Tinta e Veneno escrita por Golden Boy


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Oi! Boa leitura. Te vejo nas notas finais :)



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 Numa manhã quente e esperançosa de verão, o porto de Sirte explodiu em violência. Duas guarnições de soldados armadurados marcharam para dentro da cidade, trazendo a morte nas lâminas que carregavam. O Ofídio os liderava, mas não estava sozinho. O General de Alitas, Farris, marchava ao lado do Sumo-Sacerdote com um olhar impiedoso e carregando seu elmo debaixo do braço. Atrás deles, um navio de casco preto e com velas içadas se erguia do mar calmo. O Hidra.

Arien os encarou de longe, com o coração martelando o peito, e pensou em sacar a própria espada e tentar a sorte, mas seria algo estúpido a se fazer. Precisava achar Dell primeiro. Ela abandonou a rede com peixes frescos e disparou por entre as ruas da cidade portuária em busca de seu mentor.

Era raro que algum navio tão grande atracasse no porto da ilha, e ainda mais raro que houvessem soldados do exército de Alitas ali. Com o Dom da Visão, ela focou seus pensamentos em Dell e o viu sentado numa rocha, algumas milhas para dentro da floresta, polindo sua lança. Ignorou a dor que explodiu em sua cabeça por usar os poderes, e continuou correndo, agora sabendo para onde ir. Conhecia as ruas do lugar em que nasceu como a ponta de seus dedos. Um vento fraco soprava em seu rosto quando ela virava as esquinas, tentando alcançar a floresta antes que os soldados a interceptassem. Mas não conseguiu. Um escudo a derrubou, e Arien caiu inconsciente antes que pudesse se defender.

O homem que a derrubara não era o mais habilidoso, ou o mais rápido. Era um mero soldado seguindo ordens, assim como a maioria daqueles que vieram com ele. A ordem de obedecer o Ofídio, e ajudá-lo a encontrar a Oráculo que morava na ilha. Esta não era Arien, mesmo que ela também tivesse o Dom da Visão e pudesse, sim, se tornar uma oráculo.

Quando a garota acordou, estava presa. Sentiu seus tornozelos apertados e a ponta dos dedos do pé dormentes. Ela tentou se soltar, mas as cordas estavam muito bem enlaçadas, fazendo com que as únicas partes móveis de seu corpo fossem a cabeça e o braço direito, mas este era segurado por dois soldados.

Estava claro, e havia uma multidão reunida ao redor do mastro. Ela ainda estava vestida, e agradeceu à Matrona por isso, mas se sentia humilhada. Tentava se soltar, puxando o braço e o movendo, mas os homens eram mais fortes do que ela. O rosto de Dell não estava na multidão, e ela se sentia exausta demais para tentar usar o Dom da Visão e descobrir onde ele estava.

Um homem com o rosto fino e orelhas quase pontudas se aproximou dos soldados. Ele usava um robe branco, com uma fita vermelha na altura da cintura e uma faixa roxa com o símbolo do Reino de Alitas estampado. Ele encarou o corpo de Arien de cima a baixo, e desembainhou um tipo de faca com o punhal em formato de cobra. A fama deste homem era das maiores. O Sumo-Sacerdote de Alitas, o Ofídio. As crianças aprendem a nunca encararem ele. Ele faz as marcas de tinta nos escravos, nos portadores e nos mercenários.

Arien teve um estalo, e percebeu o que ele iria fazer.

— Não! Você está enganado! Eu não sou uma portadora! — Os gritos arranharam sua garganta, e ela se segurou para que lágrimas não rolassem. Talvez Dell o impedisse. Ele iria aparecer ali, com sua lança, e matar todos os soldados. Ou talvez libertá-la! Qualquer coisa.

Ninguém da multidão moveu um músculo. O Ofídio mergulhou a adaga numa jarra pequena de vidro, e quando a retirou ela estava coberta por uma tinta espessa e escura. Em movimentos lentos e precisos, ele começou a desenhar nas costas da mão de Arien com a faca, cortando-a. O sangue que saia se misturava com a tinta, e penetrava na pele.

Em poucos segundos, estava feito. O Ofídio limpou a adaga num pano velho, e a guardou no mesmo lugar em que estava antes, junto com o recipiente da tinta. A mão de Arien ardia, doía e queimava. Seu cabelo estava embaraçado, seu queixo coberto de saliva e ela respirava pesado. Os guardas soltaram seu braço, e pelas marcas vermelhas ela percebeu toda a pressão que eles faziam para segurá-la parada.

Ela encarou a marca de tinta, irremovível. Um olho, simbolizando o Dom da Visão. Enquanto os mesmos homens que a seguravam cortavam as cortas para soltá-la, Arien tentou acertar um soco no Ofídio.

— O Rei Shantour agradece sua cooperação. — disse o Sumo-Sacerdote, e sua voz parecia com o sibilo de uma cobra. E nesse momento, seu outro braço foi solto das cordas que a prendiam. Arien se abaixou, e esperou que seus captores se aproximassem.

Ela estava desarmada, mas sabia usar os punhos.

Acertou um chute na garganta do primeiro, e desviou do golpe de escudo do segundo. O Ofídio se afastou com um sorriso de deleite. Arien pegou a espada do segundo homem por baixo de seus braços, puxando-a para fora da bainha que ficava em seu cinto. Dell havia lhe ensinado bem. Com a mesma espada, ela acertou o capacete do primeiro para deixá-lo inconsciente e voltou sua atenção ao segundo, que se afastou e lançou um olhar suplicante ao Ofídio.

Ele ainda tinha um escudo. Os grunhidos de remorso da multidão se tornaram gritos de excitação. Arien respirou fundo, deu um passo à frente e atacou num arco curto à a sua frente, acertando o joelho do homem, que se desequilibrou e resmungou. Antes que pudesse levantar o escudo de novo, a espada da garota acertou seu braço e ela usou o ombro para derrubá-lo.

E então, ela se virou para atacar o Ofídio, mas ele não estava ali. Olhou ao redor, confusa, mas ele tinha realmente sumido. De qualquer jeito, ele não era sua prioridade. Precisava achar Dell, mas antes tinha que ver se sua avó estava bem.

Ela também tinha o Dom da Visão, e tinha sido marcada na infância. Arien correu pela multidão que se desfazia, e só parou quando chegou na casa onde morava. Uma construção de pedra branca, com um telhado de madeira. Do lado de dentro, ela ouviu algo se quebrando. Cavalos estavam amarrados na cerca, e a grama na entrada estava pisoteada.

Ela invadiu num só fôlego, com a espada desembainhada e olhos arregalados. Diante dela, o General Farris e três de seus melhores soldados, cercando sua avó. Arien não esperou pra agir, acertando as costas de Farris com sua espada. Ainda sentia raiva por ter deixado o Ofídio escapar.

O general deixou escapar um grito de dor, e seus soldados se viraram para a garota, que recuou a espada para perto do corpo, agora em posição de combate.

Arien cortou o ar em sua frente, e deu três passos para trás. Assim tinha a visão de todos eles, e também de Farris que se recolhia num canto junto com um dos soldados.

Nesse momento, Dell entrou pela janela sem batente, com uma adaga em mãos. Ele era ágil, apesar de seu corpo ser muito grande para a maioria das acrobacias que fazia. Um golpe rápido na garganta do soldado à sua direita, e um também chute no estômago de Farris. Enquanto o soldado à esquerda tentou acertá-lo com a espada, e quase acertando Ursula no processo, Arien acertou o joelho do que estava em sua frente, mas um golpe de ombro a derrubou no chão de barro. Sua cabeça passara pelo portal, e ela fez um rolamento para ficar de pé novamente. Respirou fundo, e percebeu que sua camisa bege estava suja de sangue, que tinha jorrado da garganta do soldado que Dell matara.

Atrás do soldado que a derrubara, Dell matava sua segunda vítima, e agora cortava a corda que prendia os pulsos de Ursula juntos. Ainda estava desmaiada, e Arien temia que talvez estivesse morta. Ela trocou olhares com Dell, e seu rosto flácido e disforme pareceu assentir. Eles avançaram juntos, Arien batendo espada com espada e Dell fazendo um corte na altura do quadril do homem. A armadura, por mais que fosse completa, tinha muitos pontos abertos. Dell ensinara todos eles para Arien, e por isso ela sabia onde acertar. Quando o homem se encolheu de dor, num milésimo de segundo, ela deslizou sua espada por baixo do braço dele e sua axila derramou muito sangue. A única coisa que ainda mantinha seu braço junto do corpo era um pedaço de carne no ombro. Ela o derrubou, e Dell finalizou.

 

Talvez por sorte, talvez por azar, Ursula estava viva. Dell a carregou nos ombros até um lugar seguro, há algumas milhas da cidade, e deixou seu corpo semi-consciente jorrar contra a grama. Arien não conseguia olhar. Ela sabia que não havia sangue, mas haviam muitos jeitos de se matar alguém sem deixar sangue.

— Ela está respirando. — declarou Dell, e Arien deixou um suspiro escapar por entre os lábios.

— Amor à Matrona! — exclamou em resposta, se aproximando da avó que acordava. Os cabelos grisalhos presos num coque desarmonioso, os olhos muito escuros e os lábios rachados formavam o rosto da mulher que agora estava sentada, encarando as próprias mãos.
Com uma brisa, sua expressão mudou. Ela olhou para a costa da mão, que tinha sua marca, seu flagelo. Arien se aproximou, escondendo a própria marca, mas o vento zuniu com uma flecha antes que ela conseguisse tocar sua avó. Um tiro certeiro, nas costas da mulher. Ela gritou. E então um segundo, na cota de malha de Dell. Arien correu agachada até uma árvore, e se perdeu na multidão de barulhos que a cercaram. Cavalos trotaram, espadas se digladiaram e um rosto foi arrancado.

Arien tentou se erguer e se impor, mas o medo tomou conta de seu âmago. Ela sabia que precisava ajudá-los, mas também sabia que para sobreviver ela precisaria se esconder. A marca em sua mão direita ardeu e queimou, e ela deixou que um feixe de luz solar a tocasse, fazendo com que a dor cessasse quase de imediato.

Ela contou pelo menos cinco cavalos na clareira diante dela, cercando Dell e Ursula, e oito soldados bem armadurados. Sozinha ela não conseguiria enfrentá-los.

Focando seus pensamentos em Dell, Arien viu que a flecha não tinha ido muito longe na cota de malha. Ursula, pelo contrário, tinha uma poça de sangue se formando em suas costas. Sua cabeça doeu, e ela parou. Voltou ao presente, às folhas e galhos cutucando sua pele oliva e a bainha da espada pressionada entre o tronco de uma árvore e sua cintura.

Arien olhou para cima, e rezou. Rezou à Matrona, por misericórdia. Rezou ao Ancião, por sabedoria. E, por último, rezou ao Guerreiro, por força. O Ofídio tinha presença. Arien sabia que ele estava lá sem nem olhar. Quando ela estava prestes a se levantar e sacar sua espada, não havia mais ninguém.

Uma poça de sangue no chão, a terra pisoteada pelos cavalos, árvores. Nenhuma alma viva ou morta. Ela focou seus pensamentos em Dell, e viu escuridão. Seu coração subiu a boca, e ela disparou de volta a Sirte. Talvez conseguisse chegar ao navio deles antes que eles zarpassem.

O pensamento de enfrentar todos os soldados do navio se clareou em sua mente. E ela diminuiu a velocidade, até parar por completo. O Hidra estava longe, com seu mastro imponente e as velas pintadas de preto. Os remos batendo na água. Ela focou no navio, mas estava exausta. Não conseguiu ver nada. Arien estava exigindo demais de seu poder.

 

Aquele transporte era magia. Não era um Dom, pois não havia um dom que pudesse fazer algo assim. Não era algo divino, pois não havia cheiro de deuses no ar.





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Notas finais do capítulo

Opa, que bom que chegou até aqui.
Espero que tenha gostado do capítulo. Que tal deixar um comentário pra me ajudar? rs



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