O poder das palavras escrita por Flavitta


Capítulo 4
Capítulo 4




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Xena ajeitava sua sela em Argo, como se tentasse manter-se ocupada para evitar o impulso de retornar à caverna de onde acabara de sair. O ar frio pressionava seus pulmões, aliviando em parte a combustão que queimava dentro de si.

Seu instinto dizia que não podia deixar Gabrielle com Najara, mas ela não tinha escolha, e, maldizendo a mulher, montou na égua e cavalgou até a aldeia tão rápido quanto pôde para finalizar aquela missão e regressar o quanto antes ao lado de sua companheira.

Sentia que talvez aquela proximidade entre Gaby e Najara poderia resultar de alguma forma, em um infortúnio para ela. Não duvidava que ela e Gaby dividiam uma ligação poderosíssima, mas receava que não fosse inquebrável. Obviamente ela subestimava o que tanto ela como Gaby sentiam na verdade. "Se eu tivesse a coragem e as palavras certas para dizer a ela, acabaria logo com esta angustiosa dúvida"- comentou para si amargurada e envergonhada por sua covardia.

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Partindo da aldeia, Xena seguiu os rastros dos guerreiros que viu fugir. Enquanto estudava o acampamento e a melhor forma de aniquilar aquela ameaça, sentiu seus pelos ouriçarem e, maximizando seus sentidos, focalizou seu olhar a uma pequena "mancha" no ar que se expandia revelando a fisionomia do Deus da Guerra. "Ares! O que faz aqui!?"- clamou ferozmente.

"Sabe Xena, eu sou, literalmente, o Deus da Guerra e, havendo a menor possibilidade de implodir uma batalha, eu certamente irei fazer uma visita para observar aos soldados que me honram com seu suor e sangue."- eludiu ele ardilosamente. "Além do mais, se eu tenho a chance de ver minha melhor guerreira em ação, eu certamente não perderei a oportunidade" - completou, aproximando-se de Xena e tocando em seu cabelo.

Sem hesitar, Xena empunha sua espada, repudiando-o.

Ele dá de ombros à aversão da mulher e continua: "Você pode fingir o quanto quiser, mas se você não gostasse tanto de mim, porque é que insiste em lutar. Já deveria saber que, cada vez que ergue uma espada, sempre terá um lado seu que me pertence" - insiste, circundando-a.

Xena arquea uma sobrancelha e, ironizando, baixa sua espada para provocá-lo. Ares olha para a cena teatral de Xena, e, em despeito por sua rejeição, lança no ar uma ameaça cheia de segundas intenções, aberta à suposições: "Seja como for, eu terei o que eu quero de você. E eu aceito a escuridão se for somente assim que posso tê-la"- esvaindo-se em uma espiral de luz.

Xena sabia que Ares não falara isso despropositadamente, contudo, não tinha tempo para perder com charadas. A cada minuto que passava ali era um minuto longe de Gaby e um minuto dela com Najara. Isso a fazia ranger os dentes e os pensamentos que cresciam em sua mente eram nocivos pra ela.

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O líder do exército invasor estava no seu momento mais vulnerável e ela deveria aproveitar a chance para surpreendê-lo antes que o mesmo tivesse tempo de recuperar as forças e promover um novo ataque à vila, que certamente pereceria.

Diante disso, ela espantou os pensamentos sobre Gaby e Najara, que teimavam em desconcentrá-la e atirou flechas certeiras nos pontos que considerava indispensáveis para que as tropas pudessem seguir com as investidas ofensivas. Sendo assim, atingiu o armamento, o alojamento e a própria barraca do comandante. Em questões de minutos, o exército era reduzido às cinzas.

Ela então se aproxima e invade o acampamento, finalizando o trabalho como uma vingadora de Celesta. Poucos puderam vê-la por entre as chamas e a névoa negra, antes de uma morte certa que chegava pelo corte frio da lâmina de sua espada.

Ela corre para a caverna.

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Não muito longe dali, uma Gabrielle confusa começava a despertar: "Xena... Xena?"- repetia ainda fraca. Mas ao abrir totalmente os olhos e recobrar a consciência, avistou Najara tocando seus lábios com um beijo suave, porém, possessivo.

Afastou a mulher prontamente, encarando-a incrédula: "O que você pensa que está fazendo?!" - berrou, ainda procurando Xena e por seus sais.

"Ela não está aqui" - respondeu Najara endireitando-se do empurrão, com uma voz ressentida, preenchida pela solidão que aquele tom de desprezo de Gabrielle lhe causava. Mesmo assim, desabafou: "Eu sei que você só tem olhos para ela"- revirou os olhos. "E me desculpe por beijá-la enquanto estava inconsciente, mas sei que seria minha única oportunidade e se eu não tentasse eu jamais sentiria o calor dos seus lábios nos meus. E mesmo que eu possa ver em seu olhar o desgosto, eu não me arrependo de tê-lo feito."- e se aproximando cada vez mais de uma Gabrielle completamente atônita, e, não vendo nenhuma mão para impedi-la, acariciou o rosto da poetisa e finalizou: "Diferente de Xena, eu não tenho medo de expor meus sentimentos, de usar todas as palavras. Eu vou atrás do que eu quero! E eu quero você Gaby. Sei que você também me quer, mesmo que em partes, pois já vi em seu olhar inúmeras vezes, em palavras e em seus gestos que você sente algo por mim também. Você tenta se enganar, mas a verdade é que o medo de finalmente assumir isso a impede de ver tão claramente o que sente" - aproximou-se de Gabrielle e selou aquela declaração com um beijo, a princípio, cauteloso, e não sendo totalmente não correspondido, invadiu com a língua a boca de Gabrielle sem hesitar, que, ainda catatônica e enfraquecida com aquelas palavras, só pôde fechar os olhos e esperar ser beijada por aquela mulher que, sim, diferentemente de Xena, lhe falava tudo o que ela gostaria de ouvir.

Em questão de segundos, e, até voltar a si e perceber o que estava acontecendo, Gabrielle foi e voltou ao passado, recordando de quando conheceu Najara e revivendo o que aquela guerreira a fez sentir.

Desde o primeiro encontro com a Guerreira da Luz, Gabrielle se sentira atraída pelas palavras de paz que pregava. Também notava-se particularmente atraída fisicamente pelo corpo escultural abaixo de suas roupas e por vezes fora surpreendida por admirá-la também como guerreira: veloz, forte e astuta. Foi a primeira vez que viu alguém que talvez estivesse quase no mesmo patamar de destreza de sua Princesa Guerreira. Naturalmente isso era um exagero da parte dela, mas, assim como Xena, Najara tinha um lado enigmático que a intrigava e a impulsionava a querer saber mais e mais sobre ela. Infelizmente, sua busca acabou por revelar a escuridão que residia no coração de Najara. Era difícil entender como era atraída pela escuridão alheia, e isso a assustava.

Recobrou a consciência e abriu os olhos empurrando a pretendente. Não soube precisar o que sentia por Najara, mas não se equiparava, de forma alguma, aos seus sentimentos por Xena.

Neste instante, uma enfurecida Xena invade a caverna e, com uma força descomunal até mesmo para ela, agarra Najara pelos ombros e a lança há metros de distância de Gabrielle, para quem olha com um olhar tão sombrio e silencioso que faz Gabrielle gelar e sentir o pesar carregado por aquele olhar taciturno. "Xena... Eu, eu..."- tentou pronunciar algo, mas fora interrompida pela Princesa Guerreira que voltava a almejar Najara com o olhar: "Afaste-se dela, Najara".

Completamente revigorada por aquele beijo, embora não tivesse sido totalmente correspondido ou não completamente rejeitado, Najara levanta-se e ataca Xena com a única arma que poderia realmente ferí-la: "Ela me beijou também"- disse lançando um sorriso maliciosamente triunfante.

"Ela me beijou também... Ela me beijou também... Ela me beijou também..."- aquelas palavras invadiram Xena consumindo-a numa mistura de raiva e tristeza, sentindo acender uma fagulha dentro de si e, em seguida, incendiar seu interior que desencadeou uma reação vulcânica, atacando Najara com sua espada - "Isso! - vibrou Ares escondido.

Ainda se recuperado da queda, Najara só pôde fechar os olhos a espera do golpe fatal prestes a ser deferido contra seu corpo.

"Xena, NÃO!" - gritou desesperadamente Gabrielle, já de pé e sangrando por entre seu ferimento.

Xena parou há poucos milímetros antes de atingir Najara, e, ciente da situação em que se encontrava, no ímpeto de sua fúria, largou a espada e virou-se para Gabrielle completamente derrotada.

Deixou-se ser consumida pela escuridão. "Oh... Gabrielle..."- murmurou ela com os olhos completamente encharcados e desiludidos. "Você sempre foi minha luz e a razão de tudo que há de bom em mim. Mas hoje eu compreendi que assim como você foi capaz de me salvar de mim mesma, só você poderia causar o meu fim... E quem vai me salvar de você, Gabrielle?"- dobrou os joelhos e, elevando as mãos trêmulas, cobriu o rosto em desgraça.

Gabrielle não sentia e tão pouco se importava com sua ferida, agora aberta, que manchava o tecido que envolvia seu corpo a ponto de encharcá-lo em um vermelho pegajoso. Não havia pior dor do que aquela ferida que sentia acabar de infligir em Xena e não sabia como estancá-la. Fez apenas o que poderia fazer e lhe abriu o coração: "Xena, eu NÃO a beijei de volta. Certo que não a afastei por completo, mas não porque a ame"- Najara vira o rosto ao ouvir isso. Parte porque não queria escutar e em parte porque avistara a espada de Xena no chão, tendo ideias. Gabrielle continuou: "Mas porque por alguns instantes me permiti ver você em suas palavras e me deixei levar por uma breve ilusão, pelo simples fato de ouvir dela o que eu sempre desejei ouvir dos seus lábios. Eu amo você Xena, com todo meu coração, como nunca amei alguém e nunca irei amar. E vejo agora que você também me ama, por favor, não me abandone" e cai em prantos enquanto tenta, sem sucesso, descobrir o rosto de sua guerreira que permanecia atrás daquelas mãos fortes.

Gabrielle sentia que seu coração fora totalmente despedaçado, fortemente culpada por não ter sido verdadeira quanto aos seus sentimentos em todos esses anos e, principalmente, falhar naquele momento anterior com Najara, em que vacilou ao deixá-la envenenar mais uma vez sua vida com palavras manipulando-a para desviar-se de seu caminho. E seu caminho era Xena.

Abriu os olhos, determinada a recuperar qualquer dano que havia feito no coração de Xena bem há tempo de ver Najara pegar a espada da guerreira que seguia ali reclusa, pronta para cravá-la em suas costas indefesa.

Ela empurra Xena e é atingida enquanto utiliza seu próprio corpo como escudo, protegendo sua amada de um golpe mortal: "Eu vou te proteger de mim Xena. Eu te amo mais do que a minha própria vida" diz serena enquanto desliza a espada para fora de seu peito.

Atordoada pela cena que acabara de suceder, Xena lança seu Chakran em direção de Najara, que não se movendo do trajeto óbvio do objeto, fecha os olhos e aceita a punição que ela mesmo estava prestes a acometer contra si mesma pelo seu erro, caindo sem vida, de olhos abertos voltados para sua amada Gabrielle.

A Princesa Guerreira puxa a barda para si, analisando a gravidade de seu ferimento, ela sabe que não há nada que possa fazer contra um sangramento no coração de Gabrielle.

"Minha Gaby, minha barda poetisa... Porque você fez isso?"- pergunta com uma voz pesada.

"Xena, eu posso aceitar minha morte, entregando, uma vez mais meu coração a você. Eu prefiro mil vezes meu coração dilacerado do que seu coração partido."- responde ela, tentando respirar e cuspindo sangue.

"Mas eu não! Por favor, Gabrielle, lute! Por mim! Volte a ser minha luz pois somente você é capaz de afugentar a escuridão que há em mim"- abraçando-a com mais força e trazendo-a para mais perto de seu corpo.

Xena então beija sofridamente o rosto e lábios de Gabrielle, acariciando todo seu corpo, como que tentando preservá-lo.

"Morrerei feliz com este beijo de amor, minha guerreira" - a barda esboça um sorriso com os lábios, cada vez mais brancos.


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