The Stories of a cafeteria escrita por Clube da Julieta


Capítulo 3
De malas prontas, apenas


Notas iniciais do capítulo

Poxa Laura, justo com você?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/772938/chapter/3

Ouvi o meu despertador tocar.
“Droga, esse inferno não acaba nunca?”
Sem abrir os olhos, estiquei o braço e saí apertando qualquer botão aleatoriamente, só queria fazer aquele barulho infernal parar. Que saco, não aguentava mais levantar cedo. Só queria voltar para a minha casa, para o calor dos braços dos meus pais e tomar aquele chocolate quente que só a minha mãe sabia fazer. Assim que o despertador cessou, virei para o outro lado e me aconcheguei melhor no edredom. Já quase podia ver meus pais me esperando na porta de casa, o aroma do campo, as luzes de natal que todo ano eram penduradas na fachada, a árvore que decorava o pátio e o Sammy… Ah o Sammy, o cachorro que ganhei nos meus 13 anos. Já sentia a emoção de revê-lo, corria na minha direção e logo logo se jogaria nos meus braços. Eu já estava a sorrir. Não via a hora de sentir o seu pelo e fazer carinho no meu bebê. Ele estava perto, prestes a se jogar em mim e…
— LEVANTA, LAURA! NÃO OUVIU O DESPERTADOR TOCAR? – tirei o edredom da cabeça e olhei fixamente a loira que estava parada na porta do meu quarto.
— Bom dia para você também – respondi rispidamente.
— Qual é. Não está nenhum pouco animada? Vamos, é um dos seus dias preferidos. Você vai para casa. Anda levante logo e… – ela parou no meio do quarto, olhou para o meu guarda roupa e deu um grito – COMO ASSIM AINDA NÃO TERMINOU AS SUAS MALAS? O TEU VOO SAI DAQUI TRÊS HORAS.
Avião. Voo. Brasil. Casa. Agora tudo fazia sentido, já é dia 31! Nossa senhora da bicicletinha, nem acredito. É hoje! Como pude esquecer? Finalmente o recesso havia começado. Estava livre! Levantei em um pulo e dei uma boa olhada ao redor, eu havia dormido em cima das roupas, isso explica porque estava tudo tão macio e com cheiro de amaciante. Corri para o banheiro e fiz a minha higiene matinal. Voltei ao quarto e Lexa, minha amiga, estava dobrando as roupas fora da mala. Comi qualquer coisa na sala e fui ajuda-la com as minhas malas. Estava tão ansiosa que não conseguia para de falar. Coloquei uma música bem ao estilo brasileira, um funk. Dançava enquanto fechava as últimas malas. Lexa apenas se divertia e arriscava alguns passos, porém sem sucesso.
Olhei no relógio. 8h30. Ainda dava tempo. Tomei um banho rápido e chamei o táxi. Despedi-me da minha amiga. Seriam apenas três semanas longe dela, mas sentiria falta. Infelizmente São Paulo não é do lado de Nova York. Enquanto íamos para o aeroporto, observava com atenção as ruas daquela cidade. Incrível como o ano passou rápido. Adaptei-me muito bem nos Estados Unidos, contudo nada se compara com o nosso lar. Aqui sempre parece que falta algo, algo que só o Brasil tem.
— Moça, que horas é o seu voo mesmo? – o motorista me encarou pelo retrovisor do carro.
— Às 10h, por quê?
— Sinto informar, mas acho que não chegaremos a tempo – meu coração falhou uma batida.
— O que quis dizer com isso?
— O trânsito está pesado, todas as rotas até o aeroporto estão congestionadas.
Não consegui acreditar. Abri a porta do carro e olhei ao redor. Todas as rodovias estavam paradas. Era um mar de carros sem fim. Vi várias pessoas descendo de taxis e correndo. Atrasados que nem eu. A situação deles seria cômica se não fosse trágico. Entrei novamente no taxi e me permiti surtar por alguns segundos. Aquilo não podia estar acontecendo. Aquela era literalmente a minha passagem para casa, não podia perder! Enxuguei algumas lágrimas antes que caíssem, porém não fui rápida o suficiente para que o motorista não notasse.
— Moça, não chore. É para muito longe que você vai? Pode tentar ir de ônibus.
Fiz que não com a cabeça.
— Eu vou para o Brasil, passar o ano com os meus pais, já que não pude ir no natal.
— Oh! Bem longe – sua expressão era de compadecimento. Ficamos em silêncio por vários minutos – Eu posso tentar dar um jeito.
Ele então abaixou o vidro do carro e começou a buzinar e a gesticular para que abrissem caminho. Agradeci mentalmente pela sua tentativa, contudo achei que não teria efeito. É véspera de natal, todos querem chegar a seus destinos logo. Tornei a abaixar a cabeça e a pensar em meios de sair daquela situação. Eu precisava chegar ao aeroporto custe o que custar. Mas então o carro começou a se mover, milagrosamente.
A ideia do senhor havia funcionado, ainda estava lento, entretanto pouco a pouco os veículos iam se movendo e dando um espaço mínimo para passarmos.
*
A fila para dobrar no aeroporto estava enorme. Não pensei duas vezes antes de puxar alguns dólares da bolsa e dá-las ao motorista. Dei até algumas notas extras por causa do ótimo serviço.
— Muito obrigada. Feliz Ano Novo para o senhor e a sua família! – e saí puxando as minhas duas malas, correndo em direção a entrada do aeroporto.
Não só eu, mas várias outras pessoas faziam o mesmo. Muito reconfortante saber que não serei taxada como louca. Corri em direção a um dos guichês para fazer o check-in e mostrei a passagem. A atendente pegou, olhou e fez que não com a cabeça. Apontou para o quadro de voos e então eu vi “Nova York para São Paulo: Decolando”.
— Não, não. Não pode ser. Ainda são 10h. Moça, você tem que fazer algo.
— Sinto muito, mas ele já está em processo de decolagem. Só posso recomendar que a senhorita tente trocar a passagem para outro horário. Tenha um Feliz Ano Novo. Próximo, por favor.
Peguei as minhas coisas e corri para a agência de passagens. Perguntei quando saía o próximo voo para São Paulo e o atendente apenas disse “Está tudo esgotado, só temos vaga para amanhã às 17h”. Senti os meus olhos arderem. Insisti mais um pouco para ver se conseguiam uma passagem para mim, porém de nada adiantou. Uma garota passou com mim e me deu um sorriso triste, ao que parecia tamvém havia perdido seu vôo, devolvi o sorriso, me sentei em uma cadeira e enterrei o rosto nas mãos. Não sei por quanto tempo fiquei assim, despertei desse estado só quando senti uma mão no meu ombro. Era o atendente de antes.
— Senhorita, talvez haja uma chance. Se você estiver disposta a esperar, podemos tentar arrumar uma passagem no voo das 17h de hoje, se houver alguma desistência.
Aquilo me deu um pouco de esperança. Ainda havia uma chance. Eu só precisava esperar 5h30min.
*
17:00
A agência fechou e eu continuei ali sentada, eu e as minhas duas malas. Ninguém desistiu ou se atrasou. Ou pelo menos foi o que falaram. Procurei o meu celular para avisar Lexa e foi então que percebi que não estava com a chave do nosso apartamento. Ótimo. Liguei para ela, mas só dava caixa postal. Lembrei que muito provavelmente estaria viajando para o interior, para a casa dos seus parentes. E o dia só melhorava.
Sem casa.
Sem chave.
Sem voo.
Peguei um taxi e procurei um hotel para passar a noite, porém todos encontravam-se lotados. Mudei de bairro e mais hotéis sem vaga. Olhei o taxímetro e fiquei exasperada com o preço, pedi para o moço deixar-me em algum ponto movimentado e assim ele fez. Paguei e desci em busca de algum lugar para dormir. Vi uma placa e lá dizia “Brooklyn”. Não era uma das minhas melhores escolhas, entretanto, talvez, só talvez, eu desse sorte ali e logo acharia um hotel ou algo do tipo. Olhei no relógio e faltavam cinco minutos para a meia noite. Uma forte tristeza me atingiu. Foi a primeira vez em meus 20 anos que passei o natal longe da minha família. Eu atrasei alguns trabalhos da faculdade e não pude ir. Meus pais ficaram muito desapontados, fui taxada de irresponsável e culpada por arruinar o natal deles e a nossa tradição da pinhata de natal (já que eu confecciono ela todos os anos). Foi uma briga feia, esperava me redimir agora, passando a virada do ano com eles, mas fracassei novamente.
Primeira vez que não tinha um teto sobre a cabeça.
Primeira vez que realmente se sentiu sem chão.
Nevava fortemente e eu só conseguia chorar e dar de cara com as hospedagens cheias. Meu nome significa “vencedora”, “triunfadora”, mas nunca me senti tão longe disso. Uma bela ironia do destino.
Olhei novamente a hora.
2:00
Então era isso. Feliz Ano Novo para mim. Andando sem rumo em 1° de janeiro. Ri sem humor. Dei mais alguns passos, mas parei ao perceber luzes no céu. Olhei com mais atenção e eram fogos de artifícios. Era um belo espetáculo de cores, fazendo-me sentar no batente da calçada para apreciar o show. Tornei a sorrir, mas dessa vez de verdade.
Gosto de fogos de artifícios, por mais que brilhem por pouco tempo naquela escuridão, eles brilham, eles trazem alegria para as pessoas, é quase um símbolo de esperança. E talvez realmente fosse, pois naquele momento eles iluminavam um coffee shop, que por ventura estava aberto e chamara muito a minha atenção.
Talvez fosse fome. Ou talvez fosse destino. Pode chamar do que quiser. Eu apenas segui o que senti e adentrei aquele local. Para mim, foi mero acaso.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Com amor, Sunshine



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Stories of a cafeteria" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.