Os Treze Guardiões escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 8
O segredo dos guardiões


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é um divisor de águas na história. Espero que gostem!



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— É claro que devemos ir! – afirmou Leo, empunhando uma batatinha na cara de Renata.

— Não está nada claro! — retrucou ela – A gente não pode ir assim pra casa de um cara desconhecido. E se ele for um psicopata que quer nos despedaçar e nos congelar no freezer?

— A Lorena pode se transformar num tigre – apontou ele – Se ele tentar nos atacar,é só ela rasgar a garganta dele.

— Não vou rasgar a garganta de ninguém – protestei – Mas, por mais que eu odeie admitir, ele tem razão. Se as coisas ficarem feias, temos como nos defender.

— Ainda assim – falou Samir, apoiando o queixo na mão – Nem sabemos se ele pode mesmo nos ajudar.

— Temos que pelo menos checar – disse Ricardo – Não temos muita escolha.

— Sem falar que é uma ótima oportunidade de todo mundo se conhecer melhor – falou Paulo, aparecendo de repente, com Daniel, Bernardo e Eric a tiracolo – Eu mesmo trouxe nosso bom amigo Eduardo aqui pra participar da reunião.

Ele havia literalmente trazido Eduardo, segurando-o pela manga. Este sustentava uma careta no rosto pontiagudo, parecendo desejar estar em qualquer lugar, menos ali.

— Isso é idiotice – falou – Não vou me encontrar com professor nenhum. Vai saber que tipo de maluco ele é.

— Então você vai simplesmente esperar até se transformar em algum bicho pra começar a se preocupar? – perguntou Ricardo, calmamente.

— Acredite, querido, ninguém aqui está muito empolgado – disse Pâmela, sem parar com o seu hábito irritante de lixar as unhas. – Eu mesma tive que desmarcar minha manicure por causa dessa palhaçada toda.

Renata a fuzilou com o olhar. Se tinha alguém que detestava Pâmela mais do que eu, era ela.

— Nossa, Pâmela, tem como você ser um pouco mais fútil? – perguntou.

Pâmela levantou o olhar, parecendo muito surpresa e ofendida.

— Não sei – disse – Será que tem como você ficar um pouco mais insuportável?

Renata abriu a boca pra responder, mas eu a fulminei com os olhos antes que fizesse isso. O refeitório estava lotado, então um animal imenso no meio da multidão com certeza não passaria despercebido.

— Bom, se é pra gente passar mais tempo juntos... – Leo falou, passando o braço em volta do ombro de Gisele – Acho que vou gostar bastante.

Gisele ficou imediatamente vermelha, mas não mais que o Samir, que parecia que ia explodir.

— Deixa ela em paz, seu idiota – disse – Não tá vendo que tá deixando ela constrangida?

— Qual é, mermão? – retrucou Leo – Nem to falando contigo!

— Você nem conhece ela direito! E fica aí achando que pode...

— Ei! – exclamei – Assim não dá! A gente não consegue passar dois minutos juntos sem começar a brigar. Alguém aí quer que outro acidente aconteça?

— É simples, fofa – falou Pâmela – Nenhum de nós gosta um do outro, só estamos juntos por uma coincidência muito infeliz.

E realmente, muitos alunos estavam parando e nos encarando com estranhamento, já que a maioria de nós não andava junto ou mal se falava direito. Do jeito que estávamos, éramos um grupo condenado. Suspirei.

— Certo – disse – Então vamos resolver logo essa história. Quem é a favor de ir hoje à tarde?

— Eu – disse Ricardo prontamente.

— Eu também – murmurou Eric, encarando Ricardo com um olhar de irritação.

— É, bem – suspirou Pâmela – Fazer o que?

Todos foram concordando, até que sobrou apenas uma pessoa em silêncio. Todos encaramos Eduardo, que, com um suspiro, cedeu.

— Tá, tanto faz – falou – Eu vou.

— Legal – disse Gisele – Espero que todo mundo tenha uma boa desculpa pra dar pros pais.

— Aula de monitoria – falou Samir.

— Treino de futebol – Leo deu de ombros.

— Grupo de estudos – suspirei. Minha mãe ficara tão animada quando eu disse que ia estudar à tarde, o que só fez com que o bolo de culpa aumentasse na minha garganta. Mas o que eu podia fazer? Não é como se eu pudesse contar a ela o que estava acontecendo.

— Certo, então todo mundo no ponto de encontro às duas horas – falei – Acho que ninguém quer chegar lá sozinho.

Todos concordaram, e eu esperei que, o que quer que fossemos descobrir lá, valesse a pena todo o esforço.

*                                                *                                        *

— O cara mora isolado, quase na entrada do bosque – comentou Daniel – Agora até eu to começando a desconfiar.

— Se ele quiser matar a gente, tem muito terreno pra nos enterrar – concordou Paulo – Pessoalmente, eu queria ser jogado no rio. Acho mais poético.

— Eu preferia não morrer — disse Renata – Mas não acho que o cara seja um assassino. Ele é só esquisito, mesmo.

Olhei em volta, para o caminho em que estávamos seguindo. As árvores do bosque se destacavam atrás da barragem.

O bosque de Morro Alto era bastante conhecido por ser imenso e repleto de várias espécies de animais e plantas. Ele parecia se estender infinitamente, e, fazendo jus ao nome da cidade, era repleto de morros cobertos por uma extensa vegetação. A única coisa que separava o bosque da cidade era uma cerca imensa de madeira, impedindo que animais selvagens ultrapassassem.

A casa do professor Santiago era quase no limite da barragem. Nós já podíamos vê-la de onde estávamos. Era pequena e simples, com uma porta antiga de madeira e um telhado amarronzado. Não havia muitas outras coisas por perto, a não ser a fábrica da indústria madeireira da cidade e um mercado antigo.

— Bom, já chegamos até aqui – falei – Acho que devemos continuar.

Fomos andando em silêncio até a casa. De alguma forma eu havia assumido a posição de liderança, e fui eu que, após um segundo de hesitação, bati na porta, ouvindo as batidas ressoarem do lado de dentro.

Mal se passaram dois segundos quando a porta foi escancarada, revelando a figura do professor. Ele estava com a aparência muito mais informal do que quando estivera na universidade. Os cabelos pretos caíam sobre os ombros, e ele usava uma camisa branca simples e calças jeans. Quase parecia um estudante universitário.

— Vocês vieram – disse, olhando com surpresa pra nós – Não esperava um grupo assim tão grande.

— Estávamos todos muito interessados na sua explicação – eu disse, envergonhada – Se não tiver problema.

— De maneira alguma – assegurou ele – É um prazer receber jovens tão interessados. Entrem, fiquem à vontade.

Ele deu um passo para o lado, nos permitindo passar. A casa parecia bem maior por dentro que por fora, e tinha uma atmosfera aconchegante. Havia prateleiras de livros por quase todas as paredes, e dois sofás e uma poltrona de aparência confortável rodeavam uma pequena televisão.

— Sentem –se – falou o professor, indicando os sofás – Fiz um pouco de café e biscoitos. Não sei se vai dar pra todo mundo, mas...

— É muito gentil da sua parte – falou Gisele, sempre perfeitamente educada, sentando no sofá com a postura ereta.

Como ficou claro que a poltrona era o lugar do professor – a julgar pelo lençol e o livro acomodados nela – Nós todos nos espalhamos pelos sofás, e os que não couberam sentaram no chão. O professor retornou meio minuto depois, segurando uma bandeja repleta de xícaras de café e biscoitos.

— Aqui está – falou, colocando-os na mesinha de centro. – Sirvam-se.

Eu peguei uma xícara de café fumegante e tomei um gole grande. Sentia que aquela conversa ia ser muito longa.

— Muito bem – falou o professor, correndo os olhos por nós – Eu já conheço os jovens que vieram falar comigo na universidade. Lorena, certo? – falou, olhando pra mim, e eu assenti. – E Ricardo e Eric – apontou para os dois, sentados em lados opostos da sala. – Gostaria de conhecer o resto de vocês.

Cada um foi se apresentando, enquanto eu os observava em silêncio. Alguns pareciam totalmente à vontade, como Paulo, que apoiava seus pés na mesa de centro. Outros, como Sofia, pareciam querer desaparecer dali o mais rápido possível. Eu não sabia em qual grupo me enquadrava. Talvez algo entre os dois.

— Muito bem – disse ele, se acomodando na poltrona – Imagino que estejam curiosos sobre a pedra cônica.

Pisquei. Era a primeira vez que a ouvia sendo chamada assim.

— Vou contar um segredo pra vocês – ele falou, tomando um longo gole de café – Eu menti para os peritos do museu.

Todos prendemos a respiração de surpresa. Até onde eu sabia, aquilo podia ser ilegal.

— Não foi uma mentira completa – disse ele – A pedra pertenceu, sim, aos indígenas, durante um longo tempo. Mas não foi sempre assim. Antes, ela pertenceu a um grupo diferente de pessoas.

— Que pessoas? – Bernardo perguntou, com sua voz profunda, e a imagem do urso rosnando no pátio da escola pipocou na minha cabeça.

Santiago abriu um sorriso misterioso, deixando seu rosto um pouco sombrio por um momento.

— Se minhas pesquisas estiverem corretas – disse – E elas sempre estão, há aproximadamente duzentos anos atrás, uma comunidade druida se instalou nos nossos bosques.

— Druidas? – perguntou Samir – Eles não eram uma espécie de bruxos ou coisa do tipo?

— Coisa do tipo – concordou o professor – As artes indígenas retrataram bastante a presença deles em nossas florestas. Supostamente, eles praticavam uma espécie de magia ancestral, canalizando poder da natureza, dos rios e do céu, das plantas e animais.

— E o senhor acredita nisso? – perguntou Renata. Ela estava sentada de braços cruzados no sofá, mas seus olhos brilhantes denunciavam que ela estava completamente envolvida na história.

Santiago a encarou, a expressão muito séria.

— Não apenas acredito – falou – Como consegui provas de que eram reais. E presumo que todos vocês acreditam também, ou não estariam aqui nesta sala, hoje.

Todos trocamos olhares desconfortáveis uns com os outros. A atmosfera na sala estava começando a ficar pesada, e havia um cheiro pungente pairando num ambiente, que eu logo reconheci: Medo.

— Então – falei, tentando quebrar o clima tenso – Um grupo de druidas viveu aqui há algumas centenas de anos. Certo. O que isso tem a ver com a pedra?

Tudo a ver – afirmou o professor – Os druidas coexistiram pacificamente com os índios por muitos anos, pois ambos tinham uma relação de amor e respeito pela natureza. Mas, um dia, as coisas mudaram. A cidade e as aldeias começaram a ser atacadas.

— Por quem? – perguntou Daniel – Quem ia peitar um bando de índios e bruxos fodões?

A expressão de Santiago era muito séria. Um arrepio percorreu minha espinha, como se prevendo o que estava por vir.

— Assim como existe magia boa e pura, canalizada da natureza – disse ele – Existe também a magia corrompida, usada para fins vis, e aqueles que cedem a ela. Os ataques foram feitos por bruxos que cederam à magia negra, que escolheram o caminho das trevas.

A sala ficou muito silenciosa, e eu podia sentir o medo pairando no ar, como se todo mundo esperasse que os tais bruxos pudessem aparecer a qualquer minuto.

— A magia negra – continuou Santiago – Cobra seu preso para quem a usa. Ela modifica e deforma seu corpo de tal maneira que o bruxo passa a não parecer sequer humano, mas uma coisa vil, errada, um monstro. A cidade e as aldeias foram preenchidas pelas figuras que povoavam os pesadelos das crianças e protagonizavam as histórias de terror. E havia um líder, um chefe dos bruxos que, segundo pesquisei, era o pior de todos.

— Isso é tão Harry Potter — comentou Paulo – O nome do cara era Voldemort?

Todos pararam pra encarar Paulo por um momento. Eu só tive tempo de ver Renata atirar seu estojo na cabeça dele.

 Santiago não parecia divertido. Sua expressão era muito grave.

— Isso não é um livro ou filme de ficção. Isso é real, e muito perigoso. – disse – A criatura que liderava o exército escuro não tinha um nome definido; este fora perdido há muito tempo. Mas os indígenas o chamavam de Kaî, que significa queimar, pois era isso que ele fazia ao passar pelas cidades.

Engoli em seco. Aquilo estava se revelando muito pior do que eu imaginava. Troquei olhares com Gisele, e ela parecia compartilhar o sentimento.

— Então os bruxos que aqui residiam decidiram tomar uma atitude – prosseguiu Santiago – Foi quando surgiu a ideia dos “guardiões”. A ideia de um guardião é de alguém que protege e guarda um lugar e aqueles que nele residem. Foi então criado um feitiço poderoso, no qual cada bruxo assumiu a forma de um animal, cada um com poderes particulares, e cada um se tornou guardião de uma região da cidade, combatendo os bruxos que trabalhavam para Kaî.

Eu pude sentir o impacto que se espalhou pela sala inteira. Era por isso que estávamos esperando.

— Mas como se transformar em animal poderia ajudar a combater os bruxos do mal? – perguntou Renata.

Santiago assentiu, como se estivesse esperando pela pergunta.

— Um dos maiores poderes dos bruxos que cedem à magia negra é a capacidade de possessão e controle da mente – disse – eles se infiltram nos seus pensamentos, plantam idéias venenosas na sua mente, e são capazes de controlar os espíritos mais fracos. Mas os animais possuem uma mente mais simples que as dos seres humanos, e, de certa forma, menos suscetíveis ao controle. Como animais, os bruxos estavam a salvo da influência das trevas.

— Mas afinal – perguntei – O que esses bruxos do mal queriam aqui? Por que estavam atacando a cidade?

— O exército escuro se alimentava de dor e sofrimento – respondeu Santiago – atormentar as almas daqui para eles era um prazer. Mas aqui, nesta cidade em específico, havia uma coisa. Uma coisa que eles queriam. Uma coisa que os guardiões protegiam.

— A pedra – adivinhei.

— Não somente a pedra – assentiu Santiago – Ela era um condutor poderoso de magia, mas Kaî e seus asseclas procuravam também por outra coisa. Dizia-se que aqui, na floresta, havia uma espécie de santuário, um lugar com uma fonte inesgotável de magia, que alimentava todo o bosque. Com ele, Kaî poderia se tornar invencível, indestrutível, caso absorvesse toda a magia.

— E o lugar onde encontraram a pedra? – perguntou Gisele – Não era esse o santuário?

Santiago balançou a cabeça.

— A pedra foi encontrada no meio de ruínas antigas – disse – Não havia nada de especial no lugar. De alguma forma, ela foi separada do seu lugar de origem.

— Espera um pouco – interveio Leo – Essa pedra mágica bizarra, que um monte de bruxos malignos tá atrás, está guardada no museu? Onde qualquer um pode invadir e roubar?

— A pedra não é muito útil se mantida longe do santuário – disse Santiago com um sorrisinho – Ainda mais agora, que os guardiões que ela guardava estão dentro de vocês.

Eu abri a boca de espanto, e todos os outros fizeram o mesmo, os olhos arregalados de choque.

— Você sabia? – perguntei, assim que me recuperei.

— Eu suspeitei quando você e seus amigos foram me procurar na universidade – disse – Mas quando vi vocês todos aqui, eu soube. Eram treze os guardiões; vocês estão em treze. A pedra escolheu vocês.

— Como assim, nos escolheu? – perguntou Eduardo, com a testa franzida.

— Você não acha que foi mera coincidência todos terem se reunido naquele dia, acha? – exclamou Santiago – A magia tem seu jeito de conseguir o que quer. Vocês todos possuem o perfil de cada um dos animais guardiões. Eles escolheram vocês, com base em suas personalidades, e se fundiram a vocês.

Ergui as sobrancelhas, surpresa. Em nenhum momento eu pensara que a escolha dos animais não tinha sido aleatória. Pensando bem, fazia um pouco de sentido. Gisele era ágil; assim como um guepardo. E Bernardo... Bem, ele certamente era grande e forte como um urso.

Mas eu, um tigre? Eu não conseguia ver nenhuma ligação.

— Estou curioso – disse Santiago – Como conseguiram ativar o feitiço? Eu mesmo fiz a leitura daqueles pergaminhos, e pensei que a magia estivesse bloqueada há séculos.

Todos trocamos olhares. Sofia se encolheu no sofá, pálida. Com surpresa, percebi que nenhum de nós queria entrega-la. Nem mesmo Eduardo ou Pâmela abriram a boca.

— Não sabemos – eu disse, por fim – Simplesmente estávamos lá, e... Aconteceu. A sala inteira começou a tremer e ventar, e todos tivemos uma sensação estranha, e foi isso.

Santiago ergueu as sobrancelhas. Eu podia dizer que ele sentia que estávamos escondendo algo, mas não insistiu no assunto.

— Interessante – murmurou – Certamente estava destinado a acontecer.

— Existe uma maneira de reverter o feitiço? – perguntou Bernardo, de repente – Um jeito de fazer a gente voltar ao normal?

Voltei-me para Santiago com atenção. Eu também queria saber sobre isso.

— Existe uma maneira – Santiago falou, devagar – Quando a guerra acabou, os guardiões abriram mão de sua forma animal e as depositaram de volta na pedra. Porém, receio que as páginas do contra feitiço foram há muito perdidas. O pouco que se conseguiu recuperar está no museu.

— Mas nós podíamos procurar, certo? – perguntei, ansiosa – Temos uma chance de conseguir achar.

— Uma possibilidade remota – disse ele – Mas sim.

A despeito das chances serem pequenas, me agarrei àquilo. Mesmo que houvesse uma chance mínima, já era alguma coisa. Eu ia achar aquelas páginas.

— Mas porque íamos querer reverter? – exclamou Paulo – Isso é foda, cara! Nós podemos fazer mágica! Nós podemos fazer mágica, não podemos? – perguntou, olhando para Santiago com os olhos brilhando.

— Com o tempo, sim – assegurou Santiago – Mas, antes de tudo, devem aprender a controlar a transformação, para evitar acidentes indesejados.

Novamente, trocamos olhares nervosos.

— Bem... Isso meio que já aconteceu – disse Gisele – Alguns de nós já se transformaram.

Os olhos de Santiago se arregalaram em surpresa.

— Tigre – levantei a mão.

— Guepardo – falou Gisele.

— Urso – disse Bernardo, completamente desanimado.

Um pequeno sorriso de animação coloriu o rosto de Santiago.

— Fascinante – murmurou – Consigo enxergar a ligação.

Eu esperava que ele me explicasse, porque eu não conseguia ver nenhuma.

— Legal, e como fazemos pra controlar isso? – perguntou Eric, olhando para Santiago com desconfiança – E como você pode nos ajudar?

Santiago devolveu o olhar de Eric com a expressão tranqüila.

— Eu li muito a respeito, pelas traduções que consegui fazer dos pergaminhos – disse – Devo confessar a vocês, não entreguei tudo ao museu. Grande parte está aqui, comigo. E, receio ter de dizer isso, mas acredito que vocês não tem mais ninguém a quem recorrer.

— Ele tem um ponto – murmurou Samir.

— Se vocês me permitirem, posso fazer uma demonstração – ofereceu Santiago – Preciso que alguém se voluntarie. De preferência, alguém que ainda não tenha se transformado.

Todos se entreolharam nervosos. Mesmo os gêmeos, que pareciam empolgados com a história toda, pareceram ficar assustados.

— Eu vou – alguém disse, subitamente.

Olhei pra cima e vi Ricardo levantando-se do chão e indo para o centro da sala.

Santiago abriu um pequeno sorriso, como se já estivesse esperando.

— Recomendo que façamos isso no quintal dos fundos – disse ele – É espaçoso o suficiente, e felizmente não tenho vizinhos que possam observar nossa pequena atividade.

Todos nós nos levantamos e seguimos os dois até o quintal. Eu me sentia completamente ansiosa, abrindo e fechando as mãos para tentar manter o foco.

— Não sei, não – murmurou Gisele pra mim – Não to muito a fim de repetir o que aconteceu com o Bernardo.

— Ah, relaxem – cortou Renata, saltitando ao nosso lado – Lorena, vai me dizer que não tá nem um pouco curiosa pra ver no que o seu futuro namorado vai virar?

Olhei de relance para Ricardo. A expressão dele era determinada, mas eu pude enxergar uma pontinha de medo, e senti uma onda de preocupação por ele.

O quintal de Santiago realmente era espaçoso, talvez até um pouco maior que a casa, inexplicavelmente. Todos nos espalhamos pelos cantos, os olhares ávidos de quem estava prestes a presenciar um show.

— Ricardo, venha para o centro, por favor – pediu Santiago.

Sem pestanejar, Ricardo se moveu para o meio do quintal, a um raio de pelo menos três metros de cada um de nós. Eu só conseguia ficar mais ansiosa a cada minuto.

— Agora, a maioria de vocês deve achar que a transformação e catalisada pela raiva — falou Santiago – Mas, na verdade, ela tem a ver com liberar energia. Então, Ricardo, tudo o que você precisa fazer é se concentrar. Libere todos os seus sentimentos, sejam eles bons ou maus. Se você se conectar com sua essência, automaticamente se conectará também com seu animal guardião.

Eu pessoalmente, não havia entendido um terço do que ele tinha dito, e parecia que eu não era a única. Muitos estavam encarando o professor com a expressão confusa.

Mas Ricardo pareceu compreender. Respirando fundo, ele fechou os olhos, o rosto numa expressão de profunda concentração.

— A qualquer momento agora... – murmurou Santiago.

E então a silhueta do Ricardo tremeluziu. Um pelo dourado começou a lentamente se espalhar pelo corpo dele, o cabelo cacheado se expandindo até se tornar uma espécie de juba...

E então Ricardo já não estava mais ali.

— O leão — exclamou Santiago – Eu devia ter imaginado.

O leão imenso no meio do quintal olhou para nós e soltou um rugido poderoso – tão alto que me fez tremer nas bases. Eu agradeci silenciosamente por não ter nenhum vizinho por perto.

— Ah... Meu... – Renata gaguejou do meu lado.

— Fiquem calmos – pediu Santiago – Se ele se concentrou da maneira que eu orientei, então ele está completamente em poder de suas faculdades mentais.

Eu esperava sinceramente que fosse verdade, porque o leão parecia ostentar uma expressão faminta.

— Agora, Ricardo – Santiago falou – Para recuperar sua forma humana, é muito simples. Basta se ancorar em algo que o faça se sentir humano. Pode ser um objeto. Pode ser um momento, uma lembrança. Pode ser uma pessoa. Apenas foque nisso e voltará a ser humano.

Eu lembrei de quando eu mesma me transformara, e fora trazida de volta depois de pensar nos meus amigos, na minha irmã e na minha mãe. Isso fazia sentido agora.

O leão ficou parado e em silêncio por um momento. Por um segundo, eu podia jurar que olhara diretamente pra mim.

E então, simples assim, Ricardo estava no centro do quintal de novo.

— Muito bem – aprovou Santiago – Você é um talento nato, garoto.

— Isso foi... – Ricardo gaguejou, parecendo meio confuso, como alguém que acaba de despertar de um sonho – Muito louco.

— Imagino que seja bem desorientador na primeira vez – assentiu Santiago – Em breve, todos vocês serão capazes de se transformar e destransformar com a mesma facilidade com que respiram. Basta que tenham concentração. Se quiserem, posso continuar a ajudá-los com isso, se aceitarem vir a minha casa algumas vezes por semana. Assim, podem aprender a controlar a transformação e magia dentro de vocês, e a aprender um pouco da sua história.

Todos começaram a murmurar em concordância. Alguns já pensavam em desculpas para os pais para as saídas que os levariam até ali.

— É importante que vocês entendam a magnitude do poder que está dentro de vocês – enfatizou Santiago – Vocês são os guardiões agora. E, embora isso traga uma grande gama de poderes, também atrai grandes perigos. E é importante vocês estarem preparados pra isso.

Era demais pra mim. Silenciosamente, saí do quintal e voltei para dentro da casa, a cabeça zumbindo com a quantidade imensa de informações novas.

Quando cheguei na sala, observei surpresa que não tinha sido a única a sair do quintal. Eric estava sentado no sofá, os fones nos ouvidos, parecendo distraído.

Sentei ao lado dele, e ele deu um sorrisinho, retirando os fones.

— Também não consegue respirar? – perguntou.

Expirei, tentando normalizar o batimento do meu coração.

— Algo assim – murmurei.

Ele balançou a cabeça, com uma pequena careta no rosto.

Claro que o Sr. Limusine é um leão. É tão óbvio que não sei como não adivinhei antes.

Olhei pra ele, com um pequeno sorriso decorando os lábios.

— Ele é legal – falei – Não sei porque você odeia tanto ele.

— Não odeio ele – retrucou – Só não confio muito nele. Ninguém é tão perfeitinho assim.

— Ele não é... – comecei, mas ele balançou a cabeça.

— Desculpa. Não vou mais falar disso. Sei que você gosta dele.

Senti meu rosto corar, sem saber se ele estava falando de gostar como amiga ou de outra espécie de gostar.

— Eu só queria que isso tudo acabasse – suspirei – Não pedi por nada disso. Só quero ser uma garota comum, com uma vida comum.

Eric me olhou de canto, parecendo divertido.

— Você nunca foi uma garota comum.

E saiu da sala, me deixando ali sozinha com os meus pensamentos.


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Notas finais do capítulo

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