Os Lordes de Ferro escrita por valberto


Capítulo 14
Capítulo 14 - a floresta dos afogados




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Já fazia três dias que estavam seguindo pela sinuosa estrada que cortava a floresta. Mas parecia que estavam andando há semanas. O cansaço brotava neles como ervas daninhas numa horta abandonada. Mesmo a noite que deveria ser reservada para o descanso pouco fazia para recuperar as energias perdidas no dia anterior. Mesmo a comida que tinham trazido parecia sem sabor. Até mesmo o fogo da fogueira à noite era de um verde nauseante e não parecia aquecer o ambiente. As conversas também tinham ficado para trás. Não havia ânimo para isso. Tudo que restava era a floresta de árvores lotadas de folhas secas, que se depositavam como uma nevasca de flocos marrons de neve sobre o solo árido. O som das folhas estalando sobre o peso dos jovens era a única constante. Não se ouvia pássaros cantando e nem mesmo o discreto farfalhar de algum riacho nas redondezas. Depois de mais um dia de avanços aparentemente inúteis pela floresta o grupo parou sob a fronde de uma árvore enorme, partida ao meio.

— Puxa, que estrada ruim que você nos arrumou irmãzinha. – reclamou finalmente Espartano, vencido mais pela frustração do que pelo cansaço – Quanto tempo ainda para chegar a essa tal de Amag?

— Temo que ainda tenhamos uns dois dias pelo menos, nobre guerreiro. – tentou responder polidamente a jovem sacerdotisa. Mas era evidente que ela também estava exausta. Ela suspirou, retomando o fôlego e continuou – Peço desculpas por trazer vocês por caminho tão tortuoso, mas a minha peregrinação exige que eu siga o caminho pelo rio dos afogados.

— Pois tem que melhorar sua bússola, ou ligar um GPS urgente, tia. Porque estamos andando faz mó cara e não achamos rio nenhum.   – Explodiu Espartano, chutando um monte de folhas.

— Peço desculpas mais uma vez, milorde. Talvez não tenha sido uma boa ideia arrastá-los pelo meu destino. Mas sei que estamos no caminho certo. E já estamos no rio dos afogados. Não saímos de seu leito em nenhum momento. Essa estrada sinuosa é o rio, morto.

— Como um rio pode morrer? – perguntou Artêmis, subitamente interessada pelos rumos da conversa.

— Bem milady, este não morreu exatamente. Ele foi assassinado. Uma magia sinistra foi usada sobre este lugar.

— Se você conhece a história é melhor nos contar. Quem sabe não ajuda a afastar o cansaço da estrada? – perguntou candidamente Artêmis.

— Tentarei – respondeu a sacerdotisa. – Suponho que os senhores conheçam muito pouco sobre a história da região que estamos, não é mesmo?

— Quase nada – assentiu o Elfo, que nas últimas horas tinha testemunhado sua dor de cabeça evoluir para uma enxaqueca.

— Pois bem: não mais que duas décadas atrás Amag e Ponte Alta eram uma terra só. Os nobres de Ponte Alta sempre foram separatistas, mas nunca tiveram poder para isso. Quando o governante de Amag exigiu uma nova modalidade de impostos, muito mais pesada, a atual rainha de Ponte Alta, que na época não passava de uma duquesa, se revoltou. Criou um movimento separatista e tentou se declarar independente. Reuniu seu exército entre párias, marujos, piratas e camponeses. Amag por sua vez tinha um exercito montado e acostumado às durezas da guerra. Os primeiros embates foram devastadores para os homens da rainha. Foram entocados de volta à segurança de sua cidade, de costas para o mar de água de doce, encurralados como ratos.

— Estranho... a cidade que vimos parecia bem próspera. Como a rainha mudou o rumo da guerra? – perguntou o Elfo.

— Ela teve ajuda. Dizem que usou de magia negra para invocar demônios das profundezas para lutar em seu lugar e ao invés de monstros, convocou um homem misterioso, sem nome, que foi mais tarde alcunhado de “rei”. Seria melhor se tivesse invocado mesmo os demônios – disse ela ressentida, tomando um gole de água. A água tocou seus lábios e tornou-se amarga. – Um guerreiro de terras distantes, enorme e poderoso. Ele aceitou estar à serviço da rainha e passou a treinar os  milicianos de Ponte Alta. Mesmo com uma desvantagem de sessenta homens para um, ele conseguiu deter o avanço das tropas de Amag e virar a mesa de guerra. Ele conseguiu expressivas vitórias, usando de estratégia superior, ataques surpresa, assassinatos solitários, espionagem e combate de guerrilha. Sem dignidade e sem honra, mas muito eficaz.

— Parece Cromwell, quando ele derrubou o rei Carlos I na guerra civil inglesa. – comentou Artêmis lembrando-se subitamente da matéria de história que tinha estudado no Ensino Médio. Aliás, como podia esquecer-se do seu exótico professor de história, que os fazia dançar na frente da turma caso errassem alguma pergunta? Ela procurou deixar as lembranças de lado e se concentrar na sacerdotisa, que a olhava com um misto de curiosidade e doçura. – De onde viemos – apressou-se ela – Conta-se a história que um rei entrou em guerra civil com seu povo e foi derrotado por um homem astuto.

— Bem, acho que este guerreiro infernal teve a mesma aula que a senhorita – respondeu a sacerdotisa tentando organizar os pensamentos para continuar – Sua estratégia era soberba e levou os lordes de Amag à medidas desesperadas. Eles entraram em contato com os mestres alquimistas anões e deles compararam uma bomba de energia mística. A bomba deveria drenar a força dos guerreiros de Ponte Alta, dando fim ao conflito. Então dois grupos entraram nesta floresta, sem que nenhum soubesse da existência do outro. Um séquito menor carregava a bomba numa carroça e uma força militar maior, com três mil soldados e mais uns mil homens de apoio, pronta para avançar floresta adentro e atacar Pote Alta quando recebessem ordem para tal. 10 pelotões de soldados treinados e leais.

— Será que esse “rei” é o mesmo rei que estamos procurando? Que usa um símbolo igual ao nosso, só que invertido? E como é que o tal rei conseguiu vencer isso aí? – Perguntou Espartano, deixando que a s perguntas que tinha feito para si mesmo escapassem mais alto do que deveria.

— Não sei dizer, mas não conheço nenhum outro pirata, que seja consorte da rainha, que atenda por esta infame alcunha! – explodiu finalmente Wel, jogando o copo de couro que já estava seco e sem água no chão.  O copo quicou até os pés do Elfo, que o tomou em mãos e o acariciou de leve antes de devolvê-lo. “Continue sua história” sussurrou o rapaz de orelhas pontudas, fazendo com que uma eletricidade desconhecida corresse pelo corpo da sacerdotisa. A menina segurou o copo com as duas mãos, como se segurasse alguma relíquia sagrada e continuou – Havia um terceiro grupo, do general Úlio. Ele foi até a nascente deste rio e, sob ordens militares, construiu uma represa, impedido o fluxo natural da água.

— Mas os soldados dele estavam aqui! – explodiu Artêmis. – Ele não sabia?

— Não... – respondeu a sacerdotisa. – De alguma forma o rei tinha forjado ordens para levar o general àquela posição, para secar o rio. Mas ele foi além disso. De alguma forma ele manipulou a fórmula alquímica da bomba de energia mística, aumentando a sua potência centenas de vezes. Do mesmo modo ele conseguiu fazer com que a carroça fosse parar no meio do acampamento da legião de soldados de Amag. Uma vez lá ele conseguiu detonar a bomba, que matou quase todos os integrantes do exercito de Amag... e por tabela matou também esta floresta e seu rio. Os que não morreram na explosão tiveram sua energia drenada e, incapazes de se mover, morreram de fome e sede á margem do fio dos afogados.

— Tudo bem que o exercito de Amag teve uma maré de azar muito grande, mas como é que um homem só fez tudo isso? – perguntou Artêmis achando difícil de acreditar que o Cromwell desse mundo tenha feito tanta coisa numa tacada só.

— Nem todos os homens morreram na explosão da bomba. Uns poucos conseguiram fugir. De quatro mil homens, entre guerreiros e auxiliares, apenas uma dúzia conseguiu sair vivo da floresta... e um deles, á beira da morte, buscou ajuda em nosso templo. Foi com a ajuda dele que reunimos os detalhes da guerra... Ele disse que antes da explosão viu um homem alto e forte mexer na bomba... e depois viu o homem se transformar num enorme corvo, e asas negras e olhos sangrentos.

— Tem alguma coisa que você não está nos contando – interrompeu o Elfo, sorrindo com dificuldade sentindo a dor de cabeça voltar após breve pausa.

— Milorde tem razão. – Minha irmã, Hyparsia, veio para esta floresta acompanhar seu amado, um sargento que atendia pelo nome de Khobbi. Ela morreu aqui e foi tragada pela terra amaldiçoada e pelo esquecimento, sem direito a um sacramento ou enterro decente, para que o tal rei fornicasse com a rainha. – as lágrimas rasgaram avenidas no rosto empoeirado da jovem sacerdotisa, indo morrer nas covinhas de seu queixo. Mesmo vendo sua dor, nenhum dos três se levantou para apará-la. Pareciam eles mesmos absortos em toda a morte que os rodeava naquele momento.

— É isso! Caceta, é isso! – berrou o Espartano, esmurrando uma casca de árvore que se rompeu sob a força de seu golpe. Ele viu os amigos olharem espantados para ele sem saberem o que estava acontecendo. –  Esse cansaço todo... é resquício da tal bomba. Mas eu acho que sei como resolver. É que nem eu vi numa partida de magic... Tem uma carta chamada pestilência que causa dano em todas as criaturas da mesa. É uma carta preta e pode ser devastadora. Mas se você tiver um circulo de proteção ao branco pode se proteger d seus efeitos. A Wel é uma sacerdotisa. Neste mundo a magia é real. Pode ser que ela possa canalizar a energia divina que nem os clérigos de D&D fazem e pá-pum! Círculo de proteção contra o mal.

— D&D? Partida de magic? Proteção branca... o milorde fala por enigmas...

— Mas faz sentido mesmo. Veja Wel, você sabe alguma magia de proteção? – perguntou o Elfo, subitamente animado.

— Magias não... mas conheço preces que os doze divinos costumam fortalecer com seus poderes infinitos. Podemos fazer um círculo de rochas e quem sabe...

— Vale a pena tentar – respondeu Artêmis.

Em poucos minutos um círculo de rochas estava armado em volta da fogueira. Não era muito grande, tendo apenas pouco mais de três metros de diâmetro. Em doze das pedras Wel desenhou símbolos especiais e as colocou em posições chaves: uma para cada divino e sua posição no circulo das coisas. Então ela pediu que os meninos lhe dessem as mãos em volta da fogueira. Logo ela começou a entoar um cântico baixinho que lembrava os cantos gregorianos, mas bem mais doce e suave. O círculo foi invadido por uma sensação de calor e bem estar e de repente todos sentiram o calor da fogueira que tinha deixado a cor verde para trás para brilhar com suas cores alaranjada e amarela.  

— Será que funcionou?

— Acredito que sim.

— E quanto tempo vai durar?

— Se o círculo não for partido – respondeu a sacerdotisa, cuja cor já voltava às suas bochechas – durará enquanto os divinos quiserem.

Naquela noite, pela primeira vez, dormiram bem. Todos, menos o Elfo. Ele sentia que havia algo maior, mais denso e inescapável se aproximando. Mas suas respostas o aguardavam longe dali.


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