Tudo Morre - Rabum Alal escrita por Shalashaska


Capítulo 2
Sidera Maris




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Mar Sideral

 

Ela conhecia o cheiro de traição e mentiras, e Namor exalava tal fedor em seu rosto tenso. A Cisne Negro não disse nada, apenas o encarava em silêncio enquanto se dirigiam até o ponto da nova Incursão. Não havia nada que ele pudesse fazer, nenhum truque ou engodo,que fosse pior do que o fato do céu estar azul e azul era uma abominação. Caos, infecção. Vermelho significava um julgamento justo de Rabum Alal, já azul era uma anomalia doente. Era o que chamavam de Sidera Maris. Com esta cor, vinham os Cartógrafos. Ela já havia explicado para Namor e seus companheiros heróis na primeira vez, episódio em que eles mataram seu primeiro planeta. Reed Richards se mostrara reticente na ocasião.

Cartógrafos mapeavam mundos sadios para devorá-los. Traziam consigo seu mundo morto, que fragmentaria-se em torno de uma hora após o início da Incursão. O mundo morto explodia, o sadio virava hospedeiro deles até que se esgotasse. Os Cartógrafos então aguardavam novas Incursões para se mover entre o multiverso e repetir as mesmas atrocidades de sempre. Antes deles, vinham construtores de pontes - que defendiam o ponto onde a Incursão abria-se para outro universo e era com eles que tinham que se preocupar.

A Cisne olhou para o céu e para o planeta morto e seco se aproximando enquanto ela e seu grupo caminhavam. Só não desprezava os Cartógrafos mais do que desprezava os Sacerdotes Negros, porém não se entreteu com tais lembranças.

Eles não tinham tempo.

— Eles esperam resistência. — Disse, mais uma explicando de maneira breve a diferença entre o vermelho e o azul, mais uma vez narrando os detalhes de como o fim se desenrolava. Assim como no prelúdio de qualquer Incursão, os olhos sem pupilas da Cisne Negro cintilavam rubros. — Portanto, mostrem-lhe morte.

Maximus checava a bomba trazida por Namor com o auxílio de Corvus, o restante apenas encarou a atmosfera pulsante. Pareciam ignorar as palavras de advertência da Cisne, pois estavam muito seguros de sua capacidade de destruir o outro mundo sem mais delongas. Talvez estivessem até mesmo entediados por saberem que não havia vida orgânica no outro planeta, nada que pudesse, de fato, sofrer.

O grupo não era falante, embora as poucas palavras que trocassem entre si fossem pesadas. Naquele instante, porém, Thanos se pronunciou, sua voz muito calma.

— A Morte é minha amante e eu gosto de mantê-la por perto.

Ela franziu a testa. Aquilo era um esboço de um sorriso? Entre as fissuras de sua pele violeta, a Cisne achava que ali havia um traço de humor ácido. Incomum, inesperado e de graça duvidosa, mas Maximus - o louco - pareceu gostar.

— Sinto em lhe informar, mas pela minha análise os Cartógrafos são máquinas e não há morte para metal, só destruição. Não creio que sua amante virá hoje.

Um sorriso maior se abriu na boca do Titã.

— Quem sabe, então, eu tenha que acabar com um de vocês.

Próxima Meia Noite riu, Terrax também. A Cisne Negro teria deixado esse breve instante de descontração tola e perigosa passar, mas notou algo a mais pelo canto de seus olhos. Namor, próximo de si, permanecia em silêncio e os músculos de seus ombros estavam tensos. Ela olhou o painel da bomba, depois voltou seus olhos à figura dele, de braços cruzados e queixo travado. Fedor de mentiras, bomba, acabar com um deles. A Cisne então entendeu o que Namor pretendia fazer e ele captou seu olhar.

— Perdeu alguma coisa? — Ele lhe perguntou, ríspido. Ríspido e rápido demais, o que em outras palavras, lhe fez parecer suspeito. A Cisne sorriu.

— Eu perdi muitas coisas. A cor da minha pele, da minha alma… Mas isso foi há muito tempo. O que não perdi foi minha capacidade de observação.

Ele estreitou as pálpebras.

— E o que observou agora, Cisne?

— Não sei se seria saudável dizer, príncipe. — Ela deu de ombros. — A menos que queira se oferecer a Thanos. Ele precisa de morte para ver sua amante e hoje ele me pareceu particularmente ansioso. O que observei em você daria uma boa justificativa, não acha? Para uma morte.

— E por que não conta a eles?

— Eu gosto de ver o fim das coisas e desejo ver onde você chega com esse seu truque. Minta, nos traia. As Incursões continuarão a acontecer. A roda é implacável e você não fugirá dela.

— Bobagens. — Respondeu, resoluto. E então continuou, genuinamente intrigado: — Se o fim é tudo o que existe, Cisne, você não é uma hipócrita por tentar sobreviver? Não deveria aceitar o seu fim?

— Talvez. O fim é tudo o que vivi. E é o que quero ver quando tudo o que existe se for.

— Você diz isso com a curiosidade de uma criança ao ver algo morrer. — Ele concluiu enojado, embora a Cisne tenha admirado a comparação. Se crianças daquela Terra observavam a morte, não eram tão diferentes assim - o que fazia da comparação uma mera tolice. — E para que? Para dar sentido a essa sua vida inútil?

Ela poderia ter respondido, mas eles não tinham tempo suficiente para conversas e não era nem necessário conferir no contador de tempo na palma de Namor, dispositivo que mostrava quanto tempo eles tinham até a obliteração. Os Cartógrafos, arautos de coisa muito pior, começaram a descer da atmosfera azul e luminosa. A Cabal inteira se antecipou; Próxima Meia Noite ergueu sua lança, Terrax deu um passo para trás enquanto Corvus virou o tronco. Foi com a iniciativa de Thanos que eles avançaram, indo de encontro com os inimigos. Primeiro, Cisne projetou seus escudos psiônicos em formato de esferas para envolver seus companheiros, e então alcançou voo para levá-los para o planeta morto dos Cartógrafos. Já em solo firme e rochoso, Maximus se preocupou em armar a bomba enquanto o resto iniciava a batalha.

Um confronto direto, recheado de som metálico de impacto e gritos.

A Cisne Negro se movimentava com velocidade, optando por arrancar os braços dos adversários para que não pudessem lhe atingir com tiros ou então logo golpeava suas cabeças. Combater aquelas máquinas não era tarefa simples, tampouco rápida. Até mesmo os integrantes da Cabal, os piores dos piores, tinham dificuldades em manter o ritmo contra aquelas máquinas de carapaça dura e força celestial. Eles, os Cartógrafos, não mostravam hesitação ou compaixão aos inimigos, uma vez que não tinham vida para se apegarem à ela. Eram criaturas com uma programação bem simples: esvaziar e proteger o caminho para seus mestres. E se eles viessem… Bom, então a Cisne saberia que o seu fim estava, de fato, próximo.

Em resposta, ela tentava se manter em movimento, subia em seus troncos para arrancar suas cabeças do pescoço ou revirava-lhe as entranhas apenas com a força de seus dedos. Exigia um pouco mais de concentração, mas ela até poderia se focar em suas próprias pálpebras e disparar rajadas de energia pelos olhos. Só não fazia isso no momento porque isso também a deixava cega por alguns segundos, o que iria lhe custar a vida naquele instante. A luta frenética mal a permitia invocar seus escudos psiônicos, embora ela resolvesse tal questão ao simplesmente desmembrar seu adversário. Era um método bruto, ainda que limpo ao se tratar de máquinas.

Seus companheiros de equipe se espalharam em campo, grunhindo e batendo no que estivesse próximo. Não havia beleza naquela cena de som oco e mastigado, de sangue de ferimentos em seus corpos e óleo respingado das máquinas. Não havia nada além da cor azul doente no céu, pulsando cada vez mais forte.

Ela sentia algo escorrer algo de sua testa, algo quente, e grunhiu por ter sido ferida, mas logo em seguida seu grito foi sufocado. Um dos Cartógrafos pegou-a pelo pescoço, virando-se num gesto violento e mantendo-a suspensa. Ar faltou de seus pulmões enquanto suas mãos arranhavam de maneira instintiva o braço metálico. Foi naquele instante, naquele exato segundo em que todo o tempo pareceu se desacelerar, que ela viu uma figura alcançar a atmosfera, fugindo daquele ambiente angustiante: Namor. E à distância, o brilho amarelo da bomba indicava que ela tinha sido acionada.

E poderia logo explodir.


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Notas finais do capítulo

* A Cisne tem uma variedade de poderes interessante... Ela é forte, resistente, consegue disparar rajadas de luz pelos olhos (embora seja raro), também voa e invoca escudos psiônicos. Ah! E como esquecer de sua telepatia? Engraçado que nada dessas habilidades é muito forte, na realidade. Talvez o maior poder dela é debochar de tudo e não ligar para nada.