Entre Páginas escrita por Raíssa Duarte


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

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Boa tarde!



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—Se este seu amigo é assim tão bom para Melissa, por que ainda não propôs? – Perguntou Amália. – Ele vem visitando-a, mas nada de pedido.
   -Talvez ele ainda esteja decidindo. – Argumentou o marido, lendo um jornal e comendo biscoitos de uma bandeja, acompanhado por uma xícara de chá. – Não se escolhe uma esposa ou um marido como se escolhe um doce em uma confeitaria.
   -Decidindo? O que há para se decidir? Melissa é uma jóia que ele não encontrará em outro lugar. Nota-se que não conhece as regras da sociedade. Um homem de nosso convívio já estaria cortejando-a oficialmente, para logo pedi-la em casamento. Quanta demora. – Resmungou enquanto descartava uma carta.
   Camargo torceu a boca em desagrado e retornou ao seu livro.
   -Nossos pais estão na cidade... – Comentou Luísa lendo a missiva de São Paulo. Estão com saudades, óbviamente... – A leitura parou diante de um parágrafo.
   -O que foi, Lu? – Perguntou Mel, fazendo sua própria cartada.
   -Nada. – Dobrou o papel. – Posso jogar a próxima partida?
   Melissa olhou para ela, escrutinando-a com os olhos.
   -Você é uma péssima mentirosa. Dê-me a carta.
   -Mel...
   -A carta, Luísa. – Estendeu o braço em uma exigência muda.
   A contra gosto, a jovem entregou o papel para a irmã.
   Melissa leu com velocidade, até que parou na mesma linha que Luísa se recusara a ler em voz alta.
   -O quê? – Sussurrou. – Isso... Não pode ser...
   -O que foi? – Agora ambos seus tios estavam alertas.
   -Não, não, não, não, não. – Levantou-se, absorta.
   -Luísa, explique o que está acontecendo. – A voz de seu tio soou distante em seus ouvidos. Assim como a explicação apressada de Lu.
   Não.
   Sua vida tinha um senso de humor sádico para com ela.
   Perdera a oportunidade de ascensão social, um compromisso vantajoso, ficaria mal-falada, tudo aquilo em um curto período de tempo, e agora...
   Amassou a carta lentamente, em puro instinto, como se fosse o rosto de Júlia Martins.
   -Ela me paga. – Foi o que se ouviu dizer, entre dentes.
   -Mel... – Sua irmã tentava acalmá-la.
   -Não. – Cortou. – Nem sequer tente.
   -Eu não estou entendendo. – Camargo franziu o cenho. – É uma disputa boba? Seu namoradinho? O que está acontecendo?
   Melissa subiu a escada em direção ao quarto, em um rompante. Quase derrubou o tinteiro na pressa e fúria. Quase rasgou o papel enquanto colocava palavras nele. Sua bela caligrafia tão elogiada por instrutoras agora pareciam rabiscos incoerentes.
   Relatou os últimos dias na residência da tia, pediu por mais detalhes a respeito de Rodolfo e Júlia, e tranqüilizou os pais.
   Ela voltaria casada para São Paulo.
   Agora tinha certeza.

                        ♧♧♧
   -Tudo bem? – A empregada deu um puxão em seu espartilho.
   -Se você se refere á carta de anteontem, eu estou ótima. – Alisou o tecido tafetá de seu vestido de gala em tom champanhe.
   -Tem certeza? – Um último puxão e então a mulher ajudou Luísa a submergir em um monte de anágua e saias.
   -Queria ver-me chorando? – Melissa escolheu os brincos calmamente.
   -É claro que não. Não é o seu estilo. – Agora seu corpete era amarrado. – Mas você está tão calma.
   -Estou focada. É diferente.
   -Focada?
   -Sim, Luísa. Hoje vou tentar fisgar um pretendente de modo mais... enfático.
   -E se não der certo?
   -Então... – Suspirou. – O amigo de titio é minha melhor opção.
   -Será que papai vai aprovar? Ele não tinha título e era pobre.
   -Mas é um republicano. Talvez tenha amigos muito importantes para apresentar a nosso pai. E ele era pobre. Agora é podre de rico. E conhece as pessoas certas. Assim como eu.
   -Que titia não ouça você dizer isso.
   -Falo sério, Luísa. O patife e a cobra vão se casar em maio. E quando isso acontecer, meu nome não valerá nada. Já devo estar na boca da sociedade paulista, não quero nem pensar se algum mexerico escapar para cá. Sabe o que dizem; ‘Uma irmã perdidas, todas perdidas.’
   -Você não é uma perdida. – Revirou os olhos.
   -Quando Júlia acabar comigo, eu serei. Ou você acha que a versão dela da história vai pintá-la como vilã, como nós sabemos ser verdade?
   O silêncio foi sua resposta.
   Melissa perfumou-se cuidadosamente.
   -Ela deve me odiar para ter chegado a esse ponto. Casar com Rodolfo! – Riu. – Eu mesma ás vezes me perguntava se conseguiria escapar de tal destino, e ela correu para ele. Pobrezinha. Enfiou a si mesma em uma grande arapuca. Será que ela já percebeu?
   -Essa rivalidade de vocês duas é nociva. – Calçou as sapatilhas.
   -Eu nunca quis aquele paspalho pelo qual ela era apaixonada. E ela tampouco deveria querê-lo, se estava atirando-se em minha direção. Ao invés disso, ela preferiu canalizar toda a raiva de sua humilhação em mim. Patética.
   -Ela é vingativa além do ponto saudável.
   -Só conseguiu destruir a própria reputação também. E amarrar uma bola de canhão ao pescoço.

 

Durante a festividade, Melissa esteve mais radiante do que nunca.
Já Luísa, pouco se importava. A temporada fora a coisa mais decepcionante que ela descobrira em anos. Uma chatice sem fim. Ao menos os docinhos e salgados eram gostosos. Se continuasse comendo cada vez mais e dançando menos, logo o espartilho ficaria apertadíssimo, mas ela simplesmente não via a menor graça em dançar. Ou pior ainda, ter seu pobre pezinho maltratado por um pé masculino rude.
   Colocando uma porção generosa de ponche em sua taça, imaginou as delícias que a aguardavam na próxima mesa. Sua mãe desmaiaria se a visse empanturrando-se sem o menor zelo com a própria medida de cintura, mas após dias de tédio acompanhando Melissa, ao menos algum proveito ela deveria tirar, não?
   Vozes denunciaram dois cavalheiros próximos.
   Luísa afastou-se da mesa de bebidas para abrir e espaço.
   E trombou imediatamente com o cavalheiro que seguia na direção oposta.
Felizmente, a bebida não fez um grande estrago em seu vestido.
   Infelizmente quem estava por perto reparou.
   Felizmente a bebida fez um grande estrago na roupa do detestável Roberto Medeiros.
   -Mas que... – Ele se afastou imediatamente, com o amigo. Olhou para a mancha vermelha em seu colete e camisa anteriormente branca. Ele a olhou, zangado;
   -A senhorita não olha por onde anda.
   -Eu?! Mas foi o senhor quem trombou em mim, eu já estava saindo!
   -Pois então saia, antes que derrube a mesa inteira sobre mim.
   Ela adoraria se aquilo acontecesse.
   Porem, estavam em público, e não poderiam chamar atenção.
   -Recuso-me a levar esta culpa! O senhor estava tão distraído pela conversa, que tropeçou em mim. Olhe o senhor por onde anda. – Sua taça estava tristemente vazia, e não queria reenchê-la perto de tal pessoa. Abandonou o recipiente e saiu, também irritada.

                      ♧♧♧

Com o passar das semanas, Amanda tentou manter-se o mais longe possível do cliente desprezível. Sequer falava com ele, apenas esperava friamente que fizesse seus pedidos e afastava-se o mais rápido possível. Por causa dele, retirara as comidas de sua avó e voltara a servir as tradicionais, e o lucro com as refeições estagnou outra vez.
   No entanto, em seus dias de folga, passou a auxiliar a mãe em um projeto que a mesma desenvolvera; ensinar as crianças do cortiço a ler e escrever. Segundo Helena, eles já estavam em desvantagem o suficiente, e uma educação mínima seria o melhor começo. Ela até mesmo tentou convencer alguns adultos a participarem também, mas nenhum aceitou. Todavia, pais deixavam seus filhos estudarem. Tudo era muito simples e precário, mas com esforço e paciência, Amanda e a mãe obtinham resultados. Talvez aqueles pequenos pudessem ter um futuro melhor do que seus pais. Amanda estava cheia de orgulho da mãe.

                       ♧♧♧

Com o começo de abril, Melissa abriu mão de qualquer ilusão sobre apanhar qualquer bom partido que encontrasse nos salões ou soirées. Tornou-se um pouco mais ‘atirada’ com relação á Henrique sempre que ele fazia visitas ao seu tio. Desafortunadamente, o homem era uma incógnita. Frio como uma geleira, quase não tinha senso de humor e raramente demonstrava algum sentimento além da seriedade. Mel tinha plena ciência de sua própria beleza, e sabia que Castro não era imune a ela, mas precisava de bem mais do que meras visitas e conversas recheadas de sutilezas padronizadas sem um significado claro. Mas maldição, ela não poderia jogar-se demais, ou sequer pedi-lo ela mesma. Era humilhante ter de esperar por uma atitude quando já dera todos os sinais sutis disponíveis de uma dama.
   Ás vezes homens eram lentos demais.

 

—Mel, você ainda não está pronta? – Amália entrou no quarto, com seu chapéu em mãos. – Onde está Luísa?
   -Banhando-se. – Respondeu ajeitando o penteado com uma presilha delicada. Já escolhi para ela. Não se preocupe. – Apontou com a cabeça para a roupa sobre a cama.
   -Você vai com este? – Perguntou vendo-a pronta. – Por que não usa o de cetim branco? Você fica linda nele.
   -Já cansei dessa caça, tia. Luísa ainda pode pescar alguma coisa, é jovem, linda e com dote. Eu já estou na fila das solteironas. O título de meu pai já não vale de mais nada. Agora sou como qualquer outra moça. – Apanhou as botinas negras de passeio que haviam sido cuidadosamente lustradas.
   -Nunca. – Afirmou sua tia. – A nobreza nota-se á distância, mesmo que não tenhamos mais títulos. E você, Melissa, é um tesouro. Qualquer rapazote agradeceria todos os dias por ter você.
   -Então torçamos para que o Sr. Castro saiba reconhecer meu valor. – Colocou as botas nos pés com delicadeza, e então deu um forte laço em cada uma.
   -Ainda com essa idéia? Camargo encheu sua cabecinha...
   -Tia, encare os fatos, ele é minha melhor chance. Provavelmente minha única chance.
   -Não se desmereça tanto...
   -Sou filha de um antigo nobre, e ele um republicano endinheirado. Vamos fazer muito bem um ao outro. Se ele está me visitando...
   -Acho melhor continuar procurando por mais um tempo... – Disse a tia em tom suspeito.
   Melissa levantou a cabeça, surpresa;
   -O que foi?
   -Seu tio caiu do cavalo. Ele aparentemente não é tão chegado assim no burguês quanto pensou. Pelo menos não tanto quanto o pai de Bianca Ferraz.
   A morena franziu o cenho.
   -Bianca Ferraz... A recém chegada á capital?
   -Essa mesma.
   -O que tem ela?
   -Camargo relutantemente me contou que ficou sabendo que Castro tornou-se, ou sempre foi amigo do Sr. Ferraz. E ele tem uma filha em idade de se casar...
   -Vão querer unir as famílias... – Especulou.
   -Homens como eles só pensam em uma coisa; dinheiro. Marcelo Ferraz também é um industrial.
   -Mas não é possível! – Bufou. – Nós íamos bem! Titio tinha quase certeza de que proporia. Não é assim que é feito! Ele está visitando a nós duas e decidindo qual é a melhor?! Isto é o ápice da indelicadeza, é... é sórdido!
   -O que você esperava de um pobre rico?
   A moça tamborilou os dedos sobre o braço da poltrona sobre a qual estava sentada;

—Preciso confirmar. A tal Bianca vai estar no chá dos Dantas?
   -Sim. Acabou de debutar, não vai perder a oportunidade de ganhar seu quinhão. É tão podre de rica que os janotinhas estão indo até ela como formigas atrás de açúcar.
   -Vamos ver.


   Cartas foram e vieram. As meninas escreviam e liam. Leo logo estaria de volta e então poderiam matar a saudade. Isto é, se seus pais não a forçassem para permanecer no Rio de Janeiro. O que provavelmente aconteceria. Se o ano acabasse sem Melissa estar noiva, apelariam para um pretendente falido ou um escândalo no próximo ano. Mas a reputação de Mel provavelmente não sobreviveria a mais um desastre social.

—Que bom que aceitou meu convite! – Disse Melissa, amigavelmente. – Com este calor, eu queria mesmo sair de casa.
   -Ah, eu também! No interior não faz esse calorão todo! – Confessou Bianca Ferraz, enquanto tentava tomar seu sorvete de maneira elegante.
   Estavam em uma confeitaria da Rua do Ouvidor, tomando o gelado enquanto trocavam palavras.
   Mel abordara Bianca no chá dos Dantas, o que não fora algo difícil. A garota parecia uma lebre assustada, acuada em um canto do enorme jardim. Ela ficou mais do que encantada em fazer uma nova amizade, considerando que todas as outras damas a evitavam por conta de sua origem simples. Não demorou muito, e ela desatou a falar sobre si mesma e como estava deslumbrada com a capital.
   A Srta. Albuquerque convidara-a para saírem juntas na intenção de sondar a garota e descobrir em quantas andava sua relação com Castro e se havia alguma veracidade no relato de sua tia. Seu tio Camargo parecia extremamente decepcionado. Ele esperava estreitar ainda mais sua amizade através de um possível casamento entre a sobrinha e o colega.
   -Sim, você me parece bem apegada ao campo... Adaptação difícil?
   -Mais do que imagina... As moças aqui são... bem... – Mordeu o lábio e corou.
   -Não há problema nenhum em dizer. – Riu levemente. – Também vim para cá este ano e elas não gostaram nada.
   -Imagino... Você chamou muita atenção. Acho que elas se sentiram ameaçadas.
   Não o bastante, pensou.
   -Nisso somos duas. – Tomou uma colherada de sorvete da taça. – Desde que cheguei não me sinto bem-vinda. A recepção carioca foi morna.
   -Que bom então que encontrei você! Assim faremos companhia uma a outra! E talvez você também possa me dar algumas dicas. Papai contratou uma governanta para mim, mas sei que estou fazendo tudo errado. Se não incomodá-la, é claro...
   -Imagine... Eu estava precisando de algo para me animar ultimamente.- Sorriu.


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Notas finais do capítulo

*_*
O que será que a Srta. Albuquerque mais velha irá fazer? Alguém tem um palpite?



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