Através da janela escrita por LC_Pena, Indignado Secreto de Natal


Capítulo 4
IV




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No fim das contas, Rony era tão atlético quanto a irmã, mas enquanto a atacante de cotovelos ossudos era muito boa no corpo a corpo, ele ficava melhor defendendo seu gol mesmo.

Ginny usou um golpe sujo e passou na frente para atender a porta e, de bônus, se jogar nos braços do irmão mais velho, que tinha acabado de chegar de viagem.

— BILL! OH, MEU DEUS, EU NEM ACREDITO! —A garota gritou, enquanto Rony ainda massageava a pobre costela agredida na disputa com a selvagem da irmã. Ele nem se atreveria a informá-la de que não precisava gritar no ouvido de ninguém.

Bill aceitou a demonstração de carinho exagerada com uma dignidade invejável e assim que terminou o abraço de urso com a sua irmã caçula, partiu para abraçar o outro irmão.

— Ainda está com cheiro de frango, Rony, do jeitinho que eu me lembrava! — O homem de barba por fazer e cabelos ruivos compridos falou, divertido.

— Certos hábitos nunca mudam! — O adolescente olhou para o irmão, checando como ele estava, agora que já tinham se cumprimentado. — Diferente de sua aparência… Gostei da barba!

— Ah, isso? Não tive tempo de me barbear entre uma conexão e outra, esperava chegar antes da mamãe me ver assim… Ela está em casa? — Não importava o quanto os garotos Weasley crescessem, nenhum deles estava imune a um discurso sobre desleixo e responsabilidades, Bill sabia bem disso, então queria evitar a situação a todo custo.

— Ei, mané, não está esquecendo de uma coisa não? — Ginny apontou para a figura tímida atrás dos ombros largos do irmão, que a encarou surpreso.

— Caramba, me esqueci completamente! Meninos, essa é Fleur Delacour, minha noiva. — Bill puxou para o campo de visão dos irmãos o ser humano mais bonito que já havia pisado na face da Terra.

Na opinião de Rony, claro.

— Prazer em conhecê-la, Fleur! Eu sou Ginny, mas isso você já sabe, de todas as vezes que eu comentei nas fotos de vocês dois no Instagram — A menina disse um pouco constrangida, mas se sentiu melhor ao ver a cara de idiota do irmão ao seu lado. — E esse é Ronald, diz “olá”, garoto!

Lolar! Err… Quero dizer…. — O garoto coçou a cabeça com desconforto. — Oi.

— Credo… — Ginny falou baixinho, mas alto o suficiente para os dois rapazes parados como postes no hall de entrada ouvirem. Fleur apenas sorriu simpática, ainda parecendo bonita demais para ser real. — Vem comigo, Fleur, vou mostrar onde você vai dormir, os garotos cuidam das malas depois.

— Leva ela para o meu quarto, Ginny! — Bill exigiu, mas recebeu um olhar irônico por cima dos ombros.

— Você não tem mais quarto aqui, querido, Rony assumiu o seu, lembra? — A garota falou já no andar de cima, fazendo Bill encarar o usurpador de quartos com uma cara feia.

Rony devolveu o olhar do irmão com inocência.

— O quê? Você queria que eu continuasse dormindo no sótão para sempre? — O garoto disse, indo para a cozinha, finalmente lavando as mãos de frango na pia. Bill o seguiu. — A propósito, mamãe já dividiu os cômodos da casa para o feriado, a lista tá colada na geladeira.

Bill revirou os olhos para as costas do irmão caçula, porque aquilo era um absurdo, ele era um homem adulto, tinha que ter o direito de ter um quarto só para ele e sua noiva!

Devia ter levado Fleur para um hotel!

— Eu vou dividir um quarto com Percy? Qual foi meu crime dessa vez? — A indignação era palpável, mas a surpresa com a aparição do aludido deixou o arqueólogo mudo.

— Também senti sua falta, William. — Percy ofereceu a mão para o irmão mais velho, que cortou as formalidades e o puxou para um abraço.

— Percy! Senti saudades de verdade, acredite, mas não o suficiente para querer dividir um quarto com você! — Respondeu risonho, dando passagem para o outro ver a arrumação feita pela mãe esse ano.

— Ronald vai ficar sozinho, como isso é possível? — O assessor do prefeito olhou o irmão mais novo com indignação, mas o garoto já estava verificando suas mensagens no celular, distraído.

— Rony, Percy está falando! Por que você vai ganhar um quarto só para você enquanto o resto de nós terá que se amontoar uns por cima dos outros, como selvagens? — O secundarista até olhou para cima, porque, pelo drama, achou que era Percy quem estava choramingando.

Pausou a rolagem do feed de mensagens e encarou os dois irmãos mais velhos, de braços cruzados, parecendo muito indignados com as decisões que tinham sido de Molly Weasley, para início de conversa!

— Eu serei o responsável por tomar conta dos presentes!— Falou, indignado e nenhuma vivalma foi capaz de contestar a decisão materna depois dessa informação. — O que? O que disse, Bill? Você quer tomar meu lugar? Não? E você, Percy? Quer ser o guardião dos presentes?

Os dois homens resmungaram qualquer coisa, Bill disfarçou e foi abrir a geladeira, já Percy fingiu que o celular estava tocando e foi atender o telefonema na varanda.

— Foi o que eu pensei. — Rony concluiu satisfeito, porque sabia que receber essa honra duvidosa era alguma espécie de castigo passivo-agressivo dado pela mãe, embora ele não tivesse feito nada para merecer isso.

Ainda.

A questão dos presentes era muito simples, de acordo com o raciocínio maluco de Ginny: Weasleys e Prewetts - adicionados à história mais recentemente - descendiam de bárbaros, então qualquer chance de ser incivilizados que tinham, aproveitavam.

A casa estaria cheia de ruivos sardentos, cheios de curiosidade e dedinhos buliçosos, como diria seu pai, então, todo ano, desde que a garota podia lembrar, alguém precisava ficar encarregado de que os presentes de Natal continuassem secretos até a manhã do dia 25 de dezembro.

Haviam ocorrido muitas brigas, socos, pontapés e choros até que Molly e Arthur Weasley instaurassem o cargo de guardião dos presentes, mas agora que haviam feito - e milagrosamente havia dado certo por dez anos - essa tinha se tornado uma daquelas tradições natalinas que ninguém conseguia abrir mão, ainda que fosse estapafúrdia.

Esse ano seria a vez de Charlie assumir o posto, mas já que o irmão não pôde vir - de novo - Rony havia aceitado a nobre incumbência de proteger a magia do Natal, com a simples condição de que mantivesse seu quarto só para si.

Era uma recompensa justa, afinal teria que lidar com as mentes mais ardilosas e engajadas daquele lado do país! Estava ciente que não teria um segundo de paz nesse feriadão, mas ao menos poderia passar com algum conforto, em sua própria cama.

Sorriu, menos indignado com a cara de pau dos irmãos covardes, ao ver quem acabara de dar um jeito de descobrir seu número de telefone:

+44 (0) 7700813426 ~ P. Parking ♤

Eu não lembrava que seu irmão mais velho era tão gostoso!!!

Mentira, lembrava sim

Dei em cima dele no último verão

Gostoso do caralho

Rony riu das figurinhas meio obscenas enviadas por Pansy. Salvou as favoritas antes de respondê-la, se fingindo de desentendido.

Desculpe, mas como conseguiu esse número? Quem está falando?

+44 (0) 7700813426 ~ P. Parking ♤

Deixa de palhaçada!

Quer dizer que aquela modelo de biquíni é a sua nova cunhada? Olha

Eu fazia ela também

Fazia o que? Eu

QUE

NOSSA

+44 (0) 7700813426 ~ P. Parking ♤

Os gêmeos chegaram, fazia esses dois também

A campainha tocou e Rony tentou normalizar sua cara depois de Pansy Parkinson ter insinuado que transaria com praticamente todos os membros de sua família!

Ironicamente, menos com ele, que estava ali bastante disponível.

Abriu a porta e deu de cara com malas e mais nada. Os gêmeos haviam sumido de vista e Rony até poderia deixar as bagagens - provavelmente cheias de roupa suja - do lado de fora, mas aí ele poderia se tornar alvo de alguma brincadeira sem graça de Fred e George depois.

Resolveu que cairia nesse velho truque dos gêmeos de fugir do trabalho dessa vez, mas não levaria as bagagens escada acima! Precisava manter alguma dignidade.

Carregaria uma mala de cada vez, sem tocar nas alças, que com certeza deviam ter alguma cola ou algo nojento em baixo e só, o resto era com eles.

Se abraçou a primeira bagagem e o cheiro forte denunciou a merda que tinha acontecido. Respirou fundo, antes de se dirigir aos irmãos, onde quer que eles estivessem enfiados.

— Sério, caras? Vocês sujaram a própria mala de graxa? — Rony perguntou para o nada, sem acreditar no quanto seus irmãos eram sem noção. Jogou a mala de qualquer jeito no chão, olhando para a grande mancha preta em seu moletom. — Foda-se, eu não vou…

A porta bateu, o deixando do lado de fora. Rony riu de si mesmo, com sarcasmo, chutando uma das bagagens para longe, para conseguir sentar no primeiro degrau da escada.

Estava trancado para fora de casa, sem chaves e sem um casaco adequado, que beleza.

— Vou esperar Arthur e Molly chegarem do mercado em pleno Natal ou ficarei aqui e congelarei até a morte, o que vier primeiro. — Deu de ombros, sem se abalar com as possibilidades horríveis, a essa altura todos os irmãos já deviam estar avisados da brincadeira e não iriam deixá-lo entrar de volta de jeito nenhum.

E o que tinha de mais? Era apenas um dos dias mais frios do ano e tudo que vestia era um conjunto de moletom velho, sujo de graxa e um par de tênis que já tinham visto dias melhores.

E daí se ele morresse de hipotermia antes de comer a ceia de Natal? Tudo maravilhoso, contanto que Fred e George se divertissem muito!

Pegou o celular do bolso e resolveu mandar uma mensagem para a vizinha querida e bastante conhecida por ser simpática e gentil, claro!

Riu do próprio sarcasmo descabido.

Alguma chance de você me deixar entrar na sua casa e me convidar para um chocolate quente? Os gêmeos me trancaram do lado de fora.

+44 (0) 7700813426 ~ P. Parking ♤

Por que você não pega seu carro e enfia no rabo deles? A porta abre rapidinho

Saí sem as chaves

+44 (0) 7700813426 ~ P. Parking ♤

Nesse caso, pode vir

Rony ficou mais alguns minutos preciosos tentando interpretar se aquilo era realmente um convite ou se ela estava apenas sendo… Sarcástica?

Com Pansy Parkinson, até o bom dia podia ser sarcasmo, então o garoto realmente se sentiu em uma encruzilhada.

Bem, o máximo que ela poderia fazer era fechar a porta na sua cara, certo? E, frio por frio, o da sua porta com certeza era igual o da dela.

Se levantou e espanou da calça o vestígio de neve que já havia se acumulado na escada, desde que sua mãe o havia obrigado a limpar mais cedo.

Tocou a campainha granfina da casa de Pansy, já soprando as mãos na tentativa inútil de aquecê-las e assim que a garota abriu a porta, foi se enfiando no hall grandioso, bem diferente do da sua casa, sem pedir licença.

— Uau! — Parou de aquecer as mãos, porque aquilo sim era uma entrada chique e merecia ser apreciada devidamente.

— Uau do tipo “Nossa, que pedantes!” ou do tipo “Por que alguém iria querer viver em uma casa de revista”? — Pansy perguntou, já se encaminhando para o andar de cima, sem nem se oferecer para mostrar o resto da casa.

Rony a seguiu, sem saber muito bem o que fazer naquelas circunstâncias. A garota subiu pela grande escada de madeira nobre, que valorizava o pé direito alto do hall, sem dizer mais nada.

— Definitivamente o uau, que pedantes. — O garoto respondeu divertido, recebendo de Pansy um olhar travesso por cima do ombro.

Aparentemente tinha acertado na resposta.

A anfitriã continuou em silêncio e seus pés descalços também não faziam barulho algum no piso chique do primeiro andar. Rony se sentiu subitamente autoconsciente, seus tênis molhados da neve tinham um ranger pavoroso, em comparação.

Estava enlameando o santuário dos Parkinson exatamente como o ogro que Ginny o acusava de ser!

— Pansy, você por acaso não saberia dizer onde eu posso encontrar um esfregão para… — Dessa vez a garota se virou totalmente, com uma sobrancelha levantada. Rony ficou ainda mais intimidado. — O chão, ele…

— Dane-se o chão! Vem cá, quero te mostrar uma coisa. — Ela havia andado só mais um par de passos, até parar em frente a uma porta clara, com um adesivo de um letreiro luminoso de Las vegas, em preto e branco, dizendo:

Bem-vindo ao quarto dos jogos!

O que acontece aqui, fica aqui.

O garoto olhou impressionado para a decoração.

— Não acredito que seus pais deixaram você colar isso na porta do seu quarto! — Ele falou ainda em tom de reverência, mas Pansy apenas lhe deu um sorriso ladino. — Minha mãe me faria pintar a porta de todos os quartos, se eu fizesse algo assim!

— Seus pais não te deixam decorar seu próprio quarto? — Iria começar a ficar com pena de Ronald Weasley, mas o garoto a olhou fazendo careta.

Ele fazia caretas demais para seu gosto, a adolescente notou.

— Não na parte de fora, mas na de dentro a gente pode colar o que quiser, inclusive levei semanas para conseguir tirar todos os pôsteres velhos de Bill das paredes do meu quarto! — Rony contou e se obrigou a complementar a história, já que a garota não parecia ter entendido. — Eu herdei o quarto dele, quando ele foi para a faculdade.

—Sua família é daquelas que todo mundo vai herdando as coisas até o último dos irmãos? — Havia uma dose de deboche, mas Rony detectou curiosidade também.

Aparentemente Pansy Parkinson tinha um certo fascínio sobre a vida da grande e bagunçada família Weasley.

Interessante…

— De certa forma. Já foi mais difícil quando éramos todos crianças, porque era só o salário do nosso pai, mas agora… — Rony deu de ombros, porque não era uma matemática difícil de se fazer.— As coisas são melhores quando você só tem que sustentar dois filhos, ao invés de sete.

— Mas eles ainda pagam a faculdade dos gêmeos, não é? — A garota perguntou realmente interessada. Isso era tão estranho, o que tinha de tão curioso nisso? Rony ainda estava tentando entender de onde vinha todo esse interesse de Pansy.

Será que a carta tinha mexido tanto assim com ela?

— Tio Bilius paga, na verdade. — Resolveu responder a pergunta logo de uma vez, sem constrangimento, para surpresa de Pansy. — Ele é meu padrinho, mas os gêmeos sempre foram seus favoritos, porque eles têm o mesmo humor retorcido dele.

— Seu tio paga a faculdade de seus irmãos e tudo bem para vocês? — A garota não iria falar em voz alta, mas aquilo era meio… Patético. Depender de parentes distantes para pagar suas próprias contas teria mortificado seus pais, com certeza.

— Tio Bilius é um comediante famoso na América, nunca casou e gosta o suficiente da gente para ajudar. — A ideia ainda parecia descabida para Pansy, mas Rony parecia não ter percebido o julgamento da garota. — Mas e então? Vai me deixar finalmente ver seu quarto ou não? Tenho certeza que minha visão da janela não faz jus ao espaço!

— Pelo amor de Deus, garoto, não faça disso algo mais bizarro do que já é! — Ela falou revirando os olhos, finalmente abrindo a porta. — Provavelmente estou colaborando com sua obsessão, mas vá em frente! Veja meu quarto por si mesmo, oh, assassino da machadinha!

Se fosse Ginny o acusando de ser praticamente um “Jack, o estripador”, ele teria respondido como deveria, mas se tratando da garota que ele secretamente espiou desde que se mudara para o antigo quarto de Bill…

Pansy tinha toda a razão em lhe infernizar por isso.

A princípio Rony não disse nada, ainda estava muito surpreso para falar alguma coisa. O quarto, se é que poderia chamá-lo assim, era enorme e tinha muita informação para ser absorvida.

— Eu não fazia a mínima ideia de que era tão grande, não dá nem para imaginar isso olhando pelo lado de fora! — O garoto falou deslumbrado.

— Você me espiona mesmo, acho que usei essas exatas palavras para elogiar Draco da primeira vez que transamos. — Ela riu da expressão de nojo do ruivo e apontou para o quadro de fotos. — Então, é esse lado aqui que você consegue ver da sua janela?

Ela havia apontado para as fotos, que ficavam logo acima da escrivaninha com seu computador e livros. Era onde Pansy passava a maior parte do tempo, se não estava aí, estava caminhando, de um lado para o outro do quarto.

Rony se aproximou da sua velha amiga, a janela de Pansy e ficou feliz de constatar que realmente mal dava para ver que havia uma janela na casa vizinha, por trás da gigantesca árvore, que dividia as duas propriedades, agora cheia de neve e cristais de gelo nos galhos secos.

— Isso é tão bizarro… Deve ser algum tipo de pegadinha física, tipo, “qual a distância exata entre um ponto paralelo a outro, onde um consegue ter uma visão clara do oposto e o outro fica com visão nenhuma?” — Ele propôs um enunciado sem sentido e depois olhou a garota com um sorriso simples.— Considere pi igual a 3,14.

Pansy se sentou no banco acoplado a janela, ficando em uma posição que ressaltava ainda mais a altura do seu vizinho, até pouco tempo atrás, completamente desconhecido para ela. Apontou para algo atrás dele.

Rony se virou para ver o que a garota estava mostrando e teve um vislumbre de um pedaço de seu jardim dos fundos, bem onde começava a porta do galpão de marcenaria velho de seu pai.

— Ah, então você tinha uma visão nossa esse tempo todo, não é? Bom saber. — Não era uma acusação real, mas Rony cruzou os braços e continuou encarando a garota, de cima para baixo, de cenho franzido.

Pansy esticou uma das pernas, apoiando o braço na outra, uma posição que fazia com bastante frequência quando estava sentada naquele banco estofado, com aparência de confortável.

— Me lembro de trazer minhas amigas para ver seus irmãos mais velhos sem camisa, tentando dar banho naqueles cães esquisitos que vocês tinham, qual era mesmo o nome daquele que se batia em tudo? — Ela perguntou, já rindo com a memória.

— Aquele era Errol, ele foi ficando meio cego mais para o final da vida. Depois veio Pig, um vira-lata hiperativo, então teve Hermes, o buldogue de Percy, que hoje mora com ele e Arnold, o poodle de Ginny, que morreu ano passado. — Ele falou saudoso, se encostando na parede. Pansy o olhou com uma dose de inveja bem disfarçada.

— Como se já não tivesse gente o bastante na casa… — Falou irônica, fazendo Rony rir do comentário.

— Isso porque eu não falei de Scabbers, o rato com a cauda cortada que eu herdei dos gêmeos ou do sapo sem nome ou do fantasma do sótão, que apelidamos de Ghoul… O sótão era onde eu dormia, a propósito.

— Claro que dormia, nada mais me surpreende vindo de você e da sua família. — Em outros tempos teria falado algo assim com veneno, mas de certa forma estava apenas sendo sincera. Rony sorriu para ela.

— E você? Não me lembro de vê-la andando por aí com algum cachorrinho de madame na bolsa. Seus pais não te deixavam ter um? — Ele perguntou, se abaixando até conseguir sentar no chão do quarto, abraçando os joelhos desleixadamente.

— Eles deixaram, mas eu teria que limpar a sujeira do bicho e eu me dei conta que mal podia limpar as minhas, então… — Ela não completou a frase, deixando o ambiente cair em um silêncio confortável.

Agora Rony analisava o teto clássico do lugar e os muito quadros de traços corridos e cores fortes, contrastando com as paredes claras que cercavam todo o quarto. Aquilo tinha um efeito interessante na decoração.

— Quem pintou esses quadros? — Ele se levantou até estar perto de um simples, era uma rosa branca esmagada por uma mão sangrando, por causa dos espinhos.

— Eu pintei.

— Não sabia que pintava…— Ele falou em um tom meditativo, partindo para analisar o próximo quadro. Pansy não estava olhando para ele agora, mas se pegou sorrindo mesmo assim.

Ele podia saber mais do que os outros, mas com certeza não sabia de tudo.

— O cavalete ficava ali, daquele lado. Eu não pinto mais, de toda forma. — Ela deu de ombros, ao voltar a se encostar no vão que emoldurava a janela.

— Por que não?

— Meu terapeuta indicou a pintura para melhorar meu mau humor, eu fiquei super empolgada e fiz vários quadros, me “expressei artisticamente”! — Ela fez um gesto teatral, mas Rony não conseguia ver seu rosto daquele ângulo. — Mas as tintas foram acabando e eu continuei problemática como sempre, então resolvi parar.

Ela havia dito como se não fosse nada demais, mas os quadros diziam outra coisa. Rony não entendia nada sobre arte, nem sequer saberia dizer se Pansy tinha ou não talento, mas obviamente as pinturas demandaram muito tempo e dedicação.

Era triste saber que ela havia desistido de algo tão legal quanto pintar, ele adoraria fazer alguma dessas atividades refinadas, tipo pintura ou fazer escultura de argila…

Mas suas mãos eram muito grandes e o corpo todo era bastante desengonçado, na verdade. Era melhor que fosse goleiro mesmo, esportes eram bons para o cérebro também, certo?

— Que pena que você não continuou. — Ele não quis pressioná-la, já bastava toda a intromissão com a carta, era um milagre que ela não tivesse ligado tanto para isso. Rony havia decidido que deixaria ela decidir o rumo e o ritmo da relação dos dois, em homenagem a esse presente dos deuses. — Mas… E esse unicórnio aqui? Nunca imaginei que você fosse uma garota de unicórnios.

Ele pegou a pelúcia que estava enfeitando a grande cama de princesa, com direito a dossel e cortina com renda e tudo mais. O bichinho tinha o pelo branco, crina e rabos multicoloridos e um chifre cheio de glitter dourado, que grudou nas suas mãos.

Rony mostrou a palma de longe, agora brilhante, porque finalmente Pansy tinha se virado no banco para encará-lo.

— Eu gosto de unicórnios da mesma maneira que Deadpool gosta.— Ela começou travessa e depois sorriu maliciosa. — E o uso da mesma maneira que o senhor Pool.

Rony a encarou por alguns segundos, até finalmente entender o tipo de coisa que aquela resposta implicava. Jogou o bicho de pelúcia na cama, ao som do riso de Pansy.

— Longe de mim julgar, mas há brinquedos próprios para esse tipo de coisa. — Ele também teve que se render a piada, rindo, mostrando as mãos brilhantes novamente. — E que provavelmente fazem bem menos bagunça.

Pansy parou de sorrir e então só ficou encarando aquela grande cara gentil dele. Ronald Weasley era um cara muito legal, legal demais para ser verdade. Ele franziu o cenho para a análise.

— O que? — Rony não conseguia se conter, odiava quando ficavam o olhando de um jeito que ele não entendia. Isso o fazia ficar pensando em milhares de coisas que poderiam estar inadequadas, tipo comida nos dentes, roupa pelo avesso ou…

Um moletom manchado de graxa, talvez?

Mas aparentemente não era nada disso, porque Pansy continuava sorrindo, dessa vez de um jeito que poderia assustar um cara com menos coragem.

— Hey, sabe o que estive pensando? Que tal se fizéssemos uma loucura? — Ela falou se levantando muito rápido, parecendo uma garota ansiosa pela chegada do papai Noel.

— Loucura tipo roubar um tigre albino do zoológico ou fazer uma tatuagem caseira com faca e fogo? — Rony perguntou divertido, disposto a ver aonde a garota queria ir com essa história.

— Não sei! Qual das duas coisas você estaria mais inclinado a fazer? — Ela perguntou com ironia, já segurando no pulso do garoto, o arrastando para fora do quarto.— Não importa, porque eu tive uma ideia incrível!

— Incrível como a invenção da lâmpada ou como a invenção da pólvora? — Dessa vez Rony estava apenas sendo irritante, acompanhando com facilidade o passo da sua “raptora”. Ela o ignorou completamente.

Pansy abriu uma grande porta de folha dupla, que encerrava o corredor do primeiro andar e Rony ficou deslumbrado pela segunda vez naquele dia.

Aquela deveria ser a suíte do casal, do senhor e da senhora Parkinson, no caso e essa deveria ser apenas a pior das transgressões que eles poderiam cometer naquela casa.

— Pansy, eu não acho que…

A garota não deu ouvidos, o arrastando para a primeira porta do ambiente, ignorando completamente a cama ainda maior do que a do quarto dela.

Rony estava começando a se perguntar se Pansy o via como uma espécie de eunuco, não era possível! Tinha certeza que ela o convidaria para transar na cama dos pais!

Teria dito não nas primeiras três investidas, mas depois iria se render muito docilmente àquela aventura, mas para seu azar, esse não era o plano da garota, com certeza.

Agora estavam em um closet enorme e cheio de coisas masculinas, então deveria ser o armário do pai de Pansy. Rony a olhou desconfiado.

— O que estamos fazendo aqui? — Questionou sem rodeios, mas a garota parecia muito comprometida a achar alguma coisa dentre as tantas roupas com aspecto de caras, penduradas nos cabides. — Pansy?

— Veste essa calça! — Ela entregou jeans escuros e Rony só pôde olhar com sua melhor cara de confusão genuína. — Você e meu pai devem ter quase a mesma altura, veste isso, anda!

Ela voltou a procurar mais coisas, dessa vez na seção de camisas. O garoto jogou a peça de roupa no banco de couro que tinha no meio do ambiente, coisa de gente rica, claro, depois voltou a encará-la.

— Eu poderia saber o que exatamente vamos fazer? — Ele perguntou, cruzando os braços e recebeu um olhar de irritação com a teimosia.

— Goyle conseguiu uns convites para uma festa chique lá na cidade vizinha, então eu e você vamos dar uma conferida, que tal? — Rony a olhou sem entender o ponto, mas ela revirou os olhos, com impaciência. — Seus irmãos te trancaram para fora de casa, o mínimo que você pode fazer é agradecê-los pela desculpa perfeita!

— Que tipo de festa começa assim, tão cedo? É tipo uma festa natalina de empresa? — Ele ainda não estava convencido, embora fosse tentador dar uma lição naqueles filhos da mãe que se diziam seus irmãos.

— É uma festa de gente chata, mas a bebida é boa e de graça!— Ela fez um falso brinde no ar, depois voltou a vasculhar as coisas do pai, agora estava atacando as gavetas.   — A gente vai fazer uma espécie de esquenta lá, depois a gente vai se mandar para o centro, ficar vadiando e essas coisas… Vamos, vai ser divertido!

Rony estava inseguro, andar com os amigos de Pansy era sempre um risco, mas uma mensagem no grupo “A Toca”, que participava junto com seus irmãos, decidiu por ele:

Faraó WW

Rony, onde foi que você se enfiou? Papai pediu para avisar que ficaram presos na fila do mercado, então é bom você trazer esse rabo sardento de volta para a casa nesse exato minuto, antes que eles cheguem

Os gêmeos me colocaram para fora de casa, Bill

Faraó WW

Eu sei, mas eu já abri a porta

Fleur ficou chateada

Pq tá frio

Mas nem tá tanto assim

Você ainda tem dedos, tá digitando muito bem

Arrumei coisa melhor para fazer

Quando mamãe perguntar, diga que eu morri

Congelado

E Fleur tinha razão

Colocou o celular de volta no bolso e sorriu com malícia para uma Pansy segurando três camisas escuras, uma parecendo mais cara que a outra.

— E então, “Roniquinho”?

— Ok, a gente vai, mas na hora que eu disser para a gente voltar, a gente volta, tá bom? — Ele avisou com bastante ênfase, porque era do tipo de pessoa que pegava um táxi, uber ou até mesmo ia a pé, mas não ficava em lugares que não queria.

— Fechado.


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Notas finais do capítulo

Esse enorme, eu sou muito inconstante, rsrsrs



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