Quanto mais o carro andava, mais era possível para Dulce ver todas aquelas árvores ocuparem grande espaço do céu. Nunca foi muito fã de natureza, mas ainda assim gostava de apreciar os pequenos detalhes quando estava de viagem, principalmente ambientações, cores e cheiros locais, os quais não estava muito acostumada.

Sentada ao seu lado, Barbara, sua meia-irmã, fixava os olhos claros e azulados num aparelho celular, enquanto escutava músicas no fone de ouvido. As duas teriam se conhecido há exatos seis meses e, por conta do jeito estúpido e esnobe da loira, Dulce nunca teve a chance de ter uma boa relação, sequer conhecer o interior da qual compartilhava o mesmo pai.

— Vocês duas estão tão quietas. — Comentou Derrick Spiker, enquanto dirigia. Pai de ambas.

— Gosto de olhar a paisagem, papai. — Respondeu Dulce, ainda de olho nas árvores.

— Barbara?

A loira respirou fundo, tirou os fones de ouvido e fitou os dois com terror nos olhos. Em momentos como esse, as pessoas costumavam ter medo da adolescente, mas Dulce não. Preferia apenas levantar o olhar na altura dos olhos da meia-irmã, mostrando não ser inferior como ela pensava.

— Que inferno, papai! — Começou aos gritos, parecendo espernear com os braços. — Você me obriga a respirar o mesmo ar que essa bastarda e ainda quer que eu fale com ela?!

Dulce simplesmente revirou os olhos, farta das rotineiras babaquices de Barbara. A garota parecia vir diretamente de um filme adolescente clichê, era uma patricinha mimada, egocêntrica e petulante. Suas roupas, frequentemente chamativas e das marcas mais caras, já faziam ela se sentir como uma estrela do pop.

— Você não é o centro do universo, Barbie. — Soltou sinceramente, a apelidando de forma desdenhosa.

— Muito menos você, Fiona! — Barbara gritou, fazendo o mesmo. Parecia só saber se impor dessa forma. — Papai! — E claro, chamando pelo pai.

Derrick bufou, enquanto aumentava o volume do rádio. O homem apenas se recordava de como foi ter filhas com apenas uma semana de diferença e com mulheres diferentes. Até entendia todo o rancor de Barbara sobre o fato, visto que sempre acreditou ser filha única e tomava todas as dores da mãe para si.

Todavia, era injusto para Dulce ser prejudicada por uma traição, a qual ela não era a culpada. Por esse motivo, Derrick sempre foi muito presente na vida de ambas as filhas, mas mantendo-as distantes com suas respectivas mães.

Por diversas vezes, se perguntava se havia feito a escolha certa ao contar tudo para as meninas. Era extremamente triste analisar como havia destruído toda a paz de uma família, apenas para ver todas as pessoas que amava juntas. Entretanto, o homem ainda tinha fé de que algum dia tudo voltaria aos costumes e que sua família finalmente seria restaurada.

— Chegamos.

✿❀✿❀

Afastando-se moderadamente de sua família, Dulce observava o acampamento de verão de seu pai com certo brilho nos olhos. Por ser uma nova-iorquina, familiarizada com arranha-céus e ruas movimentadas, estar num ambiente florestado e com forte odor de terra molhada era algo novo para ela.

Particularmente, a morena adorava viagens, principalmente se essas lhe davam o direito de sentir novas sensações e respirar novos ares. Além disso, cresceu aprendendo a tocar teclado com seu pai, e essa era a chance perfeita de mostrar seu talento a outras pessoas que não fossem seus parentes e amigos mais próximos.

— Mas isso é um acampamento de música, pai! — Ouviu os gritos de Barbara com seu pai, a fazendo sair dos devaneios e virar para ambos. — É injusto ter um teste de aptidão e essa bastarda não precisar fazer!

— É Dulce Spiker pra você, queridinha. — Defendeu-se. — E agora eu te pergunto: quando foi que você fez algum teste de aptidão pra entrar no acampamento?

— Eu não preciso, sou filha do dono.

— Se você não precisa, então muito menos eu. — Dulce levava peso em suas palavras, conseguindo até mesmo intimidar a meia-irmã, que se dizia tão cheia de posses e poderes. — Caso não tenha percebido, meu amor, eu também sou filha do dono tanto quanto você. E se você continuar com essa merda de implicância pra cima de mim, pode esperar que eu vou...

— Silêncio! — Interrompeu Derrick irritado. — Que coisa mais besta essa briga entre vocês duas!

Poucos segundos foram necessários para que Dulce olhasse nos olhos de Barbara e os visse marejar. Notava a menina muito se conter em mostrar seus sentimentos, mas quando era algo que vinha de sua família, a loira facilmente se perdia em toda aquela fantasia de "inquebrável" e a deixava ser destruída em diversos pedacinhos. Ela correu para longe, e claro, Derrick foi atrás para tentar conter a situação.

No final das contas, Dulce só queria ter todo aquele carinho e atenção para ela. Pensava, entretanto, que isso jamais seria possível, pois se culpava diariamente por todo o sofrimento na vida de Barbara.

Era ela a filha da amante, era ela a que estava longe, era ela que aceitou vir ao acampamento pela primeira vez. Toda aquela pressão caía sobre sua cabeça, e não podia fazer absolutamente nada para mudar isso.

Afinal, era ela a filha bastarda de Derrick Spiker.