Futuro ausente de um presente vazio escrita por kami


Capítulo 4
O renascimento




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Um dia chuvoso e uma barraca de doces. Uma menina com intenções suicidas e um assassino confesso. O mundo, oficialmente, tinha parado de fazer algum sentido e dois estranhos estavam dividindo uma mesa como se fossem antigos conhecidos.

Um longo período de silêncio havia se instaurado entre os dois. Para o Uchiha nada diferente de um dia normal, mas para Tenten o silêncio de palavras era reflexo de um turbilhão de pensamentos que disputavam em sua mente para ver quem falava mais alto.

Uma parte de seu cérebro esperto lhe questionava incansavelmente como e por que tinha seguido Uchiha Itachi por uma vila desconhecida. Bom, uma parte de si sabia que o breve diálogo com o desconhecido tinha sido suficiente para despertar-lhe do torpor insano que tinha a acometido e feito a despertar para a insanidade que estava prestes a cometer e devia algum tipo de gratidão por aquela pessoa, fosse ela quem fosse.

Sim. Estava grata, a tristeza e a decepção em si ainda esmagavam seus sentimentos de forma assoladora, mas não era uma suicida e não tinha nenhuma intenção de se matar. Seria terrível se tivesse despertado de sua melancolia somente depois de ser tarde demais. Todavia, seu heroi inesperado era ninguém mais e ninguém menos que Uchiha Itachi, sabe, o cara que os pais usam para assustar crianças desobedientes e que inunda a mente de jovens cheios de imaginação enquanto disputam sobre o maior conto entre os mitos de supostas ações daquela pessoa terrível.

As crianças tinham medo daquela pessoa. Os adultos tinham medo daquela pessoa. Seus professores tinham medo daquela pessoa. Os ninjas mais capacitados que conhecia tinham medo daquela pessoa.

Era um grande conflito para si ter consciência de que era grata àquela pessoa. Até porque por mais que não gostasse de expor suas fraquezas, ela tinha medo daquela pessoa.

Uchiha Itachi. A regra geral de conduta se encontrasse aquela pessoa em seu caminho em alguma missão, para ninjas como seu mestre e seu time, era se esforçar para não ser notado e seguir outra rota, focar-se em proteger a si, seu time e sua missão e não ser morto no processo.

Quantas coisas uma pessoa pode sentir e pensar ao mesmo tempo antes de explodir?

Uma coisa era certa, acima de todos os pensamentos havia o sentimento de vergonha, e talvez fosse este sentimento que a mantinha naquela posição. Alguma coisa no fato de ter sido tirada da beirada do precipício por uma por alguém como Uchiha Itachi havia a feito sentir uma profunda vergonha de seus atos.

Havia sido tomada pela bruma densa de uma dor acumulada e pesada por todos os motivos que a faziam sentir algum sentimento de fracasso e isto havia a deixado cega para todo o resto. E ainda foi necessário a intromissão de Itachi para fazê-la despertar para a realidade do que estava prestes a fazer.

Bancar a fraca ou frágil na frente do famoso Uchiha assassino não fazia parte dos planos de uma Kunoichi de elite como ela era. Ah é, não importava o seu medo ou o protocolo de conduta esperado para agir no possível infortúnio que seria encontrar aquela pessoa em seu caminho, ninjas como Tenten não seguiriam um protocolo que implicasse fugir; fugir era sinônimo de fraqueza e heróis não fogem de nada.

Heróis encaram o perigo de frente e assumem o risco por suas perdas pelo caminho da glória. E nada daria mais glória do que derrotar Uchiha Itachi; até mesmo enfrenta-lo e sobreviver era digno de tal recompensa.

Sim sim, o homem em sua frente era famoso Itachi era modelo de estudo na academia. Sobre tudo o que podia-se dizer saber sobre aquela pessoa, as coisas que eram positivas eram também um compilado de características que favoreciam fortemente o medo que todos sentiam dele.

Pessoas normais estudam sobre Itachi e rezam para nunca encontra-lo em seu caminho, mas em seus pensamentos mudos Tenten pensava que se caso isto não fosse uma opção, era o desejo de todos ser um adversário à altura e lutar arduamente para conseguir sair vivo da luta e contar o grande feito aos conhecidos. Estar na frágil posição de quem está prestes a cometer uma grande e irreversível loucura e ainda dever sua vida àquela pessoa definitivamente não era nada desejado. Ou se quer imaginado.

Silêncio. Escassez de palavras e excesso de pensamentos.

O homem em sua frente não parecia ligar mais para o seu silêncio ou sua presença do que ligava para as bolas do doce que arrancava de um palito com seus dentes. Era curioso, se não soubesse seu nome ou sua história, aquela pessoa não lhe daria medo algum.

Magro, com profundas olheiras. Olhos cansados e expressão vazia. A escuridão de sua alma refletida nos cabelos, nos olhos, nas roupas, nas unhas e em sua aura... tudo isso curiosamente contrastando com uma pele clara demais, quase frágil.

Não carregava armas, nem bolsas ou pergaminhos. Se não soubesse que Itachi por si só já fosse uma arma, seria fácil acreditar que aquela era apenas uma pessoa normal como todas as outras; mas para isto teria que ignorar a bandana da folha marcada como renegada por si.

Não tinha nada de assustador. Parecia apenas uma pessoa cansada ou triste; era difícil definir.

— Então – ele perguntou após engolir alguns dangos – você vai me dizer o motivo para querer tirar a própria vida?

Tenten apenas ergueu os olhos para o seu anfitrião. Não sabia o que dizer e nem se deveria dizer alguma coisa, a vergonha que sentia ordenava que não tocasse mais no assunto, mas o homem em sua frente não parava de a encarar à espera de alguma resposta.

— Faz diferença? – perguntou e optou por direcionar sua atenção aos doces, tinha tantos pensamentos confusos na cabeça, mas suas palavras para aquela pessoa não conseguiam não sair de maneira hostil.

— Achei que alguns dangos fossem adoçar um pouco o seu humor. – desdenhou e aquilo fez a morena entender o que tornava tudo aquilo incomodo.

Tinha acabado de perder sua família, tudo o que ela mais amava e se importava neste mundo tinha sido tirado de si e poderia concentrar sua raiva no fato de que quem tinha levado a vida de seus entes queridos era uma pessoa como o ninja sem honra em sua frente, mas a verdade era ainda pior. Itachi não era apenas uma pessoa que tinha cometido uma chacina sangrenta e violenta, as pessoas que ele tinha matado eram de sua própria família.

Aqueles laços tão importantes que tinham sido arrancados da vida de Tenten, tinham sido interrompidos da vida do moreno por si mesmo. Sem remorso, sem piedade...

O que motivava uma pessoa como aquela? Se perguntou repetidamente em sua cabeça sem encontrar uma resposta que lhe convencesse a enxergar Itachi como o ninja cuja fama aterrorizava até mesmo os shinobis mais respeitados que conhecia.

— Veja bem – ele retomou sem uma resposta da menina – a mesa está silenciosa há tempo demais, mas eu sei apenas uma coisa sobre você para puxar algum assunto. – completou.

Assunto. Aquela pessoa queria bater papo? Tenten sabia que todo mundo assumia uma personalidade diferente quando estava no trabalho e quando estava de folga, mas... aquilo simplesmente era muito diferente do que esperava do cara que tinha um grande “fuja” ao lado de seu nome no protocolo de conduta shinobi. E não eram muitos ninjas que tinham um protocolo de conduta exclusivos para si.

A morena se manteve em silêncio absoluto. Não tinha o que dizer e a velocidade em que seus pensamentos corriam por sua cabeça não ajudava em nada, mas aparentemente suas palavras podiam agir tão impulsivamente quanto seus pensamentos e agirem sozinhas também.

— Que vila é esta? – perguntou em palavras baixas.

— Está na vila da Chuva. – ele respondeu de pronto.

— Estas pessoas sabem quem você é? – perguntou sem esconder a estranheza que a normalidade demonstrada pelas outras pessoas à presença dele lhe causava.

— Talvez. – deu de ombros – A verdade é que eles não ligam, são pequenos, fracos, pobres e foram devastados principalmente por Konoha. Poderia me engrandecer aqui pelo mesmo motivo que você foi ensinada a me odiar, mas não importa, porque eles são defendidos por pessoas que usam o mesmo uniforme que o meu e isto é tudo o que eles enxergam em mim.

— Então eles não ligam em ter um assassino na mesa ao lado, desde que ele aja como um leão de chácara na fachada da loja. – desdenhou e uma rachadura entortou um meio sorriso no rosto prepotente.

— Preste atenção na face de cada uma destas pessoas, menina, olhe para um pai que perdeu sua espessa e filhos para bravos heróis de Konoha que invadiram sua casa e não tiveram o trabalho de verificar se eram civis ou shinobis, olhe para o jovem mutilado por bravos heróis de Konoha durante interrogatórios extremos para garantir que se tratava mesmo de um civil e não de um shinobi escondendo muito bem seu chakra, olhe para todas as cadeiras vazias e vai ver nelas marcas dos grandes heróis de Konoha que exterminaram todos os civis que não podem ocupa-las. Estas pessoas conhecem o medo, a dor, a fome e desesperança e todos estes presentes gloriosos lhe foram dados por Konoha. Ajuste seus olhos para a perspectiva do lugar onde está, menina, eu não sou um assassino aqui e se quisesse ser um heroi, bastaria contar uma pequena história.

— Eu não quis... – Tenten não soube como terminar aquela frase, seus pensamentos em desencontro com a coordenação de palavras não estava resultando em boas frases.

— É evidente que se fosse capaz de filtrar seus pensamentos adequadamente, não precisaria ser tirada ao lado errado do parapeito diante de um precipício.

A fala a irritou, mas ela conseguiu se conter, ao invés disso resolveu permitir que seus olhos passassem pelo local. Era mesmo um ambiente regado em tristeza, habitado por almas praticamente sem vida e tão cinza quanto o céu chuvoso; pessoas que apenas seguiram em frente com esperança somente na certeza do dia de amanhã.

— Eu não quero morrer. – disse depois de alguns minutos, de um jeito engraçado devido à vergonha. – Obrigada, se não fosse por você teria despertado tarde demais. – seu problema pareceu tão pequeno olhando direito para o lugar onde estava.

— O que aconteceu com você? – quis saber.

— Não importa.

— Foi importante o bastante para quase deixa-la insana. – respondeu.

— Bom... não te importa. Não é da sua conta.

— Gostaria de saber quem é a garota que me tirou do meu caminho. Seria bom saber que valeu a pena o tempo e o chakra perdido, mas até que você me diga, será apenas a menina que estava prestes a tirar a própria vida.

— Como se você ligasse... – desdenhou, mas o homem do outro lado da mesa permaneceu lhe olhando impassível até que a morena suspirasse pesadamente em derrota – Eu perdi tudo o que era importante para mim rápido demais, toda minha base e apoio. Apenas um permaneceu, a última pessoa importante que me restou e em quem eu cometi a burrice de confiar cegamente e esta pessoa apenas me usou para benefício próprio. Eu tinha tudo o que precisava para ser a melhor versão de mim mesma e então foi tudo levado de mim sem que eu tivesse chance alguma de proteger. Eu perdi até o que eu não via que tinha e fui deixada com uma versão de mim mesma que eu nem sabia que existia; uma versão repugnante.

— Interessante. Vamos logo, está muito perto do horário em que a chuva fica mais forte e você não vai querer estar na estrada quando ela começar. – disse o moreno se levantando com a clara impressão que seguiriam viajem juntos ou algo assim.

— Hã? Não eu... acompanhei você para agradecer seu feito e já agradeci, então adeus. Você vai seguir o seu caminho e eu o meu.

— A vila não tem hospedarias... bom, tem, mas dirão que estão sem vagas para você menina de Konoha. O meu melhor conselho para você é que se por acaso conseguir alguma vaga, então tente dormir sem fechar os olhos. O que nos leva de volta ao fato de que você deve pegar a única estrada de acesso à vila para sair, para onde eu estou indo. E aí vou lembra-la uma última vez de que você não vai querer enfrentar a chuva forte da vila com suas roupas leves para o agradável clima da Folha.

E mais uma vez Tenten se viu refém de circunstâncias do destino, àquela altura já nem mais se incomodava. Aceitar caminhar ao lado do homem silencioso não seria tão doloroso quanto encontrar os pais mortos, nem tão repulsivo quanto descobrir tudo o que tinha descoberto sobre Neji. Passos mudos não eram tão constrangedores quanto ter sido tirada da beirada de um precipício e a ausência de julgamento por parte de seu companheiro de viagem após ouvir sua breve explicação sobre como havia terminado na situação em que se conheceram fazia a menina se sentir até mesmo um pouco menos envergonhada.

Havia algo na forma com Itachi parecia se misturar silenciosamente ao contexto da paisagem por onde passavam que parecia deixar a energia emanada pelo moreno, calma. Era fácil demais se esquecer quem era aquela pessoa e no fim das contas, mesmo quando seu inconsciente a lembrava, não conseguia sentir medo do Uchiha; por mais que sua cabeça ficasse lhe repetindo que deveria.

Aquela não era uma pessoa confiável, mas também não era alguém não confiável. Não era o grande pesadelo descrito na literatura e muito menos a pior pessoa com quem andou lado a lado.

Caminhar em silêncio não era ruim. Muito pelo contrário, parecia-lhe estranhamente reconfortante e exatamente o que ela precisava naquele momento para colocar seus pensamentos em ordem. Havia corrido cega a tudo até ali e finalmente parecia que a ordem conseguia dominar o caos em sua mente enquanto caminhava devagar e em silêncio.

A entrada da vila não tardou a chegar. Aquele deveria ser o ponto de despedida daquela dupla de estranhos unidos por um estranho acaso, mas a garota estava tão distraída no prazer de uma caminhada silenciosa que não notou quando seus passos continuaram seguindo o mesmo caminho que os de Itachi e mais tarde quando notou, fez questão de não ligar.

Quando a noite caiu alta, pararam em um local discreto e seguro para um acampamento simples. O silêncio foi quebrado somente quando o mais velo disse que tinha uma missão importante ao leste de onde estavam daqui no máximo quatro meses e ele ficaria na região monitorando e esperando e perguntou se a menina não gostaria de passar este breve espaço de tempo em sua companhia.

— Você precisa resolver o que vai fazer com sua vida. Este é um bom lugar para pensar e um bom período de tempo para planejar. Gosto de companhia e você pode ter algo que eu adoraria desenvolver mais em mim, talvez haja algo que eu possa te ensinar também... melhor arremesso de Konoha – completou apontando para si mesmo e quase fez a mestre de armas rir.

— Melhor arremesso no seu tempo... – respondeu arrogante – o que Uchiha Itachi precisa treinar?

— Combate de curta distância ás cegas.

— Hn? Pra que? Com sua técnica ocular não precisa...

— Vou precisar na minha próxima missão, já venho evoluindo minha habilidades ás cegas, mas você é uma mestre de armas. Acredito que nós dois poderíamos nos beneficiar desta breve parceria.

Tenten realmente achou que a palavra “parceria” soou como algum tipo de insanidade vinda de quem vinha, mas logo riu-se de sua própria situação; aquela não era nem de longe a coisa maior das insanidades que poderia listar em seus últimos dias. Ainda se via como alguém de futuro incerto e talvez estivesse mesmo no auge de um episódio de loucura, mas aquela pessoa fazia a sentir vontade de ficar por perto.

— Melhor arremesso de Konoha... – desdenhou mais uma vez achando a frase realmente engraçada; aquele foi seu jeito estranho de dizer que ia ficar.

E assim como aceitou ficar, a morena foi se deixando aceitar aquilo que ela chamou de estado prolongado de insanidade. Aceitou quem era e onde estava, aceitou sua companhia e sua total falta de propósito na vida, e no fim das contas aceitar o aqui e o agora acabou levando o passado para um lugar suficientemente seguro para ser chamado apenas de memória.

O luto era a parte mais difícil. Tinha dias que tudo parecia bem e de acordo com a normalidade, quando os dias eram preenchidos por coisas importantes ou nem tanto, mas que fazem com que uma pessoa normal não pensasse o tempo todo em seus familiares que moram em uma vila distante... então bastava um aroma despretensioso no ar, ou um movimento errático de uma kunai durante um treinamento e lembrança vinha e com ela uma saudade intensificada pelo peso do luto.

Os dias passavam em velocidades diferentes quando coisas como aquelas aconteciam, mas no fim o saldo era sempre positivo. Grande mérito disso, ela sabia, era de sua companhia.

Itachi era surpreendentemente uma ótima pessoa para se ter por perto. Tinha uma rotina simples e ritualística, além de ser alguém que costumava falar pouco. Ainda assim, sua presença era estranhamente agradável e nas raras vezes em que havia algum diálogo, o moreno parecia sempre ter algo útil e positivo para lhe ensinar.

Um professor. Itachi tinha se transformado aos olhos da kunoichi em poucos dias de assassino perigoso a um professor. Não um professor de técnicas shinobis Itachi jamais poderia ser seu sensei, pois suas técnicas e habilidades eram muito incompatíveis, mas quase um professor de filosofia que tinha uma capacidade quase ímpar de fazê-la pensar e refletir sobre múltiplos e diferentes aspectos da vida.

Com diálogos esquivos e respostas que eram sempre novas perguntas que tinham o raro efeito de a fazer realmente pensar sobre o que discutiam e procurar respostas para suas próprias questões. E mesmo sem perceber, aquele novo hábito introspectivo que havia sido introduzido à sua vida era o que realmente estava lhe ensinando coisas sobre si mesma, e somente o tempo seria capaz de ditar a plenitude da importante lição que deveria aprender.


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