O Voador escrita por Gabriel Gorski


Capítulo 17
O Castelo Abandonado




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/772688/chapter/17

Já caminhavam há horas. Ao olhar para trás, qualquer um veria Porto Lendário, no alto de uma longa colina, pequena como um arbusto, com seus Portões que tocavam os céus. À frente, a terra se transformava em grama, em todas as direções possíveis. Não havia árvores ou plantas em destaque, mas arcos de rocha naturais embelezavam o horizonte. Declives e aclives constituíam o cenário que, à medida que caminhavam, se enriquecia com detalhes mais repetitivos.

Quando rochas imensas se tornaram uma característica mais comum pelo caminho, Porto Lendário já estava oculto pela imensa distância. Logo, no horizonte, eda traria a luz do dia novamente e os três estariam certos de que estavam livres. O que o horizonte reservava, porém, não era tão brilhante.

Após muito andarem, passarem por pequenos castros e castelos de mota abandonados ou inóspitos e depois de pararem em um rio para beberem água, viram homens no horizonte, aos milhares, montados em cavalos e revestidos com suas armaduras, carregando lanças, espadas, estandartes e tantas outras armas.

— O que é aquilo? – Perguntou Yearnan, indicando com o dedo.

— Um exército! – Exclamou Ecco. – Vamos nos esconder.

Abaixaram-se atrás de uma pequena rocha, deitando.

— Quantos são? – Perguntou Nthaír.

— Uns mil? – Ecco arriscou. – Vinte, cinquenta. Eu nunca saberia lhe responder.

— Droga, Ecco. Por que estão aqui? – Indagou Nthaír.

— Eu saberia? Melhor sairmos do caminho deles. Não quero ser esmagado por uma infantaria inteira.

— Melhor ideia da noite. – Concordaram.

Os três se afastaram, agachados, para longe do percurso daqueles homens, ocultando-se atrás de outra rocha ao lado de uma árvore, observando o exército se aproximar lentamente. Os homens seguiam numa marcha lenta, buscando silêncio.

— Vão atacar o Porto Lendário. – Supôs Ecco.

— Ainda bem que não estamos lá. Odiaria morrer dormindo.

— E se estiverem apenas retornando de uma batalha? – Sugeriu Yearnan. – Digo, se forem homens de Porto Lendário?

— Não vou perder meu tempo tentando descobrir. – Ecco rebateu.

Quando o eda surgiu no horizonte, o exército estava longe, e os três amigos mais longe ainda. Aproveitaram a primeira oportunidade possível para deixarem o lugar sem serem vistos. Ecco bocejava.

— Precisamos descansar.

— E comer. – Acrescentou Nthaír. – Estou morrendo de fome.

— Só fala isto porque não mora nas ruas. – Yearnan reclamou.

Um silêncio preencheu a conversa, assim como na maior parte da viagem. Os três não eram tão amigos assim e as coisas começavam a ficar monótonas.

— Que tal ali? – Perguntou Ecco, indicando algumas frondosas árvores, carregada de frutos.

— Perfeito. – Concordou Yearnan.

Os três sentaram-se sobre folhas e grama, estalando alguns gravetos antes de se acomodarem para dormir. Em breve estariam em Go’ov e teriam um teto para dormir se conseguissem mais dinheiro. Nthaír não tinha mais do que vinte e sete alanges.

Ecco pensava nas muitas coisas que poderia fazer em troca de algumas moedas. Pensou também no pai, Avyin e em Dwanthar, ao lado do Capitão Gage. Como ele morreu? Por que nos acusaram de matá-lo?

Ecco Adahryn sussurrava seus pensamentos para si, suas memórias mais recentes. Lembrou-se da criatura demoníaca, da forma como despistaram a tripulação na floresta imersa em breu, de Garold e Lophan, Zäja e Arknel. Queria que estivessem ali.

— Como será que o capitão morreu? – Remoeu a dúvida que tinha para Yearnan, deitado à direita.

Yearnan o ouviu, mas se recusou a responder. Quem sabe assim ele não calaria a boca? Deu certo. Ecco assumiu que Yearnan já dormia e voltou a esmiuçar os próprios pensamentos, antes de dormir. O eda já iluminava as planícies, mas Ecco já não conseguia pensar ou planejar alguma coisa. Talvez fosse uma boa ideia descansar e, baseado neste pensamento, fechou os olhos para sonhar com o dia em que chegariam a Go’ov.

* * *

No dia seguinte, ou melhor, naquele mesmo dia, após acordarem indispostos durante a tarde, os três aprendizes continuaram uma caminhada em direção ao leste, ou àquilo que eles consideravam o leste. Era estranho que, depois de tanto tempo caminhando, não tivessem encontrado nenhuma vila ou condado.

— Tem certeza que Go’ov fica nessa direção? – Perguntou Nthaír. – Sinto que estamos caminhando para a Condenação.

A Condenação era uma terra muito ao sul, além do reino quente e desértico de Cureow, onde diziam que haviam blemmyae, monópodes, musimons, cocatrices e tantas criaturas que nenhuma raça conseguiu se estabelecer ali, desde os primórdios da história.

— Não diga besteira. – Disse Ecco, enquanto Yearnan mastigava uma das frutas que haviam colhido das árvores onde dormiram.

— Aquilo seria um castelo? – Apontou Nthaír para o horizonte.

Continuaram caminhando por mais algum tempo. Logo, o lugar que Nthaír indicara mostrou-se realmente um castelo, imponente e solitário, cercado por alcáçovas verdejantes e um vasto vazio. Não era possível enxergar muitos detalhes devido à distância, mas Ecco logo abriu o mapa para tentar descobrir onde estavam.

— Pode ser o Forte de Terra. – Disse indicando no pergaminho que esticara no chão.

— Não. Esse forte tem uma vila. – Nthaír o contrariou. – Acho que é esse aqui, mas não consigo entender bem.

— Também não... – Ecco semicerrou os olhos. – Marca de Assos, creio.

— Se for, pegamos o caminho errado para Go’ov. – Disse Yearnan, mostrando onda a capital estava.

— Descobriremos.

Os três correram por alguns minutos até alcançarem uma alta e íngreme ladeira. Dali até o castelo, subitamente não havia mais grama, vegetação, nada. Uma vasta desolação preenchia todo o cenário em todas as direções. O chão de terra batida e escura se estendia além do limite da visão. Próximo ao horizonte, a terra deformava-se, formando montanhas, rochedos e desertos.

— A Assolação... – Sussurrou Ecco, engolindo em seco.

As histórias diziam que a Assolação dizimara casas e vilas inteiras, plantações e algumas das maiores bestas do mundo antigo. Os animais menores ainda existiam, se multiplicando em grande quantidade, crescendo com o tempo. Exorys nenhum poderia explicar onde havia alimento para tantos animais que sobrevivem e se multiplicam em meio ao caos.

Ecco saltou, escorregando pela ladeira. Yearnan e Nthaír o seguiram. Juntos, os três caminharam até o castelo. À medida que se aproximaram, puderam perceber que a alcáçova não era lá tão verdejante. Para ser mais exato, não havia nenhum traço de vegetação ali.

O castelo estava no alto da alcáçova, que tinha uns oito ou nove côvados de altura, cercado por um barbacã e muralhas duas vezes mais altas. No centro, uma torre de menagem quadrada com mata-cães. Das quinas cordas saíam e iam às torres de flanqueio. Dois altos torreões estavam acoplados às quinas da torre de menagem, cada uma indicando uma direção da rosa dos ventos. Do lado de fora, uma escadaria em ziguezague revestia a subida até um portão de ferro gradeado entre dois pequenos torreões do barbacã e outro portão semelhante no seu interior. As ameias eram cobertas com trepadeiras ressecadas, que davam um aspecto de desolação ao lugar.

— Está abandonado. – Afirmou Nthaír, suspirando. – O mundo ínfero é sempre assim, tão vazio?

— Não está. – Negou Yearnan, indicando com a mão a torre de flanqueio da esquerda. – Vejam.

Abaixo de uma gárgula entalhada (que ninguém havia reparado), através de uma seteira, um rosto se mexeu, assim que viu o braço de Yearnan apontando na direção dele.

— Não vi nada. – Falou Nthaír.

— Nem eu. – Concordou Ecco.

— Como não?! Havia um homem nos observando!

Yearnan sentiu os olhares fixos dos dois em si, sabendo que ambos duvidavam dele. Decidiu que não adentraria na Marca com eles.

— Tudo bem. Pode ficar e nos esperar. Não pretendemos demorar.

— Sério?

— Sim. – Ecco retrucou. Nthaír começou a subir. – Você provavelmente viu um pássaro ou coisa assim. Castelos abandonados sempre ficam infestados deles quan...

Enquanto dizia, ao encarar a torre, viu um vulto se movimentando pelo adarve. Era um homem gordo e não muito alto que andava com o corpo inclinando para um lado de cada vez. Estava perto da torre esquerda do portão quando colocou a cabeça por uma ameia, com os braços para cima. Nas mãos, uma grande pedra, pronta para ser arremessada.

— Nthaír! – Gritou ao amigo com as mãos em concha ao redor da boca. – Sai daí!

Lièspe estava andando na beirada da escada com os braços esticados para se equilibrar. Assustado com o súbito grito do amigo, oscilou e caiu para o lado direito, na escada. A pedra não o atingiu por pouco, caindo próximo de Ecco. O gordo era bom de mira.

— Saia daí! – Repetiu.

Nthaír, sem entender o que estava acontecendo, a princípio se rastejou, procurando suporte para se reerguer. Ao invés, porém, de correr ao encontro dos dois companheiros, continuou subindo as escadas, até alcançar o portão.

— Tão burro quanto jumento de carga. – Disse Ecco para Yearnan.

Para a surpresa dos dois, Nthaír se rastejou entre os nichos dos portões – tanto o exterior quanto o interior – e correu para dentro, sumindo do campo de visão de quem estava fora.

— Droga. Vamos atrás dele.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Voador" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.