O Voador escrita por Gabriel Gorski


Capítulo 12
A Torre do Rubicundo




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/772688/chapter/12

Ecco levantou-se, xingando os dois rapazes que os empurraram e fugiram. Estava à beira de um cruzamento de quatro ruas estreitas que formavam oito possíveis caminhos, incluindo o de onde vieram. Entre cada um deles havia uma torre. Numa delas, uma porta de madeira com um buraco circular no alto chamou a atenção de Ecco. Ao lado, uma pequena placa vermelha, com um homem rugindo e apontando para a esquerda.

— Nthaír, uma placa! – Disse, esquecendo-se por alguns instantes do sástera e do fleu, dois seres horríveis, que nenhum ser gostaria de ter como adversário.

— Ótimo! – Respondeu, esfriando a cabeça. – Vamos logo.

Andaram na direção indicada e, depois de passarem por duas torres muito, muito grossas, outra placa ordenou que virassem à esquerda, passando por debaixo de uma ponte de arco. Viram-se em uma grande praça redonda e vazia, estranhamente mal iluminada, mas seu chão estava coberto com uma relva irregular. Trepadeiras cresciam e cobriam as paredes de todas as grossas torres que cercavam a praça, tão grossas que dez icanes caberiam no interior de cada uma sem problemas. Havia uma plantinha reluzente que crescia aleatoriamente, sua extremidade brilhava como um pequeno vagalume. As portas de madeira estavam todas fechadas e não tinham identificação. Nas paredes, uma dúzia de tochas apagadas.

A primeira torre, na direção oposta, não era bem uma torre. Era como uma praça elevada, que atingia mais ou menos o ombro de Ecco. Debaixo dela, uma porta muito pequena permitia a passagem para debaixo da terra, talvez para a casa de algum balute, ou um animal pequeno como um castor. Ao lado da porta, uns sete ou oito degraus esculpidos em pedra os auxiliava a subir. Uma vez em cima, mais degraus os levariam à próxima praça, e assim por diante.

À esquerda de onde estavam, um beco os levava de volta a rua de onde vieram. No final do beco era possível ver o fleu e parte do braço do balute, que estava de costas, encostado na parede. Não conseguiam ver o sástera, mas, por via das dúvidas, nem tentaram.

— Você acha que a torre está aqui? Não há nem uma placa. – Disse Lièspe.

— Bom, vamos subir. É no sótão que está a taverna.

Ecco e Nthaír subiram os primeiros degraus e observaram as praças que viriam em seguida, prosseguindo a subida. Tinham que reconhecer, a arquitetura daquele lugar era excepcional. O chão de cada praça ostentava algumas das principais batalhas de Porto Lendário, com os portões esculpidos ao fundo das cenas na maioria das vezes, homens montados em dragões sobrevoando as torres e duas infantarias prestes a colidirem, não fosse o fato de que não passavam de desenhos.

Da segunda para a terceira praça, atravessaram uma larga ponte em arco, a mesma que cobria o corredor por onde passaram. Na terceira praça, ameias foram construídas ao redor dela para prevenir quedas. A luz do eda ao longe já começava a abaixar. Ecco parou para admirar a visão: uma grande e pontuda torre contracenava com o sol. A última torre de praça, menor que a torre pontuda, contanto, era a que bloqueava a luz do eda naquela mísera clareira onde estavam.

— Ecco. – Gritou Nthaír já na quinta praça. – Outra placa.

Ecco correu para alcançá-lo, passando por mais uma ponte em arco entre duas praças de mesma altura. Da quinta praça, onde Nthaír o esperava, outras duas constituíam-se numa bifurcação, mas não era possível ver onde a da esquerda os levaria até que subissem. A placa estava pendurada em um poste no meio das duas, sem indicar nenhuma.

— Por onde devemos ir? – Perguntou Nthaír.

Ecco encarou a praça da direita. Não havia nada nela além de três caixotes grandes e uma trepadeira se espalhando pelo chão.

— Você está brincando com a minha cara? – Perguntou. – Não há nada à direita e tu me perguntas qual caminho escolher?

— Verdade. – Riu, encabulado com o próprio equívoco. – Não havia reparado.

O cenário ali em cima era espetacular. A maioria das torres tinha uma plataforma no topo, de diferentes tamanhos e formas. As torres pontudas tinham passagens por dentro de si e várias tinham centros comerciais. Pessoas caminhavam de um lado para o outro, carregando objetos, conversando, numa gritaria mais organizada que as ruas abaixo. Dali era possível ver boa parte da cidade, torres e mais torres, com e sem balcões, quadradas, de menagem, com ameias, de praça, de pontas achatadas, com barbacãs e adarves circulares, como se se fossem torres ao redor de torres, com mata-cães e tantas outras que nenhum dos dois saberia descrever. Bandeiras balançavam ao vento com símbolos variados estampados.

O maior detalhe, porém, apenas Nthaír percebia, pois já estivera ali antes: a evolução deixara sua marca por toda a cidade, com tubulações exteriores e interiores, levando o vapor a todos os lugares. Engrenagens, grandes torres de relógio e máquinas moviam-se, fazendo funcionar um ciclo e engenharias que, aos montes, facilitavam o trabalho somneir.

Ao longe, as maiores torres, interligadas por pontes cobertas, exibiam um gigantesco estandarte real.

— Será que a Torre do Rubicundo tem estandarte? – Suspeitou Nthaír, coçando o queixo.

— Não sei, mas consigo ver uma placa vermelha lá. – Apontou, para o lado oposto à rua principal.

A placa estava presa na parede, virada na direção deles.

— Porque eles colocariam a placa aqui em cima se a única forma de entrar é por baixo? – Perguntou Ecco, ao reparar que a torre era completamente isolada, sem unir-se a nenhuma outra.

A dúvida fazia sentido. Os dois aprendizes sentaram-se entre as ameias, na beira da torre, com as pernas balançando e suspiraram, desanimados.

— O que vamos fazer? Quando os sinos tocarem, teremos fracassado.

— Não vejo sinos. – Disse Nthaír.

Pense Ecco, pense, repetia para si mesmo. Fechou ou olhos e inspirou devagar, buscando esvaziar a mente, antes de expirar todo o ar.

— Pensa comigo. – Disse Ecco, refletindo. – Se a única entrada desta torre é por baixo, por que colocariam a placa aqui em cima?

— Pode estar indicando alguma direção.

— Creio que não. – Respondeu. – Não dá para ver o homem rugindo daqui.

— Nem tem outro lugar por aqui para ver a placa. – Observou o amigo. – Digo, um ponto de observação.

Ecco não precisou pensar muito para ligar os pontinhos.

— É isso! Porque é secreta! A única maneira de se encontrar a torre é pelas placas, mas não a identificam na porta, como um disfarce!

— O último a chegar fica com o ovo!

Não demoraram para chegar ao chão numa disputa acirrada. A vantagem que Nthaír tinha por ter saído primeiro foi recuperada quando Ecco saltou da segunda praça ao chão. Os dois correram pelo beco aos empurrões. Numa questão de segundos, os dois trombaram no caixote de um homem, derrubando o homem por cima deles. Aquele homem era o fleu.

— Merda. – Disse Nthaír.

Olhou em volta, mas não havia ninguém, nem mesmo em frente à taverna. Correu para a Torre, batendo na porta com força.

— Por favor, alguém! – Disse, sem ouvir passos do lado de dentro.

O fleu já tinha se recomposto. Ecco ainda se levantava, de rosto virado ao chão. Quando ouviu o fleu se aproximar, sem saber de quem se tratava, disse.

— Perdoe-me, senhor. Não foi a minha...

O fleu o puxou pelas roupas, suspendendo-o no ar por um segundo ou dois, quando a roupa rasgou e Ecco pode se afastar. Foi o tempo suficiente para que, da porta, de súbito, surgisse uma mulher de aparência intimidadora. Usava botas e um vestido de couro marrom com fivelas de metal que iam da cintura até o fim. Debaixo dele, camadas de um tecido transparente davam volume à peça. Na barriga, um espartilho negro envolvia uma camisa branca de linho. Seu cabelo encaracolado, preso num coque, deixava uma ou duas mechas pendendo, delineando o rosto incrivelmente bonito.

— Saia daqui, imprestável! – Ela disse ao fleu. – Eles são meus.

Não somos não, pensou Ecco. Seria uma péssima hora para se dizer aquilo, porém. Poderia, talvez, ser pior ainda ficar nas mãos daquela mulher, que tinha os braços negros até acima do cotovelo: a marca de uma bruxa em ascensão.

— Não haverá alguém para lhe proteger na próxima. – Disse o fleu com seu olhar arrogante, antes de ir embora. O sástera e o balute o seguiram rumo aos Portões do Mar.

Ecco não queria pagar para ver.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Voador" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.