Mãe Solteira escrita por LaviniaCrist, mary788


Capítulo 4
Culpa da torta de pêssego


Notas iniciais do capítulo

O próximo capítulo virá, provavelmente, no dia 25 de Fevereiro (farei o possível).

Cloreto de Pararosanilina também é conhecido como Violeta Genciana.

Eu esperava conseguir colocar toda a vingança da Nathalie em apenas um capítulo, mas ficou dividido neste e no próximo.

Por que vocês acham que o Félix tem tanto medo de ser "morto" pela mãe?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773645/chapter/4

Já era de madrugada quando Félix se deu conta de que não conseguiria dormir sozinho naquela casa, ficar revirando na cama não era a resposta. O rapaz forçou-se a sair do meio das cobertas quentes e descer as escadas, chegando à sala de estar. Ele sentou-se em uma das poltronas com Plagg se aconchegando no colo dele... esperariam ali.

Não era segredo que, muitas das vezes, Nathalie precisasse ficar até mais tarde no trabalho. Não era segredo que o celular dela tinha quebrado durante aquela última ligação - Gorila afirmou isso com uma mensagem. Não era segredo que os Agrestes eram uma praga que consumia a vida dos empregados. Eles precisavam entender limites, limites básicos de bom senso, que incluem não deixar uma mulher voltar sozinha para casa tão tarde e incomunicável!

O loiro estava pensando meticulosamente em tudo o que poderia fazer para resolver aquela situação quando barulhos de chave chamaram a atenção dele. Com certa ansiedade, ele aguardou até que a porta da casa fosse aberta e as luzes acesas, para só então exclamar em alivio:

— Mãe!

— Félix, deveria estar dormindo... — ela murmurou, deixando claro que não estava de bom humor.

— Fiquei preocupado com você... ficamos! — ele encolheu os ombros, passando a mão sobre os pelos de Plagg — Não sabia que você chegava tão tarde assim. Quantas horas de sono você tem?

— Aconteceram imprevistos demais — a justificativa veio enquanto ela largava a bolsa em um canto qualquer e começava a se livrar dos sapatos — Você deveria saber, já que rastreou o meu celular e ainda ficou incomodando o Gorila.

— Então foram casos excepcionais? — ele ergueu as sobrancelhas um pouco mais inquieto.

— Digamos que sim.

— Com que frequência o Agreste é tão explorador com você?

— Vá dormir, Félix — a ordem saiu em um tom frio, ela ignorou completamente a pergunta e, antes que qualquer refuta pudesse ser dada, ela depositou um beijo na testa do filho e tentou soar um tanto mais amena: — Já é tarde.

— E você? — ele continuou observando a mãe que, neste momento, tirava os grampos do cabelo com certa urgência — Não vai dormir?

— Vou — respondeu Nathalie, passando a mão lentamente entre os fios de cabelo e massageando algumas partes da cabeça — Vou dormir aqui.

— Mas... — o rapaz a encarou espantado, como se ela tivesse dito algo absurdo demais para crer — ... passa o dia todo trabalhando, chega de madrugada e ainda vai dormir no sofá? Não acha que merece algo melhor?

— Filho... — ela suspirou pesadamente — Eu não aguento subir mais um degrau sequer, minha coluna está doendo. Tenho certeza que vou descansar de forma digna até precisar levantar de novo — ela deu um sorriso discreto, se acomodando no sofá — Adultos fazem esse tipo de coisa, são sacrifícios por um bem maior — ela bocejou e, pouco depois, já tinha adormecido devido ao cansaço.

Sentindo um grande peso de culpa, tudo o que Félix fez foi apagar as luzes do cômodo e voltar para a poltrona. Iria dedicar suas horas de descanso em um plano ousado, algo temporário que pudesse livrar a mãe das garras dos Agrestes.

.

.

.

Gorila havia sido dispensado mais cedo no dia anterior, logo depois de chegar na mansão Agreste com uma encomenda urgente que precisou buscar no outro lado da cidade: uma fatia de torta de pêssegos. Ele não entendeu bem o motivo daquilo, tão pouco o motivo de se ver livre do chefe fora da hora, mas não iria reclamar.

Dedicou o tempo livre em anotações: sentia que suas teorias estavam chegando em algum lugar, nenhuma linha de pensamento poderia ser descartada, tão pouco esquecida. Estava tão empenhado naquilo que acabou adormecendo com o rosto sobre o caderno, sonhando com o dia em que seu livro intitulado “Crônicas de Gorila: o rapaz, a mafiosa e os Agreste” teria sua festa de lançamento.

O sonho divertido foi interrompido abruptamente pelo alarme do celular. Não era o despertador, afinal, ainda eram quatro da manhã. Era o alarme de mensagens:

.

Nathalie Sancoeur diz:

“Pode vir me buscar agora? Seja discreto”. [04:14]

.

Surpreso e com uma pontada de preocupação, ele mandou uma mensagem de resposta enquanto já andava pelos corredores do casarão em buscas das chaves do carro.

.

Gorila diz:

“Já estou a caminho. Aconteceu algo com o seu filho de novo? As tosses pioraram? Policia? ” [04:15]

.

Nathalie Sancoeur diz:

“Quando chegar mande uma mensagem, não toque a campainha” [04:16]

.

Sabendo que não iria ganhar mais informações do que isso, o grandalhão depositou sua total atenção em fugir da mansão com o carro sem que Gabriel acordasse. Também precisou de bastante foco para tentar se lembrar de como chegar até a casa da amiga sem o GPS.

.

.

.

Felix sorriu quando a primeira parte do seu plano foi considerada cumprida. Com cuidado para não fazer barulhos, ele subiu as escadas novamente e invadiu o quarto da mãe: iria iniciar a segunda parte.

Ele abriu as portas do closet e começou a procurar por todas as peças de roupa que ela poderia precisar durante uma semana, depositando as selecionadas sobre a cama vazia. No momento em que todas já as roupas já tinham sido escolhidas ele começou a organizar dentro de uma mala, deixando apenas o uniforme que a mãe precisaria usar no dia. Com igual zelo, ele fez o mesmo procedimento com as próprias roupas.

Quando as malas estavam prontas, ele as arrastou até a beirada da escada. Sentia como se estivesse prestes a fazer uma viagem de férias... uma viagem para o inferno na Terra, mas uma viagem de férias de qualquer jeito.

Sorte a dele de Nathalie estar na sala, caso contrário, esta parte do plano levaria muito mais tempo do que ele tinha disponível... não! O certo era ela não precisar trabalhar tanto e acabar dormindo lá!

Sem tempo para mais pensamentos conflituosos, Félix deu passos de gato em direção a sala. Estava na hora da terceira parte de seu plano: acordar a mãe. Seria, sem dúvidas, a mais difícil... ele se sentia em parte culpado pela exaustão dela.

— Mãe? — chamou baixinho, quando já estava ao lado do sofá.

— Já falei pra ir dormir, Félix... — ela murmurou, passando as mãos pelo rosto em uma tentativa falha de se esconder.

— Vai se atrasar para o trabalho, já são quase cinco da manhã...

Como se fosse composta por palavras mágicas, aquela frase fez a mulher se sentar no sofá no mesmo instante. Ela olhou em volta rapidamente, em busca de alguma coisa que confirmasse o horário. Sem sucesso, ela se levantou e começou uma caminhada sonolenta para as escadas, sendo acompanhada pelo filho.

— Félix... por que tem malas perto da escada? — ela comentou sonolenta, antes de um bocejo.

— O que quer para o café da manhã? — ele foi rápido em desviar o assunto para algo mais interessante — Sorvete de novo? Panquecas? Torradas?

— Pode ser tudo isso junto...

A resposta fez um sorriso de diversão brotar no rosto de Félix. Se fosse qualquer outra pessoa, ele julgaria que a resposta era devido ao sono, mas ele conhecia a mãe bem o suficiente para saber que ela comeria tudo aquilo e mais o que visse pela frente.

.

.

.

Depois de muitas ruas erradas e voltas pelo mesmo lugar, Gorila finalmente havia chego na casa de Nathalie – o sono havia lhe deixado mais confuso do que o imaginado. Ele estacionou, olhou em volta diversas vezes até estar seguro de que não havia sido seguido e só então saiu do carro, mandando uma mensagem para Nathalie.

.

Gorila diz:

“Já estou na porta”. [05:02]

.

Nathalie Sancoeur diz:

“Entra”. [05:02]

.

Sem saber o que esperar, o grandalhão colocou a mão trémula na maçaneta e empurrou o mais suave que conseguia, em uma tentativa de não fazer barulho algum. Ele esperava encontrar agentes da máfia russa em uma reunião; uma cena de crime; talvez até mesmo encontrar Gabriel esperando no sofá, só para apontar para ele e falar algo idiota como “Eu sabia que você usava o carro sem permissão! ”; ele só não esperava encontrar Félix com um avental cor de rosa e uma frigideira na mão...

— Leve as malas que estão na beira da escada para o carro, não faça barulho — foi tudo o que o rapaz disse antes de voltar para a cozinha.

— Malas? O que aconteceu? Onde está sua mãe? — Gorila perguntou, estagnado no mesmo lugar e sem saber ao certo se deveria seguir as ordens ou ir atrás de Félix.

— Malas, aquelas com rodinha e alças, estão na parte de cima da escada... — o loiro suspirou — Você é realmente idiota, não é? Qual a dificuldade em seguir uma ordem tão simples? — ele voltou para a sala, se encostando na porta e encarando Gorila com certo desdém.

Agindo daquele jeito, Félix não lembrava Adrien em absolutamente nada... mas lembrava Gabriel. O jeito desdenhoso de olhar, o ar de superioridade e o tom irônico em praticamente todas as palavras. Entretanto, Félix não era seu chefe ou coisa do tipo, portanto, poderia ser tratado como deveria:

— Só vou pegar as malas quando me responder as outras duas perguntas, a não ser que seja difícil demais você me explicar o que está acontecendo e eu tenha que perguntar a sua mãe... isso é, se ela souber o que você está fazendo — o grandalhão sorriu de canto.

— Não se atreva! — ele cuspiu as palavras com irritação, se aproximando com passos lentos como se fosse armar um bote em cima da presa — Minha mãe está no banho, ela vai sair de lá, comer e ir para o trabalho... o resto não é da sua conta, já que eu só preciso de você para nos levar até lá.

— Nos? De nós? De você ir junto?

— Exatamente, eu vou estar pertinho de você o dia todo... vai ser divertido, não acha? — ele deu um sorriso fino de deboche — Agora, vá pegar as malas! Depois nos espere no carro — a ordem foi acompanhada de um olhar ainda mais gélido. Era como se o jeito daquele garoto fosse a mistura perfeita da frieza de Gabriel e de Nathalie.

Não havia tempo para perguntas ou conversas, ele precisava seguir as ordens daquele projeto de mafioso – estava começando a ter certeza de que ele era um filho bastardo de Gabriel. A maior prova que tinha disto, apesar de tão pouco tempo de convivência, é que Félix era potencialmente perigoso e manipulador ao extremo, era do tipo que tinha o que queria por bem ou por mal... igual ao pai?

.

.

.

Nathalie não tinha energia para perguntar de novo sobre as malas na beira da escada; sobre ter apenas um uniforme em cima da cama e nenhum nos armários; sobre Félix ter juntado sorvete, panquecas e croissants e ter esquecido a geleia no café da manhã. Mas ela não conseguiu ficar calada quando ultrapassou a porta da casa e o carro dos Agreste estava estacionado em frente ao portão.

— Félix, explicações — ela exigiu enquanto dava alguns passos em direção ao carro.

— O certo seria ele vir buscar você todos os dias, não? — o rapaz respondeu tranquilamente enquanto trancava a porta da casa.

— Eu disse explicações, não opinião — as palavras tomaram uma forma bem mais rígida enquanto ela encarava o rapaz loiro.

— Vamos passar alguns dias no seu trabalho — ele finalmente respondeu, evitando ao máximo olhar para a mãe.

— Félix! — ela cruzou os braços, claramente irritada.

— Só até o tornozelo estar bem de novo e eu poder voltar para as minhas aulas extras, só isso! Prometo que não vou te atrapalhar e que o Plagg vai ficar quieto... — ele tomou o pequeno animal preto nos braços, como se fosse um bebê — ... e também vai ser bom para você, vai poder descansar mais — ele sorriu, um sorriso doce acompanhado daquele olhar irresistível.

— Félix... — ela suspirou, vencida. No fim das contas, ele só estava querendo cuidar dela. Uma boa intenção com atos completamente turvos — Prometa se comportar.

— Prometo — ele se aproximou mais da mãe, passando um dos braços pela cintura dela — prometemos, não é, Plagg? — o gato deu um miado fino, parecendo concordar com a pergunta.

— Se você quebrar essa promessa, está morto. — Nathalie ameaçou com um tom sério o suficiente para que o filho não tivesse chances de retrucar.

.

.

.

O trajeto até a mansão Agreste foi feito em completo silêncio. Nathalie tinha adormecido assim que entrou no veículo, Félix parecia estar distraído o suficiente mexendo no celular e Plagg estava acomodado no banco da frente, ao lado de Gorila, olhando a vista e ocasionalmente lambendo os pelos.

Por ainda ser muito cedo, as ruas de Paris estavam completamente vazias. Este fato unido com a angustia que o motorista estava sentindo em estar “sozinho” com Félix no carro fez com que o percurso fosse enfrentado com velocidades mais altas que a média, permitindo com que chegassem até a mansão com tempo de sobra.

— Então é aqui? — Félix comentou assim que o carro estacionou em frente aos portões de ferro — Esperava algo maior...

— Tão grande quanto a sua casa? — Gorila resmungou.

— Não, tão grande quanto as demais mansões nesta mesma rua. Para alguém egocêntrico e mesquinho, imaginei que Gabriel Agreste iria querer morar em um castelo ou coisa do gênero — o mais novo curvou os ombros.

— Não é como se ele não quisesse... — Nathalie comentou enquanto se espreguiçava — São que horas?

— Exatamente vinte para as seis — o filho a respondeu, dando uma última olhada no celular e depois o enfiando dentro do bolso.

— Ótimo! — ela sorriu de canto, procurando por alguma coisa dentro da bolsa — Pode ir na farmácia e me trazer essas coisas? Mas precisa ser o mais rápido que conseguir — ela estendeu um pequeno papel com algumas coisas anotadas para Gorila.

Sem ter muita escolha além de ajudar Nathalie, o grandalhão assentiu positivamente. Ele esperou os dois saírem do carro – três, se contar com Plagg –, entregou as malas e depois foi até uma farmácia qualquer para cumprir a ordem.

Gorila sabia que o pedido da colega poderia ser apenas uma compra qualquer que ela não teve tempo de fazer, ele se agarrou a essa pequena possibilidade até já estar dentro da farmácia e finalmente ver o que estava escrito no papel. Ele respirou fundo e tentou não levantar suspeitas de ninguém enquanto o entregava para uma das atendentes.

.

Qualquer remédio para constipação, líquido;

Uma seringa descartável com agulha;

Cloreto de Pararosanilina;

.

Naquele pequeno papel estava escrito os ingredientes necessários para algo muito pior do que tráfico drogas ilícitas... Nathalie ia matar o senhor Agreste envenenado e ele seria o cumplice!

.

.

.

Enquanto o guarda-costas enfrentava dilemas morais, ainda em dúvida se era seguro levar as armas do crime até Nathalie, a mesma estava mostrando as hospedagens voltadas para empregados ao filho.

— E é aqui que vamos ficar, já que você acha que é o melhor — ela abriu a porta de um dos pequenos quartos.

— Pra mim parece bom — Félix curvou os ombros — Só vamos dormir aqui, não precisa ser grande...

— Como assim? — ela ergueu uma das sobrancelhas — Você vai ficar aqui o dia todo. Eu não quero você andando pela mansão, Félix!

— Mas mãe...

— Sem “mas”!

— O cozinheiro não vai poder vir essa semana, eu achei que poderia ficar no lugar dele. Seria divertido e uma experiência nova, além de ajudar a senhora... — ele já estava com aquele olhar irresistível de novo.

— Por que ele não iria poder vir? E como você iria saber disso?

— Seu celular estava quebrado, coloquei o chip no meu aparelho. Parece que ele teve uma emergência familiar e vai precisar de alguns dias de folga, aliás, ele foi bem claro quando disse que poderia ficar até mesmo um mês de folga por todas as horas extras que teve que cumprir — enquanto explicava, ele empurrou as malas para dentro do quarto — Parece que não é só a senhora que sofre com os Agreste.

Antes que ela pudesse responder qualquer coisa, uma figura enorme se aproximou deles pelo corredor: Gorila já estava de volta. Ela sorriu notando a embalagem da farmácia nas mãos dele... seu plano iria começar!

— Eu não tenho tempo para arrumar outra pessoa hoje e por isso, apenas por isso, você pode ficar no lugar dele — e, antes que o rapaz se animasse em demasiado, ela advertiu mais uma vez: — é apenas hoje, Félix. Amanhã você vai ficar trancado nesse quarto o dia inteiro. Pode ir até a cozinha, nada além, qualquer dúvida pergunte a ele — ela encarou Gorila por alguns segundos — E, o mais importante: não vá ao ateliê de jeito nenhum.

— Sim, mamãe... — ele sorriu, sabendo perfeitamente o que precisaria fazer e como fazer.

Gorila não fazia a menor ideia sobre o que eles estavam falando, tão pouco prestou atenção naquele sorriso suspeito de Félix – o rapaz estava tramando algo. Toda a atenção dele foi dedicada a algo que não tinha notado antes, talvez porque o loiro estava sempre sozinho, sentado no carro ou apoiado em Nathalie quando via-o: ele era mais alto do que a própria mãe. Quantos anos ele tinha? Quantos anos ela tinha?

— Ótimo! — Nathalie esboçou um pequeno sorriso, tomando as embalagens das mãos do guarda-costas e começando a andar pelos corredores com o máximo de velocidade que os saltos a permitiam ter.

— Parece que agora somos só nós dois... — o loiro encarou o grandalhão, sorrindo um pouco mais — Vamos para a cozinha. Quer café?

— Não, hoje não... — ele respondeu um tanto mal-humorado, o novo “pequeno mestre” estar tão perto seria perigoso demais.

.

.

.

Nathalie subiu as escadas praticamente pulando os degraus e fez uma pequena corrida até chegar a porta do quarto de Gabriel. Ela poderia facilmente contar nos dedos todas as vezes em que foi até aquela porta desde que Emilie não estava mais lá... mais raras ainda foram as vezes em que ela entrou:

Uma quando precisou literalmente arrastar o senhor Agreste de volta para o trabalho, quando ele não conseguiu lidar com a falta da esposa; uma quando ele tentou beber para esquecer a dor e acabou ficando em um estado lastimável, sobrando para Nathalie e Gorila cuidarem dele; e agora, uma para que seu plano fosse iniciado.

Sorrateiramente, ela abriu a porta e entrou.

O quarto enorme e luxuoso mantinha-se exatamente do mesmo jeito por anos, como se Emilie fosse aparecer a qualquer momento e as coisas continuariam de onde pararam. Isso fez com que Nathalie sorrisse com lembranças doces até que a voz de Gabriel a tirou de tais pensamentos:

— Torta de pêssegos! — ele praticamente gritou e Nathalie pensou que tinha sido pega. Porém, ele estava apenas falando dormindo, provavelmente sonhando com doces “proibidos” de novo.

A assistente tentou andar da forma mais silenciosa possível em direção ao banheiro, mas quando a mão alcançou a maçaneta da porta ela ouviu estalos vindos da cama. Ela virou a cabeça lentamente, sentindo todos os músculos travarem e a garganta secar com o que estava vendo: Gabriel havia se sentado na cama, parecia estar ponderando sobre todas as acusações que poderia fazer contra ela.

— Se-senhor... — ela sussurrou, mas foi interrompida.

— Nathalie... — ele disse em tom baixo, frio, encarando as próprias mãos — Nathalie, coce as minhas costas — ordenou com o habitual tom indiferente.

— Coçar suas... que? — ela encarou o superior, assustada, até que finalmente entendeu tudo o que estava acontecendo e sentiu os músculos relaxarem completamente, tranquila mais uma vez: ele só estava sonâmbulo. Se o Agreste estava sonambulo, sinal de que nem tão cedo ele iria acordar.

Tomada de coragem e ansiedade para que seu plano fosse colocado em pratica, ela finalmente abriu a porta do banheiro e se esgueirou, observando a grande variedade de produtos que o chefe usava. Não era segredo nenhum que, como “figura pública” e renomado estilista, Gabriel Agreste era uma criatura vaidosa. A assistente sabia de cor e salteado todos os produtos que ele utilizava e para que serviam cada um deles, principalmente o adorado shampoo para revitalizar a cor dos cabelos em dias de eventos presenciais ou videoconferências.

Um sorriso vil brotou nos lábios dela enquanto ela pegava o tubo. O sorriso só aumentou quando ela abriu a bolsa de compras da farmácia, tirando dela a seringa e o Cloreto de Pararosanilina. Habilmente, ela encheu o tubo da seringa com o líquido violeta; com cuidado, ela injetou todo o conteúdo colorido no tubo. Depois, bastou balançar bastante a embalagem e coloca-la no mesmo lugar.

Primeira parte de sua vingança: feita!

Ela pegou as provas do crime e saiu do banheiro da forma mais silenciosa que pôde, caminhou pelo quarto com zelo o suficiente para não fazer barulho algum. Quando finalmente chegou na porta que dava para o corredor, conseguiu fecha-la bem a tempo de ouvir o despertador do Agreste tocar.

Nathalie deveria ter ido resolver alguns preparativos, mas não se conteve e bateu levemente na porta. Ela esperou até que um “o que é!?” em irritado fosse ouvido para, enfim, dar-se por satisfeita:

— Só quero lembra-lo de que em uma hora teremos uma videoconferência com investidores russos, senhor. Disse que tinha interesse em ver os desenhos que foram feitos para a senhorita Nightingale antes, eles estão todos em ordem no ateliê — a voz dela saiu com até mesmo um tom de malicia, ela adorava esbanjar sua eficiência e provar que conseguia ultrapassar as expectativas do superior.

— Acorde Adrien, quero instruí-lo sobre os cuidados com as vestimentas do ensaio fotográfico de hoje — apesar de sonolenta, a voz de Gabriel mantinha o tom irritado.

— Como desejar, senhor — respondeu ela, sorrindo ainda mais: o acaso estava a seu favor.

.

.

.

Depois de acordar Adrien, Nathalie voltou para a cozinha e ficou observando o filho preparar o café da manhã. Ela ajudou Félix a achar alguns utensílios e explicou todas as restrições alimentares dos Agreste.

— Eu levo ou tem algum empregado só pra levar pratos? — o rapaz perguntou enquanto terminava de preparar uma das bandejas.

— Você está proibido de sair da cozinha, lembra? Eu mesma levo.

— E depois volta e fica comigo?

— Não, depois eu vou começar a trabalhar e você vai ficar comportado — ela encarou o rapaz, segurando o queixo dele com uma das mãos e o fazendo olha-la — Entendeu?

— Eu sempre me comporto — ele sorriu.

— Claro... — disse com deboche e revirando os olhos.

Antes que pudesse ser contestada ou lembrada das “várias” vezes em que ele realmente se comportou, ela segurou as bandejas e levou-as para o salão de refeições.

Aproveitando estar sozinha, ela tirou do bolso mais uma de suas armas: o remédio para constipação. Gabriel não iria morrer por ingerir aquilo diluído no café, apenas ficaria ocupado o suficiente para que ela tivesse paz e conseguisse repor o trabalho atrasado.

Lentamente ela começou a pingar as gotas do remédio no café, mas um urro de ódio e melancolia ecoando pela casa a fez derramar um pouco além do que deveria. Reconhecendo que deveria ser a reação de Gabriel ao seu “shampoo especial”, ela rapidamente guardou o frasco de remédio no bolso e aguardou pacientemente.

— Mãe, você ouviu isso? — Félix perguntou colocando a cabeça para fora da porta da cozinha.

— Ouvi... — ela comentou com um sorriso — Agora feche a porta e finja que não vai ouvir nada.

— Mas... — antes que pudesse fazer qualquer outra pergunta, o loiro ouviu barulho de passos e achou melhor se esconder mais uma vez.

Os passos, rápidos e descompassados, eram de Adrien. Ele entrou no salão quase colocando as portas abaixo, esbaforido. O rapazinho olhou ao redor e pareceu não entender o que estava acontecendo, até que percebeu Nathalie naquele cômodo também.

— Você ouviu isso também? — a voz saiu em parte preocupada — Parecia um animal sendo atropelado...

— Eu ouvi, mas acredito que seja... — e, antes que ela pudesse completar sua explicação, foi interrompida por mais um grito:

— NATHALIE! — Gabriel vociferou, entrando no salão enrolado em seu roupão de banho felpudo — O QUE SIGNIFICA ISSO!? — ele apontou para a própria cabeça.

Os cabelos que uma vez eram loiros platinados estavam agora completamente roxos. Não só os cabelos: as mãos de Gabriel e toda a pele onde espuma do shampoo entrou em contato estava com uma coloração violeta. O roupão estava com várias manchas também, assim como o chão provavelmente ficaria manchado devido a água arroxeada que pingava dele.

Com uma frieza que só era possível adquirir depois de trabalhar tantos anos para o Agreste, Nathalie conseguiu fingir que não tinha absolutamente nada de errado com ele e simplesmente comentou:

— O roxo do seu cabelo é para combinar com suas calças vermelhas, senhor?

Adrien, sem conseguir controlar os impulsos de uma maneira tão robótica, sentou-se à mesa e escondeu o rosto entre os braços. Foi uma tentativa falha de evitar que suas gargalhadas fossem escutadas pelo pai.

— Nathalie... — o mais velho rangeu entre os dentes, não tinha como culpa-la por aquilo e tão pouco exigir que ela reparasse — Cancele a reunião de hoje.

— Impossível, senhor — ela endireitou a mexa de cabelo — Está marcada há semanas e são investidores muito importantes. É uma chance perfeita para atrair a atenção de...

— Eu não posso aparecer em público desse jeito! — Gabriel bateu um dos pés no chão, impaciente — Cancele.

A assistente suspirou, tentando manter sua fachada de indiferença. Ela estava prestes a contestar o superior mais uma vez, mas Adrien foi mais rápido do que ela:

— Pai... — o rapaz respirou fundo e prendeu as risadas antes de continuar — Cabelo colorido está na moda, eles vão gostar!

O Agreste mais velho não disse uma palavra sequer, apenas acenou positivamente e depois deu as costas para os dois, marchando de volta para o próprio quarto. Ao menos a cor arroxeada da pele ele precisava tirar.

.

.

.

Não estava sendo um dia fácil para Gabriel.

Suas mãos ainda estavam roxas; seu cabelo estava arruinado; seu filho não tinha conseguido se concentrar nas ordens dele porque estava rindo – não o culpava, qualquer coisa que uma pessoa de cabelo roxo falava soava bem mais engraçado do que o normal; ele não teve tempo para olhar os esboços; ele dependia de Nathalie para salva-lo com a reunião, o que o fez se culpar por ter irritado tanto ela no dia anterior.

— Inicia em um minuto, senhor — ela comentou enquanto terminava de posicionar a câmera do tablet para ele.

— É realmente necessário que eu apareça? Você tem total liberdade para me representar... — a voz dele saiu cansada, como se estar ridículo estivesse drenando as forças dele.

— Eles querem debater ideias antes de fazerem a entrada. Desfiles da Agreste em Moscou, São Petersburgo, Kiev e Novosibirsk chamarão a atenção de um novo público — a assistente comentou calmamente.

— E quanto a Istambul? — ele arqueou uma das sobrancelhas.

— Primeiro focamos na Rússia, depois na Turquia — Nathalie fingiu perfeitamente não notar o pequeno equivoco enquanto o superior sofria uma leve queda de seu orgulho.

— Nathalie, quero pedir uma coisa — ele apoiou as mãos na mesa, sem conseguir olhar diretamente para ela.

— Sim? — os olhos azuis da mulher focaram completamente nele. Ela estava surpresa demais, estava prestes a receber um pedido que nem mesmo Emilie recebera quando estava lá: desculpas.

— Apareça na videoconferência ao meu lado, eu não quero passar esse vexame sozinho.

— Não! — ela virou o rosto, desapontada ao extremo por ser um pedido feito daquele jeito. Anos passavam e Gabriel Agreste continuava sem saber como dialogar.

— Pode cobrar como horas extras! — Gabriel tentou negociar.

— Ainda é não!

— Por... por favor? — e, em fim, ele deixou o orgulho ferido guiar seu bom senso. Precisava de alguém ao lado dele para tirar a atenção de seu cabelo completamente roxo. Quem melhor do que Nathalie e sua mexa vermelha para isso?

Nathalie não respondeu absolutamente nada, apenas suspirou e se posicionou ao lado do superior. Como tradutora entre ele e os investidores, seria realmente mais fácil participar diretamente.

— Obrigado — murmurou o chefe, ajeitando a postura e colocando as mãos atrás das costas.

— Quero horas extras e sair mais cedo na sexta — disse ela, em tom baixo.

Antes que o Agreste pudesse retrucar aquele acordo unilateral, a vídeo conferencia começou. Aquelas reuniões eram um completo tédio: no começo ele se mostrava mais participativo, mas não demorava nem mesmo cinco minutos para que se irritasse em não entender nada da língua estrangeira e focasse sua atenção em qualquer outra coisa. Ele não se importava em dar respostas para as perguntas, deixava isso aos cuidados da assistente, afinal, ela cuidava do burocrático e ele do criativo.

Por vezes, se pegava admirando como Nathalie conseguia traduzir tudo em tempo real. Ela tinha habilidades interessantes que deveriam ser exploradas ao máximo – não exatamente reconhecidas, apenas utilizadas para um bem maior.

Como se já não fosse o bastante divagar sobre a assistente, o Agreste perdeu praticamente todo o transcorrer da reunião porque ficou cismado quanto seu ateliê: tinha algo de errado com ele. O contraste entre o preto e branco era o mesmo e lhe agradava, mas havia algo fora do normal, algo que estava atrapalhando a harmonia do ambiente e o deixando completamente desorientado no meio daquela confusão de estampas.

— Senhor... — ela chamou a atenção do homem para si — elogiaram a sua escolha na cor do cabelo, falaram que é uma combinação interessante com o vermelho.

— Agradeça por mim, Nathalie.

Ela acenou positivamente e fez o que foi pedido, mas logo em seguida colocou uma das mãos sobre os lábios, como se estivesse tentando prender uma risada, e então chamou a atenção de Gabriel para si novamente.

— Senhor... Disseram que deveria abrir mais botões da camisa, ficaria mais jovial.

— Agradeça por mim novamente, Nathalie... — demorou alguns segundos até ele realmente entender o que foi dito, tarde demais para mudar de ideia: a assistente já tinha dito a eles o agradecimento — Eles disseram o que?

— Estão se despedindo agora, senhor.

— Mande-os ir para o inferno! — ele grunhiu.

— Não seria melhor mandar três beijinhos? — ela ergueu uma das sobrancelhas.

— Faça o que bem entender, eu só quero essa reunião encerrada.

A mulher concordou e trocou mais algumas frases com os russos. Não demorou até que a videoconferência fosse encerrada e Nathalie voltasse para a própria mesa: ela precisava trabalhar.

— Eles devem enviar o contrato assinado em algumas horas — ela comentou enquanto ajeitava alguns papéis — Eu diria que a reunião foi um sucesso quase tão grande quanto sua nova cor de cabelo, senhor.

— Não quero mais ouvir comentários sobre o meu cabelo, entendeu? — ele disse de forma fria.

.

.

.

Horas passaram, Nathalie tinha ido várias vezes até a cozinha para garantir que Félix estaria se comportando e para pegar café – adicionando algumas gotinhas do remédio nas xícaras de Gabriel, afinal, ele não iria morrer por excesso daquilo.

O universo havia conspirado ao favor dela: as pequenas mudanças que ela fez na decoração do ateliê pareciam ter sido notadas, gerando certo desconforto em Gabriel; apesar de ele ser adepto de métodos virtuais, ele passou grande parte do dia colorindo alguns esboços do jeito tradicional e se contorcendo de raiva toda vez que pegava um marcador de cor errada - Nathalie havia trocado as tampas de praticamente todos.

Ele parecia péssimo, visivelmente esgotado pelas dores de cabeça; haviam também as gotículas de suor se aglomerando na testa dele, sinal de que o remédio já tinha começado a fazer efeito. Além de tudo isso, ainda havia o emocional sendo ferido: Adrien mal tinha conseguido tocar na comida porque, justo em um dos poucos dias em que conseguia almoçar junto com o pai, ele não conseguia fazer nada além de prender as risadas por culpa daquele cabelo violeta.

E, agora, Nathalie estava sorrindo e saboreando sua vingança enquanto os Agrestes saboreavam o almoço que Félix tinha preparado.

Até mesmo a escolha do prato havia ajudado a assistente: sopa. Uma sopa bonita, mas com o caldo formando pequenas estampas no prato de Gabriel, o que só fez com que o seu enjoo fosse mais forte do que sua fome.

— Eu... — ele murmurou, deixando o talher sobre a mesa — com licença.

Com passos largos e rígidos, ele praticamente fugiu daquele cômodo e deixou os outros dois para trás. Adrien finalmente deixou suas risadinhas escaparem, aliviado e em parte culpado pelo pai ter abandonado o almoço. Nathalie continuava sorrindo, vitoriosa.

— O pai está bem? — o loiro finalmente perguntou, enxugando uma lagrima vinda do riso e depois encarando a assistente — Ele vai ficar bem, né?

— Claro... — ela suspirou — Só está sendo um dia difícil, melhor deixar ele descansar.

— Tenho algo de tarde para fazer?

— Absolutamente nada, Adrien — ela pegou o tablet para conferir — O almoço está saboroso?

— Está incrível! — o rapaz sorriu — Parece a sopa especial do Le Grand Paris, só que está ainda mais gostosa.

— Isso é ótimo — ela sorriu, contaria os elogios para Félix depois.

.

.

.

Adrien havia gostado tanto da comida que devorou não só o almoço dele, mas o de Gabriel também. Nathalie jamais contaria que ele fugiu da dieta, então não havia problemas em ele fazer este tipo de coisa com ela sendo a única testemunha. Almoço terminado, ela voltou para a cozinha ansiosa para despejar todos os elogios que o Agreste mais novo havia feito para a sopa.

— Filho... — antes que ela conseguisse falar mais qualquer outra palavra, Félix a interrompeu.

— Eu juro que não fiz nada, eu juro! Eu realmente me comportei! Pode perguntar para o grandalhão, ele é testemunha! Eu me comportei! — o rapaz parecia em pânico, segurando o celular com uma mão e Plagg com a outra.

— Félix, do que está falando? — Nathalie caminhou até ele o mais rápido que conseguiu, agarrando o queixo do rapaz com uma das mãos e o obrigando a olhar para ela — Se acalma e responde!

Gorila, que estava na cozinha também, permaneceu calado. Tinha estado lá apenas durante o tempo em que Adrien ficou no salão, foi pressionado a lavar a louça toda porque Félix assegurou: “minha mãe vai ficar irritada se eu forçar o tornozelo por tanto tempo”. Ele não era uma testemunha de que o mafioso mirim realmente tinha se comportado o dia todo, mas poderia assegurar que o loiro não tinha feito nada de errado na presença dele.

— Por favor, não me mata... — o loiro entregou o celular e se abraçou a ela.

Estava aberto no aplicativos de mensagens com uma das conversas abertas, o nome era bem familiar. Pelo horário da mensagem, tinha chego segundos antes de Nathalie entrar na cozinha.

.

Gabriel Agreste diz:

“Nathalie, estou morrendo”. [12:32]

.

Gabriel Agreste diz:

“Chame o advogado, preciso refazer o testamento”. [12:32]

.

Gabriel Agreste diz:

“A culpa é sua! ”. [12:33]

.

Gabriel Agreste diz:

“Pode vir aqui, AGORA!? “. [12:33]

.

Gabriel Agreste diz:

“Se demorar mais de cinco minutos, será excluída do testamento! ”. [12:33]


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

NOTAS FINAIS:

Espero que tenham gostado!
Caso queiram ler mais:
Nyah!: .br/u/751821/
Spirit: perfil/laviniacrist/historias
Inkspired: /pt/u/laviniacrist/
AO3: /users/LaviniaCrist/works
FanfictionNET: u/2918352/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mãe Solteira" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.