Os Lordes de Ferro escrita por valberto


Capítulo 5
Capítulo 5 - A caminho da felicidade




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Os dias e as semanas pareciam correr com muita pressa enquanto a data do festival medieval se aproximava. Os treinos estavam cada vez mais cheios. Veteranos de outros tempos voltavam para treinar ou apareciam apenas para dar o ar da graça. Pessoas que Sara jamais cogitou que poderiam gostar de boffer swordplay ou que tivessem, em algum momento de suas vidas, empunhado uma espada de espuma. Mas lá estavam eles: universitários, professores, advogados, administradores de empresas, servidores públicos e até um soldado do BOPE. Justamente por isso os treinos se tornaram cada vez mais intensos. Intensos ao ponto de Sara ficar dolorida a semana inteira pelo esforço.  

— Fala sério Caska... olha esse rouxão aqui na minha perna. – disse a menina levantando a barra da calça legging que estava usando e mostrando a extensão onde o golpe de espada longa a tinha atingido. A marca ia do tornozelo até pouco abaixo do joelho. – Já tem dois dias. Cara, que ódio.

— Mas tá doendo? – respondeu a outra enquanto tentava decifrar a diferença entre Sócrates e Aristóteles para a aula de filosofia que viria a seguir. – Vamos lá, não seja uma chorona.

— Não é bem isso... – Sara se encolheu um pouco diante da crítica da colega. – É que se minha mãe ver um negócio desses ela vai surtar. E não vai deixar que eu vá para nenhum treino mais, que dizer ao festival medieval. – a menina suspirou longamente como se ressentisse a repentina falta de empatia da colega.

— Relaxa. É só continuar passando aquela pomada que a Amanda passou. Tem um cheirinho estranho, mas tira manchas da pele que é uma beleza. Por é a situação do Marlon. E ele conseguiu contornar a situação com os pais.  

— Pois é... – comentou Sara dirigindo a vista para o amigo que estava a alguns metros de distância. Uma flechada certeira e a queima-roupa tinha quebrado o nariz dele. La estava ele, com metade do rosto coberto por bandagens que protegiam o nariz. A voz nasalizada do rapaz ao longe era engraça de ouvir e Sara sentiu-se mal por se divertir com a desgraça alheia. – Mas o Marlon é um homem e pelo que eu sei ele inventou que tentaram roubar ele ou coisa assim. Se eu chegasse em casa assim a minha mãe me trancaria num quarto acolchoado até eu ter 25 anos.

— E seu irmão está bem? Como é o nome dele mesmo? Boneco? Brinquedo... Ele levou uma taca federal no treino passado... – perguntou Vanny, levantando os olhos do celular. Ao perceber os olhares para cima dela ela tratou de se retratar – Não sou eu que quero saber... é uma colega de treino, a Jamilly...

— O nome dele não é boneco – Sara se remoeu por dentro por ter que defender o irmão. Mas era o certo a fazer. Se ela quisesse fazer troça dele, ela podia. Mas os outros não. – É Ronaldo. Ele está bem melhor. Em casa ele disse que estava de skate e que teve um encontro de primeiro grau com um poste.

— Por a culpa no skate é uma boa saída. – comentou Loki. – E sua mãe ficou de boa com isso?

— Ficou mais ou menos, né? Ele tá proibido de usar skate por umas semanas. Minha mãe é assim. Se alguma coisa que a gente gosta de fazer nos faz mal, ela proíbe esta coisa por uns tempos. Pena que ela não faz isso com matemática.

— Mas como foi que ele ficou daquele jeito? Alguém viu? – perguntou Zoltan.

— O bonitinho resolveu que podia pegar uma formação de escudeiros sozinho. – disse Sara tentando conter o riso. – Vocês lembram quando os escudeiros fizeram aquela formação 4x4? Pois é... ele achou que conseguiria romper a formação e matar os caras por trás. Foi a mesma coisa que tentar parar o expresso do BRT com um beijinho...

— Mas o menino é um gênio! – exclamou Zoltan. – Afinal o que uma pessoa tem na cabeça para avançar contra uma parede de escudos?

— Eu tô impressionado que ele não tenha se machucado mais. Os escudeiros estão de parabéns. – respondeu Caska, finalmente saindo de seu sono filosófico.

O sinal soou preguiçoso naquele dia quente de terça feira. Todo mundo debandou para as salas de aula.  As coisas estavam melhorando, apesar do roxão na perna. Sara já se sentia mais livre e solta e a escola não parecia mais tão ruim. Estava quase gostando.

Ao chegar em casa, lá estava o irmão, sentado na frente do computador, pura atenção, enquanto na tela um cara encapava uma vareta de fibra de vidro. Mais um vídeo de forja. Desde que, no treino passado, tinham elogiado a espada curta que ele fez, Ronaldo só pensava em forjar. A cara dele ainda estava meio avermelhada, mas o roxo do olho tinha sumido quase todo. Ele ia pensar duas vezes antes de se meter com uma parede de escudos de novo.

— Chegou cedo... – comentou o menino sem desgrudar os olhos da tela. No colo dele um caderno velho estava coberto de anotações, desenhos e esquemas.

— Cadê a mamãe? – perguntou a menina abrindo a geladeira e servindo-se da jarra de suco que repousava lá dentro.

— Disse que tinha uma entrevista de emprego. Saiu cedo e não sei que horas volta.

Sara bebeu o suco e foi esquentar o almoço. Panquecas de carne moída, arroz de ontem e feijão com caldo cremoso. Tudo muito bom. Quando terminou, lavou o próprio prato e colocou os talheres para secar. Também tirou tudo das panelas e colocou em embalagens plásticas, levando-as na geladeira em seguida.

— Ronaldo, hora de lavar as panelas!

O menino bufou e levantou sem reclamar. Sara achou estranho. Normalmente precisava de uns dois um três gritos para que o irmão fosse lavar a louça. Mas dessa vez não. O menino estava indo com um silêncio quase estoico. Ele não reclamou nem quando ela tirou os vídeos de forja e fez com que Justin Bieber ecoasse pela sala.

O menino terminou de lavar a louça e passou direto pela irmã, subindo para o quarto dele.

Nessa hora Sara quase surtou. Navegou por mais alguns vídeos e depois foi vencida pela curiosidade. “O que é que está havendo nesta casa? Mamãe saindo para arrumar emprego, Ronaldo lavando a roupa e ignorando claras provocações...” penava ela enquanto a propaganda do I-food irrompia no meio do dueto de Selina e Justin. Vencida pela curiosidade ela subiu as escadas e quase teve um ataque do coração ao ver o irmão sentado na mesinha de seu quarto fazendo a tarefa de casa.

— Tarefa de casa? – perguntou ela, incrédula. – Desde quando tu é CDF?

— Pessoas mudam – respondeu ele sem levantar os olhos do livro de literatura brasileira. – A gente vê isso na internet o tempo todo. Por que não posso ser uma pessoa melhor?

— Nada contra que você seja... mas vai convir comigo que é estranho – disse Sara sentando na cama do menino. – Você lavou a louça, o seu quarto não está bagunçado e ainda está fazendo a tarefa de casa. Se for uma invasão alienígena e algum clone robô estiver usando o seu corpo eu gostaria de saber.

— Nada tão radical... – respondeu Ronaldo pondo a tarefa de lado por um segundo. – Olha em baixo da minha cama.   

A menina pôs-se se joelhos ao lado da cabeceira e abaixou-se para olhar. Lá no fundo, depois dos chinelos velhos, estava um bauzinho feito de papel. A menina esticou-se, puxando o baú, que não era maior do que uma caixa de sapatos.

Era uma caixinha de papelão, decorada para ficar parecida com um baú antigo. Ela abriu a tranca. Eram dois ingressos VIPs, all included, inclusive com “meet and greet” e banquete para o festival medieval. A cabeça de Sara foi a mil por hora.  Só deus sabe como Ronaldo havia conseguido que a mãe comprasse os ingressos para o evento, ainda mais ingressos tão tops.

— Como?

— Legal né? Eu consegui com um cara da organização do evento que eu conheci na internet. É ele arrumou a entrevista da mamãe também.

— E quem é esse bom samaritano que arruma ingressos vips para dois adolescentes e entrevistas de emprego a uma mãe solteira que sobrevive com uma minguada pensão do governo?

— Ele é do evento. – disse o rapaz tentando desconversar – agora dá licença que eu tenho que terminar essa tarefa. Falando nisso, tu não tem nada para fazer?

A bem da verdade Sara tinha. Aliás, tinha muita tarefa. A professora de história estava “com a macaca” nos últimos dias e passou uma lista enorme sobre o ciclo do ouro no Brasil. Mesmo achando estranho os presentes a menina foi rendida pela necessidade de ficar na linha. Agora, mais do que nunca, não era a hora de correr o risco de perder tudo de uma hora para outra por conta de um dos famosos castigos morais da sua mãe.

No final da tarde a mãe ligou, pedindo que os meninos a encontrassem na praça do Setor Central. Tinha conseguido o emprego, era a noite dos foodtrucks e era hora de comemorar.

A festa do parque fazia jus à propaganda. Os food trucks eram bons e tinha até mesmo uma feira de orgânicos bem bacana, apesar dos preços. A feira de artesanato, mais perto da administração da cidade, já era mais fraquinha: parecia bem limitada com peças de croché e tricô. Tinha uma barraquinha com perfumes artesanais e outra com coisinhas nerds: cadernos personalizados com temas de animes, camisetas com frases de seriados e até uma estátua do Dean Winchester sem camisa... mas nada disso chamou a atenção de Sara. Ela ainda estava meio anestesiada pelas boas surpresas do dia. Parecia que a sua vida estava indo bem. Bem demais. Esperava que pelo menos o seu cérebro não apertasse o botão de “auto-sabotagem” tão cedo. Quando Ronaldo e sua mãe se instalaram numa barraquinha perto de onde seria o show da banda cover do the Smiths, autointitulada de “the Rank”, ela achou que seria a deixa para deixar os sozinhos e buscar um pouco de conforto ela mesma. Muita coisa para pensar.

— Só não vá muito longe! – alertou a mãe. –Não quero que você se perca por aí. Não se meta em confusões. Não aceite nada de estranhos!

Sara assentiu com a cabeça e partiu. Passava das sete da noite. A noite estava gostosa e não estava tão quente. A grama ainda estava úmida da chuva de ontem. Ela caminhou sem rumo evitando a feira de orgânicos e tentando conhecer a área em volta da praça do setor central. Ele era certamente bem maior do que parecia. Num dos cantos da praça viu a silhueta dos fundos da escola do irmão. Descendo pela mesma rua, alguns quarteirões abaixo, estava a sua.

Os caminhos de Sara a levaram até um pequeno templo, estilo chinês. Tinha sido construído numa parceria com o governo da China, anos atrás. Seria o lugar perfeito para treinar artes marciais, isso é, se ela gostasse disso. Ao invés disso ela deu alguns passos de dança cigana perto das colunas pintadas de vermelho descascado. Quase podia ouvir a sua antiga professora de dança, dona Thelma Alexandrino, dizendo que sua coluna estava torta e que sua passada estava errada. Foi que ela viu. Quase brilhando no mar de grama verdinha e bem cuidada à sua direita. Colunas irregulares de concreto branco. Cavaletes de pedra, pontos de apoio, degraus, paredes inclinadas. Uma pista de parkour.

Sara era louca por parkour desde que se entendia por gente. Uma pista completa ali, jogada no meio da praça parecia o maior presente de todos.  Como nunca tinha ido parar ali?

A julgar pelo bom estado da pintura, a pista era nova em folha. Ela não tinha manchas de água de chuva e nem marcas de ferrugem. Bem no centro da pista tinha uma espécie de torre. Era alta.  Mais de 6 metros de altura. Era uma torre de desafio. Coisa de parkour antigo. Hoje em dia com todas as normas de segurança envolvendo o esporte, essas torres tinham sido abolidas. Ela só tinha visto dessas torres em filmes e documentários. Sara não pensou duas vezes: tirou o casaquinho com gorro que vestia e o amarrou firme na cintura. Alongou-se apressada temendo perder a coragem do que se decidira a fazer e então correu e saltou. Aquela torre seria a torre de sua vitória! Se seu irmão poderia mudar, ela também poderia começar enchendo-se de coragem.

Os dois primeiros metros foram moleza. Muitos pontos de apoio. Mas a partir do terceiro ela teve de se esticar mesmo para alcançar alguns pontos chaves de passagem. Nem tinha chegado ao quarto metro e seus músculos dos braços estavam queimando. Erro de principiante.

— Vamos lá pernas, ao trabalho! – disse para si mesma. El continuou subindo, até que sentiu uma tonteira. Parece que a comida do foodtrcuk não combinava muito bem com muito esforço físico. A menina agarrou as pernas num ponto de apoio e rezou para a tntura passar antes que a força nos braços fosse embora. Num momento tudo ficou escuro e ela sentiu o corpo sem peso, caindo no vazio.


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