Venha Comigo. vol 3: Vida Morta escrita por Cassiano Souza


Capítulo 6
Rumo ao pesadelo


Notas iniciais do capítulo

Olá! Mais um capítulo, e um que eu gostei muito! E que está bem diferente do que eu planejava inicialmente, que seria um capítulo mais longo, e cheio de surpresas e muitas coisas em uma mesma embalagem! Na teoria estava bom, mas no meio da escrita vi que ficaria muito corrido e os personagens ficariam não muito bem justificados. Mas então resolvi fazer diferente, e aqui está esse capítulo. BOA LEITURA!



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Em Refúgio, planeta habitável, porém, inteiramente predominado por vegetação densa e animais irracionais, habitava também, a pequena e amedrontada vila dos Nipraa, fundada pelos antigos e já não mais existentes soldados da antiga guarda planetária dos Perobs, os Nipraas. No entanto, como já dito, eles não existem mais, foram perseguidos e escorraçados por Paradisum, tudo o que restou agora foram os poucos sobreviventes como o velho senhor Uooltc, e mais alguns também já velhos membros do conselho da vila, que de tudo fizeram em suas vidas para livrar os pobres jovens infortunados dos Perobs a terem as suas entradas no caminho final, deixar de ser um ser humano, se tornar um Cyberman. Mas, na ideologia dos Cybermans, a conversão não seria a morte, seria a melhora, a evolução, e se tornar um ser eterno. Seria viver sem necessidades físicas, ou problemas humanos fugasses, porém, com um preço... Perder os seus sentimentos, toda a sua humanidade. E para tentar dar um fim nisto, acontecia agora a aclamada missão que o Doutor tanto insistia, onde ele, Gaaiu, e alguns outros arriscariam completamente as suas vidas, em busca da nave da esperança, a TARDIS, e tentar assim, conseguirem fugir do inferno onde estavam enfiados.

Velozes e bem armadas, cruzavam farpantes quatro pequeninas naves de batalha, rumo ao Lamet, onde em cada uma delas, dois tripulantes estavam. Aquela, já era a missão. Gaaiu encarava séria e calada com a visão do escuro e frio vácuo, enquanto o Doutor, na poltrona traseira, mexia em alguns equipamentos, e os outros tripulantes, das outras naves, tagarelavam entre si pelos interfones. Conversar era um modo para tentar se esquecer de toda a tensão.

— Gharn? - Chamou uma pilota, de uma das naves, enquanto continuavam, a um outro piloto, de uma outra nave. – O que você está fazendo?

— Nada. - Respondeu o citado. 

— Como nada?!

— Nada.

— Ah!

— Tudo bem, então... Pilotando?

— Falando comigo, idiota! Tentei ser engraçada.

— Você sempre tenta, kralnelia. - Sorriu. – Por que sempre puxa assunto?

— Porque estou a fim de você, idiota. E não me chame de Kralnelia!

— Desculpe. Está a fim de mim?! O Neil já gosta de você!

— O Neil?!

— Eu não. - Responde Neil, de sua nave. – Na verdade, eu também estou a fim de você, Gharn.

— De mim?! - Espantou-se Gharn. - Sinto muito, mas quando sairmos daqui... Eu irei ficar com a Kral.

— Sem graça. 

— Jura?! - Pergunta Kral, animada. – Esse sempre foi o meu maior sonho!

— Não, esse sempre foi o meu maior sonho. - Afirmou Gharn, contente.

“Sonho”, era esta a palavra que chamava agora a atenção do Senhor do Tempo, ali, distraído com alguns cabos, parafusos e a sua chave de fenda sônica, mexendo em alguns aparelhos. E assim, se perguntava ele a si, se Gaaiu, alguém que se dizia tão sem esperança era capaz de ainda sonhar.

— E você, Gaaiu? - Perguntou o Doutor.

— Eu? - Continuava Gaaiu pilotando, e olhando firme para frente. – Eu o quê?

— Sonhos. Quais são os seus?

— Sonhos, sonhos são para aqueles que não vivem a realidade, que precisam de uma ilusão para terem um motivo para viver. Só funcionam para quem nunca acordou para a vida, e eu não sou um desses.

— Por que você tem de ser assim?

— Eu acordei, Doutor, simplesmente isso.

— Ou talvez apenas teve de esquecê-los.

— O quê?

— Bobagem. Continue. - Dispensou a conversa.

Não era bobagem para o Doutor, ele simplesmente não queria prolongar aquela conversa, não queria continuar ouvindo aquilo de um ser vivo com uma vida enorme pela frente, ele não queria ferir os seus corações apenas tentando curar os corações dos outros. Outros, que nem ao menos se importavam mais consigo mesmos.

***

Perob-2. 30 anos atrás.

— Eu estou dizendo, meninas, amanhã eu vou conseguir entrar na faculdade! - Comentava uma garota, empolgada, com as colegas no terraço. – Vou cursar o que eu sempre sonhei! Serei uma médica finalmente, dentro de alguns anos. Mas e vocês, o que vão fazer neste ano? - Perguntou, para as outras três colegas.

— Nós... - Responde apenas uma, por todas. – Nós iremos a Paradisum.

— Paradisum?!

— Sim, não teremos escolha. Nós não temos uma renda descente... E os nossos pais também não. Paradisum é a única coisa que sobrou pra gente.

— Mas vocês sabem o que acontece a quem vai para lá! As pessoas somem. O meu pai já disse isso várias vezes.

— São só boatos!

— Não, ele trabalha lá em cima, ele sabe sim sobre essas coisas. As pessoas estão sendo enganadas.

— Mas ele não é da patrulha? Se isso fosse verdade por que então ela não faz alguma coisa?

— Porque as tropas de Paradisum são mais influentes sobre o sistema do que nós, eles estão tentando limitar as nossas forças. E do jeito que vai o baixo orçamento público... Não duvido que a nossa única defesa um dia irá se acabar.

— Isso que você está falando é terrível!

— Mas é a verdade.

— Gaaiu?! - Chamou uma outra voz feminina, por um aparelho de comunicação em seu pulso. – Desça aqui!

— Ah, a minha mãe!

— Bem, acho que você deve ir agora. - Comentou a colega. - Até mais então.

— Até mais, nos vemos amanhã. E quero saber o nome daquele carinha!

— Amanhã no coreto.

E assim, a jovem Gaaiu se despedia das suas colegas, que desciam por um elevador, enquanto ela, descia pela escada, e partia para o seu apartamento.

— Arrume as suas coisas. - A mãe dela preparava apresada várias malas ao mesmo tempo.

— Mãe... Pra que isso?

— Arrume logo! Não temos tempo. - Tremulava as mãos.

— Mas por quê?! Para aonde vamos?! - Já estava muito assustada.

— Apenas faça o que eu estou pedindo, não temos mais tempo. O seu pai já está nos esperando numa pista de viagem.

— "Viajem"?Mas eu tenho que visitar a faculdade amanhã!

— Não tem mais.

— É claro que tenho!

— Não, a gente tem que ir embora.

— Por quê?! - Perguntou, indignada.

E a resposta de sua mãe, é apenas um triste e angustiante olhar, que com certeza possuía um grande motivo por trás de si, o de que aquele seria o fim da guarda dos Perobs, e todos ligados a ela seriam eliminados. Porém, nada disso imaginava a pobre Gaaiu, ela simplesmente sentia o sofrimento e aflição de sua mãe, e assim, se conformava mesmo em reluto. E interrompendo a discussão, a buzina do taxi ante-gravitacional chamava a atenção das duas, já a esperá-las na janela de saída.

— Vamos, pegue as suas malas. - A mãe pegava todas as que podia, e partia para a janela.

— Mas não arrumamos tudo.

— Não temos tempo!

***

Há quilômetros ou anos luzes de distância e já em 30 anos depois, se reuniam todos os 750 sobreviventes do massacre que havia sido o cyber ataque à vila, no grande e velho galpão onde Gaaiu sempre ia, que era já na úmida e escura floresta próxima à vila.

E na vila, apenas o silêncio e a solidão então se encontravam agora, isto tudo, a mando do Doutor, pois temia o possível e repentino despertar da cyber-tumba da floresta. Se ela se reativasse, os Cybermans com certeza então marchariam para o vilarejo com as instruções dos Cybermats, mas, se não encontrassem ninguém por lá... Tomariam então uma longa busca pelos arredores. Então, com todas estas variáveis, o que havia restado da antiga tropa da vila e mais alguns homens, mantinham guarda pelos arredores do galpão.

Enquanto lá dentro, as outras pessoas se mantinham quietas, e tentando os feridos e idosos manter algum repouso, com vários coxões pelo chão. E Grace, tentava manter tudo em ordem, desde ajudar com apoio emocional, cozinhar mesmo não sabendo, ou cuidar da saúde dos feridos.

— Ah! - Grace senta-se em uma cadeira, ao lado do líder Uooltc. – Estou cansada, estressada e preocupada. E por incrível que pareça, isto já é uma rotina.

Uooltc ri:

— Como estar cansada, estressada e preocupada pode ser uma rotina?

— Por causa de umas coisas que eu faço por aí com o Doutor.

Uooltc olha torto. Grace esclarece:

— Não! Não é isso.

— Já sei, então você é médica.

— Por quê?

— Porque ter os três requisitos que disse faz parte da vida de quem trabalha em um hospital.

— Nem me diga!

— A minha esposa... Ela era enfermeira. E a minha filha... Ela também queria ser médica.

— E acho que se fosse teria um grande futuro. Por que não foi?

— Por causa disto. - Olhava envolta. – Porque não estamos tentando viver, estamos tentando sobreviver. Ela foi obrigada a sacrificar os seus sonhos, para viver escondia em um buraco como este.

— Não fale assim.

— Mas é a verdade.

— Mas mesmo que sendo algo horrível e ninguém merecendo passar por isso... O senhor não acha que foi necessário? Não haviam escolhas, haviam?

— “Escolhas”, palavra difícil, e ainda mais quando você só possui uma. Nunca é fácil seguir o caminho que não escolheu, mas às vezes... Devemos faze-lo, tem horas que tudo o que nos resta é um sacrifício. Às vezes, não existe outro caminho. - Olhou para Grace.

***

Pelos arredores do galpão ou mais adiante, a cautela e apreensão continuavam em perambular pelo silêncio dos bosques, e pelas sombras das arvores, onde a patrulha cumpria dezenas de rondas circulares em um grande grupo armado. Todo este esforço, para se prevenirem ainda mais contra os Cybermans, pois, eram eles inimigos muito traiçoeiros. E nestas andanças, um dos patrulheiros notava agora algo de muito intrigante.

— Lermin? - Chamou o patrulheiro, vendo algo atrás de um arbusto.

— O que foi? - Perguntou Lermin, já mais adiante.

— As armadilhas que nós armamos.

— O que tem elas? - Se aproximava.

— Eu venho as-observando por todo o nosso caminho, e estão desarmadas.

— Devem ter pego algum animal, só isso.

— Claro que não! Se fosse assim, pelo menos uma delas deveria ter algum bicho capturado, não deveria?

— Então o que acha que foi?

— Podem ter sido os seres que o Doutor disse. - Lembrou Aduen. – Antes de ir ele contou que os Cybermats são sabotadores, e agem como sondas de pesquisa de campo.

— Então estão preparando o terreno. - Conclui, Lermin encarando a armadilha desarmada, uma engenharia cheia de cordas e arame. – Ótimo, iremos nos dividir. Iremos caçar os Cybermats.

— Certo. - Consentiam todos os outros.

— Estamos em 30, quero então várias duplas, serão 15. Quero que nos espalhemos, faremos rondas melhores assim.

E nisto, se formavam e partiam as duplas, e antes que o mais tímido e “inexperiente” que era Aduen combinasse com alguém, Lermin escolhia ele:

— Aduen, você vem comigo.

— Está bem. - Consentiu Aduen. 

— Vamos continuando.

Cada dupla seguia em uma direção oposta. Lermin indaga, e a caminhada prosseguia:

— Acha que dará certo? 

— O que dará certo?

— A missão. Os planos do seu amigo com roupas engraçadas.

— Talvez. Gaaiu parece confiar nele. Você não?

— Gaaiu não confia em ninguém, ela apenas está cansada. E eu... Acho que para mim tanto faz também.

— Por quê?

— Porque... Você já sabe, por causa de tudo. Mas eu ainda não perdi a fé, ainda não. Ainda acredito eu uma vida melhor.

— Eu também. Embora eu saiba que algumas coisas são impossíveis de serem alcançadas.

— Quais tipos de coisas?

— Coisas. Coisas, como... Coisas simples como um boa convivência com qualquer outro que seja diferente de você.

— Bem, existem diferenças em todas as coisas, a distinção é inevitável.

— Mas e se... Alguém que você conhece possuísse uma grande diferença?

Lermin apenas ouvia. Aduen continua:

— Uma diferença que todos a-repudiassem, e então acabassem desprezando completamente tudo o que aquela pessoa é apenas por uma pequena diferença, você ainda seria amigo dessa pessoa?

E sorrindo sincero enquanto imaginava uma resposta, responde Lermin normalmente:

— Se eu e essa pessoa formos amigos mesmo... Então a diferença qualquer que seja nunca fará diferença.

Então, estaria talvez aí uma pequena faísca de uma verdadeira amizade, onde você não faria diferença por suas peculiaridades e características, e sim, apenas por ser quem você é, e pelo que estaria ali ao lado daquela outra pessoa. E assim, Aduen poderia tentar se esquecer do que Uooltc havia lhe dito no inicio de madrugada. E sem mais delongas, continuavam as rondas.

***

No cheio e tenso galpão, crianças brincavam caladas, adultos se calavam pensativos, idosos permaneciam em imensa tristeza devido as circunstancias, e pensando nas suas ações da juventude, e se perguntando o que eles teriam feito para merecerem aquilo. Porém, outros, se ocupavam agora com outros problemas, como tomar remédios, por exemplo, e aqui agora fazia Uooltc isso. Engolindo dois comprimidos, e tomando um copo d’agua.

— Para qual problema serve este remédio? - Pergunta Grace, chegando com uma tigela de mingau, para Uooltc.

O velho apanha a tigela:

— Você é amiga do Aduen, não é?

— Sou. - Sentou-se ao lado do líder. – Ou pelo menos eu acho que sou.

— Com certeza são, ele é um bom jovem. Tomo o remédio porque eu também sofro do mesmo mal que ele.

— O senhor também tem aquela doença com um nome maluco?!

— Tenho, e que bom que você não sabe falar o nome dela.

Grace sorri sem graça. Uooltc prossegue:

— Mas estes comprimidos... Eram os últimos dele, os últimos que ele tinha.

— E mesmo assim ele os-deu ao senhor? Não acha que isso pode fazer falta a ele em algum momento de necessidade?

— Sim, pode fazer muita falta, mas talvez ele ainda consiga ficar bem. Ele é muito gentil. Pessoas são gentis quando amam as outras, ou quando tem pena das outras. Ele é gentil porque também sabe o que eu sinto, mas, não é pena, é apenas respeito. Ah, e obrigado pelo mingau!

— De nada. Mas e estas pessoas... - Grace fitava os muitos. – Elas respeitam o senhor?

— Como líder? Sim. Como portador do Seblmaproerio? Não, nunca respeitariam. Nem sabem ao menos.

— Isso não é justo, foi você quem cuidou delas! Elas talvez não sejam tão fechadas se um dia se revelar.

— Não, querida, não é assim que acontecem as coisas por aqui.

— Mas ainda assim... Luta pelo bem de todos eles.

— Luto.

— Por quê? Pena? Ou amor ao próximo?

— Acho que... Pelas minhas filhas.

— Grande pai. - Disse entristecida.

— Mas apenas pude fazer isso por um certo tempo, a minha doença me tirou os movimentos das pernas. E até hoje todos acreditam que foi em um embate contra um Cyberman.

— Mas se o senhor perdeu parte da capacidade motora... Como ainda conseguiu ir resgatá-las lá em cima, construir uma vila, se adaptar às hostilidades locais?

— Eu não consegui.

— "Não conseguiu"?! E como temos isso tudo em nossa frente agora?

— Porque um motorista dirige um caminhão apenas por enquanto puder estar desperto, mas quando chegar a hora do repouso... Ou ele para, ou passa o volante à outro. A estrada é perigosa. 

E não se precisava de um grande esforço mental para entender aquilo, Grace simplesmente entendia tudo aquilo de forma completamente compreensível. Tudo o que Uooltc queria dizer era que ele não possuía mais capacidade física para lutar pelas pessoas, e por isso, Gaaiu tomaria então mais essa responsabilidade. Uma, que ela nunca desejou, e que apenas continuava a lhe abater cada vez mais.

— Eu queria que fosse tudo diferente... - Dizia Grace. – Sonhos sendo transformados em pesadelos, pessoas se transformando em máquinas... Sei que a raça humana não é nenhuma santa, mas ainda assim eu amo esse nosso povo, nós não merecíamos isso. Se eu pudesse ajudar... Eu ajudaria, mas o que eu poderia fazer?

— Eu também ajudaria, se pudesse. Ou, talvez até possamos...

— Possamos? Como assim?

— Apenas uma bobagem, esqueça isso.

— Não, não vou não. Se pudermos mesmo fazer alguma coisa, então iremos fazer alguma coisa.

— Tem certeza?

— Absoluta!

— Está bem, me siga então! - O velho suava a testa, preocupado.

E assim, Uooltc seguia na frente passando com a sua cadeira de rodas, e Grace, apenas o seguia curiosa. Será mesmo que ela poderia ajudar em alguma coisa e encerrar de vez com a triste visão que avistava dos descendentes da sua raça? Era o que ela queria saber, pois era algo lamentável demais, saber de tudo o que a raça humana já passou antes mesmo dela ter nascido, e agora, depois de milênios... Ver ela chegar ao fim.

***

Na missão, a velocidade das naves dizia toda a pressa em que estavam, e os olhares dos pilotos, dizia toda a tensão e preocupação que os angustiava. Mas, descontração também havia ali, o recém casal de Kral e Gharn conversava bastante pelo interfone, e Gaaiu, deixava agora o volante, e se servia de um pouco de café.

— Você não está pilotando a nave, sabia? - Diz o Doutor, mexendo nos circuitos do Cybermat, abatido por Grace.

— Eu sei que não. - Dava um gole em seu copo. – Essas naves funcionam com uma guia de comando automático. - Olhava para o Doutor. – E você, com esse bando de tranqueiras, para que isso?

— Por causa de uma palavra muito fácil, e que gosto muito.

Gaaiu encara curiosa. O Senhor do Tempo revela:

— Esperança.

— Está me fazendo um pedido ou apenas falando?

— E isso importa?

— Importa. Pois se você estiver apenas me contando algo, então ótimo, foi o mesmo que eu ouvir o vento. Mas se você ainda estiver tentando me encher com aqueles seus discursos...

— E o que é que tem os meus discursos? Todos amam os meus discursos!

Gaaiu fechou a cara. O homem insiste:

— Mas, se por acaso eles a-ofenderam de alguma forma... Eu sinto muito, mas eu apenas tentei ajudar. Você possui o direito de desistir se quiser, mas eu também tenho o direito de não desistir, e eu não desisti de você.

— E quem disse que isso depende de você?! Se eu já estou sem esperança e forças... O problema é meu! Eu nem lhe conheço direito! Por que você se importa?! 

— “Porque”? Porque é assim que eu também já estive em alguns momentos. Eu era um velho rabugento, cheio de bobagens, e que se irritava e entristecia com cada canção feliz que via, cada história ou fabula alegre, e sabe o porquê?

Gaaiu ouvia atenta. O gallifreyano prossegue:

— Porque para mim nada era tão simples, a vida era podre, era injusta. E o que você acha que eu fiz?

— Não me importa.

— Tudo bem, não lhe importa. Mas o que eu fiz não foi se acomodar em um canto e deixar o vento moldar a minha estrada, eu lutei contra isso. Eu lutei contra o mundo, mas não para ver alguém me chamar de herói! Para que servem heróis?! Eu fiz o que esperaria que alguém fizesse por mim, mas ninguém nunca fez. - Deu uma pausa, pensando. – Mas tudo bem, a vida não é uma troca de favores, isto seria capitalismo, não?. - Terminou, triste.

— Você fala como se sempre soubesse de tudo. Não acho que você seja um simples estranho cabeludo e com roupas ridículas. De onde você é? É médico de verdade?

— Quase, não sei até hoje onde está o meu diploma!

Gaaiu tenta evitar um leve sorriso eminente. O homem esclarece:

— E não sou um humano, sou o Doutor, um Senhor do Tempo do planeta Gallifrey, tenho séculos de existência, e estou sem casa e carro, mas, ainda assim, me importo com vocês.

— Você é louco. - Duvidou Gaaiu, aparentemente confusa.

— Eu sei, louco é qualquer um que vá contra a maioria.

— Está se referindo a mim?!

— Senhora Gaaiu?! - Chamavam os outros, pelo interfone, interrompendo assim a conversa. – Preste atenção! Já estamos há 500 metros do Lamet.

— Certo. - Voltava ela para os controles da nave, e o Doutor, se encosta na janela, e via ali a enorme e impressionante visão do grande asteroide e base Cyberman.

Gaaiu ordena:

— Acelerar!

E assim, aceleravam. Gaaiu continua:

— E preparem-se também com as armas. Os seus atiradores traseiros e automáticos estão apostos?

— Sim, senhora! - Respondiam todos os outros.

— Ótimo, então vamos adiante! - Mais velocidade era adicionada. – Precisamos chegar o mais próximo possível, o Doutor disse que precisa entrar lá dentro.

— Certo, senhora. - Consentem os outros. - Mas tem mais uma coisa.

E pelo radar, se notava mais algo se aproximando. Eram os traiçoeiros e terríveis Cyberdrones. Que logo saíam por inúmeras pequenas comportas da base, e se dirigiam em direção das naves, com as suas aramas carregadas de puro fogo e ódio, em disparos a lasers, esverdeados.

— Gharn? - Chamou Kral.

— O quê? - Correspondeu Gharn.

— Eu te amo. 

E Gharn sorri sincero:

— Eu também, Kral, eu também te amo.

Naves da missão e Cyberdornes, e em poucos metros umas das outras, um conflito estava declarado.

— E você, Gaaiu? - Perguntou o Doutor.

— Eu o quê? - Ela olha para ele.

— Está pronta?

E ela custa em responder, apenas respirava ofegante, enquanto encarava aos olhos distantes e azuis do Doutor. Gaaiu estaria preparada?

***

Planeta Refugio. 30 anos atrás.

Em uma pequena e pedregosa planície entre grandes florestas e grandes morros, onze naves de médio porte pareciam ter acabado de pousar, e de pouco em pouco, todos os passageiros desciam de dentro. Mas, não qualquer tipo de passageiro, eram as infortunadas e aflitas famílias da guarda dos Nipraa, os foragidos defensores dos Perobs, mas, apenas aqueles que conseguiram escapar.

— Que lugar é esse, mãe? - Pergunta Gaaiu, já do lado de fora.

— É onde iremos viver agora. - Responde a mãe, quase tão desapontada quanto.

— Viver aqui?! Como assim?! Temos a nossa casa, os nossos amigos, e a vovó ficou no asilo!

— Eu sei.

— "Sabe"?! E por que então vocês estão aceitando isso? - Encarava as outras famílias.

— O seu pai não te contou?

— Não, o que ele teria para contar? Ele só ficava pedindo pra eu ficar calma, e mentindo que tudo iria ficar bem.

— Eu não estava mentindo. - Saía o pai, da nave. – Tudo ficará bem.

— Tudo bem, mas me explica agora por que estamos aqui.

E sem não querer negar mais nada, Uooltc agora apenas diria a sincera e pura verdade. Os seus olhos estavam tristes e sérios ao mesmo tempo:

— Estamos aqui porque a nossa antiga vida não pode mais existir.

Gaaiu continuava sem entender. O pai prossegue:

— Você e sua mãe correm risco de vida apenas por fazerem parte da minha vida. Todos os que são da guarda estão passando por isso agora, isso é sobrevivência.

— Mentira, como isso pode ser possível?

— Porque Perob está quebrado, não tem mais forças para se manter em pé, e estávamos trabalhando já há dois meses sem ganhar nada, estávamos apenas servindo por bondade. Iriamos então acabar de um jeito ou de outro, mas neste caso... Foi pela crueldade mesmo.

E as lagrimas de Gaaiu escorriam pouco a pouco, e assim, atingiam certeiras ao chão que ela encarava. Uooltc continua:

— Mas, escute, querida, aqui é um planeta melhor, e é só nosso! Não possui toda aquela poluição que tínhamos, e poderemos criar a nossa própria cidade. Poderemos ajudar também outras pessoas, aquelas que são enganadas em Paradisum. Pense nisso.

Gaaiu encara séria, enxugando as lagrimas:

— Eu não quero isso pra mim.

— Você não tem escolha. Não é de maior, e nem tem outra alternativa.

— Mas eu não quero isso pra mim.

— Ah, não existe mais querer, tem que ser assim!

— Não, não será assim. Eu não quero isso!

E após estas palavras cheias de indignação e imaturidade, corria Gaaiu para uma a escura e enorme floresta, contra a sua nova realidade, e assim, o seu pai também se apressa em correr atrás dela, contra aquela atitude impulsiva, mas... Acabou ele simplesmente caindo no chão.

— Uooltc, o que houve?! - Pergunta a sua esposa, tentando ajuda-lo a se levantar.

— Nada. - Negou, indisposto. 

— Como nada?! Você caiu sem tropeçar.

— Não é nada, eu já disse!

Não, não era nada, e Uooltc sabia disso. Ele havia sido impossibilitado de ir atrás de sua filha, mas, não por um mero tropeço, e sim, porque aquele seria um dos primeiros problemas que ele iria enfrentar em sua vida, e que acabaria um dia fazendo com que todas as suas responsabilidades fossem despejadas em cima da pobre jovem Gaaiu.

 

 


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Notas finais do capítulo

Umas coisas para relembrar aqui, a Kral e o Gharn já foram citados na história, foi lá no segundo capítulo. E o Neil foi uma pequena referência, para aquele astronauta chamado Neil Armstrong, que foi o primeiro homem a pisar na lua, e aqui neste capítulo eles estavam indo para uma lua, (Lamet-29, um asteroide que é o satélite natural de Perob-1)
E esse capítulo seria muito diferente mesmo, os meus planos eram outros, mas acho que desse jeito aqui ficou muito melhor, e o próximo seguirá o mesmo estilo, de mostrar cenas do passado da história, sem que eles mesmos precisem estar falando como foi.
Agora aquela descrição que o Doutor deu sobre ele mesmo de como ele era em seu passado de talvez quando ainda era o primeiro Doutor e antes de ter fugido de Gallifrey também, foi totalmente imaginado por mim, mas não estou dizendo que ele odiava mesmo as coisas alegres como ele disse, é apenas uma observação que acho que combina com o inicio do personagem, e que se encaixa perfeitamente com a história dele.
Acho que tem mais coisa pra explicar, só não lembro o quê! Obrigado pela leitura. 