Não Tão Estranha Assim escrita por Débora SSilva


Capítulo 15
Capítulo 14 — Pedra




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/773368/chapter/15

Capítulo 14
Pedra
Max Jerson

— Pegou os livros que precisava? — Blair pergunta, tentando equilibrar todos os livros que carrega nos braços. Sua mochila nas costas carrega apenas o que trouxe de casa. Ela não me encara, mas eu o faço por completo.

Nossas conversas, até agora, tem sido curtas e certeiras, mas nesse momento sorrio pela movimentação ao nosso redor e, ainda sim, estarmos finalmente só nós dois.

Tranco meu armário e vou em sua direção, tirando dois dos três livros que carrega da suas mãos, os carregando em minhas mãos.

— Vamos para a aula juntos, certo?! — tento saber, enquanto ela ainda olha para minhas mãos que carregam seus livros. — Blair?

— Oi! — ela se volta para meus olhos, piscando sem parar. — É que você pegou meus livros.

— É — dou de ombros e ela termina sorrindo com as bochechas corando.

— Sim, vamos juntos para a aula. Temos que ir antes que o segundo sinal toque. — ela se põem a minha frente e eu a sigo, não conseguindo entender qual é a do seu sorriso, mas mal importa direito contanto que eu esteja aqui para ver.

O primeiro sinal toca e Blair já segue pelo corredor, passamos pela ligação do prédio B ao A, e dobramos a direita mais uma vez, até que entramos na sala 63, indicando a turma de Hudson Benson. Entro ao lado de Blair, ela segue para a primeira carteira da sala, conversando com uma menina que usa óculos maiores qual os dela.

— Ora, se não é o aluno novo acompanhado da minha melhor aluna. — O homem usando suspensórios, o que imagino ser o professor,  se levanta de trás da mesa a frente da sala.

— Sou Max Jerson — declaro lhe entregando o direcionamento que recebi na secretária.

Ele concorda, pega o papel e dá uma assinatura. O direcionamento precisa ser entregue na sexta-feira na secretária, comprovando que fui a todas as aulas e que os professores me encaixaram em suas turmas, então assim que o professor me devolve eu o guardo em meu bolso para a próxima aula.

— Bom, não tenho muito o que falar — o professor Hudson diz com um sorriso. — Espero que goste das próximas aulas e o clube de literatura da escola está sempre aceitando pessoas que se orgulham da leitura e do esplendor que ressoa pelas palavras, compondo um...

— Professor, não se empolgue tanto! — Blair quem diz, parecendo provocar o senhor a minha frente e ele solta uma gargalhada.

— Muito obrigado pelo convite, professor, mas já conclui todas as minhas horas complementares. — digo, ajeitando minha mochila no ombro e deslocando novamente os livros para a outra mão.

— Parece que você tem um concorrente, não é mesmo, Blair? — o professor ergue as sobrancelhas com uma empolgação estranha na voz.

— Como assim? — pergunto e Blair revira os olhos, dando um aceno para o professor. Ela pega seus livros em minhas mãos e se dirigindo ao fundo da sala.

— O único outro aluno que já concluiu todas as horas complementares nos clubes e nas aulas extras foi a Blair — ele conta, com um sorriso. O professor cruza os braços e sorri para mim. — Espero que tenhamos uma boa disputa de notas por aqui!

— A Blair não é a única inteligente da classe, professor Hudson — diz a menina com óculos grande, na primeira carteira, que Blair falava a pouco. Ela não sorri para nenhum de nós, apenas diz isso e nos encara.

— Claro que não, Brenda, não foi isso que quis dizer — o professor se justifica e, assim que a tal Brenda se vira para o outro lado, o professor faz uma careta para mim e se volta para os papéis em sua mesa.

Observo por um tempo a sala de aula, com alunos ao fundo conversando, os primeiros nas fileiras mais concentrados e outros ainda estão do lado de fora, para entrar na sala em último momento. Ando até a última carteira, que está junta com a de Blair. Ela está distraída digitando no celular, só levanta o olhar quando me sento ao seu lado.

— Qual é a da menina de óculos? — aponto com a cabeça para frente e ela empurra o próprio óculos para cima e olha para frente.

— Ah! — ela exclama e estala os dedos. — A Brenda? O que tem ela?

— O professor falou algo sobre boas notas e ela não pareceu muito receptiva a ideia de você ser a primeira da classe!

— Quem te disse que eu sou a primeira? — ela bateu as costas contra o encosto da cadeira e me encarou com seus braços cruzados.

— Eu deduzi.

— Certo, a Brenda não curte muito não ser a segunda nota mais alta ou ter alguém com uma nota tão boa quanto a dela — Blair diz dando de ombros, não ligando realmente para o assunto.

— Então eu encontrei mais um de seus fãs que estão espalhados pela escola — digo e, quando acho que ela vai dar uma resposta sarcástica ou até mesmo ficar com raiva de mim, Blair solta uma gargalhada tendo que tampar a boca para que o som não se espalhe muito pela sala. Ela se recomponhe, mas ainda está com um sorriso repuxado nos lábios. Seus óculos caem um pouco, o que a deixa ainda mais atraente por nenhum motivo específico.

— Sabe, você só precisa entender que as pessoas não ligam para o que é falado de você só repetem o que ouviram, os populares que inventam as histórias que falam sobre você e os caras mais inteligentes evitam você.

— O assunto sobre você ser "estranha" — faço aspas no ar e ela sorri com a consideração — afetou tanto assim?

— Eles inventam todo tipo de coisa. Que eu já matei alguém, que fui internada num hospital psiquiátrico ou que matei pombos para comer, essas bizarrices. As pessoas simplesmente riem e continuam espalhando a coisa toda.

— Você fica bem com isso tudo?

— No começo eu ficava bem chateada, ou ainda fico, sei lá! — ela dá uma risada — Mas aí eu olhei ao meu redor e só vi corpos vazios — ela passa a mão pelos braços e olha para frente. — Pessoas vazias tentando se ocupar para manter a mente funcionando...eu...— ela faz uma pausa e suspira, volta a me encarar e faz uma careta. — Eu senti pena! Depois meus pais vieram até a escola e tomaram providências. Todos levaram punições, cada pessoa que espalhou os rumores. Mas eles sempre arranjam novos meios de perturbar. Eu sempre procuro informar qualquer coisa que chegue aos meus ouvidos, só porque não me importo não quer dizer que o que eles fazem é certo. Se eu deixar impune, eles vão passar por cima como um trator.

Assinto, porque não tem realmente muita coisa que eu possa falar após esse discurso. Nunca antes participei de bullying, sendo vítima ou o agressor. É a primeira vez que me deparo frente a frente com o caso. Algo dentro de mim se remexe por eu ter caído nessa nos meus primeiros dias na cidade e nenhuma justificativa de "não teria conhecido a Blair" me vale. Eu teria conhecido ela uma hora ou outra, e isso realmente me dói.

O segundo sinal toca, mas antes que todos se acomodem, eu passo o braço por cima do encosto de sua cadeira e me aproximo de seu ouvido.

— Me desculpa por ter sido uma das pessoas que deixou qualquer tristeza se formar dentro de você — digo e me afasto.

— Essa sua desculpa é bem mais até do que eu gostaria de ouvir — ela me lança mais um de seus sorrisos brilhantes. — Obrigada, Max!

***

Estou prestes a deixar Blair na porta da sala de sua próxima aula, mas algo ainda me incomoda depois que falamos sobre o que ela vem passando nos últimos anos na escola. A nossa última aula eu a observei e ela cola alguns posts It de anotações pelo caderno, Blair é realmente viciada nessas coisas. Sua concentração estava toda no professor, o que não me deu muita margem para mais questionamentos.

— Posso te fazer uma pergunta? — devolvo seus livros quando paramos no corredor em frente a sala 89 da professora Kendra, de filosofia.

— Tudo bem — ela concorda, colando os livros a seu peito, os segurando com firmeza.

— Por que você estava falando com a Brenda antes da aula?

Blair levanta as sobrancelhas, parecendo surpresa.

— Bem — ela se balança no lugar e olha ao redor, parecendo procurar alguém. —, é que antes das férias eu conclui meu período no clube de xadrez e decidi me retirar. Parece que a Brenda amou o acontecimento, mas a professora que coordena o clube me pediu para participar de mais uma partida e, hoje, quando cheguei ao meu armário, havia uns bilhetes que bem reconheci sendo dela.

— E aí você falou o quê?  — eu sei que estou curioso o suficiente, já até mesmo me aproximei um pouco dela.

— O que você acha que eu disse? — Blair levanta as duas sobrancelhas rapidamente e deixa a cabeça cair sobre um dos ombros.

— Eu ainda não consegui decidir se foi uma ameaça — dou mais um passo para seu lado e sussurro — ou uma ameaça!

— Meu Deus, não! — ela ri, com aquele olhar divertido em minha direção. Eu também sorrio. — Só disse que vou participar da próxima partida, na quinta-feira, e que vou ganhar.

— Você me surpreende cada vez mais — digo e ela dá de ombros, ainda com um sorriso.

— Até o almoço — ela se despede, entrando na sala.

Sigo adiante, passando pelo tumulto que é a troca de salas. Passo por uma sala que todos falam, assim que entram, apenas em português. Como o colégio segue o cronograma brasileiro de aulas, há turmas de português e só reconheço o idioma porque a inspetora que nos apresentou a escola no dia da matrícula falou uma frase ou outra. Todos os alunos fazem classe desse idioma, mas como entrei apenas para terminar o ano letivo não fui obrigado a tal coisa.

O corredor dos armários é o mais tumultuado, porém consigo ver, do lado oposto em que estou, Dan conversando com uma menina loira. Ela está de costas para mim, mas percebo a animação de Dan e os movimentos com a cabeça que a garota faz para ele. Estou prestes a acenar, tentando saber como ele está, mas escuto um xingamento ao meu lado e sinto algo bater contra meu pé.

Olho para baixo e vejo um dois livros encostados onde senti a pancada. Me agacho e recolho os livros e quando levanto reparo que quem recolhe os ouutros papéis caídos no chão é Brenda. Levo os livros até ela e a entrego.

— Obrigada — responde, de cara amarrada.

— Não precisa perturbar a Blair por causa de notas maiores — falo, sem pensar direito. Não pretendia falar nada sobre isso com essa menina, mas é inevitável.

— Pode acreditar, ela é uma pedra no meu sapato — diz, e levanta o queixo. — Talvez, logo não seja mais.

— Não, ela não vai ser — falo e a encaro, não sorrio, não levanta as sobrancelhas ou faço careta. Apenas a olho, o que a faz ter uma reação pela primeira vez, ela dá um passo atrás. — Eu que vou ser a pedra no seu sapato se tentar mexer de novo com a Blair.

Ela segue pela direção contrária a minha e eu bufo, levantando a cabeça para seguir pelo corredor, mas dou de cara com a garota pálida de cabelos longos me encarando, ainda mastigando seu chiclete. Stella, se não me engano, remexe o ombro e entra na sala a sua frente sem dizer nada e eu suspiro, seguindo para a minha.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Não Tão Estranha Assim" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.