Entre Páginas escrita por Raíssa Duarte


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Boa Tarde!
;)



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Amanda soprou o quitute com cuidado e mordeu.
   Pelo bem do ofício, é claro.
   A empada estava gostosa. Ela seguira rigorosamente a receita do livro familiar de seu Manoel. E ainda assim, a clientela mais bebia do que comia. Quando dissera aquilo para a mãe em uma noite, ela rira e afirmara que poucos homens iam á um bar apenas para comer.
   Todavia, Amanda se recusava a preparar refeições que não seriam compradas. Para ela, aquilo era quase um crime.
   Colocou as mãos na cintura, encarando as empadas como se elas fossem capazes de entregar-lhe alguma solução. Olhou para o livro de receitas tradicionais. Algumas até mesmo eram vindas de Portugal, mas Sr. Manoel sempre exigia os mesmos pratos, e quase nunca variava.
   A idéia surgiu em sua mente.
   Manoel entrou e encheu uma caneca com cerveja de dentro de um barril.
   -Sr. Manoel! – Amanda o sacudiu no entusiasmo. – Desculpe! Mas eu tive uma idéia!
   -Essa idéia vai sair do seu salário. – Resmungou quando um pouco do líquido pulou para fora do recipiente.
   -Com todo o respeito, notei que não houve nenhum aumento de consumo dos quitutes.
   -Mas é claro. – A bebida subiu até o topo. – Ninguém vem aqui pela comida. Por que viriam? Tantos restaurantes. Eles vêm atrás de bebida.
   -E ainda assim o senhor me manda cozinhar.
   -Nunca se sabe o dia de amanhã. – Apanhou uma bandeja e colocou a caneca sobre, deixando a cozinha. Amanda o seguiu.
   -Tenho idéias para novas receitas. E posso prepará-las. Só preciso dos ingredientes. – Seguiu-o.
   -Menina, vá enfileirar as empadas.
   -Agora mesmo, mas o que acha da minha idéia?
   -Você já tem um livro de receitas. – Foi tudo que ele disse.
   Amanda soprou um cacho de cabelo para longe da testa, exasperada.
   Aquele bar veria uma revolução.

                       ○○○

Melissa terminava um ponto preciso em seu bordado enquanto Luísa escrevia para seus pais, quando Dolores, a empregada irrompeu pelo quarto.
   -Senhorita Melissa! O senhor Castro está aqui e veio vê-la!
   Ambas ergueram a cabeça de suas atividades, surpresas.
   -Desculpe, pode repetir? – O bordado com desenhos belos e coloridos pendia em seu colo.
   -Ah, diga que ela já vai! – Luísa ergueu-se tão rápido quanto uma lebre e arrancou o trabalho de sua posse. Agarrou-a pelo braço, levantando-a rapidamente, mesmo sendo centímetros mais baixa.
   -O que você pensa que está fazendo?
   -Acorde, Melissa, seu príncipe encantado veio ver você. – Riu e ajeitou seu cabelo rapidamente com os dedos.
   -Tem certeza de que é o Castro? – Perguntou á Dolores enquanto era arrastada por Luísa para fora do quarto.
   -É sim, senhorita. Eu vou avisar que está descendo.
   -Luísa, se acalme. – Cravou os pés no chão firmemente diante da euforia da irmã.
   -É sua chance, Mel! Você não queria isso?
   -Primeira regra do cortejo, irmãzinha. – Colocou as mãos em seus ombros. – Nunca pareça afobada. O cavalheiro jamais deve saber que a dama esteve esperando por ele. Então, andaremos calmamente, sem pressa. – Endireitou a mais nova.
   Caminharam calmamente.
   -Faremos isto por quanto tempo? – Sussurrou Luísa enquanto andavam pelo longo corredor.
   -Até chegarmos á escada.
   -Mel... O Sr. Castro não conhece as regras do cortejo. Talvez ele não se importe se apertarmos um pouquinho o passo. Você não está curiosa para ver como as coisas saem? – Confidenciou.
   -Ah, certo. – Revirou os olhos e acelerou o andar.
   Mas só um pouquinho.

 

—Aí está ela. – Anunciou seu tio ao descerem a escadaria. – Melissa, o que acha de acompanhar o Sr. Castro pela cidade? Ele soube que você ainda não decorou todos os lugares.
   -É muita gentileza de sua parte, senhor. Boa tarde. – Estendeu a mão em um cumprimento simples, e novamente se desencontraram. O homem estendera a mão para beijar a sua. Melissa conteve a ânsia de rolar os olhos. Aquela pessoa era impossível. Daquela vez, ela consertou o gesto e ele a saudou como um cavalheiro de verdade faria.
   -Eu disse ás meninas que em um dia tão bonito como este, elas não deveriam ficar presas em casa, mas infelizmente Amália têm estado ocupada...
   A Sra. Camargo Parecia ter engolido uma comida estragada. Ela se esforçava para não deixar transparecer o desagrado em oferecer a filha da irmã para um homem ‘abaixo’ de sua posição.
   -A culpa também é em parte, minha. Sempre percorro as mesmas áreas.
   -Se não tiver nenhum compromisso, gostaria de levá-la para uma casa de chá.
   Sua tia parecia prestes á inventar um evento do nada.
   No entanto, seu tio foi mais veloz.
   -Ah, Vão se aprontar. Luísa, faça companhia á sua irmã.
   Lu não esperava ser feita de babá, embora aquele fosse o motivo exato de ela estar ali. O sorriso sumiu de seu rosto quando percebeu que teria de passar horas e horas pajeando a irmã.
   -Eu gostaria muito. – Sorriu Melissa. – Se não se importa de esperar mais um pouco.
   -De modo algum.
   -Dolores. – Chamou Amália, a contra gosto. – Faça um chá para o Sr. Castro. Sente-se, por favor.
   Melissa subia os degraus quando ouviu ao longe;
   -Não é necessário. Estou indo a uma casa de chá especificamente para isso.
   Luísa engoliu uma gargalhada.
   -Não se atreva. – Censurou Mel. – Isso foi extremamente rude.
   -Mas é verdade! A atitude de titia não fez o menor sentido.
   -Talvez esperasse que ele tivesse uma congestão.
   As duas riram baixinho.
   -E agora, querida irmã, começa seu verdadeiro trabalho.

                      ○○○

—É sua primeira vez no Rio de Janeiro, correto? – Perguntou Castro checando seu relógio de bolso, e então colocando-o em seu devido lugar.
   -É. Cheguei no início do ano. O senhor, eu suponho que cresceu aqui, estou certa?
   -Cresci no interior do estado, vivo na cidade há alguns anos.
   -Já viajou para algum outro? Nunca o vi em São Paulo.
   -Não costumo comparecer a eventos sociais.
   É claro que não, pensou. Notava-se a distância.
   -Mas já viajei para outras regiões do país e afora também.
   -Eu também. – Seus lábios despontaram para cima, amigavelmente. – Anos atrás fui para França e Inglaterra. Lugares lindos.
   Mas havia ali a certeza de que Melissa fora á passeio, e ele, á trabalho.
   Luísa caminhava um pouco atrás deles, entediada.
   -Já viu o Palácio de Versalhes? É belíssimo.
   -Apenas de longe. Mas confio na palavra da senhorita. Deve ter um bom gosto.
   Entraram na casa de chá, e ele ao menos sabia que deveria puxar a cadeira para as damas.
   Eles conversaram por meia hora, e Luísa eventualmente era convidada a participar do diálogo. No entanto, Henrique e Melissa não tinham quase nada em comum, e possuíam experiências de vida muito diferentes, o que limitou a conversa a temas como clima, pontos turísticos cariocas, e avançaram ligeiramente para família. E o tempo todo, ele olhava para o maldito relógio.
   Ele as deixou em casa bem antes do entardecer e partiu para seus próprios compromissos.
   -Não vai dar certo. – Comentou Melissa enquanto entravam na mansão. – Você viu como foi?
   -O que eu vi foi um casal em potencial conversando sobre várias coisas. Não faltou conversa.
   -Você não percebeu as entrelinhas. Não temos nada em comum. Ele vive para o trabalho, ele não conhece arte, cultura ou aprecia o belo.
   -Ele apreciou você.
   -Falo sério, Lu. – Retirou o chapéu e as forquilhas do cabelo escuro com cuidado. Jogou as peças no sofá.
   -Eu também. Pode dar certo. Ainda mais se ele for seu único pretendente.
   Melissa torceu as mãos uma na outra, nervosamente.
   -Nós ainda temos toda uma temporada pela frente. Vamos nos enturmar mais, e você, mocinha, vai arranjar um namoradinho. Não tente mudar o foco para mim, nós também estamos aqui por você.
   -Bem, mas eu acabei de fazer dezoito anos.
   -Entendi. Eu sou a solteirona.
   -Mel...
   -Tudo bem. Eu sei disso, e não vou ficar me lamuriando pelos cantos. Vou laçar um pretendente.

                        ○○○

Amanda utilizou outras receitas do livro e esperou que surtissem efeito, mas foi muito pouco. Dois dias depois, conversou com a mãe e avó, queixando-se da falta de visão do patrão, sempre querendo servir a mesma coisa.
    -Puxa vida! – Bufou andando pelo pequeno cômodo. – Faria bem ao bar algumas mudançinhas. A começar pelo cardápio. E uma reforminha também.
   Helena sorriu divertida, dobrando as roupas que lavara e levaria para seu cliente.
   -Minha nossa! Pobre do seu patrão! Não se esqueça de que é ele quem paga seu salário, e não o contrário.
   -Eu poderia cozinhar todo aquele livro, e ainda assim não adiantaria, pois vários estabelecimentos têm as mesmas comidas! Preciso fazer algo que não se encontre em qualquer bar, nem em qualquer restaurante...
   Outra idéia surgiu em sua mente.
    -Perfeito! – As mais velhas a olharam sem entender. – Vóvó...
   Os olhos escuros e sábios se arregalaram ao compreender o rumo dos pensamentos.
   -Ah, não! – Negou com a cabeça. – Você e essas suas idéias doidas, Amanda. Em toda a minha vida na Casa Grande, eu nunca cozinhei outra coisa ‘pra’ eles. Branco não gosta desse tipo de comida. Eles gostam é de comida chique.
   -Por isso mesmo! Eles não estão acostumados! É uma novidade! E um bar não tem comida chique.
   -E vosmecê sabe o que acontece se ninguém de lá gostar? Vosmecê vai ‘pro’ olho da rua.
   -Todos aqui amam a sua comida, por que não gostariam lá fora?
   -Seu patrão já disse que não.
   -Se a verba aumentar, ele vai me dar um agradecimento. E um aumento.
   Sua avó estalou a língua, indignada.
   -Se a senhora não me ensinar, eu vou fazer com o pouco que sei. Meu risco de perder o emprego aumenta.
   -Você nem devia ‘tá’ trabalhando, mas é teimosa feito uma mula empacada. Bem feito se perde o serviço.
   Amanda bufou exasperada e olhou para Helena.
   -Nem olhe para mim. Já sabemos que de nós três, a que deve ser mantida longe da cozinha sou eu.
   Amanda olhou para as botinas de couro gasto, e então tentou com um tom de voz contido e triste.
   -Eu só queria tentar. Aprender o máximo possível... Que vida injusta.
   -Para com isso.
   -Eu só penso naqueles pobres clientes, condenados ao empadão de peixe morno e sem gosto que...
   -‘Tá’ bom, Amanda. ‘Ô’ menina... – Resmungou Zilda. – Pega a caçarola.
   Amanda sorriu, vitoriosa.

                      ○○○

Henrique visitou Melissa por mais duas ou três vezes, mas não trouxe nenhum buquê para ela ou sua tia, como mandava o protocolo social. E não pedira para cortejá-la. Nas vezes em que viera, os dois não saíram, mas ficaram na privacidade do jardim ou da sala. Ele era um homem discreto. Ela já aprendera aquilo sobre ele.
   E assim se foi o mês de fevereiro. Enquanto as garotas Albuquerque eram elogiadas por seus encantos, não recebiam nenhuma visita, e aquilo era vergonhoso. Melissa podia entender o rechaço de sua parte, pois por mais que odiasse admitir, estava na fila da solteirice, aos vinte anos, prestes á fazer vinte e um sem casar. Mas Luísa estava no auge de seu debute, e fazia sucesso nos salões, mas nenhum rapaz tentava cortejá-la. Seriam as damas cariocas assim tão ferozes ou os moços tão covardes? Eram filhas de um ex-barão com grandes dotes e bem nascidas... Por que tanta falta de sorte?

                      ○○○

As refeições ensinadas por sua avó não foram um sucesso imediato.
   É claro que no primeiro dia alguns clientes mais curiosos desejavam saber e provar do que se tratava, e alguns pratos eram tão apimentados que Amanda os alertara. Os poucos que se arriscaram, estranharam de início, e alguns cativaram-se.
   Seu chefe ficara estarrecido ao descobrir que o dinheiro fora gasto em outros ingredientes, mas após muita persuasão, cedeu e permitiu que a culinária de Manda pudesse provar seu valor em algumas semanas.
   Aquilo deu-lhe esperanças suficientes de testar seus dotes gastronômicos além do tradicional.
   Um dia, porem, o homem que fez-lhe a proposta desprezível retornou após um período de lamber as feridas que ela provocou em seu ego.
   Ele a tratou grosseiramente, exigiu um acarajé, bebeu de modo indolente, deixando-a nervosa, pois tinha certeza de que ele não a esquecera.
   -Mas o que é isto?! – Limpou a boca com um guardanapo e ingeriu a limonada avidamente.
   Amanda gelou ao notar que não lembrou de avisar sobre a pimenta.
   O rosto do senhor avermelhou-se e pareceu inchar sob todas as camadas de roupa.
   -Quer me matar, mulata? Onde está seu chefe?
   Manda apontou silenciosamente, sabendo que ele saborearia cada momento do acontecimento.
   -Traga-o aqui. Agora.
   Fervendo de raiva, ela obedeceu, trazendo Manoel, cabisbaixa.
   -Em que posso ajudá-lo?
   O homem estava mais composto, mas ainda bebericava o refresco.
   -Essa aí. – Indicou com o dedo. – Quase me matou.
   Manoel a encarou, bem sério.
   -Não foi proposital, senhor. – Desculpou-se a contragosto.
   -Insolente. Eu pedi pela sua opinião?
   Amanda fechou os punhos ao lado da saia cor creme. Permaneceu calada.
   -Senhor, eu sinto muito. Aceite nossas desculpas. É tudo por conta da casa.
   Deliciado com a situação, ele ajeitou as lapelas do casaco.
   -Confio que isso não se repetirá. – Levantou-se e partiu.
   Amanda esperou pela punição.
   -Já temos nossa resposta com relação ao seu intento. Mais uma reclamação, menina, e você está fora. – Saiu deixando-a zangada e nervosa.

                      ○○○

Já devidamente instalados em sua mansão na cidade, o casal Albuquerque aguardava notícias das filhas e do filho, que voltaria para o Brasil em maio, após anos estudando no exterior.
   Em um dia agradavelmente quente, saíram pelas ruas, respirando o ar puro.
   -Alguma novidade das meninas? Alguma carta enquanto estive nas fazendas? – Sorriam e acenavam sempre que um conhecido passava pela mesma ou outras calçadas.
   Amélia abanava-se com um leque;
   -Nenhuma. Luísa diz que o Rio de Janeiro é bonito e Melissa só fala das lojas de moda na Rua do Ouvidor.
   -Ainda é cedo, de qualquer jeito.
   -Cedo? As matronas já fofocam como nunca. Ontem mesmo, quando compareci ao chá com as senhoras, uma delas teve a audácia de me perguntar se Melissa está doente. Todos já estão sabendo. Eu me desdobro em várias para amenizar os mexericos, mas não há nada mais interessante atualmente do que nossa família.
   -Conseguirei um marido para nossa filha nem que para isso tenha de comprar um.
   -Não se atreva! – Baixou e tom e sorriu quando um vizinho passou por perto. – Esta seria, sem dúvida alguma, a maior das humilhações para ela! Um marido falido... comprado...
   Pararam quando Lorena Ramos e outra jovem seguiam pela direção contrária, provocando um obstáculo.
   -Sr e Sra. Albuquerque! Mas que coincidência! Que prazer revê-los.
   Amélia ofereceu um sorriso azedo.
   -Lorena... Que surpresa agradável... – Os olhos claros logo passearam pela moçoila. – E você, imagino que seja ninguém menos do que...
   -Minha futura nora, naturalmente. – Um sorriso trêmulo surgiu em seu rosto. – Já se conhecem, eu suponho.
   -Absolutamente que sim. Que mundo pequeno, este. Este encanto de moça esteve em minha casa, não faz muito.
   -Sr e Sra Albuquerque... – A dama mais nova saudou. – Como vão?
   -Ótimos. – Respondeu Conrado. – E a senhorita?
   Lorena estava aflita;
   -Vejam bem, fizemos de tudo para postergar este encontro e circunstância, mas devido aos fatos...
   -Entendo. – Conrado concordou com a cabeça. – O casamento deve acontecer.
   -Na verdade, creio que seja melhor que todos nos vejam, especialmente eu com a Família Ramos. – A rapariga intrometeu-se. – Assim tudo pode voltar ao que era antes.
   -Naturalmente. – Conrado afirmou.
   -Bem, então nós pedimos licença. – Lorena estava desesperada para sair de perto deles. – Devemos ir. Até mais.
   Amélia fechou o leque com um estalo violento assim que as mulheres se afastaram.
   -Diga. Eu sei que você quer.
   -Isto é inteiramente culpa sua.
   -Sim, minha senhora.
   -Ela poderia estar em Londres agora, casada com um nobre.
   -Sim.
   -Pare de retrucar, está me deixando mais irritada. – Voltou a abanar-se.
   -Como eu disse, Melissa terá um marido. Não se preocupe.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Não sejam tímidos!



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