Meu querido sonâmbulo escrita por Cellis


Capítulo 28
Meu querido fim


Notas iniciais do capítulo

Enfim, como diz o título, nós realmente chegamos ao fim! O textão segue nas notas finais, então apenas foi deixá-los ler (e haja coisa para ler, ein kkk).

Boa leitura ♥



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Uma semana havia se passado desde a visita surpresa — e consequentemente um tanto reveladora — de Jungkook e, para ser sincera, as coisas estavam calmas até demais depois disso. Meu irmão e Harumi tinham retornado para o alojamento da faculdade para a última semana de provas de ambos e também para arrumarem as malas, pois estariam embarcando para o Japão quinze dias depois do fim do semestre. Ele me prometera uma visita antes de ir embora, para se despedir, e eu já lhe disse de antemão que não se livraria tão fácil assim de mim; uma brincadeira para disfarçar o fato de que eu ainda estava com o coração na mão por vê-lo partindo. Além disso, Jimin não demonstrava quaisquer sinais de algum novo ataque de pânico nem nada do tipo e, estranhamente, Kim Seokjin vinha se comportando também. 

Até mesmo a minha cozinha tinha ficado pronta nessa semana que se passou, com direito ao meu impecável mármore branco em seu devido lugar e tudo. 

E era justamente por conta disso tudo que eu, naquele momento, me imaginava em uma cena de filme de suspense. Sabe aqueles segundos de silêncio, daquela falsa calmaria que antecede o clímax do filme e o momento de maior tensão do mesmo? Eu me sentia presa exatamente naquela cena. Estava vivendo minha vida normalmente, o que não tinha acontecido um único dia sequer depois do meu primeiro encontro com Jimin, quando eu o encontrei dormindo de samba-canção ao meu lado numa manhã aleatória, a primeira na minha mais nova casa. Trabalhava sempre chegando e saindo no meu horário, almoçava com Naeun e Yoongi — que já estavam bem evoluídos, se é que vocês me entendem — e encontrava os braços aconchegantes de Jimin todo final de dia, tendo o privilégio de descansar nos mesmos até a manhã seguinte. 

Estranho, não é mesmo? 

Contudo, no dia de hoje em específico, eu acordei sentindo algo estranho no meu peito, como uma inquietação ou uma espécie de angústia. Jimin não estava ao meu lado e nem me esperando no andar de baixo com o meu café favorito; ao invés disso, encontrei um bilhete sobre a mesinha de centro com um pedido de desculpas por ter saído correndo de manhã cedo devido à uma reunião da qual ele tinha se esquecido, o que não era nenhuma novidade, mas, ainda assim, me deixou com um pouco mais de vontade de voltar para a cama e me esconder debaixo do meu cobertor. 

— Acalme-se, Jeon Soojin. — falei para mim mesma, depositando de volta na mesinha de centro o bilhete que Jimin me deixara. Já arrumada para trabalhar, segurei firme em minha bolsa e respirei fundo. — Hoje será um dia como qualquer outro.  

Vestindo o meu terninho acinzentado, eu deixei a casa batendo os saltos finos contra o chão de piso. Era estranho ter que ir trabalhar de ônibus depois de todo aquele tempo, o que me fez perceber que eu estava ficando mal-acostumada à vida de rica que eu nem tinha e pensar que aquela mudança de rotina talvez fosse algo bom.  

O que, obviamente, durou menos do que alegria de pobre. 

Fazia um calor infernal naquele dia e o ponto do meu ônibus mais perto da empresa ficava a umas três quadras de distância do prédio, o que não seria tão sacrificante se eu não estivesse de roupa social e salto alto.  

— Aish, por que a secretária do Jimin insiste em marcar as reuniões dele para a primeira hora do dia? — resmunguei sozinha depois de descer do coletivo e dar de cara com o sol escaldante que eu teria que enfrentar. — O que ela acha que ele é? Um galo? 

Alguns passos contrariados e ranzinzas depois, quando a primeira gota de suor já começava a escorrer pela minha nuca, eu senti um carro se aproximar a uma velocidade baixíssima e, ao me alcançar, parar rente ao meio-fio. Quando olhei para o lado, me deparei com a expressão sorridente de Jung Hoseok conforme ele abaixava o vidro do seu esportivo prata.  

— Precisando de uma carona, Soojin-ssi? — indagou simpático e radiante como de costume, o que me fez parar de caminhar para encará-lo com desconfiança suficiente para que ele percebesse. — Vamos lá, não tem nada demais nisso. O que não pode é você ficar sofrendo desse jeito nesse sol, não acha? 

Não importava qual fosse a minha teoria sobre a sujeira do tio de Jimin e de Seokjin, eu não conseguia inserir Hoseok em nenhuma delas. Ele apenas me parecia uma pessoa alheia ao que acontecia ao seu redor, focado demais em ser gentil e prestativo e de menos em perceber o monstro de pai que tinha. Talvez eu estivesse enganada sobre ele, mas me faltavam apenas duas quadras para chegar no prédio da Maximum.  

Ele não poderia fazer nada demais comigo nesse meio tempo, certo? 

Depois de hesitar por mais alguns instantes, eu acabei aceitando a carona do mesmo e entrando no carro. Hoseok sorria durante a maior parte do tempo, o que poderia ser assustador dependendo do ponto de vista de quem o acompanhava — digo, eram umas oito da manhã... Quem estaria feliz daquele jeito nesse horário? 

— Como está a sua perna? — indagou, começando a dirigir. — Eu sei que já faz algumas semanas que você voltou da licença médica, mas nós não nos encontramos mais pela empresa.  

— Está tudo bem, foi apenas uma torsão. — eu respondi sorrindo de volta, pois não me custava nada ser um pouco simpática também. — Obrigada por perguntar.  

— Imagina... — balançou a cabeça. — Ah, por falar em não nos encontrarmos mais, nós ainda precisamos resolver aquele problema do meu pai, você se lembra? Eu pedi a sua ajuda e a do Seokjin e, apesar de já ter uma equipe trabalhando nisso, parece que a coisa não é tão simples. Eu realmente vou precisar da sua ajuda, se você não se importar.  

Bem, eu me importava sim, mas não era como se eu pudesse dizer aquilo diretamente para ele e ainda por cima explicar-lhe o porquê. 

— Tudo bem, nós podemos ver isso hoje mesmo, se você quiser. 

A verdade era que, por dentro, eu estava me remoendo de ódio por ter que trabalhar e cooperar com Kim Seokjin, especialmente para salvar a reputação de Park Yeonan — e, pior ainda, eu estava com medo. O pouco que eu sabia sobre o Kim servia para me mostrar que eu não sabia absolutamente nada sobre ele; isso alinhado ao seu olhar naturalmente opressor e maléfico formavam uma combinação realmente assustadora de se ver de perto.  

— Bem, considerando a urgência da situação, eu acho que vou querer sim. — respondeu e riu. 

Tudo bem, não se tratava de nada assustador o suficiente para deter Jeon Soojin, certo? 

Quando alcançamos o prédio da Maximum, Hoseok estacionou de frente para o mesmo e, ao descermos do veículo, entregou a chave para que o manobrista da empresa estacionasse o mesmo — sim, a empresa tinha o seu manobrista particular e, acreditem, aquilo não era incomum naquela área comercial em si da Coréia, onde circulava grande parte da riqueza do país. Quando o Jung parou ao meu lado e me fitou, eu estranhamento não senti nenhum tipo de desconforto. Era diferente de olhar para Kim Seokjin e sentir todo aquele pavor e nojo, talvez porque eu não soubesse de nada sobre Hoseok ou, talvez, porque ele fosse um ótimo ator.  

Mesmo assim, eu ainda não tinha nenhum tipo de prova contra ele e não estava disposta a fazer um pré-julgamento sobre o seu caráter. Além daquilo não caber a mim, eu sinceramente já estava ficando cansada de perder a fé na humanidade. 

— Obrigada pela carona. — agradeci. — Acho que eu teria derretido nesse sol no meio do caminho se não fosse por você. 

— Fico feliz em tê-la salvado, então. — respondeu sorrindo. — O que acha de me agradecer almoçando comigo? Ouvi dizer que abriram um ótimo restaurante na zona portuária, mas não queria conhecê-lo sozinho, é tedioso. 

Ok, talvez aquilo já fosse dar créditos demais ao Jung. Nunca era só um almoço quando envolvia alguém do passado de Jimin e, mesmo se Hoseok não tivesse nada a ver com o que tinha acontecido, eu ainda me sentiria um tanto desconfortável em aceitar o seu convite. Seria rude da minha parte, mas eu iria recusar e...  

— Jeon Soojin? — a voz feminina interrompeu o meu pensamento e, quando me virei na direção da mesma, me surpreendi o suficiente para arregalar meus olhos feito um par de amêndoas. — É você, não é?  

Na minha frente, ninguém mais e ninguém menos que Kim Seokmin, a irmã biológica de Seokjin. Ao meu lado, Jung Hoseok, um homem que, apesar da aparência doce e bondosa, poderia facilmente conhecer os planos e sujeiras do pai, inclusive saber sobre Seokjin e, consequentemente, conhecer a sua irmã.  

Na verdade, eles tinham sido vizinhos

Naquele momento, eu via ameaçada toda a minha investigação a qual já não deveria ser tão sigilosa assim, considerando que Seokjin parecia ter olhos e ouvidos em todos os lugares. A possibilidade de que Seokmin pudesse se lembrar de Hoseok ou vice-versa me apavorou e, por isso, eu corri meus olhos de um para o outro. Contudo, eles não pareciam se quer terem notado a presença alheia ali. Bem, já tinham se passado mais de dez anos... Não seria muito improvável que eles não se lembrassem um do outro, certo? 

Mesmo assim, todo cuidado era pouco e afastá-los era a minha prioridade naquele momento.  

— Unnie! — exclamei como se a mulher fosse uma amiga a qual eu não via há anos, o que a surpreendeu. — O que faz aqui? Ah, me desculpe por ter ido embora tão rudemente da última vez... Eu tive que resolver um assunto urgente em casa. 

O que não era, de todo, mentira. 

Mesmo confusa, Seokmin não pareceu incomodada com a minha proximidade repentina. 

— Tudo bem, eu acho. Na verdade, eu vim entregar algo na empresa onde meu marido trabalha. — respondeu. — Já que nós nos encontramos, podemos conversar? 

Engolindo o seco, eu fitei Hoseok. Esse parecia parte alheio à conversa e parte atento e, ao perceber meu olhar sobre si, sorriu de uma forma brilhante. 

— Desculpe, eu vou deixá-las a sós. — disse, educado, e logo em seguida acenou com a cabeça na minha direção. — Vejo você no horário de almoço, Soojin-ssi. 

— Mas eu não... 

Não tive tempo de terminar a minha fala, pois Hoseok logo rodopiou em seus calcanhares e me deixou sozinha com Seokmin. Encarei a mais velha. 

— Desculpe pelo modo como acabei de agir. — pedi, mas sem explicar-lhe o porquê. — Eu sinto muito, mas não tenho muito tempo antes de dar o meu horário de trabalho, então...  

— Só me responda uma coisa. — ela me interrompeu, séria. — Meu irmão lhe fez alguma coisa? 

Aquela era uma pergunta bem ampla. Mais uma vez, eu me vi simpatizando com a situação daquela mulher. Não que Seokjin pudesse sequer ser comparado à Jungkook, mas eu ainda podia ser comparada a Seokmin — ambas demoramos demais para perceber a verdade sobre os irmãos mais novos: que eles crescem

— Bem, não diretamente para mim, mas... — pausei, procurando o jeito menos pior de dizer aquilo. — Seokmin-ssi, o seu irmão não é mais aquele garotinho que corria para você sempre que alguém implicava com ele na rua. 

Seokmin suspirou profundamente ao ouvir as minhas palavras, contudo, não pareceu tão surpresa quanto eu esperava. Talvez, no fundo, nós irmãs já soubéssemos de tudo aquilo, apenas não estávamos prontas para admitir. 

— No fundo, ele não é uma má pessoa. Acredite em mim, eu posso sentir. — disse e, por um momento, eu me senti comovida pela emoção em sua voz e a intensidade do seu olhar. Em seguida, sacudiu a cabeça e voltou a me fitar com olhos um pouco mais calmos. — Você poderia me dar o seu número de telefone? Eu gostaria de saber alguma notícia sobre ele de vez em quando... 

Aquela era uma decisão um pouco arriscada, mas, no fim, eu entreguei meu número para a mulher frágil diante de mim. 

Eu a entendia, no fim das contas. 

Seokmin se despediu discretamente e eu segui em direção à Maximum. De repente, tive a estranha sensação de que estava sendo observada, algo incômodo o suficiente para que eu desse uma breve olhada ao meu redor. Eu deveria estar ficando paranoica diante de tanta coisa que vinha acontecendo nas últimas semanas, pois não havia absolutamente nada demais ao meu redor. Continuei meu caminho e, logo, eu estava no meu andar pronta para mais um dia de trabalho. 

E desejando que aquele mesmo dia prosseguisse da maneira mais tranquila possível. 

 

*** 

 

Quando eu contei para Jimin que estava indo almoçar com Hoseok, ele, obviamente, fez um bico do tamanho da ponte de Busan.  

— Eu não gosto dessa ideia. — resmungou no terraço da Maximum, onde nós geralmente nos encontrávamos em segredo. — É péssima.  

— Não se preocupe, Park Jimin, pois eu vou dizer a ele que tenho um namorado. — afirmei segurando uma risada, pois a cara dele realmente era uma das coisas mais birrentas e engraçadas que eu já tinha visto. — Se ele tiver qualquer interesse em mim, vai entender que se trata de um sinal vermelho.  

— Bem... — iniciou e, em seguida, bateu o pé contra o chão de cimento. — Eu ainda não gosto dessa ideia.  

— Você prefere que eu continue almoçando com ele, então? — eu o cutuquei, o que o fez arregalar os olhos na minha direção. — Quem sabe um jantar, não é mesmo? 

— Jeon Soojin. — alertou-me, o que finalmente me fez soltar uma gargalhada alta. 

Impliquei um pouco mais com ele, até o Park desfazer a cara emburrada e entender o porquê de eu estar realmente indo ao almoço com o seu primo. Quando comentei sobre o restaurante, ele me pediu para que eu decorasse bem o lugar para que o lembrasse de nunca me levar lá.  

Ah, sinceramente, Park Jimin... 

E, assim, eu terminei em meio a um clima extremamente desconfortável em um restaurante chique, porém localizado numa área estupidamente isolada do cais do porto. Além da mesa onde eu e Hoseok estávamos, apenas mais três estavam ocupadas, em sua grande maioria por engravatados corporativos. 

Ou seja, o típico lugar do qual eu costumava correr para bem longe. 

— Quem me disse que a comida daqui era muito boa, deveria ter avisado que a localização não era lá esssas coisas. — Hoseok comentou depois que o garçom trouxe os nossos pedidos que, pelo menos, tinham uma cara muito boa. Ele parecia extremamente sem graça e coçava a nuca em sinal de vergonha. — Desculpe por isso. Prometo levá-la em um lugar melhor da próxima vez. 

Aquela era a minha deixa. 

— Na verdade, era justamente sobre isso que eu queria falar com você, Hoseok-ssi. — iniciei. — Eu não me sinto muito confortável com esses encontros fora da empresa. Eu tenho namorado e, mesmo que a gente esteja apenas almoçando, ainda não me parece muito certo... Eu espero que você me entenda, de verdade. 

— Ah, eu não sabia que você era comprometida. — ele respondeu parecendo realmente surpreso. — Bem, se você se sente desconfortável, eu entendo e vou respeitá-la. Só é uma pena, pois eu realmente aprecio a sua companhia. 

Bem, pelo menos ele tinha sido compreensível, o que tornava o clima um pouco mais leve. A comida do lugar de fato era deliciosa e, depois de alguns segundos de silêncio, Hoseok retomou nossa conversa com o seu típico jeito carismático e sem parecer se importar com o que eu tinha lhe pedido.  

Contudo, quando eu já estava partindo para o meu último pedaço de carne, fui interrompida pelo toque do meu celular. O número estampado na tela do aparelho não pertencia à minha lista de contatos, porém, por ser um número local, eu resolvi atendê-lo. 

— Licença. — falei para Hoseok, que acenou positivamente com a cabeça. Não cairia bem levantar no meio do restaurante praticamente vazio e deixá-lo sozinho, então eu apenas me virei para o lado para atender à chamada. — Alô? 

 Soojin, sou eu, Kim Seokmin. — disse a voz feminina do outro lado da linha e eu tive que me segurar para não arregalar meus olhos em surpresa. — Você tem um minuto? 

Não era como se Hoseok pudesse ouvir a nossa conversa, mas, mesmo assim, eu ainda corri meu indicador discretamente pela lateral do meu celular para conseguir abaixar ainda mais o volume da chamada. Levantar naquele momento poderia parecer suspeito, então eu decidi apenas ser breve. 

— Sim. — respondi, curta. 

— Eu não disse nada antes porque não tinha certeza, mas acabei forçando a minha memória e me lembrando. Aquele homem que estava com você hoje de manhã... Eu o conheço. — pausou. — Eu não lembro o seu sobrenome, mas ele se chama Hoseok. É ele o menino que morava aqui na rua, o filho do Park Yeonan. E, na verdade, tem mais uma coisa... 

Engoli em seco e, inevitavelmente, pousei meus olhos em Hoseok. Ele comia com tranquilidade e, quando me viu fitando-o, sorriu. 

E, de repente, o seu sorriso não parecia mais tão simpático assim. 

— E o que é? — indaguei, incentivando-a a continuar mesmo com a voz hesitante. 

— Foi ele quem convenceu o meu irmão a ir embora. — contou, o que me fez congelar. — Eu me lembrei de tudo. Ele esteve aqui em casa um dia e disse para o Jin que o Yeonan poderia ser o seu pai também. Para isso, meu irmão só tinha que segui-lo e fazer aquilo que ele pedisse. Eu não sei se isso é só uma coincidência, mas foi ele, Soojin. Foi o Hoseok quem corrompeu de vez o Jin. 

Aquilo não tinha como ser verdade, certamente. Hoseok era, simplesmente, a pessoa menos suspeita de todas... De bônus, ele deveria ser apenas um pré-adolescente quando tudo isso aconteceu. Era impossível, certo? 

Bem, se tinha uma coisa que eu tinha aprendido ao longo da minha vida, essa coisa era que tudo era possível, em especial se tratando da família de Jimin — e, por falar no Park, talvez fosse melhor encerrar aquele almoço e ir até ele. Naquele momento, eu me sentia extremamente vulnerável, o que significava que eu deveria sair logo dali. 

Não pude dizer muito para Seokmin, apenas que logo retornaria a sua chamada. Desliguei o celular e guardei o aparelho na bolsa, em seguida voltando a fitar o Jung. 

Talvez fosse coisa da minha cabeça, mas ele realmente não parecia mais tão inocente assim. 

— Desculpe, Hoseok-ssi, mas eu recebi uma ligação da empresa e parece que eles precisam que eu volte agora. — iniciei já pronta para me levantar. — Não se preocupe comigo, eu posso chamar um táxi ou alguma coisa, apenas termine o seu almoço com calma. Eu realmente sinto muito pela saída repentina.  

Hoseok pareceu extremamente confuso com a minha atitude, mas eu não lhe dei brecha para contra-argumentar. Não que eu estivesse acreditando fielmente no que a irmã da pessoa mais cínica que eu já tinha conhecido em toda a minha vida tinha me dito tão repentinamente, mas, ainda assim, não me custava nada analisar as coisas com mais calma e segurança. 

Quando deixei o restaurante, me deparei com um enorme pátio cinzento e vazio rodeado de água. O lugar cheirava à combustível de navio e a aparência precária e abandonada não melhorava conforme eu percorria as plataformas em busca de uma saída. Chequei meu celular em busca de sinal, mas o mesmo já tinha desaparecido. Não havia um único funcionário sequer para me ajudar ou me apontar uma direção, o que começava a me deixar aflita em meio àquele mar de containers. 

— Soojin-ssi.  

A voz firme cortou meu nervosismo e quase me fez pular de susto. Olhando para trás, me deparei com a figura de Hoseok que, em meio à luz escassa do lugar, parecia envolto em um ar sombrio. 

Sinceramente, eu não sabia se ficava preocupada ou aliviada em encontrá-lo. 

— Hoseok? — indaguei, ainda conflitante. De repente, na tentativa de disfarçar minha aflição, eu tentei sorrir do modo mais natural possível. — Parece que eu acabei me perdendo... 

— Você deveria, pelo menos, ter me deixado levá-la de volta para a empresa. — disse, sério. Pela primeira vez, seu sorriso espontâneo e carismático deu lugar a um discreto sorriso mal-intencionado. — Sabe, eu não imaginei que você fosse ser tão rude quando descobrisse a verdade. 

— O que? — sussurrei, descrente. 

Não era possível que eu tinha sido tão estúpida. 

— É uma pena, Soojin-ssi. Eu não menti quando disse que gostava da sua companhia. — de repente, me pegando completamente de surpresa e desprevenida, Hoseok deu um par de passos rápidos demais na minha direção para que eu pudesse fazer qualquer outra coisa que não fosse arregalar ainda mais meus olhos. Quando finalmente me dei conta da situação, os dedos compridos do Jung já estavam posicionados ao redor do meu pescoço. — Mas eu realmente não posso deixá-la estragar os meus planos. Você me entende, não é? 

Quando a mão de Hoseok começou a apertar o meu pescoço, não demorou muito para que o ar começasse a me faltar. Eu agarrei seu braço com ambas as minhas mãos, mas não pude fazer muito além de arranhar a manga do seu terro da forma mais inútil possível. Eu me sentia patética e, gradativamente, fui perdendo as minhas forças. Minha visão começou a embaçar e, de repente, a única coisa que eu conseguia ver eram as órbes escuras e repletas de ódio do Jung. 

— Hoseok... — sussurrei seu nome com o último resquício de força que me restava, mas a minha imagem deplorável não parecia abalá-lo em nada. Tentei lutar novamente, mas meu corpo não respondia mais aos meus comandos e eu não sentia mais sequer o desespero que antes me tomava. 

Nada. Quando o ar finalmente acabou, era como se eu estivesse caindo em um enorme vazio. De algum modo, Hoseok sabia de tudo, inclusive percebera que Seokmin tinha acabado de desmascará-lo para mim, o que o fez finalmente mostrar o seu eu de verdade. 

Jung Hoseok era o verdadeiro monstro da história e, infelizmente, eu só percebi isso quando tudo ao meu redor apagou de vez. 

 

*** 

 

A sensação de acordar nunca tinha sido tão terrível em toda a minha vida. Eu já podia sentir a pressa em recuperar os meus sentidos, mas meu corpo levava o seu próprio tempo vagaroso para voltar ao normal. Meu pescoço doía como se a mão de Hoseok ainda estivesse ali, o apertando, apesar de eu não sentir mais os seus longos dedos em contato com a minha pele — pela força que ele tinha usado, aquilo com certeza deixaria uma marca bem visível. Quando finalmente voltei a mim, não pude fazer muito além de levantar a cabeça: meus pés e mãos estavam amarrados e, ao de fato abrir os olhos, entendi que estava presa a uma velha cadeira enferrujada. O lugar era enorme, porém parecia abandonado. Escuro, mal iluminado e marcado por um forte cheiro de óleo, aquilo se parecia com um armazém de filmes de terror, mas o que mais me assustava era a dormência que parecia tomar conta dos meus membros.  

— Finalmente. — a voz masculina veio do escuro, mas logo seu dono se fez visível em meio à fraca luz. Hoseok tinha um sorriso macabro no rosto e os olhos tomados por maldade, parecendo um retrato fiel do que os fanáticos religiosos costumavam pintar como demônio. — Achei que fosse ter que esperar até a minha próxima vida para vê-la acordando. Na verdade, o que eu achei mesmo era que eu já tinha a matado... E tão rápido assim, qual seria a graça? 

Ele era um monstro. 

Uma sensação de asco forte tomava a boca do meu estômago e, de repente, o bolor de medo que entupia a minha garganta se desfez para dar lugar ao meu lado mais ácido.  

— Então você pretende me matar de uma forma engraçada? — ironizei sem medo, o que o surpreendeu.  

Era como se, àquela altura, eu não tivesse mais que me preocupar com amarras e filtros, pois meu destino já estava traçado bem diante dos meus olhos. Ao invés de lutar para sobreviver, eu lutaria para encarar Jung Hoseok com o resquício de dignidade que me restava. 

— Prazerosa, digamos assim. — respondeu. — Mas, antes disso, eu pretendo saciar as suas dúvidas. Você foi infinitas vezes mais ágil e esperta do que o Jimin em descobrir a verdade, então creio que você merece morrer em paz. 

— A última coisa que eu vou ouvir vai ser a sua história de vida. — constatei, desviando o olhar em desdém. — Que patético. 

— Não finja, Jeon Soojin. No fundo, você não é nem metade dessa casca grossa e ácida que está aparentando ser nesse momento. — disse, me atingindo com suas palavras. Em seguida, deu de ombros como se não se importasse realmente com aquilo. — Eu não cresci numa situação financeira muito diferente do Seokjin, sabe? Na verdade, nós dois sempre apanhávamos juntos dos meninos mais velhos da outra rua porque nunca tínhamos dinheiro para comprar comida para eles. — pausou e, de algum canto escuro, puxou uma cadeira igual à minha para mais perto de mim, em seguida se sentando na minha frente confortavelmente. — Ao contrário do que todos dizem, as crianças podem ser seres bem perversos quando querem. 

— E quem você pensa que é para dizer uma coisa dessas? — perguntei, irritando-o. 

— Não me interrompa. — advertiu. — Enfim, foi nesse inferno que eu vivi, até o dia em que um homem engravato surgiu no meu portão alegando ser o meu pai. Ele vinha acompanhado de um motorista que dirigia o carro mais novo e caro do país naquela época e, assim que eu o vi, eu sequer quis saber se ele falava a verdade ou não. A minha mãe era enfermeira e, às vezes, trabalhava por dois seguidos para conseguir colocar um pouco de kimchi e uma tigela de arroz na mesa. Nesse ritmo, não demorou muito para que um juiz me tirasse dela e entregasse a minha guarda para o meu pai, mas, sinceramente, eu teria fugido para morar com ele mesmo se isso não tivesse acontecido. 

Na verdade, eu estava extremamente chocada pelo modo tranquilo e sem arrependimentos com o qual ele contava tudo aquilo. Era como se estivesse falando sobre a vida de um mero conhecido ao invés da sua, apenas contando uma história qualquer. 

Como se aquele fosse outro Jung Hoseok. 

— Você não teve nem um pouco de pena dela? — questionei acusadoramente. — Ela provavelmente não lhe dava uma vida melhor porque não tinha condições. 

— Exatamente. O meu pai tinha, então aquela era a melhor escolha. Ou, pelo menos, eu achava que era. — afirmou. — Naquele ano, a minha vida passou de um simples inferno, para um inferno vivido em meio ao luxo e ao conforto. Todo mundo naquela casa me odiava, sem exceções: minha madrasta, minhas irmãs, os pais de Jimin... Acho que o próprio Jimin só não o fez porque era muito novo na época.  

— Ele jamais faria isso. — sustentei. — Ele não é como você. 

Dito isso, o Jung soltou uma risada alta o suficiente para reverberar pelo ambiente vazio. Um arrepio percorreu a minha espinha, mas eu me mantive firme.  

— O Jimin nunca lhe contou o que os pais dele estavam fazendo naquele avião no dia do acidente, não foi? Bem, ele é tão ingênuo que nem deve saber. — balançou a cabeça como se Jimin fosse uma criança que não tomava jeito. — O pai dele conseguiu enganar o meu pai para assinar uma papelada que lhe dava o direito de fazer o que bem quisesse com a sua metade da empresa. Resumindo, o Sr. Park roubou a parte do meu pai na Maximum e, no dia do acidente, o casal estava indo para a China para fechar negócio na venda das ações do meu pai sem que ele recebesse um tostão do dinheiro. 

Infelizmente, apesar de Jimin ser uma pessoa magnífica, eu não tinha conhecido os seus pais e, por isso, não conseguia distinguir se Hoseok falava a verdade ou não. 

E, pelo visto, o próprio Jimin também não conseguiria. 

— E por que eles fariam isso? — eu o confrontei.  

— Primeiramente, pelo mesmo motivo que todo mundo: ganância. Segundo, eu devo confessar que o meu pai realmente é um péssimo administrador. Ele teria falido a empresa se os meus tios não tivessem roubado a sua parte e, de fato, eles teriam sucedido se não fosse pelo acidente; pasme, a coisa toda foi realmente um acidente, ninguém teve nada a ver com isso. Infelizmente, porque eu queria ter participado, sabe? 

— Você é um monstro, Jung Hoseok. — cuspi as palavras na sua direção. — Espera mesmo que eu acredite nessa história? 

— E por que diabos eu mentiria para alguém prestes a morrer? Você é muito desconfiada, Soojin. Deixe-me prosseguir com a história em paz, está bem? — reclamou. — Depois de descobrir isso, meu pai se desesperou. Então, eu disse a ele que poderia ajudá-lo a salvar a empresa, mas com uma condição: que ele sequestrasse a herança do Jimin. 

Então, a ideia toda tinha sido de Hoseok? Sinceramente, eu não conseguia imaginar como alguém tão jovem conseguia ter uma mente tão ardilosa e perversa.  

— Por que isso? — perguntei, confusa. 

— Porque se eu sugerisse roubá-la de uma vez, ele jamais teria aceitado. Park Yeonan é um frouxo, Soojin, me desculpe por destruir as suas expectativas em relação a ele. — respondeu. — Eu dei a ideia de fazer o documento que segurava a herança do Jimin até que ele completasse trinta anos, tudo isso com a desculpa de que nós precisávamos daquele dinheiro para reerguer a empresa e tudo mais e, lá na frente, nós apenas devolveríamos tudo.  

— Mas você não ia fazer isso. — constatei num sussurro, finalmente entendo por completo o plano asqueroso e bárbaro de Hoseok. — Você ia matá-lo e ficar com tudo.  

— Eu estava pensando em fazer isso quando ele tivesse vinte e sete anos, pelo menos para não ficar tão na cara. — disse e, em seguida, inclinou-se na minha direção com um brilho assustador nos olhos. — Contudo, acho que você adiantou alguns anos na minha matemática, Soojin. O Jimin vai ter que ir junto com você. 

— Não. — neguei e, sem conseguir controlar, o desespero tomou a minha voz. — Por favor, ele não sabe de nada, eu venho investigando tudo sozinha. Você não precisa... 

— Esse papel de mocinha apaixonada também não lhe cai muito bem, Jeon. — riu. — O de vilã áspera lhe servia melhor.  

Jung Hoseok era um ser humano desprezível e, com aquele tipo de gente, só funcionava o seu estilo de diálogo. Por isso, eu me forcei a me recompor e voltei a encará-lo da forma mais dissimulada que consegui.  

Eu estava disposta a lhe arrancar toda a verdade. 

— O quanto disso tudo tem participação do seu pai? — perguntei, ignorando completamente o que tinha acabado de acontecer.  

Ele pareceu pensativo e se recostou na cadeira tão enferrujada quanto a minha.  

— Bem, tirando o pagamento do tal escrivão para falsificar o documento depois da morte dos pais do Jimin, nada. Eu sei que isso contraria todas as suas teorias, mas foi tudo orquestrado por mim e colocado em prática pelo Seokjin. — ele parecia orgulhoso de si mesmo ao dizer aquilo, o que embrulhou ainda mais o meu estômago. — Falsificações, roubos, a morte do escrivão... Inclusive, eu só mandei matá-lo porque você começou a descobrir coisas demais, Jeon Soojin. O seu amiguinho, Kim Taehyung, era o próximo da lista. Tem aquele policial também... Como era mesmo o nome dele? Namjoon? Ah, a irmã do Seokjin com certeza teria que sumir também. 

De repente, eu me dei conta de que todas as pessoas ao meu redor estavam em perigo por minha causa, até mesmo aquelas que sequer conviviam comigo, como o Bo Gum ou a Seokmin. Em minha incansável busca pela verdade, eu acabei com sangue respingado nas minhas mãos, ainda que indiretamente. Eu quis chorar, sair correndo, de fato morrer ali mesmo... Mas, se quisesse proteger todos aqueles que eu tinha arrastado para essa lama, eu deveria aguentar um pouco mais. 

Só um pouco. 

— E você acha mesmo que ninguém vai notar isso? — questionei. — Acha mesmo que vai continuar provocando suicídiosacidentes de trabalho e coisas do tipo por aí sem que ninguém perceba?  

— Acho. — respondeu irônico. — Mas, em todo caso, se algo vier a dar errado, é para isso que eu tenho o Seokjin ao meu lado. Quando eu o convenci a vir comigo, não foi só para fazer o trabalho sujo no meu lugar, mas também para levar a culpa pelo mesmo caso fosse necessário.  

— E ele sabe disso? — arqueei uma sobrancelha na sua direção em sinal de afronta, quando, na verdade, eu apenas esperava que ele me desse uma resposta tão baixa quanto o seu caráter. 

Só mais um pouco. 

— Sinceramente, não faz diferença para mim. — deu de ombros. — Caso ele seja pego um dia, absolutamente nada do que ele diga será levado a sério. Um mero secretário, um capanga, não vai ter nenhuma credibilidade na justiça contra mim. 

Pela primeira vez naquele diálogo, eu pude, por fim, me dar ao luxo de abrir um sorriso vitorioso. Hoseok franziu o cenho sem entender, mas aquilo não me importava, por eu tinha conseguido chegar onde queria.  

Pela primeira vez, tive a esperança de que poderia vê-lo cair. 

— Então era isso que você planejava fazer comigo?  

A voz séria e traída surpreendeu Hoseok, fazendo com que ele tivesse que procurar ao nosso redor pelo seu dono. Não muito atrás do Jung, Kim Seokjin deixou as sombras do galpão que, por causa do seu terno totalmente negro, o abraçavam como se ele fizesse parte do lugar. Ele já estava ali há um bom tempo, na verdade, eu tinha o visto chegar quando Hoseok puxou a cadeira para perto de mim e começou a contar todas aquelas baboseiras — contudo, sabia que permanecer em silêncio, apenas entregando para o Jung cada vez mais corda para que ele pudesse se enforcar sozinho era, de fato, a melhor escolha.  

Literalmente sozinho, pois era ele quem provavelmente tinha chamado seu capanga até ali para executar seu trabalho: eu

Naquele momento, Kim Seokjin se sentia traído pela sua própria família, pela qual ele tinha vivido em função na sua última década de vida. Seus olhos transbordavam ódio e, depois de sair das sombras, ele parou a alguns passos de distância de Hoseok. O Jung até poderia ter uma mente mais doentia, contudo, o porte alto e ereto de Seokjin lhe concediam um ar muito mais assustador.  

Contudo, ao contrário do que eu esperava, Hoseok se levantou em meio a uma gargalhada sarcástica. Colocou-se entre mim e Seokjin, fitando principalmente o mais velho.  

— Você não achou mesmo que nós éramos irmãos, não foi? — o Jung cuspiu as palavras na direção do Kim, que automaticamente cerrou os punhos. — O único motivo pelo qual eu arrastaria um pedaço do meu passado deplorável comigo para aquela casa, era se caso eu precisasse de alguém para se ferrar no meu lugar. Nós não temos nenhum tipo de vínculo, Seokjin. 

— Você prometeu... — Seokjin disse entre os dentes. — Você planejava machucar o nosso pai também? 

— Meu pai, seu idiota! — Hoseok exclamou, irritado. — E sim, se ele se metesse no meu caminho, eu o mataria também.  

A afirmação de Hoseok pareceu ligar um interruptor de ódio dentro de Seokjin e, depois disso, tudo aconteceu muito rápido. O Kim, furioso, avançou na direção do mais novo, mas o mesmo foi mais rápido em sacar uma arma do cós da sua calça, mais especificamente da parte traseira coberta pelo terno. Eu involuntariamente gritei com o susto, ao passo que Seokjin parou exatamente onde estava. Ele não ergueu as mãos nem fez nenhum sinal de que se renderia, apenas pareceu parar para analisar suas opções. 

Enquanto isso, Hoseok alternava o olhar entre nós dois rindo feito o psicopata que era. 

— Vejamos bem se não temos aqui a história perfeita! — exclamou. — O secretário do presidente da empresa se apaixona pela funcionária recém-transferida, mas ela prefere fisgar o herdeiro, dono de um cargo mais alto e bem conceituado. O secretário não aguenta ser trocado e, em meio a um surto, sequestra a mulher amada, a leva até uma área isolada do porto da cidade e ali a mata. Quando percebe o que fez, tira a própria vida. — Hoseok continuava rindo, o que aumentava ainda mais a tensão e a adrenalina que corriam pelo meu corpo. Ele era um doente capaz de qualquer coisa. — E sabe qual é o melhor dessa trágica história de amor? É que eu serei o melhor amigo do secretário, seu único confidente e quem vai levar essa versão para a polícia. Magnífico, vocês não acham? 

Dito isso, Hoseok apontou a arma na minha direção com tranquilidade suficiente para mirá-la. Apavorada, eu fechei os meus olhos, sentindo o meu rosto tomado por lágrimas de desespero.  

Então era assim que tudo acabava. 

Um disparo se fez presente. Por um par de segundos, meu corpo realmente atingiu o seu limite e eu me senti paralisada, contudo, viva. Não sentia nada e, por isso, arrisquei abrir os olhos apenas para me deparar com a figura de Hoseok caída no chão. O Jung gritava de dor e tinha as mãos na perna direita, provavelmente na tentativa de conter a quantidade absurda de sangue que saía por um buraco aberto no membro que manchava suas roupas e o cimento sob si. O Kim não tinha nada em suas mãos e a única arma do recinto estava caída longe dos dois, então eu pude deduzir que o tiro havia sido disparado por outra pessoa. Eu me encontrava em uma espécie de estado torpe e, por isso, não me espantei quando policiais armados invadiram o local. Seokjin foi imobilizado por dois deles e Hoseok, mesmo caído baleado no chão, também. 

Era como se eu estivesse simplesmente assistindo a um filme. Como se nada daquilo estivesse de fato acontecendo ao meu redor. Os barulhos eram distantes e as cenas embaçadas, realmente como se eu observasse toda aquela cena de fora.  

E, então, eu o vi surgir em meio ao caos. Os cabelos loiros antes penteados em um topete perfeito, agora estavam tão bagunçados quanto a expressão no seu rosto. Um policial tentou contê-lo, mas nada e nem ninguém conseguiram segurá-lo quando ele finalmente me encontrou no meio de toda aquela confusão. 

— Jimin... — o sussurro saiu fraco da minha boca e, como ele ainda corria na minha direção, o Park certamente não tinha escutado.  

Contudo, eu estava tão aliviada que só queria sentir o prazer de poder pronunciar o seu nome mais uma vez.  

— Soojin! — ele exclamou me alcançando. Primeiro, me envolveu em um abraço apertado e desesperado que não durou muito, pois logo em seguida ele estava se afastando para fitar cada parte do meu corpo. — Você está bem? Está ferida? — quando se deparou com as marcas no meu pescoço, cerrou os punhos. — Foi o Hoseok quem fez isso? 

— Por que... — iniciei, mas precisei reforçar minha voz em meio às lágrimas descontroladas para me fazer ser entendida. — Por que você demorou tanto, Park?  

Como se não respirasse há anos, Jimin soltou todo o ar preso em seus pulmões e voltou a me abraçar forte, como se não pretendesse se separar de mim nunca mais. Ele sabia que eu estava bem e era daquilo que ele precisava. 

Ainda nos braços do Park, eu senti minhas mãos serem desamarradas e, em seguida, meus pés. Quando consegui uma fresta no abraço, vi Namjoon agachado ao meu lado com as cordas que me prendiam em mãos.  

— Você está bem? — ele perguntou baixo, como quem não queria atrapalhar o momento, e eu apenas balancei a cabeça positivamente. Em seguida, ele se afastou de nós dois para pedir uma ambulância para Hoseok.  

Àquela altura do campeonato, eu não dava a mínima para o que acontecia com aquele desgraçado, contato que ele e Seokjin pagassem pelos crimes que cometeram. 

— Eu disse que lhe protegeria onde quer que você estivesse. — Jimin sussurrou contra mim. Eu estava fraca demais para conseguir abraçá-lo de volta, mas me sentia a pessoa mais segura e acolhida de todo o mundo naquele momento. — Obrigado por ter mantido o colar, Soojin. 

De repente, eu me lembrei da noite na qual Jungkook estivera na minha casa, mais especificamente depois que ele e Harumi tinham ido dormir. 

— Bem, façamos assim: eu conto o que tem de tão especial nesse colar, mas só se você me contar o que tem lhe perturbado tanto nos últimos dias. O que me diz? 

Foram essas as exatas palavras de Jimin. Eu não me importava muito com o que tinha por trás daquele colar, mas a verdade era que eu estava simplesmente exausta de continuar mentindo para Jimin e escondendo tantas coisas dele — por isso, eu apenas lhe contei tudo naquela noite, sem tirar e nem por. Ele me ouviu por horas e eu entrei pela madrugada dividindo com ele todo aquele peso que vinha carregando sozinha nas minhas costas. No fim, ele permaneceu alguns segundos em silêncio e, por fim, sorriu carinhosamente. Ao invés de se irritar por eu ter feito tanto pelas suas costas, ele disse que se sentia agradecido por me ter ao seu lado. 

 Você é bem esperta, Jeon Soojin. Há um pequeno rastreador dentro da pedra desse colar e, mesmo que isso possa lhe parecer um exagero, eu imploro para que sempre leve ele para onde você for. 

Provavelmente notando a minha demora e sabendo de toda a verdade, Jimin não hesitou em procurar saber onde eu estava e vir até o meu encontro já acompanhado da polícia, pois eu jamais sumiria daquele jeito por conta própria. Felizmente, ele tinha chegado a tempo de fazer aquele pequeno rastreador valer a pena.  

— Você estava certo. — sussurrei. — Vir a esse almoço foi realmente uma péssima ideia. 

Soltei uma risada fraca e, descrente por eu ainda conseguir brincar em uma situação como aquela, Jimin acabou me acompanhando.  

No fim, eu sabia que, enquanto ele estivesse ao meu lado, eu poderia sobreviver a qualquer circunstância imposta pela vida. Foi quando eu aprendi que eu não precisava tê-lo ao meu lado para resistir e viver, contudo, o fato de que ele estava lá era a minha maior força para lutar. 

E, então, era assim que tudo acabava. 


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Notas finais do capítulo

Então é isso, minha gente. Que loucura que foi para chegar até aqui, não (tanto pelo capítulo, quanto pelo looongo caminho que percorremos juntos ao longo dessa história)? Porém, não acabamos aqui, não. O textão mesmo vem no EPÍLOGO, pois sim, teremos um muito em breve! Acharam que iam se livrar de mim hoje, né? Acharam errado kkkkkk.
Nós provavelmente não nos veremos esse ano novamente (só nos comentários, assim espero), então quero desejar a todos uma virada de ano maravilhosa e cheia de esperanças ♥
Enfim, é isso!

Até ♥



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