Os Treze Guardiões escrita por Miss Lidenbrock


Capítulo 9
Sombra à espreita


Notas iniciais do capítulo

E finalmente o primeiro encontro da Lorena e do Ricardo... Serassi vai rolar? Hehehe



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— Você tá roubando! – Giulia reclamou, atirando frustrada o baralho no chão.

— Não dá pra roubar no Uno, Giulia – falei pacientemente – Você que é uma droga nesse jogo. Quem tira zero, pode trocar o baralho. Ponto.

— Você inventou essa regra!

— Não inventei não!

— Inventou sim!

— Todo mundo conhece essa regra!

— Mentira!

— Verdade!

— Meninas... – minha mãe reclamou do sofá – Será que eu não posso nem ver o programa de culinária em paz?

— Desculpa... – nós duas murmuramos em uníssono.

Naquela manhã de sábado, tudo o que eu queria era uma distração dos acontecimentos do dia anterior, nem que pra isso precisasse jogar com a chata da minha irmã.

De repente, senti meu celular vibrar no bolso. Meu coração deu um pulinho quando leu o nome na tela: Ricardo.

— Quem é Ricardo? – minha irmã esganiçou, bisbilhotando por trás de mim – É seu namorado?

— Não! – exclamei, empurrando-a de leve – Não é da sua conta, pirralha!

— Mãeee! A Lorena tem namorado!

— É mesmo? – minha mãe murmurou, os olhos pregados na tevê, claramente sem ouvir coisa alguma – Que bom, filha.

— Tá namorando! Tá namorando! – cantarolou minha irmã, saltitando ridiculamente pela sala.

Resmungando, fui até a cozinha pra atender a ligação com um pouco de privacidade.

— Alô?

— Lorena? – a voz dele ressoou no aparelho, e eu reprimi um suspiro. A voz era linda até pelo telefone...

— Sou eu.

— Oi... – ele falou. Parecia estranhamente tímido. – Eu liguei pra saber se, bom, se você ainda vai querer sair comigo hoje.

Pisquei, surpresa.

— Claro que quero – falei – Por que não quereria?

Ele suspirou. Parecia aliviado.

— Bom, eu pensei que, depois do que aconteceu ontem, você...

— Ah, para – interrompi – Acha que eu vou perder a chance de sair com um verdadeiro gato?

Ouvi a risada deliciosa dele do outro lado da linha.

— Você tinha razão. Essa piada é péssima.

— Eu não podia perder a chance – brinquei, com um sorriso abobalhado no rosto.

— Então... Te vejo às cinco, na entrada do cinema?

— Às cinco. Tá ótimo.

— Legal! Digo, hum... Até lá, então. Hum. Beijo!

— Beijo... – suspirei, desligando o celular com uma sensação de contentamento pipocando dentro de mim.

Após um segundo, porém, minha bolha de felicidade estourou. Ah. Meu. Deus. Eu tinha um encontro com o Ricardo em menos de oito horas! Eu precisava me preparar!

Me joguei na cama e imediatamente comecei a digitar mensagens no celular.

O quarteto fantástico

Gisele, Renata, Samir, Você

Você: Gente!! Eu vou sair c o Ricardo hj! O que eu faço? O que é que eu visto?!

Gisele: Aaaa! É mesmo! Eu tinha esquecido! Quer q eu vá na sua casa te maquiar?

Renata: Usa aquela blusa laranja q eu te dei. É perfeita. Vai por mim.

Samir: Eu tenho mesmo que participar dessa conversa?

Gisele: Prende o cabelo desse jeito aqui ó! Vai ficar lindo!

Gisele enviou uma foto

Renata: Samir, você podia dar uns conselhos masculinos, né? O que os caras gostam numa menina no primeiro encontro?

Samir: Fica difícil dizer. A Lorena não é meu tipo.

Você: Uau, valeu mesmo.

Samir: Você sabe o que eu quis dizer. Eu gosto de garotas mais altas. E loiras...

Renata: Então td certo. É só a Lorena tingir o cabelo e botar um salto.

Você: Há-Há.

Gisele: Samir, acho que vou te tirar do grupo e colocar a Sofia. Vc não tá ajudando muito aqui.

Renata: Lorena, a blusa laranja.Confia.

Samir: Ei, verdade. Pq a Sofia ainda não tá aqui?

Gisele: Vou adicionar.

Gisele adicionou Sofia

Sofia: Oi, gente! O que é isso?

Gisele: A gente tá dando dicas pra Lorena pro encontro dela c o Ricardo hj.

Renata: USA A BLUSA LARANJA.

Samir: Acho que é melhor a gente mudar o nome do grupo, né?

Renata alterou o nome para “Quinteto Maravilha”

Samir: ... Quinteto maravilha?

Renata: Tem alguma ideia melhor?

Você: Alou, gente? O foco aqui sou eu, lembram?

Renata: Duas palavras: Blusa. Laranja.

Sofia: Ah, eu acho que você é linda de qualquer jeito. Acho que ele vai gostar de vc não importa o que vestir.

Você: OBRIGADA, Sofia. Pelo menos alguém aqui conseguiu levantar meu astral. Agora deixa eu ir, pq vcs não tão me ajudando em NADA!

Gisele: Vish. Aposto que é TPM.

Renata: Não esquece a blusa!

Me joguei de volta na cama, frustrada. Pelo visto, eu precisaria me virar sozinha.

Eu só esperava não estragar tudo, pra variar.

*                                      *                                                *

Me olhei no espelho pela décima vez. Eu realmente havia aceitado a sugestão da blusa laranja, que por sinal era bem bonita, e colocado uma calça justa preta e uma sapatilha. Porém, depois de olhar melhor, percebi que estava vestida exatamente com as cores de um tigre.

Bufando, troquei a calça preta por uma branca e examinei o resultado. Eu não gostava muito de passar maquiagem, mas, como era meu primeiro encontro com o Ricardo, achei que não fazia mal fazer um esforço. Passei uma camada de delineador nos olhos, que ficaram mais claros e brilhantes. A cor deles variava entre castanho claro e verde, mas naquela noite estavam verdes como faróis. Passei a mão no meu cabelo castanho ondulado e suspirei. Estava bom, acho. Melhor que isso não dava pra ficar.

Olhei o relógio. Eu tinha meia hora. Peguei o celular pra pedir um uber – chegar coberta de suor depois de me espremer num ônibus lotado não ia ser muito atraente.

— Mãe, estou saindo! – avisei enquanto abria a porta.

— Divirta-se! – gritou ela enquanto eu saía para o quintal.

Respirei fundo enquanto curtia o ar da noite. Agora eu podia escutar cada barulhinho noturno, desde os gritos das cigarras até os carros distantes das ruas de trás, e podia sentir os cheiros dos jantares que as pessoas preparavam e do orvalho caindo na relva.

O som de uma porta se abrindo interrompeu minha concentração. Olhando para o lado, vi Eric saindo de casa com dois sacos de lixo. Ele se interrompeu quando me viu, a expressão.

— Ei – falou, me observando de cima a baixo – Alguém vai se divertir hoje à noite.

— Eu espero – falei, me apoiando do meu lado do muro, ficando de frente pra ele – Como você está?

Ele se apoiou no lado do muro dele, imitando minha posição, o rosto a poucos centímetros do meu.

— Meu pai está viajando e só volta segunda, então por enquanto to bem – disse – E você? Ainda bolada por causa de ontem?

Pisquei, surpresa. Não esperava que ele fosse falar do pai tão abertamente. Deixei passar o comentário e só respondi a pergunta.

— Mais ou menos – falei – Tô tentando focar na solução. Vou procurar em todo o canto as páginas do contra feitiço, e acabar com esse pesadelo assim que puder.

Ele ergueu as sobrancelhas, parecendo um pouco cético.

— Acha mesmo que vai conseguir encontrar? – perguntou – Elas estão perdidas há não sei quantas centenas de anos.

— É o único jeito – afirmei – Preciso pelo menos tentar. Eu não quero fazer parte disso. Você quer?

Ele deu de ombros.

— Não sei – respondeu – Nunca fiz parte de nada. Ainda não sei bem como estou me sentindo.

Olhei pra ele por um instante, e um sorrisinho cresceu nos meus lábios.

— Ah, você fez parte, sim – falei – Lembra do nosso clube supersecreto de espionagem?

Com isso, ele deu risada. Era um som baixo e rouco, como se ele não risse há muito tempo.

— Você quer dizer quando ficávamos espionando a velha da rua de baixo que achávamos que era uma bruxa?

— E o velho da casa da esquina – eu disse – Que tínhamos certeza que era um assassino.

— Eu ainda acho que estávamos certo – ressaltou ele – Estivemos muito perto de desvendar esse caso.

— Claro, até nossas mães nos pegarem no flagra – lembrei – E ficarmos de castigo por uma semana.

Demos risada com a lembrança. Então, o riso morreu, e ficamos simplesmente olhando um pro outro por um longo momento.

— Sinto falta – eu sussurrei, por fim – Da nossa infância.

Ele balançou a cabeça.

— Eu também – murmurou – Tudo era mais simples lá, não era?

Antes que eu pudesse responder, uma buzina desviou minha atenção. Um carro preto tinha acabado de parar na porta de casa.

— Sou eu – falei. Uma parte de mim estava inexplicavelmente triste por ter que interromper a conversa.

— Certo – falou ele – Divirta-se essa noite.

— Obrigada. Tchau! – acenei.

— Boa noite, senhorita – o motorista saudou com um sorriso assim que deslizei para o banco do passageiro. – Para onde?

— Cinema Palácio, por favor.

Dei uma olhada pra trás enquanto o carro arrancava, mas Eric não estava mais lá.

*                                               *                                        *

— Uau – sorriu Ricardo, assim que cheguei à porta do cinema – Você está linda.

Sorri, sentindo meu rosto se avermelhar. Bastava um simples elogio vindo dele pra me deixar toda boba.

— Obrigada – abri um sorriso tímido.

— Já comprei nossos ingressos – ele ergueu feliz dois pequenos tíquetes de papel – nossa sessão começa em vinte minutos.

— Ah, deixa eu te pagar a minha parte – falei, já revirando a bolsa, mas Ricardo botou a mão no meu braço, sorrindo.

— Ah, não – falou – Eu convidei, eu pago. Sem discussão.

— Mas...

— Shh – pediu ele, fazendo um biquinho que deixava sua boca tão linda que eu perdi a concentração por um momento. – Eu disse sem discussão.

Cruzei os braços, frustrada.

— Certo – falei com um pequeno sorriso – Mas a pipoca ainda é por minha conta.

— Claro – Ricardo sorriu – Posso pedir a extra grande, se isso fizer você se sentir melhor.

— Tudo bem – falei – Desde que você não se importe que eu coma quase tudo.

— Duvido muito. Eu tenho um estômago sem fundo, e sou rápido em pegar comida.

— Isso é um desafio? – ergui as sobrancelhas.

Ele estendeu a mão pra mim, uma expressão travessa no rosto.

— Que o maior guloso vença.

Apertei a mão dele, rindo.

Ele olhou para nossas mãos juntas, e por um momento ficamos assim, curtindo a sensação do calor da pele um do outro. Sem querer, tremi.

— Frio? – murmurou ele.

— Um pouco – corei, sabendo que o tremor não fora bem por isso.

Ricardo soltou a mão da minha e tirou a jaqueta, passando-a gentilmente pelos meus ombros.

Inspirei fundo. A jaqueta cheirava a suor e perfume, além de um cheiro doce e suave que eu não conseguia descrever. O cheiro dele.

— Obrigada – murmurei.

Ele sorriu, e um pequeno silêncio se instaurou entre nós. A tensão era tão palpável que eu poderia estender a mão para o ar e segura-la.

— Então... – falei, por fim – Vamos entrar?

Quase dei um tapa na minha própria testa. Vamos entrar? Eu deveria ter puxado a camisa dele e tascado um beijo!

— Ah, é – Ricardo sorriu, a expressão um pouco desapontada – Claro.

Passamos pela porta. O Cinema Palácio era um dos dois cinemas da nossa pequena cidade, e de longe o meu favorito. Era um prédio antigo, mas que fora restaurado e tinha o aspecto de novo, sem perder aquela atmosfera de um ambiente construído há tempos atrás. Era um prédio alto todo pintado de marfim, e era ainda mais impressionante por dentro, com uma arquitetura rococó linda e grandes candelabros no teto.

No saguão de entrada havia vários sofás confortáveis espalhados, e foi lá que sentamos depois de comprarmos a pipoca.

— Agora que eu reparei – falei, olhando bem para o rosto de Ricardo – Seu cabelo tá meio... Arrepiado.

Arrepiado era um modo gentil de dizer. Estava bagunçado em todas as direções, como se ele houvesse acabado de passar por um furacão.

— É que eu vim correndo até aqui – Ricardo sorriu, acanhado – Tive medo de chegar atrasado. Não achei sábio irritar uma garota que pode literalmente virar um tigre.

Tive que rir. Se fosse outra pessoa, eu provavelmente teria ficado irritada, mas ele falara de um jeito tão meigo e inocente que não tinha como.

— Olha só quem fala – provoquei – Sr. Leão enorme.

Foi a vez dele ficar envergonhado, suas bochechas ficando lindamente coradas.

— É, isso – falou – Ainda é um pouco estranho pra mim.

— Eu sei – falei – Mas até que não é tão ruim, é? Se os animais são escolhidos de acordo com a personalidade, e você é um leão, significa que você tem qualidades que se destacam, certo?

— Talvez... – suspirou ele – Não estou acostumado com isso, sabe?

— Com o quê?

— Me destacar – respondeu – O Leo é o cara que brilha, saca? Capitão do time, socializa com todo mundo... Eu sou só o “o outro cara”. Gosto de ficar na minha. Não sei o que fazer com toda essa atenção.

Balancei a cabeça, surpresa. Não imaginava que ele se sentisse assim. Eu estava tão apaixonada por ele que pra mim ele era o centro de destaque de tudo. Pelo visto não era assim pras outras pessoas.

— Sinceramente – falei – Acho que você merece muito mais atenção do que o Leo. Que é um babaca, por sinal. Não sei o que as pessoas vêem nele.

Ele riu, sacudindo os cabelos já arrepiados.

— Ele não é tão ruim, sabe – falou – Conheço o cara desde pequeno; somos como irmãos. Ele tem um lado bom. Eu sei que ele pode ser bem otário às vezes, mas é que ele usa as piadas e provocações como mecanismo de defesa.

— Um péssimo, se quer saber.

Ele balançou os ombros, como se dissesse “o que eu posso fazer?”

— Você aprende a amar – ele viu minha expressão cética e deu risada – Talvez nem sempre.

Sorri, sacudindo a cabeça. Eu com certeza não queria que o Leo fosse o tema da nossa conversa.

— E você? – perguntei, erguendo as sobrancelhas – Qual o seu mecanismo de defesa?

Ele me encarou por um momento, e então se aproximou de mim, tão perto que pude sentir sua respiração no meu rosto.

— O silêncio – murmurou ele.

Cheguei um pouco mais perto, semicerrando os olhos. Eu podia sentir a eletricidade transpassando entre nós, e cada cédula do meu corpo estava agitada com o nervosismo da expectativa. Nossos lábios estava a um milímetro um do outro...

E então o grande relógio do cinema soou em alto e bom som, nos fazendo pular um metro pra longe do outro.

Ricardo encarou o relógio, a expressão frustrada.

— Parece que tá na hora do nosso filme – disse ele, com um sorriso tristonho.

Retribuí seu sorriso triste.

— É – disse – Vamos lá.

Já falei o quanto eu odeio meu timing?

*                                               *                                        *

O filme até que era bem interessante – uma mistura de viagem no tempo com universos alternativos – mas eu estava tendo bastante dificuldade pra me concentrar. O meu corpo parecia muito consciente da proximidade de Ricardo, nossas mãos lado a lado quase se tocando.

Por fim, ele botou a mão sobre a minha, acariciando minha palma com o polegar. Isso enviou ondas elétricas por todo o meu corpo, e toda a minha concentração foi para o ralo.

Por fim, o filme acabou, e ele retirou a mão da minha, pra minha total decepção.

— Uau – falou ele – Eu realmente não tava esperando por esse final.

— É... Pois é – falei, muito embora não fizesse ideia de qual fosse o final.

— E aí? – ele olhou pra mim, sorrindo – O que quer fazer agora?

— Pra falar a verdade, to morrendo de fome – falei, retribuindo o sorriso.

— Tem uma lanchonete ótima na rua de trás. Podemos ir até lá.

— Ótimo. – sorri – Maaas... Vamos rachar a conta.

— Você que manda – ele riu.

Quando saímos do cinema, a cidade já estava iluminada pela luz azul-marinho do crepúsculo. Eu adorava esse momento, quando as luzes começavam a ligar, transformando a cidade num tapete de estrelas.

— Eu adorei como eles fizeram uma carga dramática num filme de ficção científica – falava Ricardo – Aquele ator que faz o astronauta, ele...

— Espera – interrompi, colocando a mão no peito dele – Tá ouvindo isso?

Eu congelei. Havia um barulho estranho no ar, uma espécie de silvo, como o de uma enorme calha sugando ar. Todos os meus pelos se arrepiaram. Alguma coisa me dizia que a origem desse barulho não era nada, nada boa.

Ricardo agora também estava alerta, os ouvidos inclinados na direção do som, como um gato.

— Parece estar vindo daquele beco – ele sussurrou, apontando.

Em silêncio, fomos andando até lá, procurando fazer o menor barulho possível. O beco estava muito escuro, mas isso não era problema pra mim. Não mais.

Porém, quando olhei para a aparição no fundo do beco, desejei não poder enxergar.

Eram duas. Eu não sabia o que eram – mas eram as criaturas mais horríveis que eu já vira. Eram incrivelmente pálidas e todas encarquilhadas, com pedaços de pele negra e podre se desprendendo do rosto e dos braços. Não possuíam nenhum pelo no corpo, e os olhos eram como buracos negros vazios.

Mas o mais assustador eram as bocas. Eram escancaradas, como aquela pintura do Grito, e possuíam fileiras de dentes amarelos e pontiagudos.

Elas estavam debruçadas sobre o corpo de um senhor idoso, que parecia estar inconsciente – ou pior. Com suas bocas horrendas, pareciam sugar uma substância de dentro dele, um líquido transparente e pegajoso.

— Lorena – sussurrou Ricardo. Eu podia sentir sua mão num aperto firme no meu ombro. – Vamos embora daqui. Agora.

Eu admito, meu primeiro impulso foi mesmo de sair correndo. Mas pensei no senhor no beco, e em todas as pessoas inocentes circulando na rua àquela hora. Eu não podia simplesmente virar as costas.

— Não posso – murmurei, me desprendendo do aperto de Ricardo.

— O que está fazendo?! – ele exclamou, mas eu já estava correndo.

Foi quase fácil demais dessa vez. Cinco segundos de concentração, e eu já podia sentir meu corpo queimando. No instante em que saltei, assisti minha mão se transformando em uma pata repleta de garras.

Aterrissei bem em cima de uma das coisas, imediatamente enfiando minhas garras no meio do que devia ser o rosto. A pele se rasgou com um barulho horrível, revelando uma camada de tecido negro como piche por trás – nada humano. A criatura soltou um grito horrível, do tipo que alguém que tivesse a alma arrancada do corpo soltaria.

Ataquei com unhas e presas, surpreendida pelo tamanho da minha força. Quando cravei os dentes no braço encarquilhado da coisa, minha boca se preencheu com um sabor terrivelmente amargo, como veneno. O monstro gemeu e se debateu, e por fim, sucumbiu.

Mas eu tinha esquecido da outra. Eu mal tive tempo de cantar vitória quando senti uma dor aguda nas costas. A outra criatura havia cravado as unhas em mim, e parecia prestes a cravar os dentes também.

Mas então uma forma amarelada saltou em minha direção, e arrancou a coisa com os dentes. Olhei chocada enquanto um leão imenso destroçava o monstro pedaço por pedaço, derramando a substância preta e viscosa enquanto se desfazia. Encorajada, terminei o trabalho com a outra criatura que eu deixara caída num canto.

Por fim, tudo o que imperava no beco era o silêncio. Eu me sentia péssima, com um gosto horrível na boca e a gosma preta entre as garras.

Fechei os olhos, e procurei diminuir os batimentos e me concentrar. Lorena. Meu nome é Lorena. Uma garota de quinze anos, não um tigre de cento e oitenta quilos.

Quando abri os olhos, era eu mesma de novo. Infelizmente, a transformação não limpara a sujeira das minhas unhas.

Olhei para Ricardo, que também voltara a sua forma humana. Assim como eu, sua respiração estava ofegante, e nós dois nos encaramos num espanto mudo.

Antes que pudéssemos falar qualquer coisa, porém, ouvimos um gemido.

O homem caído estava acordando. Percebi, em choque, que ele não era idoso afinal de contas. Observei espantada enquanto seu corpo rejuvenescia até assumir a forma de um rapaz entre os vinte e trinta anos.

Ele estremeceu, tossindo, e abriu lentamente os olhos.

— O que aconteceu? – disse em um sussurro rouco, olhando confuso pra nós – Eu estava voltando da parada de ônibus quando alguma coisa bateu em mim...

— Assalto – a palavra escapou da minha boca. – Hã... Dois caras tentaram te assaltar, mas se assustaram com o barulho de uma sirene de polícia que passou aqui perto e foram embora. Você ficou desacordado, mas eles não levaram nada.

— Caramba – ele botou a mão na cabeça, se levantando com dificuldade – Que sorte.

— É – murmurou Ricardo – Muita sorte.

— Bem, obrigado, caras – ele falou, acenando pra gente enquanto dava passos trôpegos pra fora do beco. Nem parecia notar a substância transparente que manchava sua camisa. – Boa noite pra vocês.

Ouvi os passos dele se afastarem e olhei para Ricardo, atônita.

— O que... Foi... Aquilo?

Ricardo engoliu em seco.

— Sabe os perigos que o Santiago falou? – disse – Acho que eles chegaram.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam?



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