Poliana Moça escrita por esterjuli


Capítulo 3
João e o Jogo do Contente


Notas iniciais do capítulo

Já voltei com mais um capítulo! A inspiração tá grande. Espero que gostem!



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Pov. Poliana

O dia estava chuvoso, tio Durval tinha acabado de abrir a padaria e aos poucos os clientes começavam a chegar. Não sei por que tinha acordado tão cedo, as meninas ainda deviam estar dormindo, resolvi ajudar meu tio, já que não conseguia dormir de novo. Fui para o fundo da padaria, peguei uma das bandejas de doces que costumavam ficar expostas lá na frente e quando voltei para frente, encontrei um João todo encharcado e um pouco agoniado falando com o tio Durval. Assim que me viu, ele correu em minha direção.

— Preciso falar contigo! - ele disse um pouco aflito.

— João?! Olha pro seu estado, o que você tem pra me falar de tão urgente a ponto de vir a essa hora e na chuva? - perguntei preocupada, tentando tirar a franja molhada do rosto dele, com uma das mãos. Ele pareceu ficar mais nervoso, seu rosto enrubesceu e ele fez menção de falar várias vezes, mas sempre desistia. Enquanto isso, ele batia o pé no chão repetidamente como fazia sempre que estava muito nervoso.

— João! Diz logo, agora eu que tô ficando nervosa!!! - falei, quase mais aflita do que ele. - O que foi que aconteceu? Ontem você tava tão tranquilo, foi alguma coisa que aconteceu essa noite? Porque se for a gente vai resolver, você sabe que... - fui interrompida por ele.

— Égua da conversadeira! Eu te amo, abestada! - ele deixou escapar por impulso e agora sim seu rosto tinha ficado vermelho por completo, eu fiquei paralisada por um momento, na hora da surpresa até deixei a bandeja cair. Me abaixei pra pegar os docinhos que tinham caído e aí senti meu rosto queimar diante daquela confissão, quer dizer que no fim das contas as meninas estavam certas? Não sabia o que fazer, me levantei e olhei envergonhada pro João que agora estava com a mão na testa e murmurava, conversando consigo mesmo.

— Eita, que eu sou um tabaréu, mermo viu? Como é que pode uma declaração réa troncha dessa. Chamei a menina de abestada, o abestado sou eu! - Nessa hora, ele pareceu perceber que eu estava olhando pra ele, enrubesceu de novo e se aproximou um pouco mais, pegou as minhas mãos - O que eu queria dizer, é que tu é meu xodó! - Aí pronto, já não tinha mais Poliana, agora o que se via era só um pimentão em tamanho humano.

— E-e-e-eu, n-não sei o que dizer, João - falei toda atrapalhada.

— Tu num precisa dizer é nada - disse e ainda segurando as minhas mãos, ele se ajoelhou e disse  - Poliana, eu sei que eu sou um sujeito meio ignorante, um tanto abestalhado, provavelmente nem mereço uma pessoa tão gente boa quanto você. Mas se tem uma coisa que eu também sei, é que eu tô doidim por você! - não consegui conter o sorriso, diante dessa fofura de declaração, mas ainda assim não sabia o que fazer.

— Tu aceita se casar comigo? - ele disse, segurando um anel que eu não sabia de onde tinha surgido. Que?! Casar? Mas nós mal namoramos e-e ele nem sabe se eu gosto dele. Meus pensamentos ficaram a todo vapor e o nervosismo tomou conta de mim, fiz menção de falar algo, mas fui interrompida.

— Ownnnnn! Que lindoooos! Eu sempre soubeee! João e Poliana! João e Poliana!” a Lorena chegou e ficou comemorando, enquanto pulava. - João e Poliana! João e Poliana! Poliana! Poliana! POLIANAA!!! - o tom de comemoração foi substituído por um chamado, que ficou cada vez mais alto, nisso a padaria começou a tremer.

Quase que instantaneamente, abri os olhos e ouvi a Lorena gritando e me balançando pra que eu acordasse. Aparentemente, tudo não tinha passado de um sonho muito real. Quer dizer, eu deveria ter percebido, o João apaixonado por mim, bobagem. Mas não tive como não acordar com o rosto enrubescido diante de tantas coisas que, há um minuto, eu achei que tinham realmente acontecido. A Lorena percebeu. 

— Huuum! Tá toda vermelhinha! Tava sonhando com o João era? Pelo jeito foi bom, porque parecia que você não ia acordar nunca. - ela deu um sorriso debochado e eu sorri junto, peguei uma almofada e bati de leve em seu rosto.

— Pra ser sincera, eu sonhei mesmo, foi tão estranho! - eu disse e o rosto dela se iluminou.

— Sério?! Me conta tudo! - ela disse.

— A gente não tá atrasada pro café da manhã? Não tem mais ninguém aqui, acho melhor a gente ir. - eu respondi, mudando de assunto. Ela concordou impacientemente, depois de muita insistência, claro.

Fui tomar banho e escovar os dentes pra ir pra padaria. Quando cheguei lá, todas as meninas já estavam. Afaguei os olhos pra ver se conseguia ficar mais acordada e me juntei a elas. Fui preparar um sanduíche pra mim e pedi ao tio Durval pra colocar um copo de suco pra mim, se ele pudesse. Ele, gentil como sempre, disse  - É claro! Tudo para minha sobrinha querida - Assim que cheguei na mesa, o papo das meninas era “O sonho que a Poliana teve”, elas me intimaram a contar tudo, nos mínimos detalhes e foi o que eu fiz. Só o que se viu a partir daí, foi um monte de olhares sonhadores, além de vários suspiros e comemorações. Eu garanti a elas que não passava de um sonho, não tinha nada a ver com a realidade.

— Acho que a parte do casamento sim, mas não duvidaria nada de que isso pudesse acontecer hoje mesmo. - Kessya disse, rindo. Eu ri ironicamente e voltei minha atenção ao meu sanduíche. De repente, uma chuva tímida começou a cair, as meninas olharam pra mim sorrindo zombeteiramente.

— Isso é apenas uma coincidência - eu disse com segurança. - E tem mais, a chuva do sonho era bem mais forte do que essa. - pareceu brincadeira, mas pouco depois que falei isso, a chuva começou a ganhar força. Estranhei e as meninas gargalharam.

— É Poli, agora é só esperar o João chegar todo encharcado. - a Lorena falou e eu revirei os olhos.

— Ha-ha, engraçadinha - sorri.

— Acho melhor você terminar aí e ir ajudar o papai a terminar de colocar os docinhos aqui na frente, assim fica mais fiel ao sonho - Raquel falou, entrando na brincadeira.

— Enquanto isso, a gente vai lá pra dentro e aí é só você esperar seu príncipe encantado aparecer - foi a vez de Yasmin me zoar. Eu me levantei rindo e comecei a empilhar os pratos pra levar lá pra dentro. Elas se levantaram pra voltar pra casa do tio Durval.

— A gente vai te esperar lá dentro, pra começarmos a assistir o filme - a Lorena disse. Eu assenti e fui pra o fundo da padaria, assim que voltei, não pude acreditar com quem eu tinha esbarrado. Era o João todo encharcado e nervoso, assim como no sonho. Me assustei com a visão dele lá e dei um pulinho pra trás.

— J-joão, o que você tá fazendo aqui? - por pouco não falei do mesmo jeito que no sonho. Ele ficou calado, nervoso, fazendo aquele tique com a perna. Parei de viajar nos meus pensamentos e vi que o olhar dele parecia... triste. - João! O que aconteceu? - perguntei e ele finalmente falou.

— Preciso falar contigo - Eu gelei, com medo de que acontecesse o mesmo que ocorreu no sonho.

— T-tá bem! - eu falei, com meu rosto já começando a corar.

— Tem como a gente ir pra outro lugar? - ele perguntou, meio sério e eu fiquei um pouco aliviada por ele não ter falado o que eu esperava.  - Tem sim, vamos pro parque. - A chuva já tinha parado, então saímos da padaria e fomos caminhando até o parque, ele foi o caminho todo calado e de cabeça baixa. Sentamos em um banquinho.

 - João, eu já tô preocupada. Porque você tá assim? - perguntei e ele deu um sorrisinho forçado.

— Eita menina perguntadeira! - ele falou como sempre, só que de um modo desanimado. - O que eu queria dizer era que... - ele falou e eu fiquei aflita com a possibilidade do sonho se repetir. Mas não foi como eu achava, na verdade ele me abraçou forte, antes de terminar a frase e o percebi que sua respiração estava ofegante. Em um momento, percebi que ele começou a dar tímidos soluços de choro, eu afaguei suas costas, na tentativa de consolá-lo o que quer que tivesse acontecido.

— Meu pai, Poliana! - ele disse entre soluços - O meu pai morreu - Todo o nervosismo que eu tinha sentido até então, com a possibilidade de uma declaração, caiu por terra. No momento, tudo que eu queria era fazer ele sentir que tudo ficaria bem e que eu estava ao lado dele naquele momento difícil. O abracei mais forte, já sentindo as lágrimas descerem pelo meu rosto. Eu sabia pelo que ele estava passando, sabia que era uma das piores dores que qualquer pessoa poderia sentir.

— Sinto muito, João. - eu sabia que naquele momento, não me cabia falar mais nada. Acho que tudo que ele precisava era um abraço. Ficamos um bom tempo abraçados, então ele finalmente se afastou, enquanto limpava as lágrimas.

— Obrigado - ele disse, dando um pequeno sorriso. - Até o cabra mais macho tem seus momentos de desabafo. - ele continuou, visivelmente mais animado, eu sorri.

— Você quer falar sobre isso? - eu perguntei, cautelosa.

— Quero, foi por isso que vim aqui, eu sabia que você era a única pessoa que podia me entender. - eu dei um sorriso pra ele e segurei uma de suas mãos. - Pode contar.

— Ele morreu há alguns dias, a gente não esperava. Um dia ele tava bom todo e no outro já não tava mais com a gente. Ele teve um infarto no meio da noite, nós até levamos ele pro hospital mais próximo, mas ele não resistiu. Acho que era a hora dele. - ele disse com a voz um pouco trêmula, mas sem deixar escorrer mais nenhuma lágrima. - Minha mãe coitada, ficou desolada. E eu, confesso que durante toda a minha vida, nunca achei que iria chorar quando pai morresse, quando ele me maltratava até desejei que ele batesse as botas ligeiro. Mas agora era diferente. Meu pai tinha se tornado outra pessoa, nossa relação tinha melhorado e eu até tava achando ele um cabra gente boa. Quando aconteceu, pareceu que o mundo tinha desabado e fiquei triste por tantos anos que passei sem conversar direito com ele. Ele não era o melhor pai, mas eu também não era o melhor filho. O que eu não conseguia entender era por que agora? Por que justo quando eu me aproximo do meu pai, ele parte dessa pra melhor. Tentei até jogar o jogo contente, mas não consegui - ele falou e eu fiquei comovida por até em um momento tão crítico ele ter se lembrado do jogo.

 - Olha, João... - suspirei, enquanto fazia carinho em sua mão - Quando meus pais faleceram, eu também não consegui jogar o jogo do contente por um bom tempo. Também não conseguia entender por que eu tinha que ficar sozinha no mundo. Depois de algum tempo, eu vim pra cá, conheci o restante da minha família e fiz todooos os amigos que agora são tão especiais pra mim. Jogar o jogo, não se trata só de aceitar o que aconteceu de ruim e ver o lado bom, mas de enxergar o bem até nas piores situações, perceber que nem tudo está perdido. Ver que depois de todo o sofrimento que faz o coração arder, a gente recebe muito amor e que temos que ser mais gratos pelo que vivemos e pelas pessoas com quem convivemos. - eu disse e ele sorriu.

— Eita menina das palavra bonita! - ele falou

— Ah! Se me permite, vou dar uma sugestão de como você pode jogar o jogo do contente nessa situação. Pense assim, imagina como seria se você não tivesse se reconciliado com seu pai a tempo? Talvez ele se fosse e você não tivesse a oportunidade de enxergar como ele era uma pessoa legal. - disse e ele deu um sorriso comovente.

— Você tá certa! Tu é especialista mermo no jogo, hein? - ele falou sorrindo. Depois disso, nos abraçamos de novo e voltamos para a padaria. No caminho eu perguntei:

— Mas João, se isso aconteceu há alguns dias, como você tava tão tranquilo ontem? - ele sorriu  - Oxe e tem como ficar entristecido com você de volta? Acho que se não fosse pela sua chegada, eu ia ficar era no meu quarto remoendo a dor, mas quando te encontrei foi a injeção de alegria que eu precisava. - não tive como não abrir um sorriso de orelha a orelha, o João era o melhor amigo do mundo. - É claro que eu ainda tava sentido, tanto que hoje foi o primeiro dia que desabei depois do que aconteceu. Tentei ser forte por mãe. Mas com você eu sabia que eu não precisava fingir que tava bem. Claro que não tinha como eu ficar pra baixo na sua festa de volta, então tentei aproveitar o momento e deu certo, mas hoje lembrei de tudo - eu o abracei de novo pra expressar quão grata tinha ficado por ele ter sido tão forte, só pra me fazer feliz.

— Obrigada, viu? Obrigada mesmo. - Quando chegamos a Padaria, as meninas estavam me esperando. Elas ficaram pasmas assim que me viram com o João e me puxaram de imediato pra perguntar se aconteceu tudo como no sonho. Mas eu disse que não, tinha sido bem melhor. O João é meu melhor amigo e me sinto imensamente feliz por poder ajuda-lo sempre que precisa. Pra mim não tem como existir um amor mais sincero e concreto do que o que sentimos um pelo outro, se isso pode se tornar mais do que uma amizade, não sei. Mas sei que poder estar com ele me deixa muito contente.


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Notas finais do capítulo

Ownn! Achei fofo esse capítulo! Obrigada a todos que leram e espero que continuem a acompanhar! Altas emoções ainda estão por vir.



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