One in a Million escrita por sayuri1468


Capítulo 5
Reaprendendo a andar




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Arnold passou boa parte da noite acordado. O sono o havia deixado e dado lugar para uma certa ansiedade, pensando e esperando pelo jantar na casa da Helga. Primeiro, Arnold nunca havia chego perto da casa da amiga, mesmo quando eles namoravam. Helga nunca o havia levado para lá e nem sequer o apresentado a seus pais como namorado. 

 

Ele sabia como a relação entre eles era difícil, então nunca se preocupou de fato com isso.  Mas agora, indo jantar na casa da Helga, com a família dela...As lembranças que ele tinha das suas poucas interações com Bob Pataki não eram as melhores. 

 

Bom, ao menos ele estava indo na qualidade de amigo, pensou. Se fosse como namorado, talvez o tratamento fosse um pouco pior. 

 

Mas o pensamento não ajudou em nada a aliviar o peso dos milhões de pensamentos que sua mente nutria. O motivo que levou Helga a convidá-lo parecia óbvio agora. Ele ainda podia ouvir o discurso que havia dado pra amiga. 

 

“Eu só quero mais que coisas singelas com você! Eu quero fazer parte da sua vida! Quero estar lá para colocar um sorriso no seu rosto todos os dias...quero….mais!”

 

Só de lembrar dessas palavras, Arnold sentiu o rosto arder e amassou o travesseiro em sua cara, em uma tentativa infrutífera de fugir de sua própria vergonha.

Será que Helga agora acharia que ele queria voltar com ela? Será que ela se sentia da mesma forma ou estava apenas com pena por ele ser tão patético?

 

Novamente, veio na cabeça de Arnold a noite que Helga dormiu em sua cama. Se ele se esforçasse, podia sentir ainda um pouco do cheiro de baunilha que ela havia deixado para trás. O cheiro imediatamente trouxe a sensação quente da mão dela segurando a sua. Da respiração suave dela perto dele, do sorriso dela, dos olhos esmeralda o encarando gentilmente. Dele se aproximando de rosto da amiga e de tocar os lábios dele na maciez dos lábios dela. 

 

Ele respirou fundo, tentando controlar os batimentos cardíacos acelerados que a lembrança lhe rendeu. Tudo parecia um sonho agora. Mas, mesmo que fosse, Arnold percebeu que anos de namoro com Lila não renderam um sonho tão conturbado e almejado quanto seus quinze minutos com Helga.

 

Sim, ele podia assumir isso agora sem nenhum tipo de censura. Ele desejava Helga. Ele desejava tocá-la, beijá-la, estar perto dela. E esse sentimento era forte e lhe pesava o peito. 

 

Porém, o que ainda o deixava confuso era fora do âmbito dos sonhos e desejos e dentro da realidade. Ele não conseguia esquecer que, apesar de todos os esforços dele, e de Helga amá-lo como dizia amar, ela o deixou fora de sua vida. E isso o magoava. A ideia dele acordar uma manhã e descobrir que Helga fugiu dele ao invés de procurá-lo e deixar ajudá-la, era insuportável. Ele não queria passar por isso de novo.

 

Por isso, durante o caminho para escola, Arnold decidiu como a tarde com Helga seria. Eles seriam amigos. Sem mais confissões extrapoladas de sentimentos confusos e ambíguos. Helga era muito inconstante para sua saúde emocional e, por isso, concluiu assertivamente, era melhor manter uma distância segura.

 

— Preparados? 

 

A voz de Helga surgiu ao lado de Phoebe na entrada da escola. Arnold, do jeito mais despretensioso que conseguia, apenas respondeu:

 

— Com certeza! Só temos que achar o Gerald! - comentou após notar a falta do amigo.

 

— Ele vai se atrasar! A Kimberley parece que estava com febre ontem a noite, então ele ficou até tarde ajudando a cuidar dela! - respondeu Helga normalmente.

 

O fato de ter sido Helga a responder deixou Arnold confuso. Como ela sabia da rotina de Gerald? E por que ele não sabia? Arnold puxou seu celular e verificou todas as suas mensagens. Mas tirando pelo grupo da pensão - que já estava silenciado há muito tempo devido a quantidade de spam - não havia mais nenhuma. 

 

— Bom, vamos falar com todo mundo antes das aulas ou no intervalo? Que acha Phoebe?

 

— Acho o intervalo mais produtivo, Helga! As pessoas estarão comendo, e certamente, quando pessoas comem, tendem a estar mais calmas e mais abertas a conversas!

 

Helga ponderou.

 

— Com certeza, você tem razão! Meu humor fica péssimo quando estou com fome!

 

— Tenho álgebra agora,e você? - perguntou Phoebe para a amiga.

 

  A garota puxou seu caderno de anotações e olhou na contracapa.

 

— História! -  anunciou.– Hm, que pena! Te vejo mais tarde então! Até, Arnold! - despediu-se sem esperar a resposta do amigo.

 

O que não aconteceu. Durante toda a conversa os olhos de Arnold estavam enevoados, denunciando seus pensamentos distantes.

 

— Cabeça de bigorna? - chamou Helga.

 

Arnold então percebeu a mão de Helga passando pela frente do seu rosto.

 

— Eu? - rebateu confuso ao ver o gesto da amiga.

 

Helga riu.

 

— Claro que é você! Arnold, eu juro, vamos ter que impedir de você andar na rua se continuar assim! Você pode tropeçar em alguém ou bater a cabeça em algum poste, sei lá!

 

Arnold passou a mão no cabelo sem graça.

 

— Pra onde você vai agora? - perguntou a amiga.

 

— Han...Geografia!  - respondeu.

 

Helga suspirou.

 

— Que pena! Bom, nos vemos no intervalo? 

 

— Claro!

 

Quando Helga estava prestes a sair, Arnold tomou coragem e perguntou:

 

— Hey...sobre o Gerald...como você sabia?

 

A garota olhou para Arnold um pouco confusa, mas após alguns segundos entendeu a pergunta que ele havia lhe feito.

 

— Ah, ele me ligou ontem a noite!

 

A resposta de Helga não ajudou a responder a pergunta de Arnold. Pelo contrário, levantou uma série de outras perguntas. Por que Gerald havia ligado para Helga? Sobre o que eles conversaram? Por quanto tempo eles conversaram? Por que isso o incomodava?

 

Mas antes que Arnold pudesse externar qualquer uma dessas perguntas, Helga já havia ido para sua aula. E Arnold notou, não só pela ausência da amiga, mas também pelos corredores vazios, que o sino já havia tocado e ele estava atrasado. Apressado, ele correu para sua sala. 



Durante o intervalo, Gerald já havia chego a escola e se juntado a Arnold e as garotas.

 

— Eu juro, vocês tem muita sorte por não ter uma irmã menor! - reclamou Gerald enquanto esfregava os olhos, mostrando que aquela havia sido uma noite mal dormida. 

 

— No caso, eu sou a irmã menor, então não posso reclamar! - respondeu Helga.

 

— Nesse caso, sinto pena da sua irmã, Helga! Aguentar você não deve ter sido fácil! - provocou Gerald, embora o tom de brincadeira fosse visível em sua voz.

 

— Hey, eu fiz o que pude pra me livrar! Que culpa eu tenho se eu sou tão adorável que ela não pode me largar?! - rebateu a garota arrancando risos de Gerald e Phoebe.

 

Arnold não pode deixar de notar a interação amigável demonstrada pelos dois. Era uma cena curiosa, parando pra pensar. Gerald nunca demonstrou nenhuma vontade de ser amigo de Helga no passado, muito pelo contrário. Inclusive, Arnold conseguia se recordar de todas as vezes que Gerald o aconselhava a não se aproximar de Helga antes deles irem para San Lorenzo. Quando Helga desapareceu, Gerald o consolou dizendo que era melhor, que Helga tinha problemas demais para ele. 

 

— Certo, Rhonda é a primeira da lista! - foi a fala de Phoebe que trouxe Arnold de volta para a realidade.

 

— Eu falo com ela! - Helga foi a primeira a se voluntariar.

 

— Certo, eu vou falar com Eugene! - disse Gerald - E você? - perguntou dirigindo-se a Phoebe, o que foi uma surpresa para a garota.

 

— Eu….bom, posso falar com Stinky e Sid…- respondeu levemente sem graça e confusa. 

 

Para Arnold, a atitude do amigo também lhe surpreendeu. Gerald nunca se abriu sobre os acontecimentos com Phoebe, mas era sabido que os dois se ignoravam sempre que podiam. Gerald era capaz de conversar por horas em uma roda de amigos, sem nem sequer olhar em direção a Phoebe, quanto mais cumprimentá-la. Ao menos, era assim que tinha sido desde o desentendimento entre eles. 

 

— Um desfile de moda? - rebateu Rhonda após Helga lhe explicar tudo o que estava planejando.

 

— Isso! Phoebe me contou que você tem desenvolvido suas próprias roupas! E aposto que eu conseguiria fazer com que Olga desfilasse pra você! - respondeu seguindo as orientações de Phoebe, que já tinha deixado um roteiro exclusivo para cada um dos amigos.

 

— Olga Pataki usando minhas roupas!? - exclamou em êxtase -  Mas...ela aceitaria? Uma modelo internacional e atriz da Broadway em cartaz...deve estar com a agenda lotadíssima!

 

— Se você topar, eu faço esse sonho se tornar realidade! 

 

Rhonda mostrou-se hesitante por alguns segundos.

 

— Eu aceito, Helga! Mas apenas se sua irmã topar mesmo desfilar pra mim!

 

— Considere feito, princesa! - respondeu em tom provocativo enquanto dava uma piscadela para a amiga.

 

Do outro lado da cafeteria, Arnold conversava com Eugene, junto com Gerald.

— Claro, eu vou adorar participar! Tenho vários números prontos! - respondeu empolgado.

 

— Ótimo, Eugene! Sabia que podíamos contar com você! - Arnold falou empolgado.

 

— Vamos montar um grupo e jogar as informações lá! - avisou Gerald. - Valeu mesmo, Eugene!

 

Arnold e Gerald se afastaram da mesa onde Eugene e Shenna estavam e voltaram para seus lugares costumeiros.

 

— Foi tudo tão rápido! Achei que a gente ia ter que insistir mais! - confessou Arnold aliviado.

 

— Qual é, Arnold! É o Eugene! Ele sempre adorou se apresentar! Phoebe e Helga com certeza pegaram as mais difíceis para convencer!

 

— Por falar nisso, Gerald...o que aconteceu para falar com a Phoebe de forma tão...normal?

 

— Estamos trabalhando em um projeto juntos, não estamos?!

 Arnold pode perceber o tom ríspido com o qual Gerald havia respondido. Talvez esse fosse o jeito do amigo de dizer que não queria tocar no assunto. Arnold achou melhor mudar o rumo da conversa, e aproveitou para perguntar algo que já queria ter perguntado a um tempo:

 

— Helga comentou comigo que vocês se falaram ontem pelo telefone! - começou o garoto torcendo para que o amigo pegasse a dica e não o fizesse terminar a pergunta.

 

Gerald, porém, tomou uma atitude que Arnold jamais esperou que o amigo tomasse.

 

— Qual é? Virou minha babá agora? 

 

— Não é isso, Gerald! É que, sei lá...é tão estranho pra mim você e a Helga…- mas Gerald não permitiu que Arnold terminasse sua fala.

 

— O que, Arnold? Sermos amigos? Pra sua informação, eu engoli a Helga por muito tempo por sua causa! Então agora somos amigos e é isso! Eu não tenho que justificar ou explicar nada pra você!

 

E sem dizer mais uma palavra, Gerald saiu bufando da cafeteria. 



Durante todo o resto do dia, Arnold não encontrou com Gerald, mesmo procurando pelo amigo. Quando Phoebe e Helga voltaram e reuniram-se com ele, estranharam a ausência do amigo. Mas Arnold desconversou e conseguiu convencê-las que Gerald apenas tinha as coisas dele para fazer. 

 

Porém, o motivo de Gerald ter se zangado daquela forma não fazia sentido para Arnold. Não era como se ele estivesse censurando Gerald por nada, ele só estava puxando papo. Isso era natural entre amigos, até onde ele podia se lembrar. Tudo bem, o assunto Phoebe normalmente era um assunto quase que proibido. Entretanto, o assunto Helga sempre havia estado na mesa entre eles, mesmo antes do namoro. 

 

Arnold tinha algumas desconfianças, baseadas nos comentários de Gerald a respeito de Helga antes de saber que Helga era...bem, Helga.  Mas cada vez que esses pensamentos surgiam em sua cabeça, Arnold os afastava. Não ia tirar conclusões antes de conversar abertamente com o amigo. Mesmo não sabendo se um dia conseguiria isso. 

 

Ao final das aulas, Phoebe anunciou com orgulho que todos os candidatos haviam aceitado participar do projeto “Salve a P.S. 118”. E tanto Arnold quanto Helga, não podiam ter ficado mais felizes com a notícia.

 

— Sabe o que acontece agora? - perguntou Helga enquanto caminhava com Arnold em direção a casa da garota.

 

— O que? 

 

— Você vai me ajudar a selecionar as músicas pro show! 

 

Arnold sorriu.

 

— Tem certeza? Vai confiar em mim uma missão tão importante quanto essa? - brincou.

 

— Bom, até onde eu me lembro, você costumava ter bom gosto musical! - retrucou a garota.

 

E enquanto eles conversavam sobre Frank Sinatra, Ray Charles e Stevie Wonder, não perceberam que se aproximavam da casa antiga dos Patakis. 

 

Antiga era uma forma de dizer. Era lá que os Patakis moravam antes de seu sumiço repentino. Mas agora, era onde os Patakis ainda moravam depois de sua volta. Então, concluiu Arnold, era a antiga nova casa dos Patakis. 

 

— Ok, está pronto, Cabeça de Bigorna? - perguntou Helga parando bem na frente da porta.

 

Arnold ergueu uma das suas sobrancelhas, desconfiado.

 

— Você não tá fazendo muito drama, não? - perguntou.

 

Helga riu.

 

— Vou aceitar isso como um sim! - falou abrindo a porta.

 

Se a casa era mesma pelo lado de fora, do lado de dentro estava completamente diferente. Arnold lembrava-se muito pouco da casa da amiga, mas não precisava ter todos os detalhes cravados na sua cabeça para saber que os Patakis não tinham tantas plantas em casa e nem cristais pendurados no teto. A sala dos troféus, que era a única coisa vívida nas lembranças de Arnold, havia sumido completamente. Tudo agora estava mais...limpo e espaçoso.  Arnold não sabia bem dizer o porque, mas aquela mudança o agradava.

 

— Miriam, cheguei! - anunciou Helga enquanto Arnold ainda olhava em volta, tentando absorver toda as mudanças..

 

A mãe de Helga, Miriam, apareceu descendo as escadas, segurando uma mala de ginástica. Ela era ainda muito familiar para Arnold, com a exceção de algumas mechas brancas em seus cabelos. 

 

— Oh, seja bem vindo...ahn..Arnold? 

 

O garoto notou que Miriam lançou um olhar significativo para Helga, como quem esperava uma confirmação de que havia pronunciado o nome certo. Assim que Helga acenou afirmativamente com a cabeça, Miriam sorriu e continuou.

 

— Por favor, fique à vontade! A casa é sua!

 

— Obrigada, Sra. Pataki! - respondeu da forma mais gentil que conseguiu.

 

— Helga, eu vou pra aula de tango agora! Seu pai vai me buscar e de lá, vamos voltar para jantar!

 

Helga assentiu com a cabeça. 

 

— O jantar é por minha conta, ok? - avisou a garota para a mãe.

 

— Muito obrigada, querida! Vejo vocês mais tarde!

 

E despedindo-se apressada, saiu para  a aula. 

 

— Sua mãe...está menos...cansada! - Arnold tentou puxar assunto tentando parecer o menos inconveniente que conseguia.

 

Helga sorriu.

 

— É uma forma de dizer! - respondeu.- Vem, vamos pro quarto!

 

Arnold seguiu Helga pela escada e percebeu que a sala dos troféus não era a única coisa mudada na casa. O quarto de Helga ainda tinha um rosa predominante, mas agora, tinha uma decoração mais...intimista. Pequenas luzes cobrindo a parede, uma estante de livros, a maioria de poesias e contos. Mas o que mais chamou atenção de Arnold foi um quadro com diversas fotos. A maioria delas era de Helga com a turma da P.S 118 quando eles tinham nove anos. Tinha uma foto de Helga com Phoebe, uma foto de Helga como Julieta na escola - e Arnold sorriu ao se lembrar desse dia. Porém, Arnold viu uma foto que o intrigou. Helga, um pouco mais velha, devia ter seus catorze anos, ao lado de um homem adulto, por volta dos seus trinta. Mas o que mais chamou a atenção de Arnold, era que Helga estava visivelmente sem graça perto dele. Parecia tímida e envergonhada.

 

— Era meu professor particular! - falou Helga após perceber onde os olhos de Arnold repousavam. - O nome dele era Albie...ou, Sr. Alberto! Mas eu chamava de Albie! - falou acrescentando um sorriso ao final.

 

— Ele parece...legal! - falou Arnold sentindo um incômodo crescer nele de novo. 

 

— Ele era! - concordou - Até terminar comigo porque eu era nova demais!

 

Arnold levou um tempo para digerir as palavras de Helga, mas quando o fez, não conteve seu espanto.

 

— Espera, vocês namoraram?! 

 

— É...por uns dois meses mais ou menos! Mas daí eu voltei pra cá e ele...meio que voltou com a noiva dele!

 

Agora já era informação demais para Arnold processar sozinho.

 

— Helga, espera...noiva? Não, não! Isso não é importante...tipo...isso não é crime? Você e ele! Quer dizer, ele era muito mais velho que você!

 

— Calma, Arnoldo!  Não precisa ficar tão exasperado assim! Não tivemos nada demais!

 

Arnold encarou a amiga por algum tempo, e Helga entendeu bem o que ele queria:

 

— Ok, o que aconteceu foi, eu me encantei pelo professor! Prenda-me, mas eu não conheço uma garota que não tenha tido uma paixonite por algum professor antes! Você mesmo teve!

 

— Paixonite é ok! O problema é chegar a vias de fato! - retrucou.

 

— Certo, certo! Mas foi super inocente, eu juro! Bem mais do que nosso namoro, e a gente só tinha nove anos!  - rebateu a garota colocando uma certa malícia na última frase. - Albie e eu trocamos selinhos e só! 

 

Arnold não pode deixar de ficar levemente sem graça pela menção ao namoro deles. De fato, ele e Helga costumavam se beijar com certa constância, o que não era muito comum para a idade deles. 

 

— Eu não sei...é estranho pra mim! - confessou após um tempo.

 

Arnold pode sentir o olhar de Helga sobre ele. Era como se ela o estivesse observando e analisando cada movimento dele. 

 

— Por que? - foi o que ela disse após um tempo - Por que isso te incomoda?

 

— Eu...não sei direito! - mentiu. Ele sabia, mas não queria assumir nem pra ele mesmo, que dirá pra Helga.

Helga se aproximou, para desespero de Arnold, perto demais. Mas parou um pouco antes de atingir o limite normal de distanciamento.

 

— Se você me contar, eu te conto um segredo...- sussurrou.

Ele ponderou a respeito. De fato, ele estava curioso e queria saber tudo o que tinha acontecido na vida de Helga enquanto ela estava fora. Por outro lado, algo o impedia de pensar claramente sobre seus sentimentos de incômodo. Não era só com esse tal de Albie. Gerald também. Toda vez que Gerald se aproximava ou mostrava ter algum tipo de intimidade com Helga, ele sentia esse incômodo. Agora, saber que, de fato, outra pessoa fora ele tinha estado no coração de Helga, esse incômodo era muito maior e...mais devastador. Não era como se ele tivesse qualquer direito sobre isso. Afinal de contas, ele também seguiu em frente e namorou a Lila. E mesmo que não tivesse namorado outra pessoa, Arnold concluiu, Helga não lhe pertencia. Ela podia namorar e se apaixonar por quantas pessoas quisesse. 

 

Embora esse pensamento lhe cause certa tristeza.

 

— Helga...olha, você tem o direito de ficar e namorar com quem quiser...

 

— Mas isso não significa que você vá gostar! - respondeu na mesma hora. O que pegou Arnold de surpresa.

 

— Eu não tenho que gostar ou deixar de gostar…

 

Helga revirou os olhos, levemente irritada.

 

— Sim, essa é a resposta certa! A vida é minha e blá,blá,blá!  - o garoto percebeu o tom agressivo na voz da amiga -  Mas o que você sente de verdade, Arnold? Saber que eu estou namorando outra pessoa...você vai gostar disso?

 

Arnold estava confuso sobre onde Helga queria chegar com aquela conversa. Mas acabou cedendo a pergunta da amiga.

 

— Não, não iria gostar…- respondeu da forma mais tranquila possível.

 

Aparentemente, nem Helga esperava por aquela resposta, já que ela não soube o que dizer. Os dois ficaram um tempo em silêncio até Helga pegar o violão e começar a afiná-lo.

 

— Eu prometi que te contaria um segredo, não foi? - começou.

 

Arnold apenas assentiu. Decidiu que ficar em silêncio seria o melhor a fazer no momento.

 

— O motivo que me levou a me apaixonar pelo Albie...é que ele me lembrava terrivelmente de você! Ele era gentil, tinha os olhos verdes muito parecidos com os seus e, a primeira coisa que me disse, foi que havia gostado do meu laço rosa!– Essa é a primeira música que escrevi assim que aprendi a tocar violão! - continuou e Arnold pode perceber os olhos dela lacrimejando. - Quem sabe você aprova…

 

Helga respirou fundo, e depois de bater delicadamente o tempo da música no tampo do violão, começou a cantar:  (a música pra quem quiser acompanhar: https://www.youtube.com/watch?v=aLVlS-mHQbw )




All my bags are packed, I'm ready to go

I'm standin' here outside your door

I hate to wake you up to say goodbye

But the dawn is breakin', it's early morn

The taxi's waitin', he's blowin' his horn

Already I'm so lonesome I could die

 

(Todas as minhas bolsas estão arrumadas, 

estou pronto para ir,

Estou parado aqui no lado de fora da sua porta.
Eu odeio acordar você para dizer adeus,
Mas a aurora está rompendo, é manhã cedo.
O táxi está esperando, sua buzina ele está tocando,
Já estou tão deprimido que podia morrer.)

 

So kiss me and smile for me

Tell me that you'll wait for me

Hold me like you'll never let me go

'Cause I'm leaving on a jet plane

I don't know when I'll be back again

Oh, babe, I hate to go

I'm ...

 

(Então beije-me e sorria para mim,

Diga-me que você esperará por mim,
Segure-me como se você nunca fosse me deixar ir.
Pois estou partindo num avião a jato,
Não sei quando estarei de volta outra vez;
Oh querido, eu odeio partir)

 

There's so many times I've let you down

So many times I've played around

I'll tell you now, they don't mean a thing

Every place I go, I think of you

Every song I sing, I sing for you

When I come back I'll bring your wedding ring

 

(Tem tantas vezes que te decepcionei,

Tantas vezes que brinquei por aí,
Eu te digo agora, eles não significam nada.
Em todo lugar que for, eu pensarei em você,
Toda canção que cantar, eu cantarei para você;
Quando eu voltar, trarei seu anel de casamento.)

 

So kiss me and smile for me

Tell me that you'll wait for me

Hold me like you'll never let me go

'Cause I'm leaving on a jet plane

I don't know when I'll be back again

Oh, babe, I hate to go

 

(Então beije-me e sorria para mim,

Diga-me que você esperará por mim,
Segure-me como se você nunca fosse me deixar ir.
Pois estou partindo num avião a jato,
Não sei quando estarei de volta outra vez;
Oh querido, eu odeio partir)

 

Now the time has come to leave you

One more time, oh, let me kiss you

And close your eyes and I'll be on my way

Dream about the days to come

When I won't have to leave alone

About the times that I won't have to say …

 

(Agora chegou a hora de te deixar;

Mas uma vez deixe-me beijar você,
Então feche seus olhos, estarei a caminho.
Sonhe com os dias que virão
Quando eu não terei de partir sozinho,
[Sonhe] com os momentos em que não terei de dizer:)

 

Oh, kiss me and smile for me

Tell me that you'll wait for me

Hold me like you'll never let me go

'Cause I'm leaving on a jet plane

I don't know when I'll be back again

Oh, babe, I hate to go

And I'm leaving on a jet plane

I don't know when I'll be back again

Oh, babe, I hate to go

But I'm leaving on a jet plane

(Ah ah ah ah)

Leaving on a jet plane

 

(Então beije-me e sorria para mim,

Diga-me que você esperará por mim,
Segure-me como se você nunca fosse me deixar ir.
Pois estou partindo num avião a jato,
Não sei quando estarei de volta outra vez;
Oh querido, eu odeio partir
Mas estou indo embora num avião a jato)

 

Quando Helga tocou o último acorde, o silêncio voltou para o quarto. Arnold a encarava, mas nenhuma palavra saía de seus lábios.

 

— Então...acha que podemos apresentá-la no show? - perguntou Helga tentando amenizar o ambiente.

 

Arnold passou os últimos dias ponderando cada atitude que deveria tomar diante de Helga. E mesmo naquela manhã, ele havia chego a uma conclusão racional a respeito do assunto. Uma conclusão que protegeria ele e Helga de um provável relacionamento fadado ao fracasso e ao sofrimento. Mas naquele momento, nenhuma dessas resoluções fazia sentido. 

 

— Não, não vamos apresentá-la no show! - falou Arnold tão assertivo que espantou Helga.

 

— Bom, eu sei que ela não é tão boa...foi minha primeira…

 

— Não é isso! - cortou Arnold abruptamente.

 

Ele se aproximou de Helga e retirou gentilmente o violão das mãos dela. Sabendo quão precioso era aquele objeto, ele o depositou no chão ao lado deles. Arnold voltou suas mãos para segurar as mãos de Helga. Com o olhar fixo nos olhos dela, o garoto continuou:

 

— A música é maravilhosa! É  linda! Tão linda, que eu a quero só pra mim...pelo menos, por enquanto, você...deixa ela ser só minha?

 

Helga sorriu gentilmente.

 

— Arnold, essa música sempre foi só sua! - esclareceu.

 

Aquela era a gota d´ água para Arnold. Ele não ia mais lutar contra aquilo que ele mais desejava. O que ele desejou por seis anos. De forma suave, ele se aproximou de Helga, depositando um beijo gentil nos lábios da garota. Um beijo tranquilo que,aos poucos, deixou aflorar todo o desejo e paixão que existia entre os dois.  Quando afastaram as bocas para pegarem um pouco de ar, Arnold instintivamente foi para o pescoço de Helga. A atitude dele levou a garota a abraçá-lo para mais perto dela e passar suas mãos pela nuca dele. Eles retomaram o beijo com mais fervor, como se cada segundo em que suas bocas não estivessem se encostando, era um tempo perdido.  

 

As mãos de Arnold passeavam pelas costas sob a blusa de Helga. Enquanto ela deslizava os dedos pelo tórax de Arnold.  Os dois estavam sendo tomados por um desejo há muito contido, e só perceberam que estavam perto de cruzar uma linha quando ouviram a porta da frente abrir.

 

Helga e Arnold se separaram imediatamente. Helga arrumava o cabelo e tentava ajeitar a roupa amassada. Arnold, por sua vez, tentava recuperar seu ar enquanto buscava normalizar seu batimento cardíaco e fazer o sangue voltar pro lugar certo.

 

— Helga, chegamos! - avisou Miriam do hall de entrada.

 

— Estamos descendo! - gritou a garota de volta.

 

Helga olhou para Arnold, como que perguntando se ele estava pronto. Arnold assentiu e os dois desceram para se reunir com os pais da garota.

 

Quando Helga disse que o jantar seria por sua conta, Arnold devia ter adivinhado que a amiga estava se referindo a pagar pela pizza. Helga nunca havia sido cozinheira e nem sequer curtia a atividade. Ao contrário de Arnold, que adorava cozinhar e aprendeu diversos pratos com sua avó e seus pais. 

 

— Acredite quando eu digo que Hillwood tem a melhor pizza! - falou para Arnold enquanto pegava as caixas com o entregador. 

 

— Você está exagerando! A pizza do, como era mesmo o nome dele Miriam? Billy? Bill? 

 

— Acho que era Beto, Bob! - respondeu Miriam enquanto terminava de por a mesa.

 

— Isso, Beto! A pizza dele era ótima! 

 

— É, se você gosta de papelão com queijo, era realmente muito boa! 

 

A resposta de Helga arrancou risadas de Miriam e Arnold, que apesar de não ter provado a tal pizza, achou a comparação da Helga muito engraçada.

 

Arnold nunca conheceu os bastidores da família de Helga, mas pelo que lembrava da amiga contando e, comparando com a forma como via o tratamento entre eles agora, realmente, pareciam mais harmoniosos. 

 

A noite com os pais de Helga tinha sido mais tranquila do que Arnold planejava. Em vários pontos, foi inclusive divertida. Big Bob ainda tinha uma postura ranzinza, mas agora, suas histórias pareciam mais leves e engraçadas. Miriam, por outro lado, era sempre gentil e prestava mais atenção nas coisas ao redor. 

 

Como Helga pagou pelo jantar, Arnold achou que a melhor forma de retribuir era ajudar com a louça. Assim que o jantar acabou, Big Bob e Miriam foram assistir sua novela. Helga confessou a Arnold que assistir novelas juntos era o momento deles. Por isso, enquanto Arnold lavava a louça, Helga secava e guardava os pratos no armário.

 

— Lembra quando fomos jantar no Chez Paris? - perguntou Arnold.

 

— Você tem que trazer meus piores momentos a tona? - rebateu Helga depositando mais um prato na pilha do armário.

 

Arnold riu.

 

— Eu me diverti! Principalmente no final!

 

— Deixa eu ver se entendi - começou Helga com seu tom provocativo usual - Nós jantamos num restaurante cinco estrelas, comemos os mais diversos pratos feitos por chef renomados...e sua parte favorita foi lavar a louça?

 

— Você pode zombar de mim a vontade! Mas sim, foi! 

 

Helga olhou para Arnold e sorriu. Arnold não sabia o que aquele sorriso significava, mas gostou de saber que era pra ele.

 

— Eu gostei de lavar louça com você! Era algo tão ordinário e comum, mas com você, até isso era divertido! 

 

— A gente lembra desse dia de formas bem diferentes…- Helga se pronunciou após um tempo - Mas bom, eu só fiz aquilo pra impressionar você….então estou feliz que deu certo! 

 

Quando a louça finalmente terminou, Arnold anunciou sua saída e as despedidas começaram.

 

— Venha qualquer dia, Alfred! - falou Big Bob com o maior sorriso no rosto.

 

— É Arnold, querido! - corrigiu Miriam - Mas sim, venha sempre que quiser! - incluiu de forma gentil.

 

Arnold agradeceu e prometeu que viria sempre que pudesse. 

 

Assim que as despedidas terminaram, Helga acompanhou Arnold até a porta, e os dois sentaram um tempo na escada. 

 

— Bom, sobreviveu! - começou Helga.

 

— Não foi nem de perto ruim! - protestou Arnold - eu disse que você tava fazendo muito drama!

 

Helga deu de ombros.

 

— Não dá pra culpar uma garota por seus traumas! - defendeu- se.

 

Arnold sorriu e concordou.

 

Novamente, um momento de silêncio. E como quase sempre entre eles, era o momento em que eles mais tinham coisas para dizer. 

 

— Helga...eu acho que a gente…- mas parou. Como ele ia começar esse assunto?

 

— ...que a gente devia conversar...sim, devemos! - complementou a garota. Arnold apenas assentiu.

 

— Olha Arnold, eu vou tentar não me extrapolar e ser bem clara com meus sentimentos, e depois, você faz o que quiser com as informações que eu te der, pode ser? 

 

Helga parecia decidida, mas traços de insegurança apareciam em seus trejeitos e na sua voz. 

 

— Eu não tinha nenhuma pretensão em relação a você quando voltei pra Hillwood! Eu queria te ver de novo, claro! Queria te ver, saber de você, nem que fosse a distância! Nunca achei que você iria querer olhar na minha cara de novo...mas óbvio...você continua sendo a pessoa mais generosa que já conheci...então...claro que você me tratou como sua amiga, mesmo eu tendo te magoado!

 

Ela deu uma pausa, mas Arnold sabia que ela ainda não havia acabado de falar. Provavelmente, só estava pensando em como externar a próxima fala.

 

— A verdade, Arnold, é que eu amo você! Mas quando eu pude demonstrar todo o amor que eu sentia, eu não sabia como amar! Eu não sabia como amar e nem como ser amada...Você estava certo, você merecia muito….mais! Eu menti pra mim mesma dizendo que estava protegendo você, mas eu estava me protegendo! Eu não queria...que você me rejeitasse e se eu colocasse você dentro da minha vida eu temia que duas coisas acontecessem: que você fosse embora porque acharia tudo muito difícil de lidar, ou que eu magoasse você porque eu acharia tudo muito difícil de lidar! No final...acabou sendo a segunda opção…

 

A voz dela já estava embargada, e Arnold suspeitou, pela forma como Helga passava as mãos pelo rosto, que algumas lágrimas caiam do rosto dela. Apesar de estar escuro demais para confirmar.

 

— Hoje, talvez eu saiba amar você e aceitar seu amor...mas...eu não posso te dar nenhuma segurança disso! Eu vou errar, eu vou provavelmente cometer os erros mais bobos do mundo e posso te magoar de novo! Eu não quero mais confundir sua cabeça, então eu preciso ser sincera em relação a isso! Eu vou super entender se você quiser que sejamos apenas amigos, de verdade! Eu já ficaria feliz apenas com isso, porque nem isso eu achei que teria! Eu te amo há doze anos, Arnold, e a essa altura, eu duvido que eu vá deixar de te amar! Não importa o que aconteça, você sempre vai ser meu amado Cabeça de Bigorna!

 

Antes que Arnold conseguisse processar tudo o que ouviu e dar uma resposta, Helga se manifestou de novo.

 

— Pronto, eu falei tudo! Me desculpa se foi meio...jogado! Eu vou entrar agora, Arnold, se um dia quiser falar sobre isso, só avisar! Se não quiser falar sobre isso, tá tudo bem e tudo será como é agora!

 

E sem que Arnold pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, Helga saiu e fechou a porta. Arnold ainda ficou mais algum tempo sentado naquela escada até reaprender a andar e poder voltar pra pensão.





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