O Voador escrita por Gabriel Gorski


Capítulo 18
Ochantgar




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Ecco puxou Yearnan pelo braço na mesma hora que uma pedra quase os acertou. Os dois iniciaram uma escalada em direção ao topo, esquivando-se das pedras que o homem arremessava. Era difícil para ele atingir um alvo em movimento, ainda mais de cima, mesmo que fosse muito bom. Os dois rapidamente alcançaram o portão. Uma vez ali, era impossível que o gordo os acertasse. Atravessaram os portões da mesma forma que o amigo.

— Nthaír! – Ecco gritou aos sussurros. – Cadê você?

A cabeça de Nthaír surgiu de detrás do torreão, acenando. Os dois decidiram contornar a torre para evitar que o gordo os acertasse. Contaram até três e correram o máximo que puderam, com as mãos na cabeça em claro gesto de proteção. Entretanto, nenhuma pedra foi arremessada, nenhum barulho foi feito.

— Você é demente? Por que correu pra dentro? – Questionou Ecco. A vontade de esmurrar o companheiro era quase tão grande quanto a de sair dali.

— Eu descobri uma coisa. – Ele disse, ignorando o reproche. – Aqui não é a Marca de Assos. É uma prisão abandonada!

— Quase abandonada. – Enfatizou Yearnan. – Há um homem nos atirando pedras, pronto para nos matar.

— Isso não é importante. – Disse Ecco. – Apenas vamos embora.

— Claro que é! – Retrucou. – Abra o mapa pra ver onde estamos.

Ecco, relutante e já perdendo a paciência, tirou o mapa da bolsa e o esticou ali mesmo, na parede da torre. Bem acima da Marca, além do Forte de Terra, uma torre quadrada indicava a Prisão de Ochantgar.

— Ochantgar? – Yearnan tinha os olhos esbugalhados de fascínio. – A balaena?

— Não sei. – Disse Nthaír. – Pode ser apenas o mesmo nome.

— Podemos ver? – O olhar de Yearnan implorava por aquilo. Nthaír o acompanhou. Ecco sentiu-se pressionado. Ele odiava ser pressionado.

— E o homem?

— Ele é gordo. O que ele pode fazer? – Zombou Yearnan.

Como que esperando sua deixa, o gordo em questão acertou uma pedra nas costelas de Yearnan, que urrou e se contorceu de dor. Ele contornara a torre principal pelos adarves sem ser ouvido.

— Saiam daqui, seus malditos bisbilhoteiros. – Praguejou com voz agressiva enquanto atirava mais pedras. – Saiam ou sofrerão!

Ecco e Nthaír carregaram Yearnan até a primeira porta que encontraram. Estava aberta. Assim que entraram, trancaram-se. Yearnan deitou no chão, ofegante como um pavão que corre mas não voa. Levantaram a camisa dele e viram o sangue escorrendo de uma úlcera inchada. A ferida não era tão feia, mas a dor provavelmente era.

O lugar tinha um tamanho médio, quase grande. Uma escada em W feita com madeira de mogno, talvez, acompanhava a quina da torre e os guiava para vários andares acima. Debaixo dela, uma porta de algum material extremamente incomum bloqueava a passagem à torre de menagem, onde poderia ser o calabouço. Nthaír subiu as escadas sob o preceito de procurar uma janela ou seteira de onde pudesse ver o homem.

— Como está?

— Eu vou ficar bem. – Yearnan disse. – Vamos ver a balaena.

— Você nem tem condições de andar! – Exclamou Ecco.

Nthaír gritou.

— Ele está descendo até o pátio!

— Merda.

Yearnan não vai conseguir subir as escadas, pensou Ecco.

— Vá sem mim. – Disse Yearnan. – Eu posso fingir que desmaiei.

— Certo. – Ecco confiou na sugestão. – Voltaremos.

Yearnan assentiu e deitou-se, fechando os olhos. Por um momento, pareceu a ele que o amigo morreria. Foi apenas uma pedra, pensou.

Correu para a porta e puxou a maçaneta com toda a força que tinha. A porta, que parecia estar emperrada há milênios, quebrou em vários pequenos pedaços como se fosse um frágil jarro de vidro. Ecco bateu as costas na parede devido à retração ao impacto, mas não se deixou enfraquecer. Contorceu as costas em silêncio e aproximou-se da porta. Dentro, do teto surgia uma tênue luz.

— Que barulho foi esse? – Perguntou Nthaír, mas não esperou resposta alguma. Ao contrário, continuou subindo.

— Abri o calabouço! – Ecco o respondeu.

— Sai logo daí, palerma. – Gritou de volta.

Ecco não esperou que ele dissesse uma segunda vez. Correu para dentro do calabouço, arrependendo-se logo em seguida. Conseguiu ouvir o homem batendo à porta atrás de si violentamente. À frente, entretanto, não conseguia nem mesmo enxergar as próprias mãos. A escuridão estava entranhada naquele lugar, em cada bloco de granito, de modo que até mesmo a luz, a única luz que invadia o lugar, era condensada e reduzida. Os poucos passos que deu foram suficientes para ecoarem por muito tempo, afastando-se para a enorme queda livre no meio do recinto, e então retornando ao topo com mais força antes de dissipar-se.

Ecco olhou para trás, e viu a luz da porta, retraída, como se, estando viva, se recusasse a entrar. Era assustador pensar que a escuridão impunha medo à luz. Mais apavorante ainda era perceber que a negritude do ambiente o impedia de ver as paredes, o chão sob seus pés ou até a si mesmo.

Será que estou cego?

O pensamento logo se mostrou errôneo. Afinal, conseguia enxergar a porta e, nela, o homem gordo encarando os estilhaços ao chão e então o interior do calabouço.

Ele está me vendo?

Por um momento, Ecco creu que sim. Porém, de olhos semicerrados, o gordo se afastou da porta e pôs-se a subir as escadas, produzindo eco dentro do calabouço.

Yearnan escapou.

— Quem está aí? – Uma voz solene e vagarosa pronunciou as palavras de maneira sobrenatural, fazendo-se ressoar contra as paredes. Parecia vir de todos os lugares. Grave e vibrante, a voz fez com que Ecco estremecesse de pavor.

Ecco gaguejou bastante, sem fazer soar a voz, antes que conseguisse dizer o próprio nome.

— Ecco.

— Ora, Ecco. Está aqui para me salvar da tortura? Ou veio para dar fim à minha dor?

— Eu nem mesmo sei quem é você. – Disse. Sentiu-se menor do que já era diante daquela voz descomunal. – Você é Deus?

— Minha voz o assusta tanto assim? – Perguntou. E então gargalhou lentamente, saboreando o medo do garoto. – Se você pudesse ouvir a voz do verdadeiro Deus, acharia que falo tão suavemente quanto um rouxinol.

— Quem é você?

— Meu primeiro nome foi Ochantgar, o primeiro, e agora último, Finghar.

Ecco forçou a mente para tentar se lembrar daquele nome.

— Não me lembro deste nome, senão o de uma balaena. A maior de todas elas.

— É bem verdade isto que dizes. O nome dela não é à toa, assim me disse o torturador. – Por torturador, Ecco presumiu que Ochantgar referia-se ao homem que os atacava. – No início do mundo, o Deus que me criou fez-me grande como um fegrine e assim me chamou. Eu seria rei e dominaria o mundo pela eternidade. Tudo que ele pedia em troca era obediência e adoração à Ele. Deu-me toda esta terra para governar, de uma ponta à outra de Feheric. Disse que eu poderia nomear a terra da forma como eu quisesse, e decidi que Uzos era um nome mais que adequado.

Ele foi o primeiro Rei de Uzos. Pensou Ecco. Com tantas perguntas para fazer, Ecco entrou numa profunda indecisão, acabando por perguntar o mais óbvio.

— Por que está preso?

— Porque sou imortal. Se não fosse, estaria morto.

Aquela resposta não era útil.

— Por que o prenderam?

A voz de Nthaír ecoou pelas paredes da torre, implorando por ajuda.

— Ajude-me a escapar daqui e então o ajudarei em sua missão.

— O que devo fazer?

— Ilumine esta sala, é tudo que lhe peço.


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