Apocalipse escrita por Natália Alonso, WSU


Capítulo 5
Capítulo 4 - Morte à rainha


Notas iniciais do capítulo

Essa história pertence a Natália Alonso, que detém outras obras espetaculares ^^



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Palácio do Planalto

Os passos largos de Marcos são sonoros pelo corredor amplo, ele vai com sua calça jeans, sem camisa deixando a tatuagem de tigre no peito a mostra, só é contornada pelo casaco de urso polar. Quando chega no final do corredor, ele para em frente a porta do quarto de hóspedes e ergue a mão mecânica até o alto para dar fortes batidas. Para. Pensa melhor. Abaixa a prótese cheia de parafusos aparentes e levanta a mão direita devagar. Bate três vezes.

O som de alguém se aproximar é seco e abre a porta devagar, o Caveira é alto, mas seus olhos dão de cara com o pescoço largo do demônio com cabeça de touro. Marcos ergue os olhos e encara o meio animal, que responde a encarada com um bufar úmido no rosto do traficante. Então abre mais a porta e permite a entrada no quarto pouco iluminado, o demônio permanece na porta. Lucy serve uma taça de vinho e se vira inalando o aroma que verte do cálice. Marcos para, próximo à saída.

— Me disseram que você gosta de vinho... — Também, pensa ele. — Espero que esse quarto te agrade.

Ela gira a taça duas vezes e depois sorve o líquido, fecha os olhos pausadamente antes de se virar, em silêncio. Caminha até a cadeira e se senta apoiando a taça na mesa. A luz das velas no candelabro se movem devagar, a mulher passa os dedos na beirada de cristal.

Marcos dá dois passos se aproximando.

— Ela enganou alguns guardas. Eu já resolvi quem foi o culpado pela fuga dela.

A vampira levanta os olhos para o Caveira, olha diretamente para o seu peito, permanece em silêncio o olhando. Ele volta a falar.

— É provável que ela tenha voltado aos vermelhos. Eu já coloquei exploradores atrás, ela vai acabar nos levando até eles.

Ela responde franzindo a testa, ele nota.

— Deixou a garota escapar, então. Uma garota de vinte e poucos anos.

— Uma naurú.

— Sim. Uma garota naurú. Alguém que graças aos meus rastreadores vampiros tinha lhe dado o local de onde atacar. Então você perde a garota.

Marcos pressiona os lábios.

— Nós tínhamos já trabalhado com ela algum tempo. Estava fraca.

A vampira olha de forma ameaçadora, se levanta, abandona a taça na mesa e vai até a sombra do lado da janela. Marcos vai atrás.

— Uma naurú? Acha que uma garota que sente os ossos e músculos se realocando a cada transformação pode ser torturada? Acha mesmo que tortura física funcionaria com ela?

— Estou lhe dizendo que ela será recupe… — ele chega na sombra e percebe que a vampira não está lá. Olha confuso e dá de cara com Lucy sentada novamente na cadeira.

— Que bom. É importante que você saiba o que fazer. — fala ela rodeando a taça novamente com o indicador.

— Sim, é claro que sei.

— Porém, há um outro local que quero que seus esqueletos visitem. Meus rastreadores me indicaram onde está o refúgio em São Paulo. Há muitos deles lá. Deixe que meus rastreadores lhe indiquem também onde estão os vermelhos. Não quero desperdício de ataques.

— Como deseja, senhora. — Ele fala com tom de desdém.

Marcos vai até a mesa, tira uma adaga da cintura que estava velada pelo casaco peludo. Usa a ponta da adaga para alcançar um pêssego da fruteira, e morde a fruta suculenta. Lucy observa e reconhece a adaga, Baal olha e ameaça dar um passo, ela faz um gesto com a mão pedindo para esperar.

— Linda peça. — fala ela o investigando.

— Isso? — Ele fala de boca cheia, levantando a adaga. — Eu adoro antiguidades. É bonita, não acha?

Lucy o fita, desconfiada.

— Sim, é bonita sim. Bom, eu tenho que descansar, se não se importa.

— Claro. — fala ele colocando a adaga na cintura e passando por detrás da vampira, ela o acompanha com os olhos.

Baal abre a porta para ele que passa rapidamente.

— Boa noite, Búfalo Bill.

O Caveira sorri, morde mais uma vez o pêssego andando pelo corredor.

— Acha que ele sabe o que é a Sedenta? — questiona Baal em tom baixo.

— Não sei. É isso que eu não gosto em loucos, não dá para saber se estão mentindo ou não. O coração dele é tão descompassado quanto a mente.

 

 

 

Refúgio da Resistência, São Paulo

 

Os portões de ferro se abrem permitindo que parte da fuligem atômica invada o refúgio. O local, iluminado por claraboias, fogueiras com espelhos é mais quente do que o lado de fora. A região está sempre muito fria com a falta de luz solar que quase não ultrapassa a densa nuvem de poluição e fuligem. Já tossindo, Jonas e Arthur entram no refúgio e caminham procurando por Henrique.

— Eu odeio esse lugar. — pragueja Jonas tossindo as cinzas em suspensão no ar.

— Poderia ser pior. Eu tenho que respirar muito mais rapidamente pelos meus poderes. Tudo em mim me dá efeito mais rapidamente. — murmura Arthur, olhando ao longe a procura de Henrique.

— É por isso que tem dores de cabeça?

— O que?

— No dia que discutimos você teve. Uma das refugiadas me disse que viu você da mesma forma, e dias antes outro também.

— Eu não sei do que você tá falando.

Jonas vai falar, mas a voz de Henrique interrompe a conversa.

— Resolveram se juntar a luta? Que bom que os hippies do nordeste deixaram você vir, Jonas.

O Aracnídeo se vira sem sorriso, Henrique percebe que algo está errado, Arthur faz um gesto com a mão por detrás de Jonas para encerrar o assunto.

— Onde eu posso beber água? Estou seco com toda essa poeira.

Henrique faz um gesto chamando os gêmeos e indica a direção para Jonas.

— Os gêmeos vão te indicar… fica à vontade.

Arthur permanece e senta-se em uma das pilhas de pneus que são usados como bancos do lugar. Quando Jonas está suficientemente longe avisa.

— O acampamento já era.

— O que? — Henrique se curva para falar baixo. — O que aconteceu?

— Os Cains aconteceram.

Henrique titubeia, olha para os lados antes de falar:

— Merda... Orobas ou vampiros?

— Orobas, a Drácula, o dragão e pra finalizar, a Aliança.

Henrique fecha os olhos devagar, balança um pouco o rosto.

— Os sobreviventes estão vindo? Eu tenho pouco espaço aqui, mas...

— Henri... o dragão veio. As Karens… — Arthur tenta controlar o rosto desolado de semanas ajudando na construção. — Não sobrou ninguém. Nós tivemos sorte, inclusive.

Silêncio. Henrique para pensativo.

— Foi por isso que a bruxa disse que a vampira estava ferida. Deve ter sido nessa briga.

— Do que você tá falando?

— Uma bruxa se aliou a Liga dos Assassinos. Andina, Arcádia... não lembro o nome dela direito. Eles saíram a dois dias pra encontrar a vampira lá no Planalto do Caveira.

— O plano deles é bom?

— Sinceramente? Não faço a mínima ideia. Depois que mataram a mulher do Soldado, ele não bate bem da cabeça ultimamente. E eu não estava querendo brigar com aquele maluco.

— Só ele está maluco? — questiona Arthur de forma sarcástica, suspira antes de continuar. — E os vermelhos? Alguma notícia?

— Nada. — Henrique fala de forma evasiva. — A propósito, meus parabéns. Eu só soube recentemente que será pai.

Arthur sorri, mas demonstra insegurança.

— Calma com isso, vocês vão se acertar. Como você disse, isso deixa todo mundo meio maluco mesmo. Você é só um pouco pior, só isso.

 

 

 

Palácio do Planalto

 

É alta madrugada quando as cortinas balançam no quarto iluminado apenas pela lua. A varanda aberta permite a luz prateada penetrar no quarto amplo. Na cama, a vampira dorme profundamente entregue aos lençóis de linho em sua camisola de seda azul-marinho. Um corvo pousa silenciosamente na varanda, olha para a outra janela e depois plana baixo até a porta de madeira. A tranca da porta é fechada devagar por Aradia, que confere se ninguém está se aproximando. Sempre que retoma sua forma humana, algumas poucas penas negras caem no chão como sinal de sua transformação.

A mulher de cabelos trançados observa o perfil da vampira adormecida e depois Azatoth na janela. Ele colocara um lenço nos filtros de ar, para abafar o som dos respiradouros de sua máscara. Aradia pisca uma vez e vê o Soldado Fantasma ao pé da cama, ele é chamado dessa forma por ser silencioso. Ele franze o cenho, deixando a ira escapar por sua meia máscara, se posiciona, ergue a longa catana e dá um golpe único e certeiro no pescoço da mulher em sono.

A arma atinge os lençóis, cortando o tecido e parte do colchão. A mulher desapareceu e a espada exibe uma linha de sangue ao longo da lâmina. O soldado arregala os olhos e se vira em posição de combate, Azatoth alcança a varanda, fechando as portas rapidamente. Todos estão com suas armas, olham entre si no quarto escuro, em completo silêncio.

— Acham que é a primeira vez que tentam me matar? — A voz de Lucy preenche o quarto.

— Tenho certeza que não. — responde o Soldado para o nada.

— Hummm.

O gemido ecoa, Aradia se vira com a adaga em mãos, ela se mantém na porta e Azatoth nas venezianas, querem garantir que ela não escape.

— A mulher é nova. Não fomos apresentadas ainda. — Os lábios da vampira sussurram atrás de Arádia que responde virando-se e golpeando o ar com a adaga.

Gotas de sangue respingam no chão, um rosnado baixo se dissipa no lugar.

— Não preciso ser apresentada. — responde a guerreira com contas no cabelo.

— Não, é claro que não. — responde a voz, que deixa cair algumas contas e mechas de cabelo de Aradia no centro do quarto. — Uma bruxa é sempre um grande desafio. Saboroso.

Azatoth ergue as pistolas munidas de silenciadores e dá vários tiros para o teto de onde vem a voz. É possível ouvir a movimentação pelo teto e o atirador segue o som de rosnados até acabarem as balas. Mais gotas de sangue caem no chão, um murmuro miado é perceptível, de dor. Ele deixa os pentes caírem no chão, pega mais dois para recarregar e Tales se aproxima com a catana empunhada. O Soldado sorri por dentro da máscara.

— Tudo o que temos é amaldiçoado. Não irá se regenerar agora.

Azatoth termina de recarregar as pistolas, está novamente com ambas apontadas para o teto, eles ouvem atentamente. A movimentação já pausada e pequenas trilhas de sangue serem deixadas pelo movimento. Uma pausa, um caminhar mais espaçado e de repente um estrondo na mesa lateral. Os três se aproximam do lugar iluminado com candelabros, a mesa quebrada sugere que ela caiu do teto. Mas ao chegar, algo está muito errado.

— Mas… onde ela… — fala Azatoth com as armas apontadas para a mesa vazia.

— Aqui. — Um sussurro feminino vem no ouvido do pistoleiro.

Ele é erguido no ar pelas mãos da vampira que atravessam o peito do atirador. As pontas das garras coroam pelo uniforme negro e ela sorri antes de o lançar contra a feiticeira que fazia movimentos com as mãos. O Soldado faz um ataque por cima com a catana, a vampira desvia torcendo o dorso. Uma sequência de movimentos e ela desvia novamente sem sequer mover os pés. Ele olha para o rosto dela e nota uma bala ser expelida de seu rosto, regenerando o ferimento imediatamente.

— Armas amaldiçoadas… — Ela sorri em desdém, fazendo os olhos ficarem completamente negros. — Acha que sou um mero vampiro? A Drácula não pode ser morta com um pouco de magia negra comum, meu querido vingador.

Ele dá um novo golpe e a vampira segura a lâmina da catana com as mãos espalmadas. Prende com força a espada dando um chute no guerreiro, o fazendo se afastar. Segurando a espada, a mulher quebra a lâmina com um chute no joelho, ela faz menção de se aproximar, mas é tomada por uma chama negra que a empurra para o lado. Aradia a contém enquanto Azatoth pega as pistolas, atira novamente.

A vampira corre para os dois, atropelando a feiticeira contra a parede. Aradia sente uma de suas costelas se quebrar com a força, assim como pedaços da parede que caem no chão. Quando a vampira ergue as garras, Azatoth atira em sua mão. Ela grita de forma feral observando os dedos retorcidos e se vira de uma vez. O outro braço de Lucy acompanha o trajeto sibilando de forma cortante no ar. O pistoleiro deixa as armas caírem, olha para o ventre e vê alguns de seus órgãos irem ao chão encarpetado.

O som metálico envolve em um cabo em torno do pescoço da vampira, o Soldado a segura puxando de forma irada, ela se ergue para trás. O rosto da mulher se contrai, mas depois ela se vira batendo o soldado contra a parede. Ele não solta o garrote, ainda grita próximo ao seu ouvido puxando ainda mais. Ela o empurra de costas o forçando a subir na parede, ela sobe, ele fica pendurado ainda no seu pescoço. A vampira então se arrasta com dificuldade até o teto, seu pescoço está sendo cortado pelo cabo. Tales grita abaixo xingando a maldita, então ela se deixa cair sobre o soldado no chão, finalmente ele solta os puxadores.

Ele murmura baixo, a vampira dá um golpe com o cotovelo nas costelas terminando de se soltar. Ela se levanta e sente fios de cabelos sendo arrancados pelas mãos de Aradia. A vampira olha para a feiticeira e a agarra rapidamente.

— Não pense que vou te deixar com isso, bruxa! — vocifera a vampira segurando os pulsos de Arádia.

As presas tentam morder a jugular, a mulher negra se esquiva, mas acaba contida na parede. Na terceira tentativa de abocanhar uma espada partida penetra nas costas da vampira despontando na frente, ela se curva para trás, rugindo em dor. O Soldado volta com outra adaga e acerta o braço, permitindo que Arádia se solte quando se transforma em um corvo novamente. Na pata ela segura um fio de cabelo e se debate escapando das garras da mulher em fúria. Algumas penas ficam, um arranhado profundo, mas a feiticeira consegue se desvencilhar quando o soldado agarra a vampira por trás.

O corvo vai até a janela no alto e se vira pensando em voltar, mas ela vê que a vampira puxara o soldado para o chão, e crava as presas em seu pescoço. Ele estende a mão tentando sair da maldita alimentação, mas logo seu braço pende devagar e a mulher suga ruidosamente o sangue do guerreiro. A porta está sendo esmurrada, não há mais qualquer chance para eles. A ave se vira e foge levando o fio de cabelo, os ferimentos e as notícias de que a Liga dos Assassinos está oficialmente extinta.

Quando a ave saiu, os lábios da vampira abandonam o pescoço do Soldado, ela não quer que ele morra ainda. Se vira batendo as costas no cadáver de Azatoth, no chão, Tales está atordoado e fraco, ele tenta ainda se erguer. As portas do quarto são arrombadas por Baal, assim como outros traficantes que foram atraídos pelo som de luta. O demônio olha para a vampira que caminha até ele coberta de sangue e a camisola rasgada. Ele baixa os olhos em respeito, ela não se importa, se vira de costas para ele para que tire a espada quebrada.

Sem dizer nada, ele tira a peça com o ferimento fechando rapidamente na alva pele. Marcos chega com uma submetralhadora em mãos. Olha ao redor e vê todos parados.

— Mas que merda aconteceu? — questiona o Caveira.

— Nada importante. Apenas mais alguém tentando me matar. — responde a mulher para o homem, dando-lhe as costas.

Baal segura o Soldado pelos cabelos e está soltando seu machado das costas quando Lucy faz um gesto.

— Não! Traga-o para mim.

O cabeça de touro olha, segura o Soldado pelo braço e o arrasta pelo chão. Os traficantes já começam a se retirar quando Lucy intervém.

— Não se acanhem. Fiquem.

— Eu não quero me introme…

— Eu insisto. — fala ela pegando o que restava da garrafa de vinho no chão.

Marcos e seu primo Matheus permanecem, mas agora, perto da porta. Ela bebe direto da garrafa o vinho, parte do líquido verte na camisola de seda por um ferimento no ventre. Ela enfia os dedos e recolhe mais uma bala, deixando-a cair no chão. Caminha até a parede, acende a luz do quarto e finalmente se senta na cadeira. Cruza as pernas elegantemente, em contraste com o ambiente destruído e roupa ensanguentada.

— Então. Que bom que nos encontramos novamente, Soldado.

Baal o mantém ajoelhado no centro do quarto, ele está cambaleante pela perda de sangue e é segurado pelas mãos grandes do demônio.

— Eu entendo que queira me matar pelo que aconteceu. O seu grupo era bem competente, por isso eu propus a aliança com vocês.

— Não trabalhamos para um bando de demônios, vampiros... ou para qualquer coisa monstruosa como Cains. — fala o soldado de forma descompassada.

— Sim. Foi o que você disse na época.

— Lutamos pela humanidade, pela...

— Lá vem você com esse papo antiquado de liberdade... isso é uma grande mentira. Todos devem servir, todos devem saber exatamente o seu lugar. — Lucy fala para o Soldado, mas os olhos verdes vão de encontro aos de Marcos. — Tentar ameaçar os Cains, não é exatamente muito esperto.

Os traficantes assistem a cena.

— Age com uma rainha… de um reino de cinzas e escravos.

— Não há nenhum problema em se aliar a rainha, desde que seja fiel. — Ela se levanta da cadeira e vai até ele, baixa a máscara dele inalando o cheiro que exala de seu corpo. — É o mesmo cheiro.

O soldado olha para a maldita.

— O mesmo cheiro que você exalou quando eu matei sua querida mulher. Eu sabia que viria por isso. Eu vi nos seus olhos. Isso é… romântico.

Tales tenta se mover, mas os braços são segurados pelo demônio atrás de si.

— Sua vaca maldita…

A vampira sorri, ainda farejando o seu prisioneiro.

— Sim… ódio é algo que tempera muito bem o sangue, sua carne ficará saborosa. Só posso dizer que lamento por você. Acho que você teria amado muito o filho que ela carregava.

Os olhos do Soldado paralisam em horror e lamento, atônito ele deixa uma lágrima escapar. A mulher se vira para ele.

— Você não sabia? Isso é mesmo triste, é como se eu tivesse partido o seu coração.

Ela direciona a mão para o peito do prisioneiro.

— É uma pena. — Ela se aproxima e sussurra no ouvido dele. — Tu não irás para o mesmo lugar que ela.

A mão da vampira arqueia e crava as garras no peito do Soldado que urra de dor. Ela penetra devagar por debaixo da caixa torácica dele que se contorce em dor. O som da mão rasgando a densa camada de órgãos não perturba os dois traficantes que assistem o aviso subliminar da vampira. Eles podem ver quando ela tira o coração ainda pulsante do corpo do homem e o leva a boca, mastigando de forma grotesca.

 

 

 

*********

 

— Eles te feriram? — A fala em tom de preocupação não combina com o demônio adúltero. — Eu vou mandar o aleijado ir para o refúgio de São Paulo...

— Eu já fiz isso, eles saíram logo depois da bruxa. Não se preocupe. Eu sei me virar. — fala a vampira enquanto corta um pedaço de carne suína no prato e leva o naco suculento à boca. — É uma pena que Tracius seja tão saboroso. Eu gostava dele.

Mefisto se levanta da mesa de jantar, anda irritado de um lado a outro no quarto.

— Aquele porquinho maldito, acredita que ele me jurou que não sabia como Lúcifer escapou? Disse que quando chegou, ele simplesmente tinha sumido.

— E você não acredita nele? — fala Lucy limpando os lábios com o guardanapo de tecido branco.

— Eu fui até lá. Vi a cela de gelo!

— E o que encontrou? — questiona ela segurando a taça de vinho.

— As algemas estavam inteiras, as correntes não foram quebradas. Alguém abriu para ele. — conclui o demônio de grandes cornos curvados. — Eu sempre o deixo fraco, você tinha o torturado a apenas um dia, ele não teria forças para quebrar ou lutar.

Mefisto berra furioso gesticulando com os braços, a rainha dos condenados bebe mais um pouco de vinho e se vira devagar ao esposo, passa por ele indo para a cama.

— Bom, de qualquer maneira, agora Tracius não pode confessar nada. Pobre demônio, ele nunca foi muito inteligente. Já seu irmão, bem... ele pode ter feito alguma promessa ao cabeça suína. Ele tolamente acreditou.

Mefisto mira a esposa que tira o roupão de seda e deita-se na cama. Ela solta as tranças da densa cabeleira negra e o demônio admira suas formas. Sorri enquanto se aproxima e beija os pés da mulher de pele clara.

— Eu mataria se tivessem te machucado. — sussurra enquanto acaricia suas pernas.

— É mesmo?

— Duvida?

Ela suspira em resposta.

— Lembra-se de quando se mostrou a mim? Na manhã que Vlad tentava me tomar?

— Sim. Melhor manhã de todas, quando eu a tive em meus braços, finalmente. — Ele fala de forma oscilante, ocupado nas carícias.

— As pessoas gritavam lá fora, os romenos do vilarejo de Valahia. Era o seu primeiro ataque em terra.

O demônio para, apreensivo.

— Isso lhe incomodou? Tem pena dos primatas?

— Pelo contrário. Tudo o que conheci, pela vila, pelo meu pai, Vlad e tantos outros do vilarejo... — Ela se vira, quase como se lamentasse as memórias. — A humanidade é horrenda, eles merecem tudo isso, só estou fazendo justiça para o que são.

Mefisto fica satisfeito com as respostas e volta os lábios novamente para o corpo dela.

— Não se preocupe, meu amor. Logo iremos destruir a Aliança, Marcos tomará os refúgios, os vermelhos vão perecer em questão de tempo... tudo será amaldiçoado e perfeito.

Finalmente Mefisto chegara com os lábios no rosto da mulher, eles se beijam com o demônio segurando as mãos dela no alto da cabeça.

 

 

 

 

São Paulo

 

O corvo voa com dificuldades, as asas mal se mantêm erguidas e um dos olhos está vermelho. Seu dorso sem algumas penas exibe um corte feito pelas garras da vampira, e a pata esquerda carrega um único fio de cabelo negro e longo. Fora um dia e uma noite de viagem, em meio as dificuldades de se manter no ar, a falta d’água e os infinitos destroços de tantas cidades reduzidas aos ossos. A ave avista o refúgio no meio do nevoeiro de poluentes em suspensão, o cinza vai ganhando forma e finalmente Aradia chega ao seu destino. Assim que entra no refúgio por uma estreita abertura ela plana até próximo ao chão, as inúmeras penas disformes vão se realinhando rapidamente até a mulher aparecer no meio da densa fumaça negra. Ela rola ainda alguns metros no chão até finalmente parar, exausta, sangrando.

Dimitri avista a transformação da mulher, corre até ela que balbucia com os olhos perdendo o foco. Ele se abaixa para ela que fecha os olhos devagar até finalizar a visão nos dois pontos cinzas dele. Horas se passam, ela não sente nada, até finalmente algo arder sua pele no peito e agarrar a mão do que a agride. Aradia desperta pronta para qualquer luta, mas é a mão de Dimitri que segurava um tecido embebido de álcool e limpava o seu ferimento.

— Me desculpe. — fala ela, notando que ele enfaixou sua perna e outro ferimento no braço também.

Ele franze a sobrancelhas e acena com a cabeça em afirmação. Volta a limpar o ferimento enquanto ela analisa os cabelos curtos e pontudos cor de chumbo. O barulho da fita adesiva corta o silêncio para finalmente fixar o curativo. Ela se lembra do fio de cabelo, se move rapidamente murmurando.

— Não... eu não posso ter perdido...

A mão de Dimitri a empurra com força para a cama, como se mandasse que ela descansasse. Ela se irrita com o gesto, ele eleva o indicador e aponta para o espelho lateral, o longo fio de cabelo está enrolado no lugar. Ela observa, então ouve ele tirar ruidosamente as luvas látex deixando o talco pairar no ar, joga as duas na bacia com os restos de sangue, linha de costura, agulha e outros materiais de enfermagem.

— Você está melhor? — questiona Henrique na porta.

— Eu... sim, estou. Faz tempo que estou aqui?

— Apagou o dia todo.

Aradia observa Dimitri se levantar e sair do lugar rapidamente que passa por Henrique.

— Ele é o nosso melhor enfermeiro. — Henrique se aproxima colocando uma cadeira ao pé da cama e senta-se. — Ficou tanto tempo nos laboratórios da Aliança que eu não duvidaria que ele saiba suturar melhor que um médico.

— É por isso que ele é tão quieto?

— Não faço ideia. Ele e o irmão não falam muito do que aconteceu lá. — Henrique se curva para ela. — Como foi?

Ela para um instante em silêncio.

— Ela se regenerou com a espada. Acho que somente a Cimitarra ou a espada do anjo podem...

— Onde eles estão?

Ela franze o cenho, ele nota, baixa a cabeça, depois se levanta de uma vez, deixando a cadeira cair atrás de si. Olha para as paredes metálicas cheias de rebites e partes reaproveitadas, tentando digerir todas as notícias. O refúgio no Ceará, a vampira pode saber onde eles estão, e agora, a Liga dos Assassinos. Pouco a pouco, tudo parece ruir, devorados, mortos e todas as formas possíveis de tortura.

— Precisamos de outra forma, alguma outra maneira de escapar deles. — Henrique caminha de um lado a outro. — Temos que focar, arrumar uma forma de pegar essa espada, além que possa...

— Henrique, precisamos de aliados. — fala ela se apoiando na cama improvisada, a dor a faz descobrir que a mão está enfaixada também.

— O refúgio do Paraná já se foi a meses, eu não sei mais a quem recorrer!

Eles param e de repente quando o silêncio é rasgado pelo alarme sonoro e sons de tiros. Dominique entra esbaforido no quarto.

— Os Caveiras!!!

 


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