Tudo Morre - Rabum Alal escrita por Shalashaska


Capítulo 1
Rabum Alal




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Grande Destruidor

 

"Tudo morre. Você. Eu. Todos nesse planeta. Nosso sol. Nossa galáxia e, eventualmente, o universo em si. É simplesmente como as coisas são. É inevitável… E eu aceito. O que não irei tolerar - o que acho inaceitável - é ir em silêncio, como uma criança chorosa, antes de meu tempo. Há algo lá fora, vindo até nós, tentando matar todos nós - E eu farei com ele o que faria conosco. Irmãos, irmãs. Os anjos caíram e nós, demônios, somos tudo o que restou… Então eu pergunto, vocês irão me ajudar a matar mundos?"

— Namor para

Thanos, Terrax, Proxima, Maximus, Glaive e Cisne Negro.

 

*

O mundo estava tingido pela cor escarlate, não apenas por causa do sangue derramado no chão ou gritos de guerra ao vento. A verdade era ainda mais pesada e não poderia ser limpa, tampouco calada. Estava no ar, no espaço e acima de todos, pulsando em tons rubros: Uma Incursão.

A outra Terra no céu aproximava-se, sua figura vermelha e doentia aumentando a cada minuto, agora maior que uma lua em seu apogeu. A colisão era iminente, absoluta e a mulher que contemplava o planeta sabia disso, de tais verdades terríveis. Quando uma Incursão acontecia - uma anomalia nas entranhas da realidade que fazia um universo se abrir à outro - havia apenas dois finais prováveis: ou os dois planetas dos universos paralelos morriam ou um deles encontrava uma maneira de sobreviver. Não raramente, um mundo aniquilava o outro para evitar a própria morte e era essa a sua tarefa ali: destruir um planeta inteiro. Não se tratava do seu planeta, não. O seu já havia morrido há muitas eras, em oferenda a Rabum Alal, aquele a que tudo consumia. Na época, ela própria se conhecia como Yabbat, uma menina de poucos anos de idade. No dia em que tudo se foi, o céu era vermelho também.

Ela estava calma e lembrava-se de muitas coisas, na tentativa pífia de se recordar quantas vezes já tinha visto tudo morrer. Era uma Cisne Negro afinal e, assim como suas irmãs, tinha visto e cometido atos vis, a maioria deles necessário. Foi seu destino depois de escapar da morte de seu universo, seu novo ofício e identidade: servir a Rabum Alal. Pensou mais um pouco e não conseguiu chegar a um número exato, mas sabia que independente das probabilidades, das formas que todos tentavam escapar e das lágrimas dos fracos, só existia uma constante naquela equação: fim.

A roda era implacável.

Ela andou mais alguns passos, seus braços quentes devido ao sangue que arrancara de seus últimos oponentes. Não se decidia o que era pior: Assistir um mundo morrer indefeso e débil, suas lamentações logo silenciadas por uma explosão, ou se as tentativas vãs de salvá-lo. Mundos com protetores, heróis, guerreiros de todo o tipo eram mais complicados. Alguns eram interessantes, outros patéticos, todos desesperados. Naquele instante, faltava apenas um do grupo e ele estava chorando, talvez clamando por algum deus injusto ou apenas desolado pela morte de seus companheiros. Ela tinha a certeza de ouvir um nome escapar de seus lábios, que logo cuspiram um dente quebrado. Tinha que lhe dar os devidos créditos por conseguir se manter desperto, pois qualquer um naquele instante teria desmaiado pela dor.

— Cisne! — Uma voz a chamou e isto a fez com que ela parasse por um momento. Era Namor. Não desviou o olhar para vê-lo, porém, ainda encarando o último herói derrubado entre concreto e ferragens. Ele tremia. — Não há tempo para brincar.

A mulher franziu os cenhos e voltou sua atenção para as silhuetas de seu time, todos iluminados pelas nuances azuis da bomba que haviam acabado de implantar no asfalto. Todos ali eram conhecidos por serem os piores, os únicos com a atitude de fazer o que era preciso para manter seu universo natal à salvo - mesmo que isso significasse atos hediondos: Thanos, Proxima Meia Noite,Terrax, Corvus Glaive, Maximus e Namor. O último foi quem montou o grupo, a Cabal, uma salvação para a Terra e extermínio para as outras Terras.

Para a Cisne, era uma forma de manter a roda girando e Rabum Alal satisfeito. Para seus novos colegas, havia também deleite em aproveitar o massacre enquanto suas ações eram legitimadas pelo governo. Mas Namor… Namor não era encontrava prazer naquilo e tal coisa a intrigava.

Tinha sido ideia sua, afinal. Ele que a libertou de sua cela, assim como libertou os demais. Nenhum de seus amigos, ou melhor, companheiros de equipe aprovaram sua decisão. Reed Richards o desprezava, T’Challa havia lhe jurado vingança e Stark, Strange, Raio Negro e Fera apenas o toleravam antes que finalmente encerrassem suas relações. De qualquer modo, todos eles puderam viver por mais um dia por causa de Namor e sua capacidade de realizar o que eles não podiam. Namor conseguia cuspir em suas própria dignidade para manter seu povo a salvo, conseguia manchar cada átomo de sua alma para fazer o inominável: Matar mundos.

A Cisne achava a ironia da situação poética e tola. Pessoas que cometiam as mais vis atrocidades para o bem maior sempre a faziam rir e pensar. Ainda bem que aquele soldado, o Capitão América, estava desacordado por magia de Strange desde então. Ele causaria conversas infindáveis sobre honra. Deu de ombros e respondeu:

— Não é brincadeira, nem tolice. — Mesmo com a iluminação opaca, ela viu a sobrancelha de Namor se erguer numa expressão de desdém e raiva. — É misericórdia.

— Pare com isso.

À despeito da negativa, a Cisne tirou sua atenção dele e encarou mais uma vez o herói caído. Escutou Namor avançar alguns passos para impedi-la, mas ele logo parou. Talvez não quisesse parecer fraco na frente dos outros e tal coisa era uma boa ideia. Apesar de ter sido Namor a formar o grupo, sua liderança era cada vez mais questionada em comparação à presença de Thanos.

Ela continuou andando em direção ao herói vestido de verde, uma de suas pernas torcida num ângulo errado abaixo do joelho. Tentava se levantar, gemendo e tremendo como um animal acuado. A Cisne observou o brilho em seus olhos, a pupila dilatada. Compreendeu que o pavor que escorria do suor dele era causado por ver a morte se aproximar. Não podia exatamente culpá-lo pelas reações violentas de seu corpo, pois ele estava ferido e com medo, já ela não passava de uma mulher desprovida de cor a sua frente, sua pele alva feito ossos e roupas negras como o vazio.

Ela se ajoelhou a sua frente até ficar na altura de seus olhos. Notou que uma ferragem do concreto perfurava seu ombro, fincando-o naquela posição indigesta no asfalto. A Cisne pegou seu rosto com as duas mãos num gesto suave, o que o obrigou a encará-la. Ele ainda tremia, mas pareceu surpreso com o toque gentil e, assim como a maioria dos moribundos, desatou a falar, buscando conforto em palavras vãs.

A Cisne sentiu curiosidade e perguntou seu nome. Ele lhe disse, sua voz engasgada, porém ela não entendeu o que significava.

— Nós… Nós fizemos tudo. — Uma breve pausa por conta do sangue na boca, uma tosse incontida. — Tudo o que…Podíamos.

— Eu sei.

— Por que? — Apesar das mãos da Cisne em seu rosto, seus olhos vagaram para o céu vermelho por um momento, depois voltaram ao chão, onde jaziam os corpos de seus compatriotas e toda a destruição de uma cidade. Ele não acharia respostas ali. — Por que?

— Não importa mais. — Ela disse e o brilho dos olhos dele cintilaram como quem encontra alívio. Estava certo, mas não da forma que imaginava. — Não foi o suficiente.

Com um estralo baixo, a Cisne Negro girou a cabeça do homem num um gesto súbito. Não falou mais, mas seus olhos permaneceram abertos, assustados. Logo seu pescoço pendeu mole para baixo, morto. Ela se levantou e lhe deu as costas, aproximando-se do resto de seu grupo.

— A colisão acontecerá em breve. — Foi só o que disse. — E esse planeta deve morrer logo.

Corvus Glaive acionou a bomba com um gesto desinteressado, assim como o restante ali. Menos Namor. Ele segurava uma expressão amarga em seu rosto, a boca comprimida e a testa franzida. Ao passar perto dele, ele segurou seu antebraço com força e perguntou com o máximo de controle que podia:

— Aquilo foi misericórdia?

A Cisne desceu seus olhos até as mãos de Namor, também tingidas de sangue ainda morno. Depois olhou-o longamente, seu breve silêncio retrucando a ironia da situação. Ele também estava sujo, também havia matado.

— Misericórdia seria deixá-lo para ver a bomba explodir e tudo morrer?

Ele não respondeu, porém não soltou-a. Escorreram-se alguns segundos até que falasse algo, sua voz baixa:

— Qual era o nome dele? Eu a ouvi perguntar, mas não ouvi a resposta.

— Não compreendi ao certo. — Ela foi honesta, embora ele duvidasse. — Deve ser um título, assim como os heróis da sua Terra insistem usar. Esperança.

A face dele se endureceu, enquanto os outros da Cabal sorriram. Maximus gargalhou.

— É claro que ele seria o último a morrer.

Ela sentiu ter perdido a referência sobre o assunto. Talvez fosse algo daquela Terra, um dizer local que ainda não compreendia, mas não se importou por muito tempo. Soltou-se do aperto de Namor, que já não aplicava tanta força em seus dedos.

— Está errado, de qualquer forma. O planeta será o último a morrer aqui e, a menos que também desejem servir de oferenda a Rabum Alal, sugiro voltarmos logo.

Eles partiram.

Já no universo a qual pertencia, Namor olhava para o céu rubro e para a explosão colossal que se expandia acima das nuvens. A Cisne o observava com atenção, intrigada pelo modo que o rosto dele sempre se torcia em expressões de fúria, pesar. Não havia mais a leveza do humor ácido que conhecera, nem mesmo a sombra de seu deboche petulante. Talvez ele estivesse pensando no herói trajado em verde, Esperança, que a Cisne Negro havia liquidado com suas próprias mãos. Ainda assim, ele tinha a cor vermelha nos braços e determinação em seus olhos escuros. Ele faria de novo. E de novo. E de novo. Mesmo que isso o partisse por dentro.

Isso era bom para sua sobrevivência e a de seu povo, pois Rabum Alal tinha fome e as Incursões continuaram a acontecer. Haviam sobrevivido por mais uma temporada, mas a roda era implacável e o fim a única coisa que existe.

E ela estaria lá para observar.


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Notas finais do capítulo

*Algumas frases da Cisne são ditas em Alto Sumério, embora eu tenha visto gente debater que a língua na verdade é Akkadio.

*Caso encontre algum erro gramatical, coesão e coerência, por gentileza me avise!