My idiot Lovecome, not exactly as i expected escrita por NewtAtysuka


Capítulo 3
O périgo que são as garotas gentis




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Depois de alugar o livro e prometer a Teresa que voltaria em breve para uma longa conversa, saí da biblioteca agradecendo por não estar mais naquela situação tensa.

Que garota estranha…

Por um momento me perguntei se veria ela novamente. Estudamos na mesma escola, mas se nossas salas fossem de blocos diferentes, dificilmente nos veríamos tão cotidianamente. Eu faço questão de passar o mínimo de tempo possível na escola. Depois que acabam as aulas eu rapidamente ia embora. Não saberia sequer dizer se aquela garota estudava no colégio no semestre anterior.

Não… não estudava. Ela com certeza teria me chamado a atenção pelo menos uma vez se estivéssemos estudando na mesma escola por 5 meses.

Ainda estava parado em frente à entrada.

Qual é o meu problema?! Ainda pensando nela?!

Me ocorreu uma possibilidade. E se ela saísse naquele momento e acabássemos nos encontrando e andando juntos até o colégio.

Nem ferrando!

Num impulso, atravessei a rua rapidamente como se estivesse sendo perseguido. Naquele mesmo momento um carro que passava vagarosamente buzinou em resposta a minha imprudência. Me assustei e saltei para a calçada, meu pé escorregou no acostamento, e tentei evitar uma queda em movimentos tão graciosos quanto os de um dançarino de balé em meio a um ataque epilético.

Por uma obra prima complexa pintada pela tinta de aleatoriedades momentâneas, consegui cair em pé no outro lado da calçada, quase batendo contra a grade de uma casa. Respirei profundamente na tentativa de me recuperar da experiencia de “pseudo quase morte”.

Em um movimento involuntário acabei olhando rapidamente para trás, procurando por possíveis espectadores do meu incrível exemplo de “fuga da biblioteca”.

Para o meu desespero, havia sim alguém ali.

Era mais uma garota. Ela estava no fim da rua e usava o uniforme da escola, olhando atentamente para uma grande folha de papel.

Em um movimento que representou todo o meu árduo treinamento de sobrevivência em ambientes sociais complicados, puxei do bolso o celular e olhei para o outro lado, fingindo estar escrevendo alguma mensagem de texto.

Esse é uma ótima técnica para esconder a vergonha, mas o problema em si não se resolvia. Eu havia passado muito tempo sem chamar a atenção, aquilo passava dos limites. Eu corri da entrada de uma biblioteca, quase fui atropelado por um carro a incríveis 3 km/h, e por fim dei um show de salto ornamental. Se aquela garota tivesse visto aquilo e fosse minimamente popular, ela com certeza faria questão de repassar minha história com uma generosa pitada de exagero, e talvez eu virasse uma piada.

Que desastre! O quão ridículo eu havia sido em míseros 3 segundos?!

Olhei para a garota de canto de olho. Ela andava hesitante, dando alguns passos, parando e voltando, de costas, ao ponto de partida. Olhava para os lados, indecisa. Parecia perdida, e, mais importante, não parecia ter me notado de tão apreensivamente que girava o papel em suas mãos.

Um impulso de ajuda-la nasceu, e recém-nascido foi morto pelo meu desejo de não falar com mais ninguém pelo resto daquele dia. A garota da biblioteca já havia sido o suficiente para mim, preferia voltar para casa do que lidar com outra garota esquisita….

Eu chamando uma garota de esquisita? Parece que o jogo virou.

Comecei a caminhar calmamente para o colégio, quando o universo decidiu que eu não iria escapar tão fácil.

— Com licença… — Chamou uma voz suave e feminina, logo atrás de mim.

Será que ainda dá tempo de fingir que sou surdo?

O pensamento sumiu tão rápido quanto surgiu; havia limite para estupidez.

— Oi? …

Quando me virei, deparei-me com a garota perdida. Ela era um pouco mais baixa que eu, então era difícil desviar os olhos dos dela, que pareciam insistir em seguir os meus. Já vi várias garotas fazerem aquilo, mas não comigo.

— Esse é o uniforme do Colégio, não é?

Como só existe um colégio nesse distrito, tive que balançar a cabeça, concordando.

Ela não parece reconhecer o uniforme masculino com muita confiança… deve ser novata. Isso explica ela estar perdida.

— Bem… então você está indo para o colégio agora, não é mesmo?

— Não, eu pretendo ir a um lugar antes — Uma desculpa bem colocada — Você parece perdida, quer que eu mostre o caminho para chegar lá? — Seguida da solução do problema. Uma técnica perfeita para sair daquela situação.

— Sim, claro. Eu sou meio distraída. Acabei errando o caminho em algum lugar e não faço ideia de onde estou… — Ela riu de si mesma, meio envergonhada.

— Já tentou usar o GPS do seu celular?                                          

Pela primeira vez ela parou de olhar para mim e fitou seus pés dando passos nervosos para trás.

— Humm… não… é-que-tipo… ele descarregou, sabe?

Supeito…

— Então… nesse caso… — Respondi, tentando não externar minha suspeita.

Estendi a mão, esperando que ela me mostrasse o mapa pelo qual estava se guiando até ali. Mas, ao invés de me entregar, ela enfiou o papel de qualquer jeito na bolsa

Muito suspeito…

— Acho que não precisa disso… o Colégio fica aqui perto, não é?

— Sim… é só seguir essa rua que você vai eventualmente ver a construção na esquerda.

— Entendi…

Ela deu alguns passos para a frente virou sorrindo e acenou para mim.

— Obrigada. Talvez a gente se veja mais tarde…

Nem a pau. Faço questão de me esconder na sala de aula.

— Você ainda está aqui… — Falou uma voz recém conhecida, logo atrás de mim.

Que merda que tem de errado com o dia de hoje?

Quando me virei “adivinha!” lá estava a garota da biblioteca. Para minha sorte, o comentário não parecia estar necessariamente direcionado a mim, sendo mais apropriado à uma reflexão pessoal que escapou do âmbito de pensamentos. Pois, ela passou ao meu lado como se eu não existisse e continuo seu caminho.

— Espere, você está indo ao Colégio? — Perguntou a garota perdida.

A da biblioteca parou.

— Vou sim.

— Posso ir com você?

Ela ainda está com medo de se perder?

— Claro. Não faz diferença.

Animadamente, a garota perdida se aproximou de sua colega, sinalizando que não entendera o sentido claramente literal daquela resposta.

— Mas temos que nos apressar, faltam apenas 4 minutos para chegarmos até a escola.

A garota perdida parou e olhou para mim, assustada.

Não pode ser…

Abri a tela do celular…

Faltavam pouco mais de 3 minutos para os portões do colégio fecharem.

Não disse nada, apenas comecei a caminhar apressadamente.

— Você não tinha que ir a outro lugar?

— Acho que não tenho outra opção — respondi.

Chegar depois do portão fechar me impediria de assistir as aulas do dia, o que não seria muito bom para um aluno bolsista. Dane-se se vou voltar com essas duas, e que os garotos do colégio não vão deixar de notar esse detalhe, perder a bolsa por falta era pior ainda.

Para minha sorte a garota perdida estava levemente mais interessada naquela outra do que em mim, então, mesmo estando nós três quase correndo para a colégio, ela esqueceu da minha presença e animadamente lançou perguntas para a recém-chegada.

— Ei, qual o seu nome?

— …

— Olá? — Insistiu a garota perdida.

— Falou comigo?

— Sim.

— Desculpa, não imaginei que conversar estava incluso em “ir com você”

Nossa!…

— Meu nome é Helen, obrigado por perguntar — Acrescentou ela.

Estranhamente, aquele tom sem segundas intenções acompanhava as frases que aparentavam arrogância, como se fossem proferidas da mesma forma que comentários cotidianos. Comentários do tipo “o dia está ensolarado” ou “o café está amargo”, que não pareciam carregar segundas intenções, servindo apenas de constatação quanto a fatos inegáveis.

— Sou Ester, prazer… então, em que… — Respondeu a perdida/Ester, sorrindo de forma extremamente convidativa.

— Parece que chegamos — Cortou Helen.

Atravessamos o portão de ferro, entrando no colégio. Isso me acalmou, pois, estando lá teria mais 20 minutos antes da aula começar. Comecei a apressar o passo e me afastar das duas. Ou melhor, pensei estar me afastando, mas elas estavam seguindo o mesmo caminho que eu, caminhando logo atrás de mim.

Um pensamento terrível me ocorreu.

— Helen, você é uma aluna novata aqui? Do segundo ano? — Perguntou Ester.

— Sim…

Sai por um corredor na minha esquerda.

Por favor, não venham por aqui…

Elas foram…

— Eu também! Então provavelmente estamos na mesma sala, não é mesmo?

— Provavelmente…

Não subam essas escadas…

Elas subiram.

— Isso é bem legal, não é?

— …

Eu parei em frente à minha sala, Bloco T, sala 23.

Deus, faça elas passarem reto…

Elas pararam logo atrás de mim.

— Ei, você tem mania de parar nos lugares assim? Está relacionado a algum TOC ou problema psicológico? — Perguntou Helen.

— A sala de vocês… é aqui?

— Eu estaria esperando você entrar se não fosse? — Respondeu Helen

— Bem… — Acrescentou Ester — Essa é a T-23 não é?

— Sim…

— Nossa… nós três estamos na mesma sala! Que engraçado, não? — Comentou Ester

Antes que aquela conversa prosseguisse, me afastei da porta e comecei a seguir o corredor. Sem ligar para isso Helen tomou a minha posição, abriu a porta e entrou. Ester por outro lado, tentou me alcançar.

— Ei, o que foi? Você não ia entrar?

Acabei me virando para ela, impressionado. Hoje em dia, poucas pessoas falam comigo em um tom tão confortável. Ela falou comigo com naturalidade, não como as pessoas que falam por obrigação.

Aproveitei o momento, e olhei para ela pela trigésima vez naquele dia, mas pela primeira vez a vi de fato. Seus cabelos eram completamente negros, muito bem cuidados, que chegavam até um pouco abaixo da altura dos ombros e levemente ondulados. Eles estavam arrumados em um meio coque que puxava as mechas da franja para traz formando uma trança, apenas o suficiente para deixar os olhos livres. Estes, seus olhos, eram azuis, tão claro que pareciam cinzas.

Ela me olhava, esperando a minha resposta.

— Tenho que ir na Coordenação. Resolver algumas coisas.

— A entendo… — Respondeu ela meio desanimada.

E então abriu um sorriso tão deslumbrante quanto inesperado.

Já observei muitas pessoas no meu dia a dia, e, da parte dos meus colegas, já vi sorrisos serem usados nas mais diversas situações na qual visavam preencher protocolos de convívio social. Ou seja, eram sorrisos vazios e completamente funcionais, que não serviam de fato para externar emoções, e sim, apenas fingi-las de forma conveniente, agradar, ou fazer o que o meio social exige. O sorriso das pessoas é quase sempre assim, uma ferramenta útil.

Mas aquele não. Aquele foi um sorriso genuíno.

— Nesse caso, muito obrigada. Seria meu fim se eu não houvesse encontrado você.

Ela fez menção de se virar mas hesitou.

— Você parece tão para baixo…. Tomara que se anime…

Ela acenou para mim energeticamente.

— Até maaaiss.

Levantei a mão e respondi em voz baixa:

— Até…

Dei as costas e continuei a caminhar pelo corredor. Colocando as mãos nos bolsos em um indício de nervosismo.

Que perigo…

Com certeza, uma dentre as coisas de que tenho mais medo é de garotas gentis.

Para dar um tempo antes de entrar naquela sala, caminhei pelo bloco T, dando uma volta por ele. Como era de se esperar não haviam muitas pessoas por ali, o que me deu alguns minutos de reflexão.

O que foi isso agora?

Aquela garota… será que ela havia realmente se preocupado comigo, ou foi mais um daqueles comentários por obrigação? Bem… tenho que me lembrar de que, apesar do mundo tentar me convencer do contrário, ainda existem pessoas altruístas por aí, tão raros quanto adolescentes sem celular, mas existem.

Me encostei na parede do corredor.

Ela simplesmente percebeu esse meu olhar morto e meu silêncio forçado, além de desviar os olhos dela sempre…. Então qualquer pessoa pensaria que estou para baixo, pois era como se esse sentimento estivesse estampado no meu rosto. O que ela disse não foi fruto de empatia, foi simplesmente algo óbvio que, diferente dela, as outras pessoas do meu cotidiano ignoram.

Desencostei da parede e comecei a voltar para a sala.

Mas infelizmente ela se enganou, esse meu momento já passou faz algum tempo. Já passou da minha época de ficar triste, de me preocupar com aqueles dramas de adolescente, de sentir raiva, tristeza ou decepção…

Cheguei até a porta da sala, abrindo-a. Lá dentro, a sala estava separadas em grupinhos que conversavam alegremente. Três garotas cercavam a cadeira de Ester, conversando com ela. Não parecia ter percebido que eu entrei, então desviei o olhar, tentando não chamar a atenção e sentei na minha mesa.

… na verdade, apesar de não sentir aqueles “sentimentos ruins”, eu não andaria por aí com olhos mortos e não seria uma presença tão depressiva se minha vida fosse um mar de rosas. Eu não me sinto mal, ok, mas também estou longe de me sentir bem. Gosto de como sou e gosto de quem decidi ser. Não pretendo mudar. As pessoas são capazes de me fazer mal, então se tirarmos elas do jogo, óbvio que não vou me decepcionar novamente, e não vou ter razões para me entristecer.

Sendo assim, eu não posso estar triste, não é? Não existe ninguém capaz de me deixar triste, pois não ligo nem um pouco para essas pessoas.

Mas… talvez isso seja minha própria ruina…

Todos os dias, indo ao colégio, ficando no colégio e voltando do colégio. Durmo, e repito o processo incessantemente. Nas férias, trabalhei. Sempre a mesma coisa, repetindo o mesmo ciclo sem emoção.

O mundo não só perdeu a cor, como está cinza. Não consigo distinguir nem mesmo entre o que é negro e o que é branco; tudo é cinza.

Eu me desespero, e quando me desespero lembro das poucas coisas que me mantêm são, aqueles em casa esperando por mim.

Sei que poderia mudar, mas já caminhei tanto assim, que não me sinto capaz disso. Para qualquer pessoa, eu sou um caladão antissocial.

Mas, principalmente, porque enquanto tudo para mim for cinza eu não verei mais o negro. Eu já me quebrei uma vez, na verdade, ainda estou um pouco quebrado. Confiar mais uma vez seria um erro, uma falha de lógica que me custaria muito.

De qualquer forma, a questão é que “você parece pra baixo” não é uma expressão muito precisa. O correto seria:

Eu pareço vazio…


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