O Homem que não era o Doutor escrita por Karina A de Souza


Capítulo 3
Limites


Notas iniciais do capítulo

Olá.
Eu queria dizer que não sei o que vai acontecer depois que terminar de postar essa fanfic. Meu antigo celular foi formatado e eu perdi mais de quinze histórias, incluindo "Idris" e uma história que estava quase pronta e eu ia postar depois dessa aqui. Consegui recuperar 4 contos, tirando essa fanfic aqui e outra que ainda estou postando. É provável que eu fique um tempo sem escrever ou postar alguma coisa.
Obrigada pela atenção.



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—Suas roupas. -Zebediah disse, assim que me aproximei de onde ele estava sentado. A música parecia mais alta do que nunca.

—O que tem de errado com elas?

—Nada... Se você pretende usá-las em casa. Você está numa boate, não indo tomar sorvete e ver filmes patéticos no seu quarto. -Ficou de pé. -Vamos subir...

—Eu prefiro ficar aq...

Vamos. Subir.—Começou a me puxar para o elevador.

Eu não queria ir com ele. Não mesmo. Sabia que ali, com pessoas vendo, Zebediah não faria nada pra me machucar. Mas lá em cima, sozinha com ele? Da outra vez quase fui sufocada até a morte.

Já no quarto dele, Zebediah abriu um baú que estava trancado na outra noite e o revirou até achar um vestido brilhante e prateado. Bom... Era um vestido, mas tão curto que parecia uma blusa.

—Acho que serve em você. -Jogou o vestido em mim.

—Eu prefiro ficar com minhas roupas.

—Coloque logo essa droga. -É, eu sei. Não parecia um pedido.

—Por que tem roupas femininas?

—Algumas garotas as esqueceram aqui.

—E foram embora usando o que?-Sorriu.

—Menos do que você pode imaginar. Agora coloque o vestido. -Comecei a me afastar, mas ele agarrou meu pulso com força. -Onde você vai?

—Me trocar no banheiro...

—Pode fazer isso aqui. -Tentei não arregalar os olhos. Talvez tenha falhado, não tenho certeza.

—Na sua frente?

—E por que não? Aposto que transamos naquele beco.

O que?—O Doutor nunca tinha dito aquela palavra, nem alguma parecida, ou uma variação... A gente simplesmente não falava disso. Acho que fiquei chocada por um tempo, sem saber o que dizer. Não esqueça de que esse não é o Doutor.

—Não faça essa cara. Eu tenho certeza de que aconteceu, ou não teria vindo atrás de mim.

—Não aconteceu nada. Eu... Você... De jeito nenhum.

—Você não lembra direito do que aconteceu. Como pode ter certeza?

—Eu tenho. Apenas tenho. Não aconteceu nada.

—Ainda não. Podemos trabalhar nisso. -Tentei recuar, ele me soltou. -Vá colocar o vestido.

Foi difícil evitar correr até o banheiro. E foi difícil não pensar em pular da janela. O que eu estava fazendo? Zebediah era aterrorizante e perigoso... E lá estava eu. Indefesa e pronta para ser atacada. Ele ia me matar ou... Ou...

Sentei no chão, tentando abafar o choro que veio de repente.

—Por que você fez isso, Doutor?-Sussurrei. -Por que fez isso comigo?

Depois de controlar o choro, fiquei de pé, lavei o rosto, coloquei o vestido e me olhei no espelho, tentando encontrar coragem para sair.

—Você consegue, Jess. O Doutor precisa que você consiga. Ele precisa de você... -Batidas na porta. Pulei de susto.

—Vai passar o resto da noite aí dentro, Jessica? A porta é leve, fácil de arrombar, caso queira brincar de esconde-esconde. -Engoli seco. Sabia que ele poderia entrar se quisesse. Abri a porta. -Uau. Bem melhor. Não parece mais a garotinha desajustada de antes. -Se afastou para a sala. Fui atrás dele, tentando fazer minhas mãos pararem de tremer. -Você é sempre tão calada?

—Às vezes. -Encheu dois copos de bebida e me estendeu um. Eu não conseguia lembrar de qualquer momento em que o Doutor tinha bebido algo com álcool antes. -Eu... Hã... Não, obrigada, prefiro não...

—Pare de enrolar e beba logo. -Peguei o copo. -Lembrou de mais alguma coisa do dia em que nos conhecemos?

—Não. Acho que... Quanto mais tempo passa, menos chance de lembrar de alguma coisa. -Dei um gole no bebida, forte demais. Como as pessoas podiam beber aquilo?

—Sabe o que eu acho? Que você está mentindo. Na verdade, eu tenho certeza. -Oou. Mal sinal.—O único motivo para não tê-la colocado para fora, é curiosidade. Por que continua aqui? É nítido que você quer fugir para mais longe possível. Então por que não faz isso?-Deu um passo na minha direção. Ele era ainda mais intimidador de perto.

—Eu... Eu não... -Minha cabeça girou um pouco. Tinha bebido só meio copo, não podia estar bêbada. Sentei no sofá, antes que caísse.

—Suas mentiras só me deixam mais curioso. Você tem medo de mim e olha onde está. Eu mataria para saber o que você realmente quer. -O copo escorregou da minha mão.

—O que... Você fez?-Sentou ao meu lado. Regra número um: nunca aceite nada de estranhos. Zebediah era um estranho... E um bem mal intencionado.

—Seu nome é mesmo Jessica? Alguém te mandou atrás de mim, não foi?-Colocou a mão na minha perna. Meu coração acelerou. Eu estava com problemas. -Quem mandou você?

Abri a boca pra dizer alguma mentira... Mas minha língua parecia pesada e eu não conseguia mais pensar. Se Zebediah me matasse, o Doutor estaria perdido para sempre... Seria um caos.

Tentei levantar. O mundo girou e apagou depressa.

***

Eu nunca acordei tão rápido e nem tão assustada.

Minha primeira reação foi verificar se estava tudo em ordem comigo, e aparentemente, estava. A segunda reação foi olhar em volta, tentando me situar. Ainda estava no apartamento de Zebediah. Tinha apagado no sofá e ficado lá. Mas onde ele estava?

Fiquei de pé, cambaleando um pouco até me recuperar.

O que ele tinha feito? Okay, tinha algo na minha bebida. Mas se nada havia acontecido, qual era o objetivo? Me assustar pra caramba? Bem... Eu estava assustada pra caramba!

Procurei pelo apartamento, sem sinal nos outros cômodos. Abri a porta do quarto e cobri a boca com a mão. Devia ter batido antes de entrar e flagrar Zebediah com uma garota. Fechei a porta rapidamente, mas tinha sido vista.

Estava saindo do apartamento quando Zebediah saiu do quarto, sem uma camisa. Cruzei os braços.

—Você me drogou. -Acusei.

—Sim.

—Por quê? É outro dos seus “jogos de adultos”?

—Sim. Queria saber seu limite. -Franzi a testa.

—Meu limite?

—Sim. Até quando você vai ficar? O que a faria fugir para sempre? Em algum momento você vai correr e não voltar mais. Quando? E o que a assustaria tanto?-Se aproximou. -Você continua aqui.

Ah, como eu sentia falta do Doutor. Era como se uma parte minha tivesse sido arrancada. Eu sentia falta dele e quando ficava frente a frente com Zebediah, a sensação de perda e saudade era ainda maior. Se não fosse aquela maldita luz vermelha no painel da TARDIS, eu faria Zebediah abrir o relógio de bolso imediatamente.

Como ele podia ser o Doutor, e ao mesmo tempo não ser? Como não havia lembranças ou semelhanças? Como ele não aparentava sentir que algo faltava em sua vida? Como ele podia ser tão ruim, quando o Doutor era tão bom? Como podia ter tanta certeza de que era Zebediah, um humano qualquer com uma maldade chocante?

Sem nem saber o que estava fazendo, estendi a mão, colocando-a no peito de Zebediah e sentindo o coração. Isso. O coração. Não havia um segundo. Ele era, com certeza, humano.

Me afastei. Eu estava tão cansada de tudo aquilo: de não ter o Doutor; de falar sozinha a maior parte do tempo ou ter que aturar o silêncio; de aguentar Zebediah e o jeito que ele me olhava, como se fosse me devorar; de não saber o que fazer; de ter medo e de estar sozinha.

Saí do apartamento, sentindo as lágrimas lutando para sair e meu coração pesar. Queria desistir... Queria ir pra casa... Queria o meu Doutor...

Não aguento mais.

***

—Eu o observei bastante. -Comentei, em voz alta. Gostava de pensar que a TARDIS me ouvia. -Ele não tem amigos. Joga e bebe com alguns homens. E... Tem as garotas... Muitas garotas. Mas elas não são amigas dele, apenas... Sabe... Elas só... Dormem com ele.

A TARDIS fez um som como se tivesse entendido.

—Zebediah sabe que estou mentindo. Mas vai me manter por perto enquanto estiver interessado, o que não vai durar muito. Não tenho nada pra oferecer, então ele vai me chutar logo. Não posso fazer nada sobre isso. Se eu beber, ele pode colocar alguma droga de novo e acabar... Você sabe. E se eu der abertura demais, ele... Não tem como isso acabar bem. De qualquer maneira ele vai tentar me levar pra cama. -Parei, tentando decifrar o som da nave. -Não vou fazer isso. Não vou... Eu me recuso. Faria qualquer coisa pelo Doutor, mas isso? Nunca.

“Nós temos que ficar juntos, Jessica. Custe o que custar. Não podemos nos separar. Você tem que ficar comigo enquanto tudo isso durar”.

Suspirei, me apoiando no console. Não... Eu não podia ignorar meus limites. Disfarçar meu medo por Zebediah, beber com ele, colocar a droga dos vestidos? Tudo bem, isso eu podia fazer. Mas... Mas dormir com ele? Não. Isso eu não conseguiria.

Estava fora de questão.

Encarei a luz vermelha que indicava o ciborg. Até quando ele ia continuar lá, apenas esperando para matar o Doutor? E quanto tempo mais eu teria que aguentar Zebediah?

Sabia ativar a TARDIS para que me levasse para casa. Mas e depois? O Doutor continuaria não existindo, deixando Zebediah solto no mundo para fazer todas as coisas ruins que quisesse. Isso não podia acontecer. Eu tinha que ficar, aguentar tudo... E salvar o Doutor. “Custe o que custar”.

***

Eu não queria voltar para a Purple Club, mas atualmente estava fazendo muita coisa contra minha vontade.

Encontrei Zebediah no bar, e ele logo saiu me puxando para o seu apartamento, enquanto Ruby assistia tudo, preocupada.

Às vezes eu queria saber o que se passava na cabeça de Zebediah. Às vezes parecia uma má ideia.

—Você não ouviu nada do que eu disse sobre suas roupas?-Perguntou.

—Eu me sinto confortável com essas.

—Não. Você se esconde com essas. -Me olhou de cima abaixo. -São péssimas e roupas demais. Você tem medo de que te olhem?

—É inverno. Não posso sair por aí de vestido.

—Por que não?-Entrou no quarto. Apenas parei na porta, feliz por não ter nenhuma garota presa ali dentro dessa vez.

—É frio. -Riu.

—Aposto que se veste assim até no verão. Você é uma garota estranha. -Atirou um vestido preto na minha cara. -Esse deve servir.

—Por que isso?-Ergui o vestido.

—Por que eu mandei. -Assenti.

—Se trata de controle. Você gosta de controlar as pessoas, se sente bem com isso. Não é?

—Se isso te irrita tanto quanto parece, por que ainda está aqui? Pode ir embora se quiser.

Bem que eu queria.

Desanimada, e desejando sair correndo para a TARDIS, rumei para o banheiro me trocar.

Zebediah era perigoso, cruel, agressivo, controlador... A coisa só ia piorando. Não havia um único ponto positivo nele. Bem... Pensando direitinho, havia. Ele era temporário. Assim que o Doutor fosse despertado... Era o fim de Zebediah.

Saí do banheiro, já trocada, encontrando o homem na sala, com dois copos de bebida nas mãos.

—Não vou cair nessa de novo. -Avisei.

—Dessa vez não há nada aqui.

—Prefiro não arriscar. -Deu de ombros, deixando o copo extra de lado.

—Seu nome é mesmo Jessica?

—Sim. -Mexi com a barra do vestido, inquieta. Não conseguia deixar de pensar em todas as coisas ruins que podiam acontecer.

—De onde você veio, Jessica? Seu sotaque... Não é americano. Você é brasileira.

—É. Eu sou.

—E não é de falar muito. Ou eu te assusto tanto que suas palavras fogem?-Não respondi. Ele deixou o copo de lado e se aproximou, mesmo que eu tivesse recuado. -Eu te assusto tanto assim?

—N-não. -Sorriu.

—Não? Você acha que consegue disfarçar, mas olha o tempo todo para a porta, seu corpo todo treme e seu coração bate tão alto que eu quase posso ouvir. -Engoli seco. Eu o preferia falando mal das minhas roupas. -Isso só faz com que eu me pergunte ainda mais por que ainda está aqui. -Prendi a respiração. Ele estava tão perto... Eu queria recuar mais, mas já estava encurralada. -Nenhuma resposta dessa vez?

—Eu já... Disse por que estou aqui.

—Acho que nós sabemos que você mentiu. Eu quero o real motivo.

—Mas eu já...

—Você gosta do perigo, Jessica? Dessa sensação que fica mais e mais forte, capaz de te derrubar? Isso te atrai?-Balancei a cabeça negativamente. Corra. Apenas... Corra agora! Zebediah pareceu ter lido meus pensamentos, pois agarrou meus pulsos. -Você ainda está aqui, esperando alguma coisa. Eu fico me perguntando “O que é?”, mas talvez já tenha a resposta. Você está me esperando.

Abri a boca para negar ou... Na verdade não sei o que ia dizer, e no segundo seguinte Zebediah estava me beijando.

Meu cérebro gritou vários comandos diferentes, incluindo “corra”, “grite”, “se afaste”, “soque a droga da cara dele!”, me deixando confusa.

“Custe o que custar”, a voz do Doutor repetiu. Ninguém jamais entenderia o quanto eu queria que ele estivesse ali. Ele teria feito alguma coisa, até mesmo socado Zebediah no rosto, pra me proteger.

Mas ele não estava ali, e mesmo que eu continuasse desejando, ele não ia aparecer magicamente.

Minhas costas atingiram a parede. Zebediah não era cuidadoso, não se importava em ferir.

Meu cérebro continuava gritando ordens, ao mesmo tempo em que “Custe o que custar” se repetia sem parar. Eu precisava salvar o Doutor, mas meus limites não podiam ser ignorados... Podiam?

De repente os comandos se calaram, me paralisando e dando tempo para Zebediah rasgar parte do vestido, abrindo um rasgo que deixava boa parte do meu sutiã de fora. Então os comandamos voltaram, ainda mais altos... E eu finalmente consegui reagir.

Nunca tinha socado ninguém antes. Mas quando vi, minha mão direita estava fechada num punho e acertando o rosto de Zebediah. Não foi forte o suficiente para derrubá-lo, mas o fez recuar, pela surpresa e pela dor.

Então eu corri como nunca corri antes, enquanto Zebediah gritava meu nome.

Cheguei na TARDIS com o vestido rasgado e um joelho sangrando por ter caído na calçada. Me agarrei ao console, lágrimas caindo e o coração martelando no peito. Eu não podia voltar. Não podia fazer mais nada. A maldita luz vermelha ainda piscava, dessa vez como se risse de mim.

Meus olhos caíram sobre alguns botões que eu sabia usar. O Doutor tinha me ensinado a enviar mensagens da TARDIS caso ocorresse uma emergência.

Bom... Isso era uma emergência.

Respirei fundo e apertei o botão para gravar.

—Se você está ouvindo essa mensagem, por favor, eu preciso de ajuda. Algo aconteceu... Algo com o Doutor. Ele não é o mesmo... Ele está perdido e eu não sei como ajudar. O Doutor deixou de existir e algo ruim está no controle. Por favor, se está me ouvindo... Nos ajude.


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Notas finais do capítulo

As coisas ficaram feias hoje. Enquanto isso, no próximo capítulo... Alguém ouve a mensagem de Jessica, mas será que é alguém que quer e pode ajudar? Há um intruso na TARDIS e Jessica pode ficar ainda mais encurralada.



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