Sorria escrita por AnneFanfic


Capítulo 4
Capítulo 4




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—Então, o que você vai querer?- perguntou Dylan após fazer o seu pedido.

Estavam de volta ao Kaffee & Kuchen, ao abrigo do frio, sentados à mesa que ele sempre sentava. Annabelle sem pensar muito logo fez seu pedido, preferindo uma torta de morango enquanto que Dylan optou por uma torta de maçã e uma xícara de café bem quente, tudo o que precisaria para recuperar as forças depois de ter que voltar do parque até o estabelecimento, com as pernas doloridas da corrida, naquele frio. E assim que o pedido chegou, eles não perderam tempo em apreciá-los.

Após alguns minutos de descanso e o apetite saciado, Dylan recostou-se na cadeira com os braços cruzados e atentou para Annabelle, que lia o folheto que momentos antes tinha deixado sobre a mesa dele. Ela parecia concentrada no que fazia e ele apenas esperava o momento em que ela se pronunciaria para começar a explicar tudo o que tinha acontecido até então, já que no caminho de volta ao estabelecimento estavam mais entretidos em falar sobre tantas outras coisas que acabaram esquecendo-se daquele assunto.

Ficou olhando-a até que ela subitamente direcionou seu olhar para ele, estampando um sorriso nos lábios. Imediatamente Dylan sentiu a mesma sensação que sentira ao vê-la pela primeira vez reavivando dentro de si. Algo que, depois daquela vez, ele nunca mais sentira nem mesmo com as namoradas que teve nesse meio tempo. Era algo especial, ele sabia.

E voltando sua mente ao tempo presente e recordando-se rapidamente dos últimos acontecimentos, perguntou um pouco rude de mais:

—Agora me diga:- quebrou o silêncio. —Por que você ficou me importunando durante meses me enviando aqueles malditos bilhetes?!

E o sorriso que ela estampava no rosto desapareceu num instante, assumindo um ar de incredulidade.

Como pensou meses antes, o primeiro sentimento que teve ao encontrar-se com a dona dos bilhetes foi raiva, mesmo ciente de que era ela a responsável por tudo aquilo, deixando-o um tanto surpreso consigo mesmo. E pode ver também a surpresa dela ao ouvir aquela pergunta, carregada com um ar queixoso e áspero. Pensou logo em pedir desculpas pelo modo rude de falar, mas não deu tempo.

—Ah, eu estava te importunando?- retrucou ela arqueando as sobrancelhas. —Me desculpe. Eu só quis “fazer você sorrir” assim como você fez comigo aquele dia lá no hotel.

Percebeu que ela ficou magoada com o que tinha falado, mas não conseguiu deixar de revidar ao reavivar em sua mente toda a raiva e impaciência dos meses anteriores:

—Mas por que você não apareceu depois? Você tem noção do que é ficar irritado com qualquer pedaço de papel que aparece na tua frente? E ainda escrito “sorria” com letras co-lo-ri-das. Você não estava só querendo me fazer sorrir, também estava debochando da minha cara, não é?!

—Ei! Eu sou a única que tem o direito que ficar indignada aqui, ok? E é verdade sim. Eu estava debochando da sua cara.- assumiu, fazendo-o balançar a cabeça em descrença. —No começo eu queria fazer uma ‘surpresa’ depois de tanto tempo sem nos vermos. Achei que você fosse se lembrar de mim logo na primeira vez que enviei o bilhete e... Bem, descobri que não.- ouvir aquilo foi como receber um tapa no rosto, que doeu mais ainda ao ouvir o que ela falou a seguir: —Mesmo depois de fazer exatamente aquilo que você fez comigo. Mas tudo bem. Continuei enviando no outro dia, e no outro... Mas depois que vi que você realmente não se lembrava de mim, e até pediu pra não te enviar mais os bilhetes. Daí eu continuei enviando só de pirraça mesmo, só para incomodar.- ela desatou a falar. —Mas logo isso também não deu mais certo, porque você simplesmente disse para o garçom jogá-los fora. Então eu resolvi aparecer, e estive sentado praticamente ao seu lado durante semanas...

—...Você estava o tempo todo de costas...- tentou defender-se.

—Mas nem isso funcionou. E daí? Uma ruiva aparece do nada ao mesmo tempo em que os bilhetes param de chegar até você... Isso não te disse nada? Não conseguiu juntar as peças? E hoje eu falei com você e você sequer se deu o trabalho de olhar pra mim! Admita, Meyerkopf, você nem lembrava mais de mim.

Ele olhou dentro dos olhos verdes dela e não pode negar. Não tinha a mínima lembrança dela até então. Esqueceu-se completamente de sua existência durante aquele meio tempo e nem mesmo os bilhetes, a “marca registrada” do primeiro encontro deles, foi suficiente para fazer a lembrança dela ressurgir em sua mente amortecida por todas as coisas que lhe aconteceram. 

—Tem razão. Eu não me lembrava de você.- confirmou.

E ouvi-lo dizer aquilo com as próprias palavras, olhando dentro de seus olhos, ainda por cima, a magoou. Não esperava que fosse doer tanto, já que durante todo aquele tempo ela sempre o tinha em seus pensamentos. Não como uma fã da banda, mas como alguém que sentia algo especial por ele, como pessoa, e não como super star.

—Você queria o que?- perguntou, a voz tão branda que a fez relaxar na cadeira. —Faz quase sete anos desde que conversamos pela primeira vez, algo em torno de... O que? Duas horas de conversa? E depois você simplesmente sumiu! Procurei você feito um doido naquele hotel e me disseram que você tinha viajado para Inglaterra.

Ela o encarou com o cenho franzido em confusão.

—Eu fui sim pra Inglaterra, mas você que foi embora sem nem ao menos dar tchau. Eu procurei por você de manhã e me disseram que você tinha ido embora. Eu ia ficar fazendo o que lá? Eu tenho casa própria, não moro no hotel só porque meu pai manda naquilo lá...

Eles cessaram de conversar e se entreolharam por alguns segundos, com um ar de desconfiança.

—Eu saí pra procurar você à tarde. Depois que você e sua irmã foram dormir nós ainda ficamos até altas horas, não teria como eu acordar antes do meio dia.

E num instante a ficha caíra para ambos, deixando-os boquiabertos.

—Então, por causa de um mal entendido, ficamos sete anos sem nos ver?- perguntou ela espantada com aquilo tudo.

Abaixou seu olhar para as próprias mãos sobre o colo por alguns segundos e logo o ergueu, fitando o homem sentado à sua frente por um momento.

—Sete anos não é desculpa.- disse ela. —Depois do que você falou naquele dia, você podia no mínimo ter procurado o número do meu telefone na Inglaterra com a minha irmã ou o meu pai, ou sei lá.

—Eu sei.- disse ele. —Naquele mesmo dia que eu procurei você e não encontrei, nós saímos do hotel. Acredite, eu queria de todas as formas manter contato com você.- inclinou-se para frente para dar ênfase, não às suas palavras, mas nos seus sentimentos. —E quando me disseram que você tinha ido embora, eu fiquei muito magoado. Eu pensei “poxa, ela foi embora e nem se despediu?” Eu achava que nunca mais íamos nos ver.- fez uma pausa, pensando nos acontecimentos que se seguiram naquela noite, e caindo a ficha do porquê não se lembrava dela, contou-lhe: —Mas naquele dia e no outro nós tivemos tantos compromissos que eu não tinha nem tempo para ir ao banheiro direito. Entrar em contato com sua irmã ou sei pai e te procurar de alguma forma, naquele momento, era impossível. E eu não podia pedir para outra pessoa fazer isso. Eu ia fazer isso depois. Mas foi nesse “depois” que eu sofri o acidente de carro.

Ele nem precisou terminar de falar para que ela entendesse, ao lembrar-se das notícias e manchetes de jornais que rodaram o mundo naqueles primeiros dias que passou Inglaterra.

—Estava de noite e acho que chovendo também. Estava tudo tranquilo, sabe? Pelo menos até onde eu me lembro. Eu e Austin estávamos em um carro separado do resto da banda, mas estávamos realmente felizes pelo show que tínhamos feito na cidade, um dos melhores, e até comentamos sobre como tinha sido legal conhecer vocês. Mas então Austin percebeu que estávamos sendo perseguidos pelas stalkers. Sabe? Aquelas fãs loucas e perseguidoras.- lentamente, lágrimas começaram a se acumular no canto dos olhos enquanto relembrava tudo e contava a ela. —Você sabe como estávamos traumatizados com isso. Anos antes nós já havíamos nos incomodado muito com elas, que nos perseguiam e também a nossas famílias. Nós tentamos despistá-las, e conseguimos. Foi um alívio. Eu já estava ficando preocupado com meu irmão. Ele estava muito irritado. Mas quando fomos passar por um cruzamento, um carro passou o sinal vermelho em alta velocidade e bateu no nosso carro. O resto da história você sabe como foi.- passou a mão pelo rosto para enxugar as lágrimas, enquanto Anna o ouvia atentamente, com os olhos vermelhos e o rosto também marcado pelas lágrimas. —E depois que eu acordei do coma, acordei também pra realidade de que meu irmão não estava mais vivo. Eu queria morrer.  Eu realmente fiquei louco e desesperado. Sem falar que o acidente eu acabei me esquecendo de muitas coisas. Tudo, depois disso, passou a se resumir em como eu conseguiria viver sem meu irmão. Ele era a minha única família. Todos os dias, todos os dias, olhando-me no espelho e lembrando-me dele. Toda a minha dor, toda a imprensa caindo em cima de mim, desrespeitando o meu luto, me deixando louco.- ele inclinou-se para frente, atraindo a atenção de Anna e fazendo-a erguer os olhos para ele. —Me desculpe.  Perdi muitas memórias e uma delas era você. Eu me lembro de algumas coisas do acidente, mas é só isso o que te falei. Do resto muita coisa se perdeu e ainda hoje tenho muita dificuldade de memorizar coisas. Por isso gosto tanto de tirar fotos. É meu HD externo.- deu um sorriso.

Ela balançou a cabeça e sorriu, dizendo que estava tudo bem.

—Eu é que tenho que pedir desculpas, afinal, eu é que estava aqui agindo como uma egoísta, como se fosse sua obrigação se lembrar de mim.

—Não, isso não é verdade. Eu perdi o controle sobre minhas lembranças...- disse ele estendendo a mão e enxugando as lágrimas do rosto dela com o polegar. —Mesmo você sendo especial para mim.- ela sorriu timidamente e ele acrescentou: —Senti sua falta.

—Como sentiu minha falta se nem se lembrava de mim?- ela riu.

E ouvi-la rir o fez ter certeza sobre quão verdadeiras era suas palavras. Como conseguira passar tanto tempo sem ouvir o som do riso dela? De sua voz? De olhar em seus olhos? Como pode esquecer-se dela?

Durante os segundos que se passaram enquanto ela tratava de limpar por completo a marca das lágrimas em seu rosto e ajeitar seu cabelo, ele olhou-a sem proferir palavra alguma. As palavras que saíram da boca dela ficaram rodando em sua cabeça em busca de uma resposta satisfatória, mas nem ele mesmo podia encontrar.

Deu uma olhada rápida pelo estabelecimento, vendo que ele estava vazio, exceto pelos dois, e ao voltar sua atenção para ela deu de ombros e disse:

—Tendo você aqui comigo, pensando nesse tempo todo que ficamos longe um do outro, posso dizer que, com certeza, você me fez falta.- ela sorriu e ele concluiu. —Ainda mais te vendo assim.

Ela jogou os cabelos para trás e cruzou os braços sobre a mesa, sorrindo.

—Com brilho nos olhos?- ela disse, lembrando-se do que ele tinha falado com ela no primeiro encontro.

Ouvir ela falando daquilo com tanta naturalidade e vendo a nítida diferença da garota que conhecera e da mulher que estava a sua frente, sentiu uma curiosidade tremenda em saber tudo sobre ela, fazendo-o esquecer-se de que à pouco estava falando sobre seu irmão.

—Você está tão diferente! O que foi que aconteceu?

Por um momento, a ideia de que ela talvez estivesse comprometida com alguém o fez olhar instantaneamente para as mãos delas, mas ficou aliviado ao ver que não havia qualquer marca de aliança por ali.

Ela abriu a boca para responder, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa à atenção de ambos foi direcionada para um funcionário do local que se aproximou, avisando educadamente que o Kaffee & Kuchen logo fecharia as portas.

Dylan sentiu que logo teriam que se despedir, e isso era uma coisa que ele não queria. Ele olhou para ela, que ajustava a bolsa sobre os ombros enquanto saía do estabelecimento, após insistir em pagar sua parte, e contra sua vontade falou:

—Aonde você mora? Quer que eu chame um taxi?

Já do lado de fora, sentindo uma leve rajada de vento soprando sobre eles, Dylan fechou-se dentro do casaco detestando aquele frio, e passou os olhos pela rua deserta. Lembrou-se que naquele dia tinha deixado o carro em casa e recriminou-se por isso.

—Não, não precisa. Eu moro a poucas quadras daqui. Dá pra ir à pé.

—Nesse frio?!- ele olhou para ela, assombrado, e ela riu.

—Ah, Dylan, nem está tão frio assim. Vamos logo.- enlaçou seu braço no dele, agradando-o sobremaneira, e iniciou a caminhada. —Nem parece que você é alemão acostumado a temperaturas negativas.

—Só porque sou alemão acostumado a temperaturas negativas não significa que eu goste de frio e neve.- retrucou, fazendo-a rir. —Mas espera!- ele parou abruptamente e se virou para ela. —Você mora a poucas quadras daqui? Desde quando?

Ela riu da cara assustada dele.

—Desde aquela semana que comecei a enviar os bilhetes. Estava andando na rua e vi você por acaso. Não fazia ideia de que você estava morando por aqui. Então quis fazer aquela surpresa que, como vimos, não funcionou.

Durante o relato Dylan permaneceu boquiaberto, olhando para ela.

—Mas eu nunca te vi por aqui esse tempo todo. Como?

—Ah, isso é fácil de explicar.- ela deu de ombros. —Eu estava fazendo cursinho pré-vestibular e quando não estava lá, estava em casa estudando. Eu não tinha vida social.

Voltaram a caminhar e no percurso ela deu mais detalhes e respondeu algumas perguntas. Até que o assunto momentaneamente acabou e durante alguns metros permaneceram em silêncio apenas ouvindo o som do vento fraco que soprava balançando os galhos secos e sem folhas das árvores, tomando cuidado para não escorregarem na neve em certos pontos. Até que ele fez menção do assunto inacabado anteriormente, que ocupava sua mente.

Ela explicou:

—Você leu o folheto que eu deixei pra você àquela hora? Bem, é óbvio que você leu, senão não teria vindo atrás de mim. Mas enfim, eu achei ele dentro de um livro que ganhei de uma amiga.- fez uma curta pausa para pular um montinho de neve. —Naquele dia lá no hotel eu estava daquele jeito por causa de umas coisas que tinham acontecido. Sarah não é minha irmã “por inteiro”. É filha do meu pai com a amante dele.

Dylan olhou para ela com os olhos arregalados, proferindo em seguida uma exclamação:

—Mas ela parece ter quase a sua idade!

—E tem quase a minha idade.- Anna rolou os olhos. —Descobrir isso foi um grande choque para mim e muito maior para minha mãe. Ela amava meu pai, mas naturalmente ficou muito abalada com tudo aquilo. Ele pediu o divórcio e daí em diante ela entrou em depressão e foi piorando cada vez mais, ficando com a saúde muito fragilizada.- fez mais uma curta pausa enquanto seus pensamentos regrediam aos dias em que tudo aquilo havia acontecido e continuou: —Exatamente dois dias antes daquele dia que a gente se conheceu, ela faleceu.- inspirou rapidamente e ergueu a cabeça, olhando para frente enquanto caminhava. —E lógico que eu culpava meu pai por tudo aquilo. Eu tinha nojo dele, tinha raiva da bastarda, que se sentia a favorita por ter o pai e a mãe juntos, enquanto eu estava lá sem mãe, sem nada. E meu pai nem ligava, agia como se nada tivesse acontecido. Foi ele que disse que minha mãe tinha morrido. Deu a notícia como se estivesse falando onde jantaríamos à noite.- suspirou. —O enterro tinha sido na Inglaterra, já que ela era de lá e tinha voltado pra lá depois da separação. Eu queria ir lá, mesmo que só pra colocar algumas flores no túmulo, e ele quase não me deixou ir.

—Por que?

—“Ela já está enterrada. Só vai gastar dinheiro indo lá, deixar umas flores e voltar.” Foi o que ele me disse. Sério, eu estava começando a odiá-lo! Ele e a “família dele”.- fez mais uma pausa para acalmar a irritação que começou a brotar, e logo acrescentou. —Mas me sentia mal por isso, sabe? Não queria odiá-lo. E enfim, eu estava nessa luta interna, ainda arrasada com tudo isso, quando fui arrastada pra festinha de vocês naquele dia. Mas no fim foi bom. Gostei muito de te conhecer.- olhou para ele, que repetiu a ação. —Por mais de duas horas eu pude me esquecer de todos os meus problemas.

—É, eu provoco esse efeito nas pessoas.- disse ele com um sorriso de canto, recebendo uma leve cotovelada em sua costela.

—Convencido.

Ele riu e olhou para o braço dela em volta do seu, notando que as mãos dela estavam sem luvas e fechadas num punho. Imediatamente tomou as mãos delas nas suas e se espantou ao sentir como elas estavam.

—Como suas mãos estão geladas!- fez menção de tirar as luvas e dar para ela, mas ela protestou. —Você vai perder os dedos desse jeito! Vamos fazer assim, então...- parou a caminhada e tirou a luva da sua mão esquerda, dando para ela para que colocasse na mão correspondente, e assim que ela terminou de ajeitar a luva ele tomou a mão direita dela, estando, assim como a sua mão esquerda, sem luvas, e entrelaçando seus dedos colocou-as dentro do bolso do seu moletom.

—Só quero saber...- olhou para o sobretudo dela. —Quem foi o infeliz que fez um sobretudo sem bolsos! Vou dar umas aulinhas pra ele.- rolou os olhos, iniciando a caminhada novamente enquanto Anna ria.

—Você é uma graça, sabia?

Anna encolheu os ombros e aninhou-se mais próximo de Dylan quando uma rajada de vento um pouco mais forte soprou, e respondeu a pergunta que ele tinha feito antes de saírem do Kaffee & Kuchen:

—Ah, respondendo a sua pergunta de antes...- ela olhou para ele e ele lembrou-se do que se tratava. —Eu fui pra Inglaterra, como você já sabe, terrivelmente mal com tudo, e lá eu conheci uma garota virtualmente. Eu e ela temos um hobbie em comum e poucos meses depois de eu ter criado uma conta no site que trata desse nosso hobbie, isso ainda aqui na Alemanha meses antes de tudo acontecer, nós começamos a conversar, e isso lá na Inglaterra. De uma maneira muito curiosa e natural, nós conversávamos como se fossemos amigas de longas datas, sabe? E numa dessas conversas ela me incentivou a criar um relacionamento com Deus.

—Criar o que?- repetiu ele num tom agudo de mais.

E ver a cara confusa dele a fez rir.

—Eu tive a mesma reação.- sorriu. -Sinceramente eu achei isso quase um absurdo, sabe? Sei lá... Era estranho pensar nisso. Ela enviou um livro de presente para mim pelo correio, onde achei aquela mensagem que te dei, e aos poucos fui aceitando a ideia e perguntei “por que não?”. Comecei a buscar e... Bem, quando eu me vi eu estava assim. Diferente. Encontrei as respostas para os meus “porquês”. Levei à sério o “viver, amar, voar cantar e sorrir.”

Dylan maneou a cabeça, com a sobrancelha arqueada, e ela acrescentou:

—Como disse ela: Deus pediu uma chance pra me ajudar e eu deixei, e aqui estou eu. Hoje, eu aprendi a não mais odiar o meu pai e apreciar mais a ideia de ter uma meia-irmã, apesar de toda nossa história conflitante e revoltante. Graças a isso eu descobri a pessoa incrível que ela é. Somos grandes amigas. Eu busquei a Deus, mesmo ainda um pouco resignada quanto a isso e Ele abriu os meus olhos para enxergar a pessoa amarga, infeliz, rancorosa e depressiva que eu estava me tornando, acalentando a raiva pelo meu pai, madrasta e irmã em meu coração.

Enquanto ouvia tudo aquilo e caminhavam, Dylan nada mais fez do que refletir sobre aquilo. Era estranho a ideia de “se relacionar com Deus”, e não fazia ideia do que isso significava, mas olhando para Annabelle e vendo como ela tinha se tornado uma pessoa diferente, e sabendo por ela mesma o que tinha acontecido, perguntou-se se isso, fosse o que fosse, daria certo para ele também. Tinha certeza que a amargura que tinha lá no fundo do seu coração quanto a tudo o que havia acontecido em sua vida o estava deixando cada dia mais infeliz. Será que uma mudança em sua vida seria possível, àquela altura do campeonato?

—É aqui.- disse ela tirando-o do devaneio, parando de andar assim que ela fez o mesmo. —Já chegamos.

—Já?- olhou para o alto, observando o prédio onde estavam parados em frente e encontrou o sorriso dela sendo lançando em sua direção ao olhar para ela novamente. Não queria ir embora. —Em que andar fica seu apartamento?

Imitando a ação dele ela olhou para o alto.

—No quarto. Mas quando estou por aqui passo mais tempo no terraço do que em casa.

—No terraço? Por quê?

Ela sorriu, notando o tom curioso na voz dele, e tirou a mão de dentro do bolso do moletom dele para procurar a chave do portão de dentro da bolsa, virando-se para abri-lo e respondendo:

—Te contei que comprei um super telescópio e passei no exame nacional para astronomia?

—Astronomia? Sério?- surpreso, ele arregalou os olhos e olhou de relance para o céu pontilhado de branco. —Você gosta mesmo de estrelas, hein?

—Espero gostar o suficiente para ficar lá até o fim.- comentou, e após abrir o portão fez um gesto para que ele entrasse. —Quer conhecer meu pequeno centro de observação espacial?      

—Lógico. Não perco isso por nada.- adentrou o portão com um largo sorriso no rosto e foram até o elevador, onde subiram para o 7º andar.

 

—Acho que troco isso por um quarto fechado e aquecido.- Dylan comentou, encolhendo-se dentro do casaco ao chegar lá em cima e sentir o frio, que parecia pior com a altura, em seguida recebendo de Annabelle um cobertor na qual se enrolou rapidamente. —Eu não acredito que você fica aqui nesse frio olhando estrelas a noite toda!- exclamou horrorizado.          

—E não fico!- ela retrucou, olhando arregalado para ele, enrolando-se também em um cobertor e logo levando o telescópio que estava guardado em uma pequena salinha até o outro lado do terraço, empurrando-o pelo pedestal com rodinhas. —O que te fez pensar num absurdo desses?

Ele deu de ombros, sorrindo, e observou a paisagem noturna lá de cima enquanto a seguia.

Ao chegar ao ponto proposto por ela, Dylan pegou uma pastinha de plástico que estava atada ao topo do pedestal do telescópio com um elástico e viu ali algumas fotos do que pareciam ser de constelações e várias anotações e círculos nas mesmas, em volta de alguns grupos do que para ele eram apenas pontos brancos e brilhantes.

—Acho que prefiro só olhar as estrelas de longe mesmo.

Ela riu, dando alguns últimos ajustes na posição e no próprio telescópio, e enquanto esperava Dylan aproximou-se da mureta de proteção e escorou-se ali, de costas, observando a expansão do céu negro com bolinhas brancas, volvendo seus pensamentos à conversa que eles tiveram há pouco.

Não conseguia imaginá-la como alguém rancorosa e amarga, como tinha dito, embora agora entendesse algumas atitudes dela de sete anos antes, quando falava sobre o pai e a irmã. Algo que na época, por não entender, o deixara um tanto intrigado. Mas sentia-se feliz por saber que aquilo havia dado certo pra ela, transformando-a numa nova pessoa, como ela mesma disse. E perguntava-se se algum dia também teria seus porquês respondidos, tendo a chance de ter o peso da dor, mágoa e injustiça tirados de cima de si, libertando-o para viver novamente e não apenas passar os dias existindo sem um propósito.

Ainda olhando para a expansão negra, fechou os olhos e inspirou profundamente ao pensar:

“Deus, ainda tenho alguma chance...?”

—Sorria.

Foi tirado subitamente de seus pensamentos, vendo-a parada em sua frente, sorrindo e observando-o com um ar curioso, como se quisesse saber o que ele estava pensando.

Ele olhou dentro dos olhos verdes e brilhantes dela, sentindo seu coração dar um pulo dentro do peito e disse:

—Só se você ficar comigo.

—Não precisa nem pedir.- ela piscou.

Ele sorriu, e nos milésimos de segundos que se seguiram, olhando um para o outro, Dylan sentiu uma vontade enorme de abraçá-la. Vontade tal que não demorou muito a se efetuar, com o olhar e o sorriso dela atuando como um ímã, atraindo-o para perto dela.

Afastou-se da mureta de proteção, dando apenas um passo à frente, e a abraçou, envolvendo-a também com o cobertor que usava. Ela rapidamente correspondeu ao carinho, abraçando-o também. Sentindo felicidade tal e tamanha como nunca antes sentira, tendo a certeza de que finalmente encontrara o que durante anos ansiou encontrar, Dylan afastou-se de Anna e acariciou as bochechas dela, rosadas do frio, dando um beijo em sua testa logo em seguida.

—Tá’ legal. Agora me deixe ver o que você tanto vê nisso ali.

Mais que de pressa ela ajeitou o telescópio na posição que queria e deu espaço para ele.

—Divirta-se.

Ele se aproximou e olhou através do telescópio para um grupo de estrelas que ele nem fazia ideia se tinham ou não algum nome. E ficou impressionado com o que viu.

—Uau!- exclamou, parando para olhar o céu a olho nu e voltando para o telescópio enquanto ao seu lado Anna fazia o que sabia fazer de melhor: rir. —U-a-u! É incrível! Parece que existem milhares de estrelas escondidas atrás de onde só vemos algumas.

—Não parece, é isso mesmo.- ela falou.

Dylan se afastou e intercalou o olhar entre o céu e ela, que sorria orgulhosa.

—É lindo né?

—Uhun.- concordou, fitando o céu por algum tempo. —Mas tenho certeza de que o que eu sinto por você é mais belo que tudo isso.- olhou dentro dos olhos dela por alguns segundos e disse: —Hab dich lieb, mädchen.¹

Ela sorriu e lançou-se na direção dele, colocando seus braços em volta do pescoço dele e dando um beijo estralado na bochecha.

 

 


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Notas finais do capítulo

¹Te amo, menina.



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