Reboot escrita por Dolmayan


Capítulo 7
Maracujá


Notas iniciais do capítulo

Não sei o que eu fiz pra todo mundo coletivamente abandonar a fic (probably bad writing - diz meu cérebro) mas cá estamos tentando de novo



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Em 2045, Andrew Eagle (Martinez) havia se tornado o cientista mais conhecido do planeta. Não havia quem não soubesse seu nome. Ele era o criador da inteligência artificial - muito chamada de consciência artificial - mais avançada até então, capaz de calcular a solução para a extinção do homem. Não ganhou um único centavo além de um incentivo do governo americano, não estava rico, nem vendia os androids ou a patente deles. Não se preocupava com nada disso. Não era, nem de perto nem de longe, um empresário. Ainda assim, seu nome e seu rosto estavam nos noticiários do mundo todo. Fazia reuniões com os maiores nomes da computação e programação, começou a dar palestras, recebeu uma cadeira de professor honorário no MIT após recusar uma em Oxford. Falava com multidões e se vestia com os melhores ternos.

Não havia sido sempre assim. O reconhecimento demorou a vir.

Andrew não é um caso de esforço levando à superação. Não havia atingido níveis absurdos de inteligência depois de muitas horas estudando. Esses casos raramente são. Maior prova disso é que Andrew não era um empresário hoje e não estava rico, apesar de deter o crédito de ter criado Thea praticamente sozinho, e depois Eva, ainda superior ao primeiro projeto.

É tudo uma questão de isolamento.

Para o seu azar, Andrew cresceu numa época em que muito se falava sobre a construção de um tal muro na fronteira entre o México e os Estados Unidos. Obviamente em 2045 nada disso era sequer mencionado. Nem mesmo o republicano mais ferrenho ousaria falar sobre esse pedaço vergonhoso da política. Mas era o contexto em que Andrew foi criança.

Mesmo usando o nome Eagle da mãe, a cor da pele de Andrew o traía como Californiano nascido e criado. Não importa quanto batesse no peito. O peito doeria antes que parassem de chamá-lo de latino. O muro serviria para isolar os Estados Unidos, e nunca foi construído, mas sua ideia serviu muito bem para isolar Andrew das outras crianças e, mais tarde, dos adolescentes.

Não só isso, mas era ainda pior que Andrew fosse a mais avançada criança no Estado. Um jornal local viera entrevistá-lo quando tinha 10 anos e havia acabado de construir seu primeiro robô, capaz de se levantar e aprender a andar sozinho - algo que muita gente da computação já fazia na época, mas todos tinham doutorado. Uma parte da imprensa usou sua foto pra alegar que a construção do muro era absurda, uma vez que a imigração possibilitou que uma criança como Andrew estivesse nos Estados Unidos, e não no México. Outra parte da imprensa ignorou completamente o fato e noticiou um assalto a mão armada feito por um imigrante - no mesmo momento.

No fim, nenhum dos lados fez Andrew se sentir menos isolado. As crianças eram cruéis. Os pais das crianças as instruíam a serem cruéis, sem saberem que o faziam - ou, às vezes, justificando-se com alguma história sobre Andrew não ser americano. Seu robô de brinquedo foi destruído - e reconstruído - e destruído de novo. Na quarta vez, construir o robozinho não era mais desafio algum. Seus problemas se encerrariam se ele aprendesse um pouco sobre o ser humano e compreendesse que, se construísse um daqueles para as crianças que o agrediam, elas o adorariam e o tratariam como a pessoa mais legal da escola. Mas Andrew não entendia esse tipo de sentimento.

Aliás, Andrew entendia pouquíssimos sentimentos.

Não que não os sentisse. Ele sentia, é claro. Seus neurotransmissores estavam todos no lugar, fazendo-o sentir raiva, tristeza, felicidade. Mas os gatilhos para esses neurotransmissores estavam todos embolados e não condiziam com os gatilhos das outras crianças.

Compreender uma lei física o fazia extremamente feliz. Brincar de bola fazia descargas de adrenalina contaminarem todo seu sistema. Falar com as outras crianças tinha um efeito semelhante, mas costumava o fazer gaguejar. E, por algum motivo, olhar nos olhos dos adultos despertava a falta do controle das suas mãos e pernas. E ele se via em todos os personagens caricatos dos gênios, e se compreendia em imagens pré-formuladas hollywoodianas. Com seus quinze anos, entrando na faculdade, ele se definia - sem falar pra ninguém - como “o nerd esquisito”.

Mas ele estava errado. Ele não compreendia seus sentimentos, nem o sentimento das outras pessoas. Isolado dos demais, Andrew acreditava ser estranho, sem ver que sua estranheza só era mais aparente que a dos outros.

Um dia, inclusive, um dos estudantes da sua classe na faculdade o acusou de ter entrado por bolsa. Programas de incentivo do governo. Os Eua havia tentado contornar a bolha do endividamento estudantil através do financiamento parcial para estudantes de alto nível e para os que fossem aprovados mas não tivessem condições de pagar mais que 5% do valor da faculdade em até cinco anos após a conclusão do curso. Essa porcentagem começou com 2%, mas com duras lutas, subiu para 5%.

O fato é que Andrew não entrou nem por uma nem por outra. Foi convidado pelo MIT (e por outras nove universidades) aos quinze anos, o que o tornava inelegível para os programas do governo. Então a própria Universidade ofereceu-lhe o curso gratuito. Em seu ano, ele era o único nesse tipo de incentivo provado. Mas ainda assim, teve que ouvir de um estudante que esses imigrantes pegam as bolsas do governo. Mais pra frente no curso, quando descobriram que era seu pai o imigrante, disseram que os imigrantes roubavam as mulheres americanas. Mas que esse risco Andrew nunca ofereceria.

No MIT foi que Andrew se sentiu ligeiramente menos isolado, mas já era tarde demais, pois se sentia pouco confortável fora de seu próprio isolamento. Foi no MIT que ele se fechou no laboratório de mecatrônica uma noite e só saiu dois dias depois, com um protótipo de pele humana falsa. Uma versão melhorada dessa pele foi usada em Thea e em Eva - e agora em todos os demais androids. E uma versão piorada de isolamento foi necessário para criar Thea.

Mas os estudantes que o chamavam de imigrante estavam certos em uma coisa. Andrew nunca conseguiria se aproximar de uma mulher sem parecer um de seus próprios robôs com frases montadas. Então, é claro que foi Eva - a humana, de carne e osso - que se aproximou dele.

Eva Price era estudante do curso de Ciências Políticas no Caltech, na Califórnia. Ela ainda estava em sua graduação quando Andrew voltou ao seu Estado de origem para fazer seu primeiro doutorado, apesar de terem a mesma idade. Supostamente, eles se trombaram nos corredores, enquanto Andrew andava de cabeça baixa, e ela, lendo notícias no celular. Depois que se casaram, Eva confessou que havia ouvido falar dele nos jornais e se interessou, e o esbarrão foi completamente proposital. Andrew nunca havia desconfiado, ainda que os prédios dos cursos que eles faziam fossem bastante distantes um do outro.

Eles namoraram por quase 10 anos antes do casamento. E a partir daí, o casamento durou apenas 3 anos.

Andrew não tinha muita certeza do por quê acabaram em divórcio, mas havia uma memória em sua cabeça que o atormentava dia após dia.

 

Fevereiro de 2030 - Um ano após o casamento

 

Andrew Eagle e Eva Price tinham uma casa relativamente simples em Pasadena.. Após tantos anos se dedicando fielmente aos estudos de robótica e neurorobótica, Andrew tinha a confiança dos professores e orientadores para levar seu trabalho para casa. Nenhum deles, no entanto, aprovaria o fato de que Andrew havia levado um total de quinhentos mil dólares em equipamentos para um quarto de visitas em sua casa - que valia menos que isso. Eva não gostava daquele monte de coisa brilhante e totalmente destoante com a decoração, mas já havia desistido de ter visitas em casa, então simplesmente evitava entrar naquele quarto.

Naquele dia em especial, ela entrou. Estava chovendo, e os raios pareciam cair perto demais. Andrew usava um dos equipamentos de solda, puxando uma quantidade considerável de energia, além de ter um super computador conectado na tomada fazendo cálculos a todo segundo para guiá-lo. Então ela entrou no quarto dos equipamentos para alertá-lo. Apesar de ser um gênio, Andrew também tinha um hiperfoco que o tornava totalmente ignorante do que se passava ao redor.

Eva era quase mais alta que Andrew. Tinham praticamente a mesma altura. Qualquer sapato que colocasse a deixava alguns dedos pra cima da cabeleira encaracolada dele. Não era magra, mas também não se permitia engordar demais, mantendo um equilíbrio estranho baseado em um consumo absolutamente anormal de porcarias no fim de semana e cinco dias de salada e frutas. Diferente do marido, Eva tinha a pele tão branca que sair na rua sem um protetor solar significava um pequeno melanoma dali alguns meses. Seus cabelos eram alisados com tanta frequência que Andrew nunca os tinha visto naturais.

— Andy - ela chamou, abrindo a porta -, está chovendo muito lá fora.

Andrew não respondeu por vários segundos. Sua testa tinha algumas gotas de suor. Seus olhos estavam tão fixos que sua retina sequer contraiu quando a porta foi aberta e nova luminosidade entrou no quarto. Ele manuseava a solda com um braço robô, muito mais preciso do que ele mesmo. Encaixava-se na altura de seu cotovelo e tinha, nos supostos dedos, as ferramentas de solda e reparo que ele precisava. Havia sido parte do seu segundo doutorado, focado em construir membros biônicos para deficientes. Aquele, em especial, era feito apenas para lhe dar mais segurança e habilidade na hora de construir seus delicados robôs.

— Hm-hum - ele murmurou, apenas para que ela não voltasse a dizer a mesma coisa.

Eva entrou no quarto e suspirou, esperando que ele acabasse o que quer que estava fazendo. Quando se aproximou, percebeu que o marido trabalhava num robô minúsculo. Não passava do tamanho de um dedo mindinho. Parecia um mini-drone com um tipo de algodão preso na parte de baixo.

— O que é isso? - ela perguntou, sabendo perfeitamente que isso o faria parar imediatamente.

E ela estava certa. Andrew adorava falar sobre o que fazia a qualquer um que tivesse o azar de lhe perguntar. Assim que uma das minúsculas pecinhas da helice do drone foi encaixada, Andrew desligou o braço robótico, desencaixou-o do braço, tirou os óculos inteligentes - que o guiavam através da conexão sem fio com o super computador, onde o projeto era exibido - e se afastou da mesa para voltar-se à esposa.

— É uma abelha - ele respondeu, sorrindo e olhando-a nos olhos.

— Uma abelha? Uma abelha android?

— Sim, sim, veja - ele pediu, e empurrou sua cadeira até o computador -. Tem alguns anos que estão tentando criar uma abelha robô para fazer a polinização, sabe? Mas todos os projetos são bastante caros e limitados. Estou tentando criar uma colméia de baixo custo - ele explicou, e buscou no computador a pasta com o vídeo do design das abelhas.

O vídeo mostrava todas as partes componentes dos robozinhos, explicando-os. Então, mostrava um robô levemente maior, apresentado como abelha rainha. Rapidamente, era dito que, para evitar descoordenação e o alto preço de micro robôs auto suficientes e fazendo cálculos o tempo todo, a colméia teria apenas um chip de alta capacidade - na abelha rainha - e os demais drones teriam apenas receptores. A abelha rainha era responsável por mapear a região e identificar todos os focos de polinização. Em seguida, coordenava os demais drones para a tarefa apenas enviando sinais de indicação. A abelha rainha era o único projeto de alto custo. As operárias custariam alguns dólares apenas. Uma colméia constituída de mil drones, em teoria, poderia cobrir um hectare inteiro.

— Parece genial - ela disse, ainda assistindo ao vídeo -, mas por que está construindo abelhas? Quer dizer, elas fazem seu trabalho muito bem, não?

— Elas estão praticamente extintas, sabe? Ninguém está muito preocupado com isso porque temos muitas abelhas domésticas. Estão criando abelhas a doido. Tem muita abelha dessas por aí.

— Sim, foi o que ouvi. Não é suficiente?

— As abelhas melíferas nunca foram um problema - ele explicou -. Até hoje, pelo menos. Bem, ninguém se importou muito com algumas frutas que a gente tinha e não tem mais. Nem toda abelha poliniza todos os tipos de flores. Sabe o maracujá?

— Maracujá?

— Maracujá. Era produzido em países tropicais e subtropicais. Não existe mais.

— Acho que me lembro. Mas eu era bem mais nova quando comi. Ou foi suco. Ou algo assim. Nunca me toquei que tinha sumido.

— Pois bem, só tinha uma espécie de abelha que polinizava o maracujá. Ela foi extinta. E o problema não foi pesticida. Ninguém sabe o que foi. Era uma espécie só e sumiu antes de sabermos por quê. A abelha morreu, acabou o maracujá. Não importa quantas abelhas amarelas e melíferas você coloque numa plantação de maracujá. Nenhuma delas vai polinizar.

— Mas ninguém está falando nada sobre as abelhas.

— Esse é justamente o problema. Quando falavam sobre elas, o problema ainda era contornável. Ninguém dava muita bola. Todo mundo acusava o outro de viés de confirmação. Quem defendia as abelhas era acusado e quem produzia os agrotóxicos também. Ninguém concordava em nada.

— Você se lembra disso? - ela perguntou, sentindo-se perdida no tempo, já que não se recordava de nenhuma dessas discussões.

— Eu era criança quando falavam disso. Os órgãos de defesa do meio ambiente e os produtores de produtos orgânicos diziam que as abelhas iam todas morrer porque o agronegócio estava jogando pesticidas nelas. Começou um alarde em torno de uma doença não explicada que causava o colapso da colônia. Muita gente em pânico. Quer dizer, modo de falar. Ninguém estava realmente em pânico.

— Sério que você lembra disso?

Ele fez que sim com a cabeça e cruzou os braços.

— Daí alguém disse alguma coisa sobre as abelhas melíferas estarem muito bem obrigado, e que era um absurdo se preocupar com elas, porque as colônias estavam morrendo, mas a produção de abelhas era parte do negócio, não da natureza. Então era só produzir mais. E as colônias de abelhas domesticadas não estavam em risco de verdade. E também diziam que os pesticidas não eram o problema, mas sim parasitas. E, de qualquer forma, o número de colònias se mantinha igual, apesar da quantidade de colônias morrendo.

— E quem estava certo?

Ele deu de ombros e mostrou a palma das mãos.

— Vai saber. Acho que os dois. Alguém ainda disse que devíamos estar preocupados com as abelhas selvagens, que também têm papel importante na polinização. Tomates, por exemplo.

— Faz uns anos que não como tomate.

— Precisam de abelhas maiores também. A abelha doméstica é generalista mas não faz milagre. Ainda assim, ninguém sente muita falta do tomate. Exceto os italianos.

— Ok, mas ainda temos as abelhas melíferas para todo o resto, e as colônias não estão decaindo.

— Verdade, não estão - ele disse, e pausou por um momento -. Reparou como os preços no supermercado subiram?

— O que isso tem a ver?

— Custa muito caro manter as colônias no mesmo nível quando você perde 60% delas todo ano. O valor vai pros produtos que elas polinizam.

— Mas se já sabem disso há anos, que são os pesticidas e os parasitas…

— Ah, mas tinha outra causa menos reportada. Porque não havia impactos ainda, então era tudo em teoria.

— Qual?

Andrew apontou a janela, onde a chuva caía torrencialmente.

— Clima?

Ele fez que sim e rapidamente voltou-se ao computador. Com alguns cliques, abriu uma página que registrava a temperatura global ao longo dos anos e as massas de ar polares.

— As abelhas precisam estocar alimento durante a primavera e o verão para sobreviverem ao inverno. É normal que muitas colônias morram durante o inverno por falta de alimento, mas o fato é que… - ele clicou novamente e mostrou os dados do planeta em referência às estações do ano nos últimos 30 anos - O clima está estranho.

— Está usando um eufemismo.

— Bem, as abelhas não estão julgando o tempo. Elas não diriam que está errado ou ruim. Diriam que está estranho. Nos EUA, o inverno está atingindo -58ºF. As chuvas começam em períodos completamente diferentes. Furacões, tornados, tudo isso já tínhamos, mas não como hoje. Aquele furacão que destruiu a casa dos seus pais na Flórida ano passado?… ele teria sido o pior da história se fosse antes de 2020.

— Ninguém morreu.

— Ninguém nem se preocupou. Porque houve ações incríveis e corriqueiras para prevenir perdas com esses desastres naturais completamente fora da escala. As pessoas morriam porque algo daquele nível era raro. Hoje, espera-se que o furacão normal arrase um Estado. Nós poderíamos ter prevenido essa mudança de temperatura, mas ao invés disso, preferimos criar bunkers e casas mais baratas em áreas de potencial destruição. Então tudo segue normal. Algumas cidades sumiram do mapa com o aumento do nível do mar, as temperaturas batem recorde, mas as pessoas se acostumam. Você sequer lembra o gosto do maracujá, mas não está preocupada com isso.

— Ok, entendi. Mas e as abelhas?

— O risco das abelhas está sendo mascarado pela constante das colônias. Havia um dado número de colônias há vinte anos, e hoje há praticamente o mesmo número. Talvez seja maior, inclusive. Não vou falar das selvagens. Havia vinte e cinco mil espécies em 2010, e hoje há menos de três mil espécies, quase todas em extinção. Mas ninguém se importa com elas. Ninguém liga pros poucos alimentos que só elas conseguem polinizar, ou para as plantas selvagens que não são do nosso interesse e que só elas polinizam. Elas poderiam também aumentar a produtividade de uma produção polinizada por melíferas, mas pra quê? Se as melíferas estão fazendo um ótimo trabalho e ainda dão mel? Mas a questão das colônias é que há vinte anos, morriam porcentagens suficientes para gerar alguma preocupação. Hoje, morrem o suficiente para gerar prejuízo. E se está gerando prejuízo, é porque estamos num ponto sem volta. Se há alguma forma de evitar prejuízo, será evitado. Se há perda, não há solução.

— Ou alguém ainda vai descobrir - ela sugeriu, dando de ombros -. Você, por exemplo.

— O que causa a morte das abelhas é o clima. Elas conseguem se adaptar se dermos tempo a elas. São ótimas nisso. Conseguem viver no mundo todo. Mas não estamos dando tempo a elas. O clima fica mais confuso ano após ano. Elas se adaptam ao clima e no ano seguinte, a primavera chega dez dias mais cedo. No ano seguinte, um El Niño monstruoso torna tudo ainda mais confuso. Não tem como eu parar o clima mais. Isso era um trabalho para muito tempo atrás. O que eu posso fazer é o que ser humano faz melhor: remediar depois de falhar em prevenir.

— Com abelhas robôs.

— Com abelhas robôs - ele concordou -. Uma ideia que surgiu há décadas, mas falha. Não tínhamos capacidade para criar uma IA que processasse tantos dados ao mesmo tempo e colocá-la num micro robô. Agora podemos.

Eva sorriu. Andrew não entendeu o porquê do sorriso, mas sorriu junto, porque ela tinha esse efeito nele. Era a única pessoa que conseguia olhar nos olhos sem ter aquele horrível sentimento de ansiedade no peito, forçando-o a desviar o foco para qualquer outro lugar. Ela tinha adoráveis - e comuns - olhos castanhos, e nenhuma agressividade ou julgamento neles. Era seguro olhar.

— Enfim, vim te avisar para desligar tudo isso porque a chuva vai dar um curto e o chefe do laboratório vai te matar.

— Montei um protetor elétrico e trouxe um gerador comigo. Está tudo bem - ele garantiu.

Eva suspirou. Devia saber que ele faria algo assim. Ia sair da sala para preparar um jantar que só ela ia comer - ele estaria muito focado nas abelhas - mas parou antes de passar pelo batente.

— O que acontece se as abelhas acabarem? - ela perguntou.

Andrew, que já tinha quase voltado seu foco para o projeto do robô, novamente desviou sua atenção para a esposa.

— Bem, elas são responsáveis direta ou indiretamente por três quartos de toda nossa comida e também por algumas outras matérias primas, como o algodão, então… certamente a humanidade seria extinta ou entraria em colapso. Poucos sobreviveriam. O planeta certamente não seria mais o mesmo. Muitos animais também seriam extintos, muitas plantas. E isso seria extremamente rápido. Hoje ainda mantemos o número de colônias, mas no momento que essas colônias começarem a decair porque as mortes estão superando a capacidade de reposição… não duraríamos quarenta anos. Não com o clima desse jeito.

Eva piscou algumas vezes. Não sorria mais. Andrew se lembraria daquela expressão por muito tempo e se arrependeria para sempre daquela conversa.

— Então é bom você ter sucesso com essa abelha robô aí - ela disse, em tom de brincadeira, mas que soou tremida, amarga.

— Pode deixar - ele disse, piscando um olho para ela.

 

Andrew, na época com vinte e oito anos, não teve sucesso na criação da abelha robô. Ninguém teve. Demorou apenas mais dois anos para que a primeira notícia do decaimento do número de colônias de abelhas aparecesse na televisão. Depois disso, Eva Price pediu o divórcio e se juntou a uma seita. Eram pessoas que perderam totalmente a esperança e a fé na humanidade, e seus membros davam palestras no mundo todo sobre como os dias do homem estavam contados. Eles ofereciam apoio psicológico aos novos doentes da década: aqueles que já se viam como a última geração. Aprendiam a como lidar com um mundo que ia mudar muito em breve. Rejeitavam toda e qualquer IA. Não usavam chips de avaliação física, nem celulares ou computadores. Não entravam em carros autoguiados. Suas casas não tinham nenhum tipo de IA controlando o horário de preparar o pão, muito menos algo que entendesse comandos de voz. Para eles, eram esses avanços tecnológicos que tiraram o foco do homem para os problemas reais.

Tratava-se de uma seita suicida conhecida como Puristas.


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Notas finais do capítulo

bad bad writing - meu cérebro insiste, em abstinência de dopamina



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