O Voador escrita por Gabriel Gorski


Capítulo 10
Capitão Gage e Qlarem




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Ecco não sabia o que dizer. Nem o que estava acontecendo. A primeira coisa que veio em sua mente foi a perplexidade, depois uma série de perguntas, mas tudo que saiu de sua boca se limitou a uma palavra.

— Valha!

— Nos deixem a sós. – Ordenou o capitão aos outros aprendizes.

— Sim, senhor. – Murmuraram alguns deles antes de saírem.

Gage Vomthire levou duas cadeiras ao fundo do recinto, uma para si e outra para Ecco. Dwanthar também os acompanhou, repleto de curiosidade.

— Por que viemos para o fundo?

— A fornalha é muito quente. Quanto mais afastado, melhor. – Respondeu. – Certo. Já que tanto insiste, lhe contaremos o que sabemos da energia destrutiva.

Ecco assentiu, esticando os braços nos joelhos, pronto para ouvi-los.

— Seu pai descobriu a energia. Nós tínhamos um cristal castelar e uma morte eminente.

“Estávamos nos campos de Rohgow, e aquele cristal nos trouxe tanto problemas que perdemos a nossa galera. Éramos cinquenta homens, sem contar os remadores, mas, depois que a galera foi atingida, apenas sete sobreviveram. Eu nem era próximo de seu pai, mas quis o destino que nos aproximássemos ali. Qlarem, Dwanthar, os Flint cagões, Pasho, Cádemo e eu. A nossa galera foi esmagada de proa para o chão. Não sei mesmo como alguém poderia sobreviver àquela queda, mas nós sobrevivemos. Os piratas que nos atacavam não se contentaram em nos derrubar, eles queriam o cristal, custasse o que custasse. Quando vimos que desciam o próprio navio, aproximando-se do chão, nos escondemos debaixo dos escombros, mas seu pai não foi rápido o suficiente. Eu lembro com clareza, três deles pularam e sacaram as espadas para matar o seu pai. Qlarem estava desarmado e vulnerável. Entretanto, quando o mais agressivo dos três brandiu a espada, Qlarem usou o cristal como escudo.

— O que aconteceu em seguida é o que dizemos ser o inexplicável. – Disse Dwanthar, interrompendo a narrativa do amigo. – A espada simplesmente perdeu um pedaço de si e o cristal foi derrubado. O chão se desfez abaixo dele e formou uma cratera, com o cristal lá, quieto.

— Lembro que o zunido foi tão estranho e repentino que os três piratas começaram a gritar como malucos; se dispersaram em meio às árvores que havia. – Gage acrescentou, rindo. Dwanthar também riu, deixando Ecco desconcertado.

— E o meu pai? – Perguntou.

— Ah, ele ficou bem. A questão da energia é no cristal. – Explicou Gage. – Aquele som que ouvimos foi criado pelo choque com o metal, mas não foi apenas isso. Houve um chiado que se prolongou por mais um bom tempo, e o seu pai viu o que era. Ele disse que eram linhas extremamente rápidas girando ao redor do cristal, se desfazendo e refazendo a todo instante, consumindo tudo o que está por perto, exceto o cristal.

— O que é esse tudo?

— Tudo, literalmente. Se tu ousares aproximar as mãos, vai vê-la sendo consumida pela energia do cristal. Por isso dizemos que é destrutiva.

Aquilo era espetacular. Ecco estava fascinado, mas contentava-se em parecer desconfiado. Estava orgulhoso de seu pai. Dwanthar, em um tom subitamente solene, acrescentou.

— Qlarem chamava a energia de Melenímia.

— Melenímia. – Ecco sussurrou para si. – Mas como ela é aplicada no motor?

Gage assentiu para que Dwanthar pudesse falar.

— Ela está dentro de uma câmara de cristal castelar que seu pai construiu. É um cristal muito abundante, todos dizem, mas apenas Tabária comercializa, porque é lá onde está a maior parte de todo o cristal do mundo até onde o conhecemos. Eu mesmo não sei como ele fez isso. A questão é, a melenímia consome o vapor e o expele. É a única coisa que ela não consome. O vapor, porém, é multiplicado após sair.

Ecco teve que pensar bastante antes de conseguir entender.

— Então quer dizer que, mesmo com pouca água, o cristal consegue erguer este navante?

— Sim, sim. Ele é capaz de dar três voltas na Ilha do Caçador com o vapor produzido de água suficiente para encher as mãos, apenas.

— Para que encher os tanques?

— Normalmente fazemos viagens grandes. – Acrescentou Gage. – Uma vez por semana descemos ao oceano.

Dwanthar levantou-se e andou por uma das paredes, indicando com a mão um dos canos na parede. Parou em um cubículo de ferro.

— Esta peça é responsável pela distribuição do vapor nas saídas, do lado de fora do navante. Em último esforço, temos as rodas gigantes nas laterais, que giram bem devagar com o vento. Elas praticamente não são necessárias, exceto quando estamos no mar. No mar, direcionamos a energia para movimentarem o navio.

— Capitão! – Disse Ondaro, colocando uma cabeça para dentro do interior. – Etro pede para informá-lo que Porto Lendário surgiu no horizonte.

Boas notícias, Ecco tinha certeza. Ainda não tinha entendido completamente como funcionava a melenímia, mas o momento de conversa tinha chegado ao fim.

Dwanthar subiu logo depois de Gage, e Ecco correu para a proa. Sentiu um frio na barriga por estar acima da sala do cubo de cristal, porém, ao ver que os outros ali não estavam afetados, julgou-se estúpido por acreditar que algo aconteceria.

Yearnan e Nthaír conversavam enquanto observavam o horizonte quando Ecco se aproximou. Os portões eram como um pequeno ápice ao longe, porém altos demais em relação ao chão. Ouviram o Capitão gritar “à todo vapor!” e foi neste momento que Yearnan reparou que o amigo estava ali.

— Como foi lá embaixo?

— Foi legal? – Perguntou Lièspe.

— Só conversamos mesmo. Eles já foram tripulantes junto com meu pai.

— Eu estive pensando. – Disse Nthaír. – Não há mais somneir como antigamente, desde a Assolação.

Yearnan se sentia muito mal por não entender sobre as coisas que eles diziam. Sentia-se pior ainda por saber que ninguém ali era como ele. Nunca conheceu um exorys para aprender alguma coisa sobre o mundo. Foi só com muito treino que aprendeu a falar razoavelmente bem como Ecco o ensinou.

— Acho que há dois Závoras aqui. – Disse Lièspe, sussurrando.

— Sério? – Perguntou Ecco. – Quem?

Lièspe apontou para os dois, um de cada vez. O primeiro era Zaia. Estava sentado, encostado ao mastro principal, de costas para eles. O outro era Alleyx, que conversava com Arian, apoiado à amurada.

— Não consigo ver o rosto deles. – Disse Ecco, pois era pelo rosto que se reconhecia um Závora.

— Nunca reparou no Zaia? – Perguntou Yearnan. – Ele tem o rosto gordo e você meio que percebe que ele não parece um somneir.

Ecco fez que não com a cabeça numa expressão que misturava tristeza e desinteresse.

O Porto Lendário se aproximava. Era possível ver pequenos objetos se movimentando para todas as direções, caravelas, galeras, galés, galeões, tercos, brigues, veleiros, fragatas, escunas, adahryns e tantos outros tipos de navantes que nenhum dos aprendizes conhecia. Se o Portão do Mar já estava gigantesco àquela distância, Yearnan não conseguia imaginar como seria quando chegassem lá.

— Ei. – Disse Ecco, chamando a atenção. Sei o que viemos fazer aqui. Foi o ponto de partida das raças quando decidiram explorar o mar. Dizem que foi o primeiro porto do mundo.

Lièspe logo captou a ideia.

— Viemos conhecer a origem dos Voadores? – Estava eufórico.

— Creio que sim. – Concordou Yearnan.

O vento no rosto de Ecco o acalmou de tal forma que sorriu em um misto de paz e alegria.


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