Like a Vampire 3: Lost Memories escrita por NicNight


Capítulo 19
Capítulo 19- Escuridão


Notas iniciais do capítulo

E VOLTAMOOOOS! Uhuuul, esse cap foi meio díficil de escrever, já que a Sarah tá levemente distante do resto dos personagens ahueheuhe
Enfim, espero que gostem do capítulo e vejam agora como que Sarah passou os últimos caps, longe de sua família e amigos
Boa leitura ♥



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Narração Sarah

Grunhi assim que me obriguei a acordar. Quer dizer, não era a situação mais confortável do mundo dormir ou acordar num banco de praça. Principalmente num lugar movimentado que nem era o festival logo de manhã cedo.

Me sentei, sentindo uma dor nas costas sinistra assim que me mexi. Eu nem queria olhar pro meu estado. Faziam... três dias, se não me engano, que saí (ou melhor, fui expulsa) do Castelo Principal. E desde esse dia vim parecendo uma nômade órfã abandonada pelas ruas. Charlotte, a dona da loja de roupas, foi gentil o suficiente pra me deixar dormir no sofá dela por uma noite.

Mas eu não podia abusar da bondade dela, então acabei vindo parar na rua.

Ontem mesmo eu havia visto Anna na rua. Claro, eu devia imaginar que eu ia acabar trombando com alguém nesses dias. Não era um lugar tão grande assim. Eu não sabia o que Anna estava fazendo sozinha na rua, mas felizmente consegui fugir antes que ela sequer pensasse em vir falar comigo.

Eu estava me dando bem em não me encontrar com qualquer pessoa conhecida nos últimos dias, apesar disso. Tinha visto as Creedley patrulhando a rua, e fiquei surpresa em conseguir me esconder delas a tempo. Elas eram espertas demais pro próprio bem.

Mesmo assim, eu não podia negar que sentia falta de refeições de verdade, companhia e uma cama macia disponível pra mim o dia inteiro.

Mas era exatamente isso que eu queria, não era? Paz. Ficar longe de todas as pessoas que me consideravam fraca demais, inocente demais.

E isso incluía toda a minha família. E os Sakamaki. E as Hudison. E todo mundo que em algum momento eu cheguei a me importar, basicamente.

Até cheguei a pensar em ligar ou mandar uma mensagem pro meu pai, perguntando se eu podia voltar pra casa. A ideia foi embora na mesma velocidade que veio, já que ela favorecia completamente o pensamento de eu ser uma fraca imprestável.

Afinal, eu não era uma fraca imprestável. Salvei a vida de muita gente nesse rolê. Será que por acaso ninguém lembra que eu que pulei em cima do Reijii pra beber da poção e ainda dei a poção pra todas as minhas irmãs pra salvar elas do despertar?

 Ou que fui eu tomei o risco de morte que era queimar o Teddy pra fazer com que as Hudison fugissem com Azusa?

É claro que não lembra. Mas obviamente, todo mundo considera minhas irmãs umas guerreiras! E olha que eu nem sei o que elas fizeram de heroico o suficiente por si sós. Victoria teve um filho com dezenove anos. Nikki matou dez homens queimados vivos. Marie... sei lá, aguentou o espírito da Cordelia no corpo (novamente, eu que salvei elas do despertar).

Mas Sofie e Lua?

Com todo o respeito, o que elas fizeram de heroico? Fingir um namoro com uma melhor amiga? Não acho que isso seja nem metade do que elas consideram heroísmo.

Super respeito as Hudison por isso. Elas deram uma boa sofrida no passado, superaram e agora são mulheres incríveis. (E poderosas, no caso da Daayene).

Bufei com meu monólogo interno.

Nem fazia mais diferença, não é? Minhas irmãs já haviam me expulso de casa, e eu duvido muito que qualquer uma delas queira sequer olhar na minha cara.

Eu também não ia querer, depois de ser xingada e ainda apanhar da própria irmã.

Eu podia criticar o heroísmo que colocavam em cima das meninas o quanto que eu quisesse, mas elas ainda eram minhas irmãs. Eu ainda amava elas com todo meu coração e ainda as defenderia se eu ouvisse alguma pessoa falando coisas ruins sobre elas...

Mas é claro que eu, sendo a grande porcaria que sou, tive que arruinar tudo sendo sincera, dramática e venenosa até demais e falando todas aquelas drogas.

Eu ando sendo uma grande cretina esses dias todos, sendo honesta.

Mas agora já estava feito. O que mais eu podia fazer? Não dá pra eu simplesmente aparecer e pedir desculpas depois de tudo que eu fiz? Já estava tudo arruinado, eu era a grande vilã da história. Yay.

Bufei de novo ao perceber que eu estava voltando a pensar demais.

Bem, talvez eu pudesse só dar uma volta pelo festival. Não tive bem tempo pra me divertir, com a culpa me consumindo e pesadelos que eu nem me lembrava direito me assombrando quase toda noite.

Realmente, não me lembrava bem dos pesadelos. Só sei que acabavam da mesma forma: Eu acordando com um berro preso na garganta, olhos cheios de lágrimas, um calafrio assustador e um sentimento culposo me preenchendo por inteiro.

Resolvi tirar esses pensamentos da minha cabeça, e fui em direção de algumas barraquinhas de comida que estavam espalhadas pelas ruas do festival. Nossa, eu estava faminta.

Andando rápido, meus olhos passaram por uma barraquinha mais elaborada, que vendia pedaços de bolo. Alguma parte do meu corpo queimou e estremeceu com lembranças, e eu resolvi parar por lá mesmo. Sem perceber, acabei pedindo um pedaço de bolo de chocolate.

A mulher da barraca me lançou um sorriso amigável antes de me entregar meu pedido com um pequeno garfo de plástico. Quando o primeiro pedaço encontrou minha boca, eu me encontrei extremamente satisfeita com o sabor e o jeito que a sobremesa derretia na minha boca.

Nossa, Sofie ia amar essa barraquinha...

Quase me dei um tapa mentalmente. Claro, ela ia amar essa barraquinha. Mas no caso ela teria que descobrir ela sozinha, ou com Brunna ou Ayato mostrando pra ela. Porque eu mostrar pra ela? Fora de questão.

Ela nem deveria querer olhar na minha cara.

—Moça, por que você tá chorando?- A mulher da barraca dessa vez me olhou preocupada.

Arregalei os olhos pra ela, e passei o prato pra outra mão enquanto a minha direita tocou meu rosto.

É, eu estava chorando. Grande porcaria. Agora eu sou a maluca que chora enquanto come bolo.

—Ah. Nada.- Falei da maneira mais indiferente possível- É só... Um bolo muito bom. Você faz entregas?

A mulher me olhou curiosa, e eu me esforcei pra não ficar envergonhada:

—Tenho uma irmã.... Hospedada no Castelo Principal. Ela só gosta muito de bolo de chocolate, nada demais.

—Ah, claro!- A dona deu uma risadinha- Só um pedaço?

—Na verdade, eu agradeceria se você pudesse entregar o bolo inteiro.- Retruquei- Tem outra pessoa que adora doce na casa. Só não coloca meu nome.

Kanato iria me xingar se eu mandasse um pedaço de bolo com o meu nome pra Sofie e nem considerasse mandar alguma coisa pra ele.

Fiz as contas de maneira vergonhosamente devagar na cabeça e entreguei o dinheiro pra ela.

—Não sabia que tínhamos tantos hóspedes no Castelo- A mulher da barraca disse- Sabia que os Sakamaki e os Rosemary estavam lá, mas...

—O castelo é dos Sakamaki.- A corrigi.

—Ah, sim, claro. Mas eu estava falando dos filhos do rei.- Ela pareceu se envergonhar- Uma vergonha só um dos seis estar casado. Achei que até essa idade homens como eles já teriam  mulheres se jogando aos seus pés, mas parece que nós mulheres estamos ficando com mau gosto.

—Eles tem mulheres se jogando aos pés deles.- Eu comentei- Eles só não querem ficar com essas mulheres. Além disso, dois outros estão namorando, eu acho.

—Eu achei ruim quando o príncipe Reijii se casou com uma mulher de baixa laia que nem a esposa dele, sabe?- A mulher da barraca me ignorou completamente- Não que eu seja contra o relacionamento dos dois, nada disso. Na verdade, nunca os vi em público juntos. Mas dizem que o príncipe é loucamente apaixonado pela mulher. Mas eu acho estranho eles terem se casado tão de repente. Além disso, já fazem mais de dois anos que estão juntos, não? Não acha estranho não terem nenhum herdeiro?

Meu coração quase parou com a mera menção do meu sobrinho.

—Talvez... eles só não queiram ter filhos.- Eu opinei- É uma coisa bem comum dos casais modernos hoje em dia.

—Só se for no mundo humano!- A dona da barraca brincou, e eu vi que ela estava embalando um bolo de chocolate- Por que o Rei casaria uma mulher humana tão pequena com um de seus herdeiros? Ele mesmo passou por três casamentos. Todos com mulheres da nobreza. Todas capazes de terem filhos. Se ele não for rápido em casar os Príncipes Shu e Ayato com mulheres de alta laia, não sei o que será de seu legado e dinast...

—Já te falaram que você fala demais?- A interrompi.

—Nossa, mas que grosseria.- A mulher pareceu chateada enquanto entregava o bolo pra uma de suas colegas- Eu só estava...

—Sendo extremamente rude com a princesa Sakamaki e opinando sobre a falta de filhos do casal.- Eu respondi.- Você tem sorte que eu costumo ser uma pessoa bem fofa, porque muitas pessoas que eu conheço se irritariam com seu comportamento intrometido.

—Hm. Não concordo muito, senhorita.- A mulher continuou- Enfim, pra quem é a entrega mesmo?

Pigarreei e dei um sorriso discreto:

—Pode colocar o nome da Princesa Victoria Herbert Sakamaki. Saberão o que fazer.

A mulher olhou pra mim meio assustada, mas anotou num papel:

—Se você quer chamar a atenção de um dos príncipes, sugiro que coloque o nome dele... Mas não sei porque você iria querer fazer isso, já que é só uma plebeia que nem eu... Caras assim não sabem da nossa existência.

—Não preciso chamar a atenção dos príncipes ou fazer com que saibam da minha existência, senhora.- Me senti começar a ficar com raiva- E mesmo se eu precisasse, certamente não faria isso enviando um bolo de chocolate. Agora, se me dá licença.

Eu dei as costas, me sentindo ficar vermelha de irritação.

Ah, eu estava fazendo aquilo de novo. Ficando irritada do nada, dando respostas atravessadas...

Meu Deus, o que está acontecendo comigo?

Tá certo, eu não era uma fofa e adorável toda hora. Mas eu nunca fui uma mula que dá coices assim, também.

Quando terminei de comer meu pedaço de bolo apoiada num poste, fiz questão de jogar o prato e o garfo num lixo próximo e então saí andando de novo.

Eu estava com dor nas costas e parecendo uma mendiga. Eu precisava tipo, urgentemente de um lugar pra ficar.

Mas voltar pro castelo por enquanto era uma opção inadmissível. Talvez eu considerasse voltar pra lá depois do meu bolo chegar como um pedido de desculpas mudo, mas mesmo assim eu não tinha certeza.

Resolvi tentar parar de pensar no que estaria acontecendo no Castelo Principal nesse exato momento. Eu não fazia ideia se Lua e Subaru estariam juntos no jardim. Ou se Reijii e Victoria estavam discutindo sobre o que deveriam comer no jantar.Ou se Anna estava tentando impedir (miseravelmente) que Kou e Yuma brigassem enquanto Brunna e Ruki assistiam e Azusa a encorajava inutilmente.

E me xinguei mentalmente quando percebi que pensar nas possibilidades de coisas que poderiam estar acontecendo no Castelo Principal fugia exatamente do meu objetivo.

Mas até que eu sentia falta deles.

Quer dizer, não muita falta. Isso seria levemente assustador.

Mas acho que depois de tantos anos convivendo com eles, eu ia acabar me envolvendo emocionalmente.

Até as Creedley, que eu tinha conhecido esse ano, estavam conseguindo um lugarzinho no meu coração.

Tipo, bem nas bordas do coração, onde elas podem sair dali a qualquer instante. Principalmente considerando que as três são umas cretinas grossas na maior parte do tempo. Quer dizer, menos Eliza. Haruka e Cousie são bem mais cretinas que a pobre da metamorfomaga.

Além disso, Cousie deixou minha gêmea em coma!

Não que eu seja muito diferente... Quando tínhamos doze anos...

—Você só tinha um trabalho, Meghanny- Ouvi uma voz masculina vindo de trás de uma esquina. E com a mera menção do nome da profeta irritante, é claro que a primeira coisa que eu fiz foi me apoiar num murinho de pedra e escutar a conversa.

 -Eu descobri a informação, senhor.- A voz de Meghanny estava surpreendentemente séria e sem aquela tonalidade irritante de sempre- Só não sei o que quer que eu faça com ela.

—Você sabe o que fazer.- O homem respondeu.

—A puta ficou prenha, senhor.- Meg disse de uma forma tão agressiva que cheguei a duvidar que era realmente ela- Prenha. Ano passado. Teve um filho em segredo. Como espera que eu saiba o que fazer com uma informação dessas?

—Espere um pouco, primeiro.- O homem instruiu- Espere até o ritual final da Hudison. Você sabe que ela terá dúvidas sobre seu destino profeta.

—Está com medo de Daayene Hudison negar ser um dos seres mais poderosos do mundo?- Meg pareceu duvidar- Ela é uma grande profeta, isso eu posso dizer. Mas o que Hudison tem a ver com a Princesa Sakamaki?

Minha respiração parou por vários segundos.

—As duas famílias são amigas, mulher burra.- Ele xingou- E a união delas é poderosa. Soube que a família renegada dos Primeiro-Sangue também as apoia, além dos príncipes. E se tivermos uma delas do nosso lado, não seremos feridos.

—Então o senhor está disposto a dar um poder gigante para um peão como Hudison?- Meg questionou.

—Também não podemos negar o destino da mulher. Ela nasceu com um poder inigualável pra uma humana. Seria capaz de destruir reinos se quisesse.- O homem retrucou- Mas cá está. Se Daayene Hudison se recusar a participar do último ritual... Um de nossos homens passa a mensagem sobre a cria da princesa para KarlHeinz. Ele não vai gostar de ter seu neto escondido de si mesma.

—Acho que ele quer um bebê pra testar seu último plano...- Meg opinou, e uma pequena risada se ouviu- Victoria Herbert Sakamaki precisa se preparar, pois se Daayene recusar o poder, nem os deuses a ajudarão a suportar uma fúria como a do rei.

Tampei minha boca pra não gritar. E, da forma mais discreta e silenciosa possível, saí de lá aos poucos.

E então corri, pro mais longe que eu conseguia.

Tá, ok. De volta ás informações. Eu não sou Cousie, Brunna, Haruka ou Sofie. Mas tenho certeza que consigo elaborar as informações na minha cabeça.

Daayene precisa passar por um último ritual pra se tornar um membro poderoso oficial dos profetas.

Os outros profetas, graças aos seus poderzinhos, sabiam de Heisuke e do fato que resolvemos escondê-lo de KarlHeinz para que ele não fosse sujeitado a planos malucos e experimentos.

No caso de Daayene não aceitar o último ritual (possível, de acordo com a conversa que eu tinha ouvido), os profetas diriam pro próprio KarlHeinz sobre seu neto secreto.

Isso não só nos deixaria ferradas, mas eu imagino que talvez KarlHeinz ficasse furioso. E se ele era assustador “feliz”, imagina com raiva.

Por isso minha mente vagava muito entre “meu deus eu tenho que contar pra elas” ou “meu deus não posso contar pra ninguém”

Porque, sinceramente, todo mundo sabia que não íamos conseguir esconder uma criança pra sempre. E talvez existisse a possibilidade de Daayene querer o ritual.

Mas pensando ainda melhor, eles só estavam querendo dar esse poder pra Daayene não só por ser o destino deles, mas pra eles não serem machucados pela Patrulha das Mulheres.

O que era quase patético, porque eu tenho certeza que as Creedley atacariam eles só de saber dessa história toda.

E os Sakamaki. E os Mukami. Talvez eu e minhas irmãs e o resto das Hudison também.

Que péssimo plano.

Bem, talvez não tão péssimo assim. Já que eu estava correndo desesperada procurando uma solução para o que eu havia acabado de ouvir.

Porque, tipo, era um plano meio nhé. Mas eu ainda não queria que o fato de minha irmã ter um filho fosse explanado assim.

—Sarah?- Ouvi uma voz bem conhecida, e então eu congelei- SARAH?!

Olhei pra trás, cheia de medo:

—...Kanato.

Ele então marchou de um jeito engraçado até mim. Eu, ainda congelada, nem consegui me mexer. Nem mesmo quando ele começou a me balançar pelos ombros:

—VOCÊ ENLOUQUECEU? POR ACASO TEM PROBLEMA? ONDE VOCÊ ESTAVA ESSE TEMPO TODO?

—Sim. Muito provavelmente. Na rua, ué.- Respondi, e ele fez uma cara confusa- Tô respondendo as suas três perguntas na ordem.

—Você com certeza enlouqueceu. Ignora tudo que eu acabei de perguntar.- Kanato bufou, e apertou meus ombros com um pouco de força- POR QUE VOCÊ FUGIU?

—Não fugi. Fui expulsa- O corrigi- O que foi? Fui expulsa mesmo!

—Porque você bateu na sua irmã!- Kanato brigou comigo.

—Eu sei!- Retruquei.

—E você pretende ficar fora de casa por quanto tempo?- Kanato me questionou- Olha pra você, Sarah! Parece um hamster mendigo que precisa de atenção e ração!
—A sua delicadeza me toca.- Tirei as mãos dele de mim. Não foi tão difícil que nem pensei que seria- E respondendo sua pergunta, até eu estar numa situação onde um abrigo e comida de verdade sejam tão necessários pra mim que eu sinta que eu possa morrer se não tiver nada disso perto de mim.

—E isso vai ser...?- Kanato pareceu duvidoso.

—Ah, só espera uma semana. Eu fraquejo rápido.- Dei de ombros, já me virando pra ir embora.

—Eu não te entendo.- Kanato admitiu.

Eu parei no lugar e me virei lentamente na direção dele:

—É o quê?

—Você faz tudo que consegue fazer pra se rebelar - Kanato pareceu frustrado- Faz um discurso na frente do castelo do meu pai, queima o Teddy pra ajudar suas amigas de poucos meses a fugir, beija um cara que você não gostava só pra não recusar um desafio. E agora você foge.

—Não fugi. Já disse.

—Está fugindo das suas responsabilidades- Kanato pareceu com raiva- Você cometeu um erro. Ok. E você tem a chance de ir pra aquele castelo e pedir desculpa pra todo mundo. E você foge disso.

—Eu não quero que me tratem mais como se eu fosse uma criança!- Briguei.

—Absolutamente ninguém te trata como se você fosse uma criança.- Ele retrucou- Todas as suas irmãs e suas amigas sabem do que você é capaz. Caramba, eu sei do que você é capaz. Não é todo mundo que praticamente joga o Reijii no chão por causa de uma poção.

Dei um sorrisinho fraco:

—Você lembra.

—É. Eu lembro.- Kanato não pareceu melhorar de humor- Você foi a menina que super nova teve a coragem de admitir quem era pro mundo inteiro e ainda tem orgulho disso até hoje. Mudar não é um problema, Sarah. Mas não querer lidar com as consequências das suas mudanças é.

—Você parece meu pai falando.- Reclamei.

—Eu tô falando sério.- Ele bufou- Olha pra mim. Ninguém me leva a sério naquela família. Eu pareço uma criança. Eu sou horrível de se olhar. Eu sou um caso perdido. E maluco. E eu não tenho nenhum amigo. E...

—Pode parar.- O interrompi- Você não é nenhuma dessas coisas.

—Sarah, não precisa querer mentir pra mim pra não ferir meus sentimentos. Eu estou a muito mais anos ouvindo isso do que você está viva.

—Eu te levo a sério.- Dei de ombros- Você é meio estranho e maluco ás vezes. Mas isso que te faz especial, sabe? Você é o único dos irmãos que, mesmo sem querer, admite suas fraquezas. Acho isso bem heroico.

—Heroico?- Kanato debochou- Sarah, eu tenho uma escuridão em mim. E ela domina meu corpo na maior parte do tempo. Eu me apego fácil á coisas e pessoas. E quando elas pensam em me abandonar, eu fico obcecado. É isso que aquelas bonecas de cera na outra casa representam. A minha escuridão.

—Todo mundo tem uma escuridão, Kanato.- Eu disse, me sentindo surpreendentemente relaxada- A gente só precisa saber dominar ela. Eu não sei como fazer isso com a minha.

—Nem eu com a minha- Kanato respondeu.

—Então estamos quites.- Dei um sorriso- Quer ir pra outro lugar? É um pouco estranho ter essas conversas profundas no meio da rua.

Kanato concordou com a cabeça, me oferecendo o braço que eu segurei com bastante disposição. Ele começou a me guiar para um lugar mais isolado do centro do festival.

—A sua escuridão já te fez fazer algo insano?- Kanato me questionou.

—Olha... ela já me fez insultar todo mundo que eu amo e bater na minha irmã.- Dei de ombros- E ela mesma me fez me sentir culpada e me atormentou com pesadelos.

—Pesadelos?- Kanato pareceu assustado- Odeio pesadelos. Não gosto de dormir por causa disso. Sempre os tenho. Quando nós dividimos a cama, eu só deitava e ficava parado com os olhos abertos fingindo que estava dormindo pra não te atrapalhar.

—Você me odiava, não devia se importar tanto.

—Odiar é uma palavra forte demais.- Ele explicou- Eu ás vezes sentia que você era a única que me entendia.

—Você só devia se identificar mais comigo do que com o resto dos seus irmãos ou minhas irmãs.- Eu suspirei- Ainda assim, devia ter me contado.

—O que? O quanto sou patético?

—Não te chamaria de patético.

—Então o que eu sou, Sarah?- Kanato me parou, e percebi que já estávamos perto de um lago, mais isolado do centro.

—Como assim?

—Em anos, você foi a única pessoa que negou todos os xingamentos que eu dei pra mim mesmo por toda a minha vida.- Kanato segurou as minhas mãos.

—Você já conversou com seus irmãos sobre isso?- Perguntei.

—Isso sim seria patético.

—Conversar sobre o que está sentindo não é patético.- Eu retruquei- Sei que é hipócrita da minha parte falar sobre isso, já que eu mesma nunca falei sobre toda a culpa e o auto-ódio que eu guardo e...

—Culpa de que?- Ele me interrompeu- Você nunca fez nada demais.

—Você só me conhece a três anos.- O respondi- Não sabe disso.

—Te conheço a tempo suficiente pra saber que você nunca faria nada demais.- Kanato pareceu confuso- Nada demais pra você sentir culpa.

Mordi o lábio. Se eu confessasse pra ele o que eu fiz...

É. Ele me acharia bem monstruosa.

—Não importa agora.- Eu engasguei com minhas próprias palavras- Já passou.

Mais ou menos.

Kanato segurou minhas duas mãos, e quase inconscientemente virou elas para encarar as palmas machucadas:

—Você que fez isso?

Minhas palmas estavam cheias de marcas de unha marcando profundamente a minha pele. Ao redor, uma coloração arroxeada começava a tomar o lugar dos tons de vermelho que antes tinham.

Não respondi.

Kanato fechou minhas duas mãos, as olhando como se fossem coisas de outro mundo.

Me entendi como assustada. Nos últimos três anos, eu havia visto Kanato como um vampiro adolescente que agia como uma criança sem mãe. Não entendia como ele podia ter amadurecido. Ou talvez ele sempre fosse assim, mas ninguém se dava o trabalho de procurar saber.

Bem, eu estava levemente feliz por descobrir esse novo lado do vampiro.

—Ne, Sah-chan...?- Kanato chamou minha atenção, usando o apelido que eu considerava sarcástico com uma espécie estranha de... carinho- Eu gosto muito de você.

Engasguei com minha própria saliva.

—É o que?- Me senti ficar fria e pálida- Isso é uma péssima decisão, eu devo te avisar.

—Você é a garota mais sincera que eu já conheci. E mesmo com tudo... você nunca me abandonou- Kanato admitiu- Eu fui monstruoso com você ás vezes.

—Eu perdoo as pessoas facilmente, como deve ter percebido.- Dei de ombros, mas me senti ficar vermelha quando Kanato ergueu minhas duas mãos até seus lábios e deu um pequeno beijo gelado nas duas.

—Eu sei que eu não sou o cara mais bonito ou mais legal que você já viu na sua vida. Eu sei que talvez eu seja um dos mais odiosos, também.- Ele suspirou- Mas se você quiser, eu estou disposto a me tornar uma pessoa melhor... A fazer coisas melhores... Se você me ter.

Senti meu corpo estremecer e um sorriso muito pequeno aparecer no meu rosto, e eu jurava que meus olhos até encheram um pouco de lágrimas:

—Ok.

—Ok?

—Eu te aceito.- Olhei pra baixo, nervosa e envergonhada.

—Ah.- Kanato pareceu ainda mais envergonhado- Não esperava que essa fosse sua resposta?

—Achou que eu ia te rejeitar?- Questionei.

—Não deveria. Você não é assim.- Ele suspirou.

Ele mal imaginava.

—Isso significa que você vai voltar pra casa?- Quase ri com o entusiasmo fofo dele.

Pensei um pouco e soltei um longo suspiro:

—Sim. Pode me deixar a sós, um pouco?

Kanato hesitou, mas concordou e se teletransportou pouco tempo depois.

Eu deixei um grande sorriso escapar do meu rosto, e eu tinha quase certeza que meus olhos deviam estar cintilando.

Eu realmente achava que meu dia ia ser um grande inferno. Mas vejam só a virada dos acontecimentos!

Claramente, eu não amava Kanato. Ele também não devia me amar. Mas ele era, sim, um cara adorável e bem fofo e estranhamente carinhoso. E ele estava certo, eu entendia ele. E ele me entendia. Era mútuo.

Talvez quando ele entendesse melhor o que se passava na minha cabeça e como eu realmente era, ele ia se desencantar comigo e procurar uma mulher que fosse a boneca (figurativamente falando, claro) perfeita pra ele.

Mas, honestamente, eu precisava sair do mundo cor-de-rosa que eu vivia antes e enfrentar a realidade: Não vai ter homem ou mulher perfeito(a) pra mim. Eu nunca vou achar um príncipe encantado ou uma princesa encantadora. Então eu preciso começar a buscar um tipo de relacionamento realista.

E Kanato estava honesto e maduro, aparentemente. E ele queria mudar. Por mim.

Não que ele precisasse de mudar. Ele só queria ser uma versão melhor de si mesmo. Eu não ia permitir que ele mudasse por minha causa.

Fui tirada da minha transe por um barulho de festa na rua perto do lago.

Curiosa, fui até lá.

—É uma benção!- Um homem gritou, estendendo um copo de vinho pro alto- Finalmente! Viva! Viva!

Consegui perceber que era um grupo de feiticeiros, pelas vestes e capas estranhas.

—Viva! Viva!- Os outros gritaram, também levantando os copos cheios de vinho.

Respirei fundo.

—Com licença...- Coloquei um pé na porta, apenas o suficiente pra eles notarem minha existência- Qual o motivo da festa?

—Não ficou sabendo?- Uma mulher deu um grande sorriso- O nosso rei, Robert, vai se casar!
Uau. Eu esperava tudo. Menos isso.

—Ah... que legal.- Fingi entusiasmo.

—Conta a melhor parte da notícia!- Uma outra mulher, de voz estridente, gritou- Conta! Conta!

—Foi num tratado de paz com os vampiros.- O homem do começo disse- Vai se casar com a irmã da Princesa Vampira.

Engasguei com o nada:

—Oi? Como assim? Qual irmã?

—Ah, não lembro o nome dela!- Um homem, já meio bêbado, comentou- Anunciaram a pouco tempo... Acho que começava com S...

Congelei.

Sofie.


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Notas finais do capítulo

E aí? O que acharam? (Não me matem nos comentários meodeos) Quais suas teorias e opiniões sobre o que vai acontecer ou o que já aconteceu?
Besos e até o cap 20!!! ♥



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