Os olhos da famosa advogada negra de Richmond marejaram ao notarem a destruição de boa parte do seu apartamento. Os vasos, vidros, espelhos e copos de cristal foram quebrados. Os móveis destruídos pelo impacto de um objeto pesado... a marreta do estojo de carpintaria do seu marido. No quarto, suas maquiagens, perfumes e cremes jogados nas paredes. A cama rasgada e cheia de lixo em cima. Qualquer um pensaria que o causador de tais barbaridades fosse um bandido, no entanto, as palavras de Bárbara O'Neal acerca da conduta desenfreada do genro foi um baque sem precendentes. Brittany desmaiou nos braços da mãe.

Dez minutos após o desmaio repentino da senhora Thomas, os paramédicos chegaram para socorrê-la. A morena tivera uma queda de pressão bastante aguda em que foi preciso colocar soro na veia.

Recobrando a consciência, Brittany quis saber para onde Zachary havia ido, mas Bárbara não soube dar essa simples informação.

...

Bronx, NI

Winona assentiu com o seu mais novo amante a ir morar com ele num apartamento no norte da cidade, no condado do Bronx. Tal apartamento era desconhecido pela policial, contudo a residência de Sasha Beringer.

— Que apartamento é esse? Parece bem chinfrim se comparado com aquela maravilha em Staten Island.

— Eu também odeio este lugar, principalmente pelos latinos. Esses caras saem dos seus países de merda, encontram ajuda aqui e já querem ser os donos de tudo. Pode aguardar um pouco?

Winona esperou o moreno entrar primeiro. Não sabia a motivação dele ir na frente, apenas acatou o pedido dele. Sasha retirou qualquer foto, papel de parede ou objeto nazista e convidou a mulher para entrar.

— Desde quando você tem este apartamento?

— Bom, eu tinha antes de me casar. Só que a senhora Thomas não sabe da existência deste lugar. — Desabotoou a jaqueta da moça, dedilhou sobre o seu sutiã, retirou a peça...

— Isso faz cócegas. Sabe o que eu acho? Sempre te vi todo certinho no trabalho, mas por dentro existia um louco pervertido. Adoro homens morenos e desde que eu te vi pela primeira vez, fiquei excitada.

— Vamos ter o tempo do mundo para essa excitação.

Segurou a loira nos braços, levou-a para o quarto e fechou a porta.

Minutos seguintes ao término da transa, Sasha pegou um cigarro e fumou.

— Preciso da sua ajuda para um serviço. Não me olhe assim, vai ser algo simples.

— O que quer?

— Quero que descubra como vai uma certa pessoa — ele mostrou a foto de Victor pelo celular.

— Esse homem foi quem supostamente matou aquele pastor negro...

— Ele mesmo. Preciso falar com ele. Pode trazê-lo pra mim aqui?

— Claro. E por falar em pastor negro, qual foi o negro que te inspirou?

Sasha se levantou pelado.

— Nenhum. Um homem branco que virou o meu ícone. Ele está eternizado na minha mente.

Sede do Klan de Nova Iorque

Queens, Long Island

Na faixa litorânea do borought do Queens, a parte sul da Long Island era uma faixa estreita onde muitos arianos viviam desde meados do século XX. A KKK não era predominante no Norte dos EUA, mas ainda assim existiam facções fragmentadas. A sede do clã ficava na Carolina do Sul, mas a facção de Nova Iorque se encontrava no Queens, sobretudo na ponta da ilha longa ao sul. O líder regional era o ex-deputado independente Roy Beringer, germano-americano que conseguiu ficar por dois mandatos estaduais antes de renunciar por causa do escândalo envolvendo questões raciais. Dez anos liderando a Irmandade regional do Klan.

2015

Na sede regional do Klan, em algum lugar de Long Island, os arianos se reuniram para um culto envolvendo membros protestantes racistas. Numa sala com várias cadeiras, Beringer pregava a intolerância. Todos ali eram brancos, o mais escuro era italiano.

No final da reunião, um homem se aproximou do líder e o cumprimentou. Ambos já se conheciam de muita data, pois foram colegas de escola. James Strannix agradeceu pelos cultos que vinha tendo nos últimos meses.

— Queria recompensá-lo de alguma forma, Beringer. Nos conhecemos há tanto tempo... e o Klan realmente é uma família.

A bandeira com a suástica aparecia extremamente evidente na parede.

— Somos nacionais-socialistas desde a época da faculdade quando aquele professor nos ensinou o caminho da verdade.

— E é por isso que agradeço por tudo.

— Ah, esse é o meu filho. Joachim-Sasha Beringer.

— Prazer conhecê-lo, meu rapaz — Strannix foi embora.

Sasha ainda tinha o cabelo curto e raspado na época. Avisou ao seu pai sobre a captura de uma vítima para o ritual do sacrifício.

— Um jovem pederasta, papai.

— Sasha, meu filho, você é o único que eu confio na irmandade. Quando eu me afastar, você será o meu sucessor.

As casas ficavam próximas ao mar e a praia era logo ali. Um rapaz homossexual foi amarrado na cadeira dentro de uma casa de um dos membros do culto. O jovem travesti acordou, aos gritos, em seguida foi amordaçado. Roy, seu filho e outros arianos apareceram no recinto cheio de velas.

— Senhor, esse pecador estava se prostituindo no nosso bairro. Nós não encostamos a mão nele para preservar a oferenda.

— Brilhante, Bauer. Vocês que se dizem de minorias querem impor suas vontades para bilhões que são a maioria. Tenho nojo de espécies de humanos anormais feito você, negros e aqueles que professam tanto o judaísmo quanto o islamismo. Vocês querem ter mais direitos do que deveres! É por isso que até hoje a irmandade sobrevive. O combate à corrupção moral tem que ser todos os dias, 24 horas por dia. Olhe só pra você... vestindo-se como uma mulher. Não tem vergonha na cara?

Strannix também estava no recinto. Ficou um pouco desconfortável com o ritual, apesar de ter sido avisado de antemão. Entrou para o clã no final de 2014 por meio de um amigo médico que fazia parte da irmandade. Entretanto, suas origens judias falaram mais alto. Seu avô, doutor Avigdor Mosam, fora torturado pelos nazistas na Segunda Guerra. Entrou para o clã ainda atraído pela ideologia, mas no começo do ano descobriu a origem judaica do avô.

Março 2015 - meses antes

O senador democrata pelo estado de Massachussets, Shappiro Nelson, judeu liberal e amigo de infância do neurocientista, ouviu a história sobre o clã e sobre a rede secreta que existia no estado.

— Você vai pegar Beringer no ato. Se filmar o homem matando alguma vítima das ditas minorias, eu faço o possível para aprovarem o transplante de consciência em animais.

— Jura?

— Conversarei com o presidente Obama no próximo mês. Agora o filme tem que mostrar aquele nazista matando alguém da minoria.

— Você é de esquerda, senador. Como pode falar com tamanha tranquilidade sobre a morte de um protegido seu?

— Os fins justificam os meios. Se for preciso um gay, negro ou mesmo judeu morrer para prendermos Roy Beringer, assim será.

Roy rezou em latim o Pai Nosso. Os outros membros vestiam a famosa roupa branca com chapéu no formato de cone. O líder da Irmandade pegou um punhal da mão de outro membro.

— Deite-o.

Foram preciso quatro homens para levar o travesti à cama e amarrá-lo nos braços e pernas. Beringer imediatamente esfaqueou o pescoço da vítima que jorrou sangue.

— Não encostem no sangue. Pode estar contaminado com AIDS.

Depois perfurou sua caixa torácica e arrancou o coração ainda pulsante. O órgão foi colocado dentro de um frasco de conserva.

James quase vomitou ao ver o ritual. Mesmo assim manteve-se firme pois a mini-câmera fora instalada no botão do seu terno.

— Mais uma revolução, senhoras e senhores.

Após a carnificina, Sasha Beringer apareceu na porta da casa da namorada. Samantha King pulou nos seus braços e o encheu de beijos.

— Trouxe algo pra você.

— Que chave é esta?

— Um apartamento só pra nós no Bronx. A Emilynha vai adorar. O que foi? Não gostou?

— Sim, meu amor. Odeio este lugar. Ele me traz más lembranças.

De dentro da casa surgiu Victor, primo de Samantha. Os dois se cumprimentaram. Mesmo mais velho, Victor admirava demais Sasha por causa da fama do seu pai. Contudo, Sam odiava o estilo de vida dos dois.

— Se vão falar sobre o estilo de vida de vocês, melhor eu entrar.

BioCorp

Shappiro recebeu a gravação da morte do travesti. Prometeu a James que a lei de T.C da BioCorp estava sendo discutida nos bastidores do congresso.

— Meus parabéns, colega. Agora vamos pegar o filho da mãe.

— Sobre batizar o nome do hospital com o nome do meu avô...

— O governador é o meu amigo pessoal. Farei o que posso.

No Bronx, Samantha acabava de colocar Emily para dormir quando recebeu uma ligação de Victor sobre Roy Beringer. A moça ligou a TV e viu a perseguição policial.

— Amor, que foi? — Sasha acabava de sair do banho.

— Seu pai está fugindo da polícia.

Ele aumentou o volume e viu todos os noticiários mostrando uma grande perseguição em plena noite. Seu celular estava descarregado, por isso não recebeu nenhuma chamada de Roy.

— O que está acontecendo, Victor?

— Parece que seu pai foi traído por um dos membros da irmandade.

O carro ultrapassou a cancela. O trem atropelou o veículo, explodindo-o. Sasha viu ao vivo a morte do seu pai e mentor. A partir dali sua personalidade ficou cada vez pior.

Strannix traiu Roy Beringer, ganhou, porém, o sucesso para a sua pesquisa científica. A maioria dos parlamentares democratas e alguns republicanos aceitaram a proposta e por 6 a 3 a lei foi admitida na Suprema Corte —  em apenas animais pequenos. Também o hospital central de Boston foi rebatizado com o nome do avô judeu de Strannix, Avigdor Mosam.

...

Em algum lugar de Nova Jersey...

Zachary não teve outra escolha após ser desmascarado por Adolf Willard. Este descobriu que o homem loiro à sua frente não poderia ser Sasha, haja vista era muito gentil para ser quem dizia ser.

— Fala. Juro que guardo segredo.

— Pois eu vou falar sem rodeios. Sou um policial negro de Nova Iorque que passou quase dois meses em coma depois de sofrer uma batida na cabeça. Não sei o que aconteceu, mas quando acordei estava sentado no banco daquele carro no Texas. Foi a partir dali que nos conhecemos.

— Prove.

Zach pegou o celular de Adolf e conectou com o wifi do hotel. Mostrou a sua foto do perfil do seu Facebook.

— Hauhauhaua... isso é uma piada? Quer que eu acredite que você é esse cara moreno aí? Troca de corpos? A piada do dia!

— Não é piada. Vou entrar nas minhas redes sociais pra provar... se minha esposa não tiver mudado.

Tanto o Instagram quando o Twitter de Zach foram acessados devidamente. Mostrou sus fotos para o jovem.

— Agora acredita?

— Se você está no corpo do Sasha, então onde está o Sasha?

— Acho que no meu corpo.

— Hum... se bem que você é um afro  bonito. Não é de se jogar fora. Não se parece em nada com a maioria.

— Obrigado. Não sou afroamericano, pois minha ascendência não é da África, e sim jamaicana. Agora que acredita em mim, vai me ajudar?

— Claro! Sorte minha que você já era bonitão no corpo antigo, agora no corpo do Sasha também.

— HEY, PARE DE ME AGARRAR!!!

...

No dia seguinte, Zachary e Adolf entraram num barco no rio Hudson. As pessoas, a maioria, eram turistas. Com um boné e óculos escuros, Zach conseguiu disfarçar-se bem dos policiais ou quaisquer autoridades por ali. Um homem aproximou-se dos dois.

— Bem-vindo de volta — sorriu Victor.

Olhando para o bandido que prendera, Zachary sorriu. Por fora fez o papel do nazista, por dentro o negro que lutava para não espancar o crápula que havia supostamente matado o pastor Johnson.

...

Brittany recebeu a preciosa notícia que ficou recentemente grávida do marido. Antes de abandoná-la, o suposto marido foi "quente" numas noites anteriores. Apesar de saber do abandono que sofrera, foi tirar satisfação com ele na delegacia.

— Gostosa.

— Estou louca para que a noite chegue logo, gostoso.

A senhora Thomas viu o marido agarrando de modo libidinoso a sua colega de trabalho, Winona Poter. Ao atravessar a pista, um táxi a atropelou.