O Voador escrita por Gabriel Gorski


Capítulo 13
Em Ilusão




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A aprendiz permitiu que ambos entrassem depois que se certificou de que os três já estavam longe e então trancou a porta. Era um lugar bem arrumado, mas Ecco tinha o coração extremamente acelerado e sua mente fervilhava demais para reparar no ambiente. Permaneceu em pé, ofegante, até que a mulher lhe fez um sinal para que se sentasse quando trouxe um copo com água para cada um. Nthaír sentou-se em um longo banco encurvado, colocando os braços sobre uma grande mesa escura e redonda que contornava uma coluna central. Sobre a mesa havia umas doze velas apagadas formando um círculo ao redor de uma pequena tigela cheia de algo tão claro quanto água, além de três facas bem afiadas que perfuravam a madeira e um pano branco, limpíssimo.

— Por que estão aqui? – Perguntou a mulher. – Quem são vocês?

— Eu sou Nthaír e ele é Ecco. O Capitão Gage Vomthire ordenou que fôssemos à Torre do Rubicundo.

— Não conheço nenhum Gage. – Rebateu a mulher, aproximando-se das facas.

Nthaír se surpreendeu, seguindo-a com o olhar, por precaução. Não sabia o que dizer. Talvez estivessem no lugar errado e por isso decidiu perguntar.

— Esta não é a Torre do Rubicundo?

— Está é a torre. – Ela respondeu. Grande ajuda.

Ecco decidiu prestar atenção no lugar. Um cômodo circular, com teto baixo e uma mesa redonda no centro. Próximos às paredes, alguns barris decoravam o lugar, assim como as espadas penduradas nas paredes. Uma única janela ao fundo iluminava o ambiente com a luz do ocaso em seu estágio primordial. Ainda assim, a mulher não havia acendido as velas. Atrás dela, rente à parede, uma escada de madeira levava ao andar superior.

Nthaír reparou na mulher. Inquieta, batia os dedos na própria perna, seguindo um ritmo constante, enquanto decidia o que fazer com os dois. Seus braços, negros como o carvão, brilhavam sob a luz fraca. Era como se aquilo realmente fosse a pele dela.

Ecco quis perguntar sobre a taverna, mas permaneceu em silêncio quando a viu tomar uma faca nas mãos e desenhar formas e traços nos braços, que apagavam o negro, substituindo por sangue.

— O que está fazendo? – Perguntou Nthaír, desconfiado. Antes de responder, a mulher sibilou em dor.

— Não posso lhes dizer. – Hesitou antes de ordenar. – Não contem a ninguém que me viram fazer isto.

— Às suas ordens. – Concordaram.

Ecco tentou falar algo que pudesse ser útil.

— Isto por acaso faz parte do teste?

— Qual teste? – Ela perguntou.

— Da Ordem de Sainlorth. – Respondeu Nthaír.

— Novos voadores? Vocês? – Ela suspirou, quase inconformada. – Subam todos os andares. Não falem com ninguém, não parem em andar algum. Sacrifícios devem permanecer puros.

Aquilo era assustadoramente suspeito. Nthaír, assim que chegaram ao segundo andar, parou para falar.

— Ecco, vamos embora daqui! – Ele disse aos sussurros. – Estamos na torre de uma bruxa. Nem mesmo sabemos o que fazer e não voltaremos a tempo.

— Não pare, ela disse para que não parássemos. – Disse Ecco, ainda subindo. Nthaír o acompanhou após encarar o segundo andar, vazio como céu sem nuvens.

— O que meu pai diria se me visse? Esse é o maior problema que já estive na vida! – Reclamou consigo mesmo.

— Eu sei. – Ecco sussurrou, irritado. – Mas eu não pedi para ser um voador. Eles me pegaram e nem adiantava fugir, porque não tinha um lugar pra me esconder. Porque eu não tenho um pai pra me impedir de ser arrastado até aqui!

O amigo pareceu um tanto chocado. A situação era complexa para os dois. Num tom de voz mais calmo, porém ainda fraco, ele respondeu.

— Desculpa. Eu não sabia.

— Tudo bem. – Disse Ecco, cabisbaixo. – Vamos, pelo menos, terminar o que começamos.

Ecco considerou que Nthaír era uma boa pessoa para se confiar. Um tanto explosivo, porém leal. Respirou fundo antes de contar os próprios planos.

— Nthaír, eu quero fugir da Ordem de Sainlorth.

— O que?! – Ele disse, perplexo. – Por quê? Lá temos tudo, não dá para reclamar.

— Acabou de sugerir para irmos embora. – Disse Ecco.

Nthaír sentiu-se encurralado. Por fim, cedeu, em meio a um suspiro e outro.

— Onde quer ir?

— Não sei bem.

Opa, boa cara, pensou Nthaír.

Passaram pelo terceiro andar. No centro, dentro de um círculo de sal, um bode mastigava uma porção de capim, ao algo assim. Era um dos sacrifícios que a feiticeira mencionara, tinham certeza. Continuaram subindo.

— Porla, talvez. – Respondeu Ecco. – Dizem que a Assolação não é tão forte quanto em Turale.

Era verdade. A Garganta de Elyf, de alguma forma, impediu que a Assolação alcançasse o continente do norte com o mesmo poder que atingiu o continente vizinho, ou, pelo menos, assim diziam os exorys.

— Seria interessante. – Respondeu Nthaír. – Posso lhe acompanhar nessa jornada?

— Seria ótimo. – Disse Ecco.

O quarto andar tinha ao centro um círculo de sal. Dentro dele, o mesmo bode mastigava capim.

— É o mesmo bode? – Sussurrou Nthaír.

— Eu não sei. – Respondeu, preocupado. – Mas são iguais.

— Vamos sair daqui.

Ecco concordou com o amigo. Sentiu dentro de si um medo crescente de ficar louco por estar ali. Nthaír empalideceu quando chegaram ao quinto andar. No centro, dentro de um círculo de sal, um bode de pelos escuros como os outros dois mastigava uma porção de capim. Era a mesma visão, mesma posição, tudo exatamente igual.

Amedrontados, os dois aceleraram e subiram mais um, dois, cinco, nove andares. Em todos eles a situação se repetia. Nthaír já sentia-se preso e perdido quando alcançaram o décimo quinto e último andar, com o teto tão alto que cabiam dois andares ali. No centro, dentro de um círculo de sal, uma mulher nua dançava. Parecia expor os sentimentos à flor da pele. Sua beleza era completamente diferente e os dois pararam para admirá-la.

Quando a mulher os viu, enrubesceu, cobrindo suas partes com as mãos. Constrangida, disse.

— Por favor, saiam. Não me vejam assim.

Aos ouvidos de Ecco, a voz dela tinha tons suaves e melódicos como o canto dos pássaros, como se o enfeitiçassem. Estranhamente, aos ouvidos de Nthaír, a voz dela era gritante e desafinada. Nthaír sentiu-se desperto de um transe.

Quando piscou e olhou para a mulher, viu em seu lugar uma criatura horrenda, disforme e contorcida. Não tinha braços nem pernas, mas parecia flutuar e transformar-se em formas praticamente demoníacas. Nthaír gritou para Ecco, que não o ouvia e sorria à criatura, hipnotizado.

— Ecco! Vamos embora! – Gritou mais uma vez, tentando puxá-lo pelo braço. O amigo porém, resistia.

Lièspe correu até a janela atrás de si. O céu estava escuro, coberto de estrelas. Há quanto tempo estamos aqui?

Precisava tomar alguma iniciativa e se acalmar. Como era possível estar à beira de um demônio e manter a calma? Do outro lado da sala havia uma corda jogada num canto. Nthaír certificou-se de que a criatura não saía do círculo de sal antes de correr até o item. Amarrou uma das pontas ao braço de Ecco e disse.

— Já que não vem por si, vai por mim.

Ecco começou a se aproximar da criatura, estendendo a mão para tocá-la como se fosse uma bela mulher, esperando por ele.

— ECCO! – Esgoelou-se Nthaír em completo desespero.

Nthaír o puxava com toda a força que tinha, mas Ecco resistia de maneira descomunal. Com a mão livre, esticou-se e cortou o círculo que prendia a criatura.


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