Never Enough escrita por oicarool


Capítulo 12
Capítulo 12




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Elisabeta tentou respirar fundo e manter um pouco de controle durante todo o caminho até o hospital. Foi necessário usar um carro de passeio para chegar até lá. Durante o trajeto, sua irmã narrava os fatos ocorridos menos de duas horas antes, e Elisabeta tinha a sensação de que estava vivendo um pesadelo, de que estava fora de seu corpo e apenas observava a cena.

Seu pai, o homem mais importante de sua vida, cismara em continuar as reformas de casa, mesmo sabendo que Darcy e Ernesto não poderiam ajuda-lo naquele dia. Enquanto Elisabeta se divertia no circo, seu pai subira os degraus de uma escada de madeira e insistira em arrumar algumas telhas soltas. Tudo o que suas irmãs ouviram foi o barulho seco do lado de fora, e então correram para encontrar o pai caído e ensanguentado.

Felisberto estava desacordado quando Camilo e Archibald ajudaram a coloca-lo em uma ambulância, e Mariana não tinha mais nenhuma informação. Nada além de repetir que parecia ruim, que ele parecia muito ferido e muito frágil. Repetia tanto que Elisabeta precisou controlar-se para não gritar com a irmã, pedindo para que ficasse quieta. Darcy pareceu prever a situação, e puxou Mariana para seus braços.

Quando chegaram ao local, Elisabeta sentiu as pernas fraquejarem. Sua mãe tinha Cecília nos braços. Camilo consolava Jane, os dois pouco se importando em escancarar o romance. Charlotte, Archibald e Veridiana estavam em um pequeno sofá. Lídia, assim que viu Darcy, correu para abraça-lo. E Elisabeta admiraria a beleza do momento, daquelas duas famílias tão diferentes e tão unidas, não fosse a preocupação por seu pai.

Ofélia sequer conseguia falar, por isso Veridiana explicou brevemente que Felisberto estava em cirurgia, que os médicos não sabiam a extensão dos ferimentos, apenas que ele estava desacordado e com fraturas nas duas pernas. Suspeitavam que houvesse algum sangramento abdominal, e a cada nova informação Elisabeta sentia seu estômago revirar. Não poderia ser verdade.

Não o seu pai, forte e decidido, dedicado inteiramente à família. O homem que criara cinco meninas para que fossem independentes, para que acreditassem em si mesmas. Que, ao perceber o interesse de Elisabeta pela leitura, a presenteara com livros que seu salário mal podia bancar, levava o jornal para casa todas as noites, e inclusive enviou escondido alguns textos da filha para o jornal local, garantindo seu primeiro emprego. Não havia um mundo em que Felisberto não estivesse por perto.

Então Elisabeta encarou Lídia, que ainda estava abraçada à Darcy, da mesma forma que Mariana. Cecília tremia nos braços da mãe, que balbuciava pedidos aos santos. Jane deixava as lágrimas correrem livremente. Elisabeta soube que precisava deixar seu sofrimento de lado, que precisava ser forte. Respirou fundo, reunindo toda a coragem que tinha, e esteve ali por suas meninas.

Consolou Ofélia e deixou que a mãe chorasse em seu ombro. Abraçou cada uma de suas irmãs, sussurrou palavras de encorajamento, disse que tudo ficaria bem. Sua própria ansiedade por notícias foi distraída pela de suas irmãs, e ao fim de duas horas, Elisabeta sentia-se exausta. Foi quando os médicos finalmente cruzaram aquelas portas, e ela se colocou à frente de todas, pronta para o que quer que fosse.

— Por favor, nos dê notícias do meu pai. – ela pediu, e só então percebeu o quanto soou temerosa.

— O senhor Felisberto perdeu muito sangue. O baço dele se rompeu com a queda, e precisou ser retirado. Também corrigimos as fraturas nas duas pernas. Ele ainda não acordou após a cirurgia, precisamos esperar um pouco mais.

Os médicos continuaram falando sobre o quadro clínico e as potenciais complicações. Seu pai poderia não acordar mais, infecções poderiam acontecer. Ele perdera muito sangue e isso poderia prejudicar a recuperação. Quase nada do que diziam era bom, mas restava aos Benedito se apegar a esperança e a única informação que importava no momento: Felisberto estava vivo.

##

Já era madrugada quando Elisabeta entrou em casa, acompanhada das irmãs e de Darcy. Fora convencida a sair do hospital apenas quando Ofélia pareceu recobrar a consciência, e disse que não sairia do lado do marido, e que Elisabeta precisava cuidar das irmãs. Os Williamson as acompanharam até lá, e apesar da insistência de Camilo, Veridiana ponderou que não seria de bom tom, lançando um olhar significativo para Jane. Por isso, cabia a Darcy fazer companhia às meninas.

Em um dia normal, Elisabeta protestaria sobre não haver qualquer necessidade de uma presença masculina. Mas, naquele dia, sentia-se frágil. Ver seu pai deitado em uma cama de hospital, pálido, sem qualquer reação à sua família, fizera seu coração ficar apertado. E todas as energias pareciam ter sido drenadas naquele momento. Quando suas irmãs foram para seus quartos, Elisabeta deixou seu corpo cair no sofá, olhando para o infinito.

Darcy a observava com cautela. Estava admirado por observá-la. Por vê-la tão controlada naquela situação, notando o esforço que fazia para não ser nada menos do que uma fortaleza para suas irmãs. Mas agora ela mal parecia notar sua presença, a expressão decidida substituída rapidamente por um olhar desolado, frágil, como se estivesse prestes a quebrar em mil pedaços.

Ele se aproximou do sofá, e então Elisabeta pareceu lembrar que não estava sozinha. Todas aquelas emoções se escondendo novamente em uma expressão pragmática. Elisabeta inclusive tentou forçar um sorriso, que saiu como uma careta.

— Venha, vou pegar um cobertor e um travesseiro para você. – ela disse, rapidamente. – Deve estar exausto.

— Elisa, não preciso de nada disso. – Darcy disse, em voz baixa.

— É claro que precisa. Já que não vai dormir na sua cama, o mínimo que posso fazer é oferecer um pouco de conforto.

Elisabeta não deixou que ele respondesse, caminhando rapidamente até seu quarto, e não deixou à Darcy outra alternativa além de segui-la. Ela abriu o guarda-roupas e tirou de lá um cobertor, que entregou à Darcy. Então, tentou em vão alcançar um travesseiro na parte superior. E tentou novamente, e uma terceira vez. Resmungou, e tentou novamente, quase caindo dessa vez.

Darcy se aproximou, pegando o travesseiro e entregando para ela. Foi um gesto simples, quase sem significado. Mas Elisabeta olhou para o travesseiro, e foi como se representasse todos os sentimentos do dia. Darcy viu os olhos dela marejarem, e Elisabeta apenas sentiu que ele retirava o objeto de suas mãos. Antes que pudesse raciocinar, Darcy a envolveu em seus braços.

Foi o que bastou para que tudo, de repente, fosse demais para ela. Elisabeta o abraçou com força, enterrando sua cabeça no peito de Darcy. Ele acariciou os cabelos dela enquanto o choro tomava conta, os soluços desesperados de quem pela primeira vez via-se em uma situação tão assustadora. Darcy sussurrava palavras de consolo, completamente em vão.

O fez mesmo assim, e a abraçou com firmeza enquanto Elisabeta chorava. Quis chorar com ela. Quis ser capaz de substituir toda aquela tristeza, de devolver a força que o medo levava. Quis dizer que ficaria tudo bem, mas não sabia se ficaria. E, por fim, apenas a abraçou, sentindo que era a única coisa justa que poderia oferecer.

Quando as pernas de Elisabeta fraquejaram, Darcy sentou-se na cama, com ela em seu colo. Em outro momento, talvez estranhassem tanta proximidade, talvez sentissem aqueles arrepios que insistiam em acontecer, talvez deixassem o desejo tomar conta. Mas, naquele momento, não havia espaço para nada disso. Havia apenas sua amiga de infância, a pessoa mais forte que ele conhecia, precisando de um ombro amigo.

Elisabeta chorou até adormecer, e mesmo assim não parecia tranquila. Darcy simplesmente não conseguia soltá-la, não era capaz de deixá-la sozinha. Deitou-se na cama de Elisabeta, e arrumou o cobertor no corpo dela. Pretendia ficar apenas alguns minutos, mas também estava triste, cansado e estressado. O sono veio rapidamente, antes que Darcy pudesse combate-lo.

Os primeiros raios de sol bateram em seu rosto, algumas horas depois, e Darcy percebeu que ainda estava no quarto de Elisabeta, as luzes estavam acesas, ela permanecia adormecida em seus braços. Com esforço e delicadeza, Darcy se afastou de Elisabeta, tentando não acordá-la. Com um beijo na testa de Elisabeta, Darcy saiu do quarto.

Havia sido uma noite de muitas emoções para os Benedito. Felisberto lutava por sua vida no hospital, e nenhuma de suas filhas parecia preparada para perde-lo. E Darcy sabia que seriam tempos difíceis, mesmo que Felisberto se recuperasse totalmente. O homem não era mais nenhum menino, e era a principal fonte de renda daquela casa. Certamente não poderia trabalhar por algum tempo, e Darcy conhecia a fábrica o suficiente para saber que Felisberto não teria qualquer benefício.

E ainda haveria o gasto com o hospital, com os remédios. Felisberto precisaria de cuidados até sua plena recuperação. As meninas certamente precisariam ajudar ainda mais nas despesas, e não seria fácil para elas. Felisberto era o homem da casa, ainda que todas as suas filhas fossem mulheres fortes e a frente de seu tempo. Porque ele fizera questão que fossem, e Darcy o admirava imensamente por isso.

Felisberto era como se fosse um segundo pai. O ensinara tanto quanto o seu próprio. O tratara como um membro de sua família, confiara à Darcy seus bens mais preciosos. Quando todos estavam juntos, era comum ouvir Felisberto dizer à Darcy que era o responsável por suas meninas. E ao lembrar-se disso, uma lágrima escorreu pelo rosto de Darcy.

Seu coração doía por aquela família, que considerava como sua. Pelas quatro meninas que considerava como irmãs. E doía ainda mais pela menina que invadia seu coração sem pedir licença, com sua força e fragilidade. Queria protegê-las, todas elas. Mas não havia nada mais a fazer naquele momento. Nada além de deitar no sofá dos Benedito e cochilar mais um pouco.

 


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Notas finais do capítulo

ps: eu não sei se na época já faziam esplenectomia. Pesquisei rapidamente e não encontrei essa informação, então me dei o direito de fingir que sim.



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