— Se eu soubesse que você iria passar mal com o comprimido, eu não teria te dado. Morgana quase descobriu sobre a festa — a voz de Raina tinha um certo tom brincalhão.

Nix estava sentada em uma cama hospitalar, sentindo um leve enjoo.

— E o que você disse à ela? — perguntou, imaginando algumas desculpas que ela possa ter usado.

Nix já havia se metido em situações parecidas, a qual amigos não tão próximos acabavam se drogando e ficando muito ruins. A diferença é que ela sempre os largava em algum canto após passar a mão em suas carteiras.

— Falei que você se revoltou e tomou umas pílulas que trouxe junto consigo, pra afrontar. Lynae te encontrou no chão do quarto, desacordada já.

— E ela acreditou?

A porta se abriu no mesmo instante, e a figura da mulher-deusa apareceu, o semblante preocupado, embora mantinha o profissionalismo.

— Nix Eriksen, você nos deixou preocupados. Eu entendo que esteja se sentindo traída por seu padrasto, mas não aconselho descontar sua mágoa em seu próprio corpo. Não estamos aqui para ficar vigiando cada passo que a senhorita dá, mas sugiro que me procure semanalmente, para conversarmos sobre o seu bem-estar. Eu estou aqui a sua disposição, para te ajudar.

A voz macia da diretora fez com que Nix não tirasse os olhos dela. Concordando com a cabeça, seu pensamento gritava para que ela negasse a ajuda terapêutica. Mas como poderia dizer não à ela? Era impossível. A platinada sentia-se hipnotizado por ela. Sem dizer mais nada, a mulher sorriu e partiu silenciosa, da mesma forma a qual surgiu. Nix piscou os olhos três vezes após sua saída, voltando a encarar Raina.

— Acho que não estraguei a sua festa, no fim das contas. Quando vou poder sair daqui? — sentia-se desconfortável em estar presa dentro daquele quarto.

A acastanhada olhou ao redor e, com um sorriso nos lábios, indicou a porta com a cabeça.

— Se você estiver disposta a andar, podemos ir agora mesmo. Tem um lugar que eu quero que você conheça.

~

Nix surpreendeu-se ao abrir a porta de veludo que dava para um quarto interativo. Era como uma sala de descanso, mas aparentava ter sido decorada pelos alunos. Ali estavam Lynae, Magno, William, Iris, o garoto que acompanhara Tyra na festa e um rapaz que Nix não conhecia. Estavam ouvindo uma música americana enquanto jogavam algum jogo de baralho. Raina fechou a porta e foi até o pessoal.

— Este é Uriel. Embora pareça muito com Will, eles não são irmãos ou algo do tipo. — tocou na cabeça do rapaz, bagunçando um pouco os cabelos — A ruiva é a Íris. Ela curte plantas. E este aqui é o Frank, irmão da Tyra. Eles não têm nada a ver, ao menos não em relação à personalidade. O Frank não é um pau no cu.

Nix acenou para eles, sentando-se entre William e Lynae. Olhou para o rapaz, franzindo o cenho. Seu cheiro remetia-lhe a algo o qual ela não conseguia lembrar. Percebeu o sorriso malicioso em seus lábios sumirem, dando lugar para uma expressão de preocupação. Não era como se ele estivesse olhando pela saúde de Nix, mas como se... Como se estivesse escondendo algo. Algum tipo de vergonha? Medo? Teria ela o assustado, ou talvez feito ele passar vergonha antes de apagar por completo? O black-out em sua mente fazia com que sua cabeça começasse a latejar. Queria entender como foi que aquela droga conseguiu derruba-lá. Nix fitou o centro da roda o qual os alunos se encontravam. Magno embaralhava as cartas, enquanto dizia:

— Você perdeu o primeiro dia de aula hoje, Nix. O senhor Joe não gosta muito quando seus alunos faltam — comentou afim de amenizar o clima.

— O senhor Magno não deveria dar sugestões para a minha vida. — retrucou com um sorriso nos lábios, jogando o tronco um pouco para trás, apoiando-o com as mãos. — O que estão jogando?

— Pôker, mas a Lynae roubou o Will na surdinha e ele descobriu. Aí ele jogou todas as fichas longe. Não foi legal. — o tom na voz de Íris era meio tristonho, como se estivesse magoada com o garoto.

— Frank, eu preciso de você agora, maninho, assunto urgente vindo de Lo— Tyra calou-se ao encontrar Nix na sala. Mal entrou na sala e já havia fechado o semblante. — Eu preciso conversar em particular com você. Pode vir, querido? — a voz doce dela escondia a gravidade do assunto. O moreno suspirou, indo até a irmã e saindo do cômodo.

Eriksen franziu o cenho. Vislumbrar a figura de Tyra havia lhe dado certo calafrio — como se necessitasse se defender. Não estava se sentindo confortável ao redor de pessoas que não conhecia direito. Que tipo de intimidade havia dado a eles para que pudesse ser incluída em clubes secretos? Ela não teve tempo nem de decorar seus nomes ainda! Sentindo vertigem, a platinada pôs-se de pé, levando a mão esquerda à sua testa, pressionando-a levemente enquanto ficava imóvel, esperando o mal estar passar. Olhou então para Raina, indo até ela.

— Agradeço pelo convite, mas estou precisando de um ar. Mais tarde a gente se tromba?

— Tudo bem... Até mais, Nix. — Raina se despediu, mexendo no colar de ouro, o qual o pingente parecia ser bem maleável.

Nix saiu de lá com uma leve dor de cabeça. Prosseguiu pelo corredor sem um rumo específico. Não queria ir para seu quarto, pois Lynae poderia encontrá-la lá e, no momento, não queria ver ninguém. Decidiu ir para a área externa, entrando no início da floresta.

Sentou-se em cima de uma pedra, cruzando as pernas. Fechou os olhos por um momento, sentindo o vento bater em seu corpo. Suspirou, sentindo-se bem ao estar em contato com a natureza. Tentou então organizar os seus pensamentos, marcando tudo o que havia feito desde que chegara ao Internato.

Havia conhecido Raina e Lynae. Descobriu o campus. Foi recebida pela diretora e conheceu Idália. Entrou para o clube de Dança e de Natação. Dançou para provocar Tyra, a garota que provavelmente seria seu mártir. Se trocou e foi à festa de Raina com Lynae. Tomou uma pílula quando conheceu Magno e William. Apagou. Acordou no quarto hospitalar, saiu de lá e conheceu mais algumas pessoas. E agora estava sozinha, na floresta.

Mas algo não se encaixava. Não era possível, ter ficado tanto tempo apagada. Principalmente com as medicações e nutrientes que deve ter tomado na veia para acordar. Por que seu corpo demorou para despertar? Outra questão que lhe martelava a cabeça era o dourado presente em Raina. Tudo que a garota tocava tinha a cor não tão comum aos outros. E a maleabilidade dos objetos... Era impossível que aquilo não fosse ouro de verdade. Era tão rica a ponto de cagar o elemento químico? Limpar sua bunda com papel de ouro? Quem cometeria tal desperdício?

Apoiando as mãos nos joelhos, a platinada respirou fundo. Uma voz ecoou ao seu redor, vinda com o vento. "As respostas estão na sua frente. Afunde-se nas questões. A sua hora está chegando, datter av Bergelmir."

Os pelos de seu corpo se arrepiaram e Nix abriu os olhos, atônita. O que aquela voz havia lhe dito? Quem era Bergelmir, e quais respostas estava buscando? Eram estas as questões que deveria se aprofundar? Quem caralhos gosta de enigmas em pleno 2019?

— Está tudo bem?

A platinada virou-se para olhar quem estava falando consigo, mas no mesmo instante uma grande dor de cabeça tomou conta de si. Antes que pudesse xingar quem quer que fosse e enxotar a pessoa de seu espaço pessoal, Nix perdeu as forças, caindo da pedra.