O Homem que não era o Doutor escrita por Karina A de Souza


Capítulo 4
Ajuda Inesperada


Notas iniciais do capítulo

O Universo precisa de equilíbrio.



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Todas as pessoas tem um limite. Algumas conseguem ultrapassá-lo. Eu, não. Tinha chegado num ponto em que não podia continuar. Ignorar meu limite me quebraria em pedaços, me transformando... Num monte de nada, ou em qualquer coisa que Zebediah me fizesse ser.

Como eu ia encarar aquele homem de novo se nem conseguia levantar da cama ou pensar em algo que não fosse voltar para casa?

Eu estava esgotada. Tinha chegado ao fim.

Fui para a sala de controle, pronta para... Na verdade, não sei para que. Só sentia que ia até lá fazer algo. Talvez ir para casa, ou procurar alguém que pudesse me ajudar. E se eu conseguisse entrar em contato com a Torchwood ou com a UNIT? Eles podiam ajudar?

Então, qualquer plano que estivesse se formando na minha cabeça evaporou em segundos enquanto meu cérebro assimilava a presença de um intruso.

Eu conhecia aquele homem. Um Senhor do Tempo, mas um dos maus. Tinha cruzado com o Doutor e eu em Ibórian, e não tinha sido uma boa experiência. Fomos obrigados a fugir dele enquanto uma chuva de tiros nos perseguia. Ele era a última pessoa que eu queria na TARDIS agora. Espera. Não. Isso não é verdade. Zebediah me assustava ainda mais.

—O que está fazendo aqui?-Perguntei.

—Ouvi o pedido de socorro.

—Pedido de socorro?-Apontou a chave de fenda sônica na direção dos controles, então ouvi minha voz.

“Se você está ouvindo essa mensagem, por favor, eu preciso de ajuda. Algo aconteceu... Algo com o Doutor. Ele não é o mesmo... Ele está perdido e eu não sei como ajudar. O Doutor deixou de existir e algo ruim está no controle. Por favor, se está me ouvindo... Nos ajude”.

Eu tinha esquecido disso. Não lembrava de ter gravado a mensagem, mas isso me atingiu como uma onda gigante. Zebediah... Os limites quase foram ultrapassados, então entrei em desespero e pedi ajuda para qualquer um que pudesse ouvir. Eu só não sabia que seria o Mestre.

—Isso não é uma brincadeira. -Avisei. -O Doutor realmente precisa de ajuda, ajuda de alguém disposto a ajudar.

—Estou disposto a ajudar. Ou nem estaria aqui. Você parecia bem desesperada na gravação. O que houve?-Hesitei. Não queria confiar nele, mas não havia mais ninguém.

—O Doutor teve que se esconder... Para fugir de um ciborg. Ele usou aquela coisa... A que coloca tudo no relógio...

—Chameleon Arch.

—Isso. Mas acho que algo errado aconteceu.

Então, enquanto chorava desesperadamente, eu contei tudo. Contei como havia perdido o Doutor e entrado em pânico, e depois como descobri onde ele estava... E que sua identidade humana era um homem cruel. Contei as coisas que ele fez e disse, como agarrou meu pescoço, gritou, e como me olhava como se eu fosse só... Alguém para ele...

Contei que tinha tentado me aproximar, mas não podia, por que não podia dar a Zebediah o que ele queria. Quando terminei, agora sentada na cadeira do capitão, eu me sentia um pouquinho melhor por contar a alguém.

—Como ele pode ter se tornado aquilo?-Perguntei. -Se houvesse chance disso acontecer, o Doutor nunca arriscaria.

—As chances de uma identidade cruel ser fabricada pelo Chameleon Arch quase não existem. É raro, mas... Às vezes acontece. Ninguém sabe por que ou como.

—Ele ficou mau... Muito mau. Não lembra em nada o Doutor.

—É pra isso que o aparelho serve. Cria uma nova identidade. Já tentou fazê-lo abrir o relógio?

—O ciborg ainda está por perto. -Apontei para o painel, onde a luz vermelha piscava. -Se o relógio for aberto... Ele virá matar o Doutor.

—Não parece ter outra escolha.

—Eu ia ficar por perto até o ciborg ir e o relógio finalmente poder ser aberto... Mas eu não posso, não consigo... Não tenho forças para continuar com Zebediah.

—Sua função era exatamente ficar com ele.

—Você sabe o que teria acontecido se eu tivesse ficado.

—E qual o problema?-Fiquei de pé.

—Qual o problema? Acho que você não está entendendo...

—Não, você não está. A única coisa que você tinha que fazer era...

—Dormir com um homem por quem tenho repulsa? Aquele não é o Doutor. Eu odeio ele. Odeio. Nunca odiei ninguém antes. Talvez você não entenda, mas as pessoas evitam fazer coisas que não querem. -Colocou as mãos nos bolsos da calça.

—Certo. Vamos deixar os dramas de lado. Onde eu encontro Zebediah?

—Você... Você quer ir até ele?

—Por que mais deixaria de explodir o planeta Eccior, e viria pra cá? Você implorou por ajuda. A ajuda chegou, garotinha.

***

Eu não queria confiar no Mestre. O Doutor me contou coisas sobre ele, coisas que construíram a imagem de um vilão digno de uma baita história. Os dois costumavam ser amigos, mas hoje eram inimigos declarados. Ambos passaram anos e anos brigando e correndo pelo Universo. E além de tudo, ele me chamava de “garotinha”, assim como Zebediah.

Mas ninguém mais veio. Ninguém respondeu o pedido de socorro. Ninguém apareceu ou mandou uma mensagem de volta dizendo que viria o mais rápido possível. A última pessoa do Universo que poderia vir ajudar era o Mestre, e lá estava ele, se oferecendo para salvar o Doutor.

Eu pedi um dia, um dia para esperar, caso mais alguém se oferecesse. O Mestre revirou os olhos e me encarou como se eu fosse ridícula, então disse: “Tudo bem, garotinha, tenha suas vinte e quatro horas. Mas quando ninguém vier salvar o Doutor, me deixe trabalhar nisso”.

Esperei e esperei, a maior parte do tempo na sala de controle. O Mestre aproveitou para zanzar pela TARDIS, às vezes aparecendo onde eu estava para me dizer que eu era uma companhia “extremamente tediosa” e coisas do gênero. Eu preferia esses comentários bestas do que os de Zebediah.

A presença do Mestre me incomodava. Mas ele não me deixava apavorada ou intimidada como Zebediah fazia. Eu sabia quase tudo sobre ele, e o máximo que o Senhor do Tempo poderia fazer era me matar. Mas Zebediah? Ele tinha planos pra mim. Me matar não encabeçava sua lista.

Infelizmente, ao pensar em ter que encará-lo de novo, só conseguia pensar em voltar para casa e fingir que nada daquilo tinha acontecido.

Quando entrei na TARDIS pela primeira vez, dois anos atrás, nunca pensei que algo assim poderia acontecer.

Eu estava pronta para enfrentar Daleks, Sontarans, Cybermans... Mas não um inimigo que possuía o rosto do Doutor.

—Suas vinte e quatro horas acabaram. -O Mestre declarou, aparecendo na sala de controle.

—Eu sei. -Parei de encarar o ponto vermelho na tela. -Tem algum plano?

—Primeiro... Apenas conhecer Zebediah. Quando se vai lutar numa guerra, é preciso conhecer o inimigo.

—Isso não é uma guerra.

—O que é extremamente decepcionante. Então... Vai comigo até Zebediah?-Suspirei.

—Vou. -Vesti o casaco. -Ele é violento. Talvez você não deva provocá-lo ou...

—Eu estou no comando, garotinha.

—Meu nome é Jessica.

—Tanto faz, eu não me importo. -Começou a sair da nave. -Vamos ou você quer mandar outra mensagem de socorro?-Passei por ele, saindo da TARDIS.

—Espero que saiba o que está fazendo. -Sorriu.

—Apenas espere e veja a mágica acontecendo... Garotinha.

***

De acordo com Ruby, Zebediah não estava na boate, e sim no apartamento. Tinha subido com alguém pouco antes de eu chegar.

Não fiquei muito animada em ter que subir com Mestre. Ficaria com ele e Zebediah lá em cima, sem testemunhas e totalmente indefesa. Meu maior medo era que eles acabassem ficando amigos. Era a última coisa que o mundo precisava agora.

—Está esperando um convite?-O Senhor do Tempo perguntou, tomando a frente e batendo na porta. -Qual é o seu problema?

Não respondi. Não hesitar, nessa situação, era impossível.

Zebediah gritou “Entre”, então Mestre me fez um gesto para entrar, mas o fez primeiro quando hesitei de novo. Bem... A gente nem devia entrar. Zebediah tinha companhia... Duas garotas, que, já na primeira olhada, dava pra notar que eram gêmeas. Com um gesto do anfitrião, ambas levantaram, colocaram seus vestidos e saíram cochichando.

—Jessica, que surpresa. -Zebediah disse, sentado no sofá, a camisa púrpura toda desabotoada. Quer saber de uma coisa? Se eu estivesse sozinha com ele, teria saído correndo. -Quem é o seu amigo?

—Eu sou Mestre.

—Mestre?-Riu. -Interessante. Então a desajustada Jess não é tão inocente como achamos. Bom... Isso é uma festa ou o que? Ah, entendi. -Sorriu. -Você estava me evitando por que era... Comprometida de alguma forma. Acredito que isso seja alguma permissão?

—O que?-Perguntei.

—Permissão. Ou o seu... Mestre vai se juntar à nós?

—Você é nojento. -Ergueu uma sobrancelha. Mestre parecia entretido.

—Como é?

—Você. É. Nojento. E eu estou cansada disso. Seus comentários sujos não são bem vindos. Eu não quero dormir com você, eu não gosto de você. E não, eu não sou comprometida e certamente não trouxe Mestre aqui para dormir com vocês dois!-Isso o pegou de surpresa, mas ele se recompôs logo.

—Basta ter companhia para que coloque as garrinhas pra fora. Gostei disso. É melhor do que a “Jessica Sem Sal” que você foi até agora.

—Sem sal? Por quê? Por que eu não sou como as garotas que você trás aqui pra cima? Por que não me sinto atraída por você? Por que não uso vestidos curtos e decotados? Você é um homem desprezível e não lembra em nada o Doutor.

—Doutor quem? Deixa pra lá. Vamos, continue irritada, é bem mais interessante.

—Interessante?

—A palavra que eu ia usar provavelmente te faria me esfaquear. Não seria bom, considerando meus planos pra essa noite. Oh, tem outro vestido no baú pra você. Por que ainda usa essas coisas horrorosas?

—Não vou colocar o maldito vestido e você não vai me obrigar.

—Diga a palavra “obrigar” de novo. -Olhei para o Mestre, praticamente implorando por ajuda. Nem mesmo me vendo irritada Zebediah parava os comentários inoportunos.

—Você é nojento, desprezível e... E...

—Ah, isso fica cada vez melhor.

—Você não cansa de ser odioso?

Então me virei e saí andando antes que chorasse na frente dele.

***

—Que show foi aquele?-O Mestre perguntou, entrando na TARDIS. Eu não esperava vê-lo de novo. Limpei o rosto com a mão.

—Show? E o seu? Eu explodi. Mas você? Você ficou lá, achando graça das porcarias que ele me falava.

—Porcarias? Alguém com mais de dez anos usa essa palavra?

—O que tem de errado com você?-O empurrei. -Vai ficar amigo de Zebediah? Você nunca pensou em ajudar o Doutor, não é? Veio pra cá se divertir com o que estava acontecendo e quando entendeu a situação pensou em se aproveitar. Você não vai ajudar o Doutor. Quer saber? Talvez o Chameleon Arch tenha se inspirado em você pra criar essa nova identidade horrível que...

Então de repente ele tinha agarrado meus braços e eu engasguei, pega de surpresa, sem conseguir terminar de falar. O Mestre não parecia mais debochado ou entediado. Tinha algo ali e eu não sabia o que era.

—Ao contrário de você, eu consegui me aproximar de Zebediah e fazê-lo confiar um pouco em mim. Assim consegui informações e na hora certa, posso convencê-lo a abrir o relógio.

—O que descobriu?

—Nada útil. Ele acha que é croata, órfão, não se importa com ninguém e tem um interesse muito estranho em você. -Suspirei.

—Acho que ele pensa que é o Homem-Púrpura.

—Quem?

—Um vilão de HQs. -Apontei com a cabeça para a edição que estava sob o console. -Inimigo de Jessica Jones. Isso não melhora as coisas. -Me soltou. Decidi não falar nada, mas o aperto tinha machucado.

—Zebediah tem os dias contados. Ele vai abrir aquele relógio e pronto, tudo resolvido.

—E depois? O Doutor vai lembrar, não vai?

—Vai.

—Isso vai acabar com ele. -Me apoiei no console. -Ele vai ficar arrasado. Quanto mais tempo como Zebediah... Mais coisas ruins acontecendo... Mais coisas para destruir o Doutor. Como ele pode lidar com isso?

—Ele vai tentar fazê-la ir embora, deixá-lo permanentemente. Mas é aí que você luta e se recusa a sair. Não deixe o Doutor. Ficar sozinho só vai piorar tudo.

—Você se importa com ele?-Passou um momento em silêncio, me encarando.

—Isso não é um conto de fadas, garotinha. Estou fazendo isso apenas para manter o equilíbrio do Universo. O Doutor precisa existir. Tenha isso em mente quando surtar de novo e quiser ir pra casa. -Passou por mim e sumiu no corredor.


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