvez por isto não pudesse compreender a tristeza que se abatera sobre seu primo Ian Durrandon após a viuvez. Ainda assim, sentia tristeza por seus filhos terem perdido a mãe tão prematuramente.

— Como aconteceu? – perguntou Ellyn – Desculpe-me, pela intromissão. – Ela desviara o olhar parecendo encabulada e a corar com o comentário – Eu sou uma tola ao demonstrar curiosidade com tal fato. Sinto muito por minha indelicadeza, sor.

— Tudo bem, eu compreendo. – disse Orys – Um infortúnio. Como bem sabe, o inverno nos traz problemas em armazenar mantimentos. Minha esposa pereceu após consumir algum alimento estragado. Deixou-a doente de cama e a perdemos em menos de uma semana.

Ele não poderia dizer-lhe a verdade que mantinha para si mesmo, como sua mãe havia suspeitado de Celene e a envenenado. De como as suspeitas de que havia um caso entre Duncan e Celene tinham chegado aos ouvidos de Lady Sarella Morrigen. E de como a mulher não permitiria tamanha desonra e afronta ocorrendo dentro das paredes de seu castelo. Nem que daquela forma os seus netos tivessem de perder a própria mãe.

— Sinto muito por sua perda. – respondeu Ellyn – Eu também me compadeço de vossos filhos, sor. Eu perdi a minha mãe muito jovem e são poucas lembranças mantenho... – Ela colocara a mão sobre o colar com a estrela de sete pontas que usava. – Mas eles ainda têm ao senhor para ficar ao lado deles. Para lhes dar conforto e vê-los tornarem-se homens, meu irmão nem isto têm.

— Agradeço por suas palavras, milady. – disse Orys sorrindo tristemente. Observou o seu filho mais novo bater em Bryce, porém pode ver o pequeno legado de Garlan Tarth defender a investida com o escudo. – Seu irmão sabe o que está fazendo.

— E seu garoto também – sorriu Ellyn. Então ficaram em silêncio enquanto observavam Bryce e Arys, que andavam em círculos ao redor um do outro. – Espero que ele esteja fazendo amigos apesar de serem colocados a lutar entre si. Seria bom para o Bryce ter amigos da mesma idade, afinal meu avô tem o preparado tanto para assumir o lugar dele um dia que por vezes sinto que sua infância não esteja sendo vivida ao máximo.

— Acredite em mim, milady. Os garotos como seu irmão aprendem desde cedo que certos privilégios não lhes cabem. – disse Orys - Quando você nasce como um herdeiro, os deveres lhe são cobrados desde tenra idade. Isso não tem muito haver com a morte de seu pai... – Ele fez uma pausa enquanto observava o seu filho errar um movimento de espada que pegou de raspão no acolchoado da proteção do outro. - Mas sim com a sua posição frente à linha de sucessão.

Até porque, seu avô havia se esforçado em trabalhar na preparação para que Orys se tornasse um herdeiro mais digno do que seu próprio filho. A ausência constante do Lorde Morrigen durante a juventude de Duncan fez com que ele crescesse livre para moldar-se por conta própria.

Robert Morrigen infelizmente foi um pai ausente para seu primogênito na infância, até porque eram constantes as viagens e guerras que o senhor de Ninho do Corvo havia se envolvido. Ele havia pagado o preço em longo prazo, já que sua ausência fez com que seu herdeiro se mostrasse com uma moral dúbia e por vezes questionável.

Provavelmente sua falecida avó tivesse sido uma das principais responsáveis pelo homem que o seu pai tinha se tornado quando adulto, ainda assim não tinha como ter certeza. Ou talvez fosse a amizade com Aeron Durrandon, que também não era o mais respeitável dos homens. A verdade era que, Orys sentia-se mais filho de seu avô do que de seu próprio pai.

— Ainda assim, ambos serão lordes quando forem mais velhos. – observou Ellyn despertando Orys de seus devaneios – Alianças de amizade são bem vistas e podem ser promissoras para ambos os lados, suponho. – Ela sorriu parecendo sentir-se importante por estar falando sobre politicagem, porém ele poderia notar que sua cabeça estava voltada mais para o lado emocional.

— Sei que pode parecer de repente, mas se faz tanta questão de aproximar nossas casas... – falou Orys e ele pode notar que havia captado a atenção da jovem donzela. – Eu posso pedir ao meu avô para receber o jovem Bryce Tarth em Ninho do Corvo. Ele pode ser criado próximo de meus filhos, assim ambos podem criar vínculos muito fortes uns com os outros.

— É uma ideia ótima, mas meus avós não iriam aceitar. – disse Ellyn enquanto ajeitava os cabelos loiros com seus dedos – Sinto muito, mas é a verdade quando paro para pensar em meu irmão longe de nosso castelo. – Ela virou-se para encará-lo com as suas profundas safiras orbitais - Afinal, ele é o futuro de nossa casa e por mais que sua proposta seja boa ainda assim não me entenda mal, eu conheço meus avós bem o suficiente para saber que recusariam.

— Compreendo – falou Orys sem sentir-se ofendido ou nada parecido. Havia sido uma proposta honesta, porém ainda assim compreendia a garota falando sobre a possibilidade do avô em recusá-la. – Ainda assim, caso queiram visitar nosso castelo, serão bem vindos.

— Digo o mesmo a respeito da nossa ilha – sorriu Ellyn simpaticamente.

Ouviu-se um grito no pátio, embaixo. Arys Morrigen havia se espatifado no chão, tentando sem sucesso pôr-se em pé. O elmo havia rolado para longe com a queda, indo parar aos pés de Arlan Morrigen que apenas maneou a cabeça em negativa com a derrota do irmão.

— O que conta é a intensão, filho. – gritou Orys ao mais novo – Você lutou bravamente. – Ele pode perceber Bryce Tarth chutando a espada de madeira para longe do alcance de Arys que parecia ainda não dar a luta por vencida. – Estou orgulhoso, meu garoto. – Ele o aplaudia em sinal de respeito, mas na altura de seus oito anos era uma derrota frustrante. E assim, Arys socara o chão como uma maneira de extravasar os seus sentimentos ruins.

— Parece que temos um vencedor. – sussurrou Ellyn orgulhosa do irmão mais novo.

— Eu não vejo essa disputa como sendo algo certo – disse Orys – É sorte de principiante, quanto mais praticarem ai sim o Arys aprenderá o estilo do seu irmão. Ele esta acostumado com o do Arlan e dos outros garotos do Ninho do Corvo.

—Mesmo? Bem, isso parece um monte de desculpas... – disse Ellyn rindo enquanto dava alguns tapinhas amigáveis na mão de Orys Morrigen. – Agora, olhe lá e veja o quão idiotas nos somos de levar coisas assim a sério. – Ela indicara com a cabeça.

Bryce Tarth puxara o próprio elmo elegantemente para fora de sua cabeça. Passou a mão livre nos cabelos grudados junto à testa suada. Com o elmo embaixo do braço, foi que com a outra mão enfiou a espada embotada no cinturão que prendia o colete almofado ao seu corpo. Como um cavaleiro que devolvia a espada à bainha.

— Foi uma boa disputa – disse Bryce enquanto estendia a mão para Arys. Este então abriu um sorriso e aceitou a mão do outro garoto que o ajudou a se levantar. Ao lado um do outro, eram do mesmo tamanho.

— Senhoras e senhores – disse Arys erguendo a mão do amigo e voltou-se para a pequena plateia que assistia – O campeão, Bryce Tarth. – Os homens então aplaudiram a ambos enquanto Arys se afastava a fim de recuperar sua espada de madeira.

— Procurando isto? – falou um homem de cabelos e barba grisalha que se aproximava do garoto. E naquele momento, Orys sentiu sua garganta fechar-se em fúria reprimida e sua face fechar-se em uma carranca.

Reconheceu o seu próprio pai que até então não havia notado, Sor Duncan Morrigen também conhecido pelos menos sabidos como o irmão mais velho da rainha. Ele entregou a espada a Arys em seguida, passando a mão em seus cabelos em um carinho afável. Orys sentiu vontade de soca-lo por se aproximar de qualquer um de seus garotos daquela forma.

Quando deu por si, já havia descido os degraus e cruzado o pátio em direção do local de treinamento. Pode escutar as vozes de Ellyn e Bryce atrás de si, ambos conversavam sobre algo que não conseguia compreender direito nem lhe interessava saber naquele momento.

Afinal, seu olhar se focava em seu pai e em seu filho. Arys e Arlan vieram até si, ambos parecendo animados em vê-lo. E isso talvez fosse o que fez que se mantivesse o controle sobre seus próprios atos, para não perder a cabeça.

— Foi uma boa luta – disse Orys – Com a prática, você não vai perder o equilíbrio da próxima vez. Porque você foi bom nas investidas, porém a questão dos pés ainda é algo a ser trabalhado. Porém, você mostrou maturidade ao admitir a vitória do seu oponente em alta voz. Foi uma boa atitude.

— Sim, eu sei. – falou Arys ainda olhando para os pés – Você viu que o Arlan derrotou o Bryce? – Ele indicara o irmão ao seu lado – Ele conseguiu desarmá-lo com aquele truque que você o ensinou. Eu quero aprender também, papai.

— Quando for mais habilidoso – disse Arlan – Papai já te falou isto – Então puxou o irmão para baixo de seu braço e abraçou-o com força. – Mas se quiser dicas comigo, é só me dizer... Porque o pai disse que logo eu serei um escudeiro.  

— Você ainda será um grande homem, Arys. – respondeu Duncan metendo-se na conversa e se aproximando dos garotos – Assim como o seu pai.

— Obrigado, vovô. – falou Arys sorrindo timidamente.

— Ei, Morrigens – chamou Bryce do lado oposto do pátio – Venham conhecer a donzela mais bonita que vocês vão ter a chance de botar os olhos. – Os garotos então se afastaram, indo para perto de seu mais novo amigo.

— Orys – falou Duncan lançando um cumprimento ao seu primogênito.

— Duncan – soou Orys no mesmo tom formal.

Orys Morrigen sabia que não eram reais as suspeitas de sua mãe, ao menos não de um todo. E ele sabia que sua esposa tinha pagado um preço muito caro mesmo sendo uma das vitimas. Ele ainda recordava-se da ocasião em que havia visto seu pai saindo de seus aposentos. Sua esposa lhe negou às vezes em que ele a questionou, porém em seu leito de morte lhe confessaria seu sofrimento e como havia o guardado para si.

Temendo que seu marido sujasse as mãos com o sangue do próprio pai e assim fosse visto como um monstro. Ela se sacrificou para protegê-lo e Orys sentiu-se incapaz de ter feito o mesmo com ela.

Ele fora um covarde naquela ocasião e falhara com seus votos como marido. Afinal, Duncan Morrigen tinha as mulheres que queria e quando quisesse. Fosse o preço que tivesse que pagar ouro ou usasse da violência.

Como ele iria resistir a uma moça mais jovem debaixo de seu próprio teto? Orys sentiu-se horrível consigo mesmo e ainda mais pela maneira como tinha pensado que seu pai poderia ter algum respeito ou limite, porém havia se enganado.

Orys aproximou-se do pai e ao pé do ouvido lhe diria as próximas palavras em um tom claro de aspereza e seriedade. Duncan, no entanto pareceu não se abalar com a proximidade do filho. Ainda assim manteve-se com a mão na espada que trazia na bainha.

— Eu já falei para ficar longe dos meus filhos – falou Orys – Não gosto de te ver próximo de nenhum dos dois. Então, tente respeitar a minha vontade por mais que você possa achar divertido confrontar a minha autoridade paterna.

— E quem te falou que você é pai dos dois? – debochou Duncan – Você não tem como ter certeza, não é mesmo? – Ele sorriu pelo canto dos lábios, antes de se afastar e deixá-lo a trincar os dentes em raiva reprimida. O pior de tudo, era que Orys sabia que aquilo era uma amarga verdade.


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