Os Lordes de Ferro escrita por valberto


Capítulo 6
Caopítulo 6 - Parece que não estamos mais no Kansas, totó...




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O Elfo acordou sentindo o pinicar da grama nos braços. O cheiro de mato recém-cortado encheu o seu nariz, levando inconscientemente a um acesso de ânsia. O vômito veio rápido, cobrindo de rosa espumoso a grama.

— Diabos! – exclamou a meia voz, sentindo a cabeça estourar na pronúncia de cada letra – eu não deveria ter bebido tanto.

As memórias da noite passada estavam muito confusas. Ele estava num jantar, com Thaynara, Eliabe e Rebeca. Beberam demais e resolveram dar uma esticada na feira de food trucks do Gama. Mais bebida. "Ah cara, se eu sobreviver dessa vez juro que nunca mais misturo hidromel orgânico com cerveja de cereja", pensou o jovem enquanto abria os olhos aos poucos, se acostumando com a claridade do local e o canto dos pássaros. De pronto não reconheceu onde estava, mas era um tipo de bosque. "Era só o que faltava... estou num bosque. Ou é o parque da cidade ou o jardim botânico ou qualquer outro lugar que eu não tenho a menor ideia de onde estou. Muito menos como eu cheguei aqui. Cara isso que eu chamo de amnésia alcoólica".

O som dos pássaros foi interrompido um minuto e ele pode ouvir o que parecia água correndo. Ele cambaleou até um córrego ali perto. Piso de pedras e tão limpo e cristalino que parecia coisa de filme. A água estava bem gelada e com ela lavou a boca e os cabelos. O frio da água o ajudaria a colocar a mente no lugar. Esfregou bem o rosto e bateu nos bolsos da calça em busca do celular. Mas não foi o pequeno aparelho de última geração que ele encontrou e sim uma espada.

— Mas que porra é essa? – só então ele se deu conta de que estava nu da cintura para cima. Usava uma caça marrom, com botas escuras, com um cinto grosso de fivela pesada e num dos lados uma espada embainhada. Olhou para onde estava encostado e para o lugar que vomitou. Tinha um tabardo amarelo e preto recostado numa pedra e demais pertences jogados num canto. Mas a espada parecia chamá-lo. Ele puxou a arma da bainha. Era linda. Uma espada média, dessas de filme. No máximo um metro de comprimento, e não devia pesar mais do que 800 gramas. Tinha uma guarda em forma de cruz reta, com um cabo lindo, de couro azul trançado e um pomo redondo, maciço. A lâmina era reta e angular. Uma espada feita para ser manejada com rapidez e agilidade. Nem de longe parecia a espada de boffer que ele costumava treinar. E olhe que sua espada boffer era considerada uma obra prima. Ele deu dois golpes no ar e ainda confuso resolveu sentir o gume da lâmina. O sangue brotou da ponta do dedo imediatamente. – Droga... melhor lavar logo.

Mas ao levar a mão á água pode perceber uma mudança e tanto em suas feições, refletida no córrego cristalino. Seu rosto estava mais angular e sua pele rosada estava lisa e esticada como se fosse uma escultura de mármore. Mas o que chamou sua atenção foram suas orelhas... pontudas como as de um elfo dos livros de fantasia. Ele passaria tranquilamente por um figurante de elfo do Senhor dos Anéis! Ele levou as mãos na direção do rosto quando ouviu um grito.

— Olha só seus filhos das putas é melhor me soltarem se não vocês vão ver o que é bom para vocês! Eu vou bater tanto em vocês que vocês vão cagar seus dentes pelos cus.

Aquela era a voz de Eliabe. Inegável. O amigo estava em apuros. E não aprecia longe. Chupando o dedo o Elfo correu e vestiu uma camisa e pôs o tabardo por cima. Alguma coisa dizia que era a coisa certa a fazer. Depois correu de onde julgara ter vindo o som. Não precisou correr mais do que alguns minutos para encontrar o amigo amarrado a uma árvore enquanto quatro homens vasculhavam o que pareciam ser a sua mochila. Num canto Thaynara estava desfalecida no chão.

Um dos homens atarracados, vestido com túnicas medievais simples e bem puídas largou a mochila, e foi na direção da menina desacordada. Ele acocorou-se ao lado dela, e passou os dedos sujos e sebosos por seus cabelos encaracolados.

— Larga dela, filha da puta!

— Esse forasteiro fala demais Grigor. Tem certeza que vale a pena levá-lo como escravo? – perguntou um dos homens que ainda vasculhava a mochila do rapaz. Ele parou de mexer nas coisas e com um pedaço de pau golpeou Eliabe na altura da boca do estômago. O rapaz curvou-se o tanto que as cordas permitiam e vomitou profusamente no chão enquanto tentava recuperar o fôlego.

— Tenho certeza sim – disse o homem, levantando-se de perto da moça. – Mas você tem razão de uma coisa... Ele fala demais. – disse ele mostrando um alicate e puxando uma faca da cintura – Você sabe, os nobres de Águas Claras não se importam se um escravo é mudo. Eu, neste caso, acho até uma melhoria.

— E a menina? – perguntou outro, com um tapa-olho cobrindo metade do lado direito do rosto, lambendo os lábios da boca desdentada por antecipação. – Eu conheço um bordel que pagaria bem por ela... Mas nada impede que possamos "ensinar o ofício" para ela antes de irmos. O que me diz Grigor?

— Sabe Cegueta, eu nunca julguei você uma pessoa inteligente. – o outro se empertigou na antecipação do elogio – e ainda não acho. Mas neste caso é uma boa ideia. Vamos só cuidar do silêncio e podemos nos divertir um pouco.

— Aí ó, nem mais um passo! – a voz do Elfo ecoou mais alto do que ele desejava, mas causou o efeito desejado: os quatro homens pararam o que estavam fazendo e passaram a mirá-lo, do alto da colina onde estava.

— Oh, mestre cavaleiro... desculpe se interrompemos o vosso descanso – adiantou-se Grigor, com uma docilidade tão falsa quanto uma nota de três reais. – Esses dois plebeus não são de sua preocupação. Trataremos de nossos assuntos em silêncio e peço que, em nome dos doze divinos, nos deixe seguir o nosso caminho.

— Não vai rolar, cabeça de piolho. Os dois são meus amigos – disse o Elfo desembainhando a espada e a empunhando com as duas mãos numa pose ameaçadora. Um dos ladrões tremeu e fez menção de recuar, sendo aparado pelo outro. Os dois buscaram auxílio no líder que chamavam de Grigor.

— Bravatas. Vocês cavaleiros são todos iguais. Essa presa é nossa. – disse Grigor apontando a adaga na direção do Elfo, de forma desafiadora. – Vai embora, ou juro pelos doze divinos que vou matar você e vender essa linda espada na feira de Pedreiras...

A cabeça do Elfo estava a mil por hora. O que é que estava havendo? Que droga de ressaca era essa? Era sonho? Alucinação? O corte no dedo parecia bastante real. O peso da espada também. Se fosse alucinação ou sonho... ele ia até o final, se não por ele, pelos amigos dele.

— Existe hora para falar e hora para agir. Deixe que nossas espadas falem por nós!

— Porra, deixa dessa viadagem e acaba logo com eles!

O Elfo deu mais alguns passos em direção aos adversários. Estava em posição elevada, uma vantagem que não queria perder. Mas os bandidos não pareciam ser nada inexperientes. Um deles puxou uma besta que estava meio que enterrada nas folhas do chão e disparou na direção do Elfo. Uma coisa era desviar de flechas de arcos de pvc com libragem entre 25 e 35 libras e outra era desviar de uma seta que era capaz de romper um peitoral de aço, mas não foi tão difícil, assim. Ele aproveitou que levaria um tempo até que o oponente recarregasse a besta e partiu para a carga.

O inimigo mais próximo era o que foi chamado de "Cegueta". Ele levantou um cutelo meio enferrujado em posição ofensiva e golpeou. O Elfo esquivou-se de qualquer modo, jogando o corpo para trás, como um maldito amador. Quase caiu por sobre um monte de arbustos de vime e o os outros bandidos começaram a rir. Elfo sentiu o rosto corar de vergonha, mas rapidamente se recompôs, e com o rosto ainda vermelho e desferiu um ataque contra o caolho. Ao contrário do bandido que foi brutal e desajeitado, o do Elfo foi preciso e calculado. Uma manobra que eu já executara tantas vezes que deveria ser natural para ele quanto respirar ou mesmo caminhar. Uma manobra que deveria apenas arrancar a faca das mãos do homem, mas acabou arrancando também alguns de seus dedos. O homem barrou agarrando a mão, observando o sangue jorrando do coto de seus dedos. Uma distração mortal. Elfo jogou-se para a direita, num drible bem fintando, forçando o oponente a girar a cabeça para ver a sua movimentação. Foi a brecha na defesa que ele precisava: o golpe atingiu o peito do inimigo de baixo para cima, da esquerda para a direita, abrindo um talho enorme por onde as tripas do Cegueta escaparam. Ele caiu no chão morto antes do arco do ataque completar o seu movimento. O bandido que atingiu Eliabe no estômago mediu bem o tamanho do seu bastão contra um espadachim experimentado e resolveu que não tinha uma mão de cartas assim tão boa para apostar sua vida. Ele começou a correr pelo meio do mato.

Grigor não perdeu tempo e aproveitou a confusão para atacar. Ele era experimentado no uso de facas e lutava sujo, isso era claro. Logo Elfo percebeu que as firulas de Grigor serviam apenas para que o sem nome com uma besta terminasse de armar a sua arma. Ele pensou em atacar quando foi agarrado por trás.

— Peguei ele chefe! – berrava o cara que tinha fugido. Agora estava claro que a fuga tinha sido apenas uma estratégia para pegar o Elfo pelas costas. Mas o jovem não era um desconhecedor do combate desarmado... não quando a sua mãe o tinha obrigado a fazer defesa pessoal: a manobra começou com um pisão no pé, seguida por uma jogada de cabeça forte para trás. O fujão largou o Elfo e agarrou o nariz esmagado que sangrava em profusão. O rapaz saiu do meio a tempo de evitar que a faca de Grigor lhe atingisse em cheio.

Elfo abaixou-se e girou a espada. Grigor com dificuldade saiu do campo de ação da espada, mas o fujão não teve tanta sorte: o golpe cortou fundo nas duas coxas do oponente que caiu no chão urrando de dor.

— Vamos lá Lui... já recarregou essa besta? Atira nele de uma vez!

Elfo olhou para frente e viu a seta perfurar o peito de Grigor, entrando por suas costas. Grigor agarrou a ponta da seta enquanto seus pulmões se enchiam de sangue e virou-se para trás. Lá estava Thaynara, besta descarregada na mão e um sorriso desafiador no canto da boca. A seus pés o antigo portador da besta jazia no chão, pescoço cortado de orelha a orelha. Grigor ainda esticou a mão na direção da menina antes de cair, se afogando no próprio sangue.

— Que ofício é que tu vais me ensinar agora, seu porco? – perguntou Thaynara enquanto corria para desamarrar o seu amado.

Elfo embainhou a espada e deixou que a adrenalina baixasse. Logo que viu o resultado de sua arte, todo aquele sangue e tripas, sentiu a tontura o vômito veio ainda mais feroz. Uma coisa era despachar inimigos no treino e outra era dar cabo de pessoas vivas. O fato de serem bandidos e de poucos minutos atrás estarem ameaçando a vida de seus amigos servia de pouco consolo. A cabeça dele começou a girar e ele vomitou mais uma vez, só que dessa vez sem acrescentar nada ao que já tinha vomitado. Logo sentiu a mão de Eliabe em seu ombro.

— Calma meu consagrado... você fez a coisa certa. Eram eles ou a gente. E ainda bem que foram eles. – o rapaz falava forçando o tom para parecer mais seguro do que realmente se sentia.

— Agora eu só quero saber duas coisas: Como a gente chegou aqui e como voltamos pra casa... Aliás uma terceira... Onde é que tem um banheiro por aqui? – perguntou Thaynara...


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